Em 2024 completou-se o bicentenário da promulgação da primeira constituição brasileira, as vezes referida como constituição imperial, já que ela instituiu legalmente as bases do Império do Brasil iniciado em 1822. O presente texto comentou um pouco a respeito da história por trás dessa constituição e algumas características mais marcantes nela. Além disso, no final da postagem segue o link para a constituição, permitindo ao leitor poder lê-la integralmente.
Frontispício da Constituição de 1824. |
Introdução
Na data de 3 de maio de 1823 teve início na cidade do Rio de Janeiro a Assembleia Constituinte, presidida pelo capelão-mor José Caetano da Silva Coutinho (1768-1833), um dos apoiadores do processo de independência e conselheiro de confiança de D. Pedro I. Assim, Coutinho dirigia os conselheiros escolhidos nas quatorze províncias até então existentes, incumbidos de redigir e votar os termos da constituição brasileira.
O processo de feitura da constituição estendendo-se por meses gerando várias desavenças e o surgimento de três facções: os Bonifácios, liderado pelos irmãos Bonifácios, defendendo um governo monárquico centralizado, mas liberal economicamente, incluindo cogitar a abolição da escravidão e uma reforma agrária. O "Portugueses", formado por portugueses que apoiaram Pedro I, defendendo uma monarquia absolutista. Por fim, tínhamos os Liberais, os quais defendiam uma monarquia parlamentarista aos moldes da britânica, embora alguns fossem a favor da república. (LUSTOSA, 2007).
Os três grupos geravam atritos entre si e isso perdurou por meses, se agravando. Inclusive Pedro I se desentendeu com José Bonifácio, seu ex-aliado. Condição essa que em novembro os ânimos da constituinte já estavam a flor da pele e corriam boatos de que os Bonifácios e alguns membros dos Liberais, eram solidários a restringir a autoridade do monarca, além de outras medidas também. Assim, no dia 12 de novembro de 1823, Pedro I ordenou a invasão da assembleia, a prisão de alguns dos membros e a suspensão da constituinte. Aquela noite ficou conhecida como "Noite da Agonia". (LIMA, 1989).
Dias depois, abaixado a poeira do ato autoritário do imperador, Pedro I ordenou que a assembleia retomasse seus trabalhos, dessa os conselheiros deveriam focar em redigir uma carta magna que fosse do agrado do monarca. Assim, o novo projeto inspirou-se em outras constituições como a francesa, adotando ideias acerca da cidadania, liberalismo e funcionamento dos Três Poderes; das constituições portuguesa, espanhola e dinamarquesa, mantendo as características da monarquia centralizadora, hereditária e católica. A democracia escolhida era de caráter representativo e indireto, havendo eleições restritas. O serviço militar era obrigatório, o sistema de tribunais era bastante elaborado (pelo menos no papel); os direitos a cidadania eram bem amplos; a organização administrativa era bem estruturada. Assim, a constituição finalizada era dividida em oito títulos, possuindo 179 artigos no total. (BONAVIDES, 1999).
Assim, houve uma votação final para os conselheiros deliberar alguma alteração, ninguém se manifestou, então a constituição foi aprovada com unanimidade, e no dia 25 de março de 1824 o imperador D. Pedro, a imperatriz. D. Leopoldina, entre outros membros da corte e ministros participaram da cerimônia solene na assembleia e depois assistiram uma missa solene em homenagem a aprovação da constituição brasileira. (REZUTTI, 2015).
Além dessas características, a constituição manteve o sistema escravocrata, o vínculo entre Estado e Igreja, embora ela informasse que haveria "liberdade de culto", na prática essa era restrita ao espaço doméstico. Outras religiões eram proibidas de terem templos no país e se manifestarem publicamente. Em 1834 uma pequena reforma constitucional extinguiu o Conselho de Estado e concedeu maior autonomia para as assembleias provincianas poderem legislarem. No geral, a constituição de 1824 se mostrou bastante positiva em vários aspectos. (REZUTTI, 2015).
Monarquia centralizadora
O projeto constitucional de 1823 previa uma monarquia parlamentarista de cunho mais liberal, isso aos moldes da monarquia britânica, adotando algumas ideias do seu sistema parlamentar, ideias do liberalismo de John Locke, e até colocar um primeiro-ministro como representante de Estado, tornando o imperador uma figura mais simbólica. Embora que alguns membros da constituintes fossem adeptos de uma república. Independente disso, D. Pedro I não gostou de tais ideias e encerrou a constituinte naquele ano, ordenando vais trechos do projeto constitucional fossem reescritos.
Dessa forma a constituição de 1824 assegurava uma monarquia com direito a um Senado e Câmara, adotando a divisão dos três poderes, porém, não incluiu alguns preceitos liberais desejados anteriormente, além de definir os parâmetros para uma monarquia hereditária de governo centralizado e concedendo ao imperador poder superior de controle, o chamado poder moderador.
Poder moderador: a intervenção do imperador
A constituição em seu título 3o informa que o sistema da divisão dos três poderes como proposto por Montesquieu no século XVIII, seria adotado. Porém, além dos poderes do Executivo, Legislativo e Judiciário, haveria um quarto poder de atribuição específica do monarca. Esse era chamado de poder moderador, que concedia a autoridade e direito de intervenção e veto ao soberano. Somente a existência desse poder mantinha o legado absolutista da monarquia portuguesa.
O artigo 98 descreve o Poder Moderador como a "chave da organização política", sendo de estrito uso do monarca, chefe supremo da nação brasileira. O poder moderador tem a função de "gerar equilíbrio" nos demais poderes políticos. Sobre os usos do poder moderador, o artigo 101 listava o seguinte:
- I. Nomeando os Senadores, na forma do Art. 43.
- II. Convocando a Assembleia Geral extraordinariamente nos intervalos das Sessões, quando assim o pede o bem do Império.
- III. Sancionando os Decretos, e Resoluções da Assembleia Geral, para que tenham força de Lei: Art. 62.
- IV. Aprovando, e suspendendo interinamente as Resoluções dos Conselhos Provinciais: Arts. 86 e 87.
- V. Prorrogando, ou adiando a Assembleia Geral, e dissolvendo a Câmara dos Deputados, nos casos, em que o exigir a salvação do Estado; convocando imediatamente outra, que a substitua.
- VI. Nomeando e demitindo livremente os Ministros de Estado.
- VII. Suspendendo os Magistrados nos casos do Art. 154.
- VIII. Perdoando e moderando as penas impostas e os réus condenados por sentença.
- IX. Concedendo anistia em caso urgente, e que assim aconselhem a humanidade, e bem do Estado.
Eleições restritas
Uma das características da Constituição de 1824 é que não se tratava de uma constituição democrática, pois na prática somente uma pequena parcela da população brasileira detinha o direito de votar e de se candidatar a alguns cargos públicos.
O capítulo VI é dedicado a falar das eleições. Sobre isso o artigo 92 lista os motivos pelos quais um cidadão brasileiro deve estar apto para votar. Neste caso a lei informa que está apto para votar os homens maiores de 21 anos que foram casados, militares, bacharéis ou clérigos. No caso dos homens solteiros, o direito ao voto é a partir dos 25 anos. Entretanto, não era apenas o fator da idade que pesava na hora de poder votar, o fator mais importante era o financeiro. O mesmo artigo aponta que os eleitores aptos são aqueles que possuam renda anual de 100 mil contos de réis.
Sendo assim, pela prerrogativa constitucional, os pobres não teriam o direito de voto. Além disso, mulheres não detinham esse direito também. O voto feminino somente foi aprovado no Brasil em 1932. Mais de um século depois. Inclui-se na categoria de pobres os brancos, mestiços, indígenas, libertos (ex-escravos). Esses que compunham grande parte da população imperial brasileira estavam fora do sistema eleitoral. Não podiam votar, muito menos serem candidatos.
Além disso, as eleições eram divididas de outra forma. Por exemplo, as eleições paroquiais seguia-se a recomendação anterior dos 21 anos e dos 25 anos, mais a renda de 100 mil contos de réis. Porém, as eleições para se escolher os deputados, senadores e conselheiros requisitava renda de 200 mil contos de réis. O cargo de governador (presidente de província) era escolhido pelo monarca, por sua vez, o governador nomeava prefeitos.
Esse fator de renda é ainda mais perceptível no direito de se candidatar. O artigo 95 estipula que para se candidatar ao cargo de deputado, o indivíduo deveria ter renda anual de 400 mil contos de réis, não poderia ser estrangeiro naturalizado e deveria ser católico. Já o cargo de senador, o artigo 45, informa que se requisitava idade mínima de 40 anos, ser instruído e ter prestado serviços à pátria (de preferência), ter renda anual de 800 mil contos de réis. Só o fato financeiro restringia o cargo de deputado as elites.
Referências bibliográficas
BONAVIDES, Paulo. História Constitucional do Brasil. 3a ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1991.
LIMA, Manuel de Oliveira. O império brasileiro. São Paulo, Editora da USP, 1989.
LUSTOSA, Isabel. D. Pedro I. São Paulo, Companhia das Letras, 2007.
REZZUTTI, Paulo. D. Pedro, a história não contada. Rio de Janeiro, LeYa, 2015.
Links relacionados
200 anos da Noite da Agonia: a dissolução da Primeira Assembleia Constituinte Brasileira
200 anos da Independência do Brasil
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