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Leandro Vilar

domingo, 28 de abril de 2024

Balduíno IV, o rei leproso

Balduíno IV foi um dos monarcas que governou o Reino de Jerusalém fundado durante a Primeira Cruzada (1096-1099). Apesar de seu governo curto devido a hanseníase que o vitimou aos 24 anos, ainda assim, Balduíno tratou de evitar que Jerusalém fosse conquistada pelo sultão Saladino, mostrando-se um entrave para o Império Seljúcida por alguns anos. Por conta disso, Balduíno IV se popularizou mais tardiamente na história, até considerado um herói de do período das Cruzadas.

Pintura representando o rei Balduíno IV de Jerusalém. 

Antecedentes

O Reino de Jerusalém (1099-1231) foi um Estado cristão situado hoje em terras de Israel, sul da Síria, oeste da Cisjordânia, além de englobar a Palestina, fazendo fronteira com o Egito e a Arábia. Esse reino foi fundado no ano de 1099 pelo conde franco Godofredo de Bulhão (1058-1100), importante liderança na Cruzada. Na época ele recusou o título de rei, embora fosse governante daquele território. Godofredo passou parte do ano de 1100 em campanha contra os seljúdicidas e o sultão de Damasco, além de confrontar conspirações e traições que pretendiam controlar Jerusalém. Faleceu de causas indeterminadas em Jerusalém. (RUNCIMAN, 1978)

O Reino de Jerusalém e Estados vizinhos em 1035, durante o governo da rainha Melisenda de Jerusalém (1131-1153).

O reino passou para seu irmão o conde Balduíno de Bolonha (c. 1058-1118), o qual tratou de assegurar as fronteiras do novo reino, confrontando tropas do Emirado Fatímida no Egito e do Califado Abássida, cuja capital era Bagdá, mas anteriormente controlava a Terra Santa, e ambicionava recuperar aquele território. Além disso, outras terras que pertenciam ao califado na Síria e na Ásia Menor (atual Turquia) também foram perdidas para os cruzados. Além disso, Balduíno também teve que lidar com conspirações promovidas por outros nobres e o Patriarca de Jerusalém, Dagoberto de Pisa(RUNCIMAN, 1978)

Em 18 anos de reinado, Balduíno I conseguiu formalizar as fronteiras do Reino de Jerusalém que foram mantidas nas décadas seguintes, embora tenha fracassado em conquistar o Egito, apesar de ter invadido o norte do país. Ele foi sucedido por seu primo que assumiu como Balduíno II (c. 1075-1131). O qual ainda manteve a estabilidade no reino, embora que com sua morte, sua filha Melisenda (1105-1161) assumiu o trono, vindo a casar-se com um comandante cruzado chamado Fulque (1089-1142), que se tornou o novo rei. (RUNCIMAN, 1978)

Entretanto, Fulque acabou falecendo em 1042, deixando Melisenda com dois filhos pequenos. Em 1044 o Condado de Edessa, um território cruzado foi perdido para os turcos, o que levou o papado e os reis cristãos a convocarem outra cruzada, originando a Segunda Cruzada (1147-1150), com a missão de evitar que mais territórios cristãos fossem perdidos, além de até ampliar os domínios cruzados na Terra Santa. (HAMILTON, 2000). 

Na época que a Segunda Cruzada ocorreu, o então rei de Jerusalém era Balduíno III (1130-1162), na época, com seus dezessete anos, e contando com a regência de sua mãe. O jovem rei cooperou na cruzada, que acabou fracassando em conquistar Damasco e recuperar Edessa e outros territórios. Além dessas derrotas militares, atritos entre o monarca e sua mãe cresceram em 1150, a ponto de ele brigar com ela e se auto-proclamar rei, já que oficialmente ele vivia tutelado por ela. Mais tarde mãe e filho fizeram as pazes, e Balduíno III seguiu como um rei guerreiro promovendo campanhas militares para assegurar seu reino e tentar conquistar o Egito. Além disso, ele foi referido como um monarca justo, culto e cordial, considerado um dos melhores reis daquele reino. (HAMILTON, 2000). 

O herdeiro de Balduíno III faleceu ainda bebê, havendo suspeitas de envenenamento. Assim, o trono foi sucedido por seu irmão Amalrico I (1136-1171), o qual retomou as campanhas ao Egito, além de fazer alianças com os bizantinos, chegando-se a casar com uma princesa bizantina chamada Maria Comnena, assim como, seu irmão havia feito também. Maria foi sua segunda esposa. Com o apoio dos bizantinos, Amalrico retomou a campanha ao Egito em 1169 onde conheceu um novo grande inimigo, Saladino (c. 1138-1193). (RUNCIMAN, 1978)

Saladino era parente do vizir egípcio e passou a liderar as defesas do emirado para expulsar os cruzados e os bizantinos obtendo êxito. Em retaliação, ele invadiu o sul do Reino de Jerusalém em 1170. A partir de então, Saladino iniciaria duas décadas de campanhas contra os cruzados, tornando-se um dos maiores inimigos que eles já tinha enfrentado. 

O jovem rei

Amalrico I passou os quatro anos seguintes protegendo Jerusalém contra as investidas de Noradine, antigo inimigo de seu irmão, além das campanhas promovidas agora por Saladino. Em 1174 o monarca cristão adoeceu gravemente e faleceu naquele ano, o trono seria herdado por seu jovem filho Balduíno IV (1161-1185), na época com seus 13 anos de idade. 

Balduíno IV era filho de Amalrico com sua primeira esposa, Inês de Courtney, a qual também foi mãe de Sibila de Anjou. Na prática Amalrico nunca amou Inês tendo casado por obrigação em 1157, mas se divorciado em 1162, mais tarde casou-se com a princesa bizantina Maria Comnena que lhe deu uma filha chamada Isabela. Logo, por ser o único filho varão de Amalrico, apesar de jovem, Balduíno IV assumiu o reino num momento problemático para a história de Jerusalém. A influência e poderio de Saladino tinham crescido significativamente nesses últimos anos. (HAMILTON, 2000). 

Balduíno IV foi educado pelo historiador Guilherme de Tiro, que inclusive era arquidiácono e conselheiro de seu pai e avô. Foi Guilherme quem diagnosticou Balduíno tendo hanseníase (lepra). Se desconhece como o príncipe pegou a doença, já que ela é causada pela bactéria Mycobacterium leprae, todavia, foi entre seus 11 e 14 anos que Guilherme o diagnosticou com tal doença. Na época, a hanseníase não possuía cura, pois se desconhecia os antibióticos, porém, ela não matava de imediato. O leproso poderia viver alguns anos com a doença, fazendo uso de vários tipos de tratamentos, alguns até mirabolantes para tentar se curar. 

O bispo Guilherme de Tiro descobre que Balduíno tinha lepra enquanto brincava com alguns meninos. Ilustração de meados do século XIII. 

Nos primeiros anos, Balduíno IV foi auxiliado por regentes, além de ser vítima de conspirações envolvendo suas irmãs, pois devido a sua doença, esperava-se que ele em poucos anos morreria, além de não poder gerar herdeiros. Além disso, alguns nobres estrangeiros reivindicaram o título de regente como Guilherme II da Sicília e Raimundo III de Trípoli (1140-1187), a ideia era utilizar a regência como atalho para o trono, após a morte do jovem rei. Todavia, surpreendendo as expectativas, ele viveu por mais nove anos. (HAMILTON, 2000). 

Apesar do jovem rei ter uma resistência acima da média, isso não evitou que deixasse de ter regentes. Seu primeiro regente Milão de Plancy foi assassinado em São João do Acre e sucedido por Raimundo III (primo de Amalrico), que tinha grandes ambições para se tornar futuro rei de Jerusalém. O conde arranjou o casamento de Sibila com Guilherme de Monferrato, primo do rei Luís VII da França. Raimundo III também concedeu cargos importantes a Guilherme de Tiro e outros nobres, além de fazer acordos com Saladino para evitar mais conflitos. As expectativas que Balduíno IV viesse a falecer antes da maioridade, foram frustradas. Em 1176 a corte reconheceu a maioridade do rei e o coroou oficialmente. Raimundo III perdeu seu cargo de regente e bailio, embora manteve seus títulos, além de propriedades. (HAMILTON, 2000). 

Conflitos com Saladino

Diferente do que se ver em livros e filmes, Balduíno IV não foi um monarca pacifista, ele como homem de seu tempo, era afeito as guerras, ainda mais no contexto das Cruzadas, condição essa que ele participou de algumas batalhas, sendo ferido e quase capturado ou morto. Após assumir o trono sem mais depender de um regente, Balduíno IV decidiu declarar guerra a Saladino, quebrando o acordo que ele fez com Raimundo III. Assim, o rei enviou tropas para Damasco e Alepo já em 1176. Em retaliação, Saladino ordenou novamente a invasão das fronteiras sulistas em Ascalão. 

O exército de Balduíno sofreu duras perdas antes de ganhar uma vitória decisiva na Batalha de Monte Gisardo, em 25 de novembro de 1177. O conflito foi um dos piores da carreira de Saladino, pois embora estivesse com uma grande vantagem numérica, seu exército foi massacrado, forçando-o a ter que fugir de volta ao Cairo. Na época, Balduíno IV foi a campo para liderar seus homens e contava com seus dezesseis anos. Foi sua primeira grande vitória militar. (HAMILTON, 2000). 

Batalha do Monte Gisardo (1177), por Charles Philippe Larivière, 1842-1844. 

Em 1178 o monarca deu continuidade as suas batalhas para assegurar o reino, mesmo que Saladino tenha dado um tempo nas investidas, outros governantes e generais o faziam isso. O rei buscou o apoio da Ordem dos Templários para construir fortalezas, como a Fortaleza de Chastelet. Entretanto, no mesmo ano, em campanha na região de Banias, Balduíno quase foi morto. Posteriormente em 1179, ao participar de batalhas no Líbano, o rei novamente foi ferido e quase foi capturado e morto. Na ocasião, ele liderou as tropas ao lado de Raimundo III e um grão-mestre dos templários. Porém, Saladino enviou tropas para contra-atacar naquela região. (HAMILTON, 2000). 

Em seguida seu exército sitiou a Fortaleza de Chastelet, ainda em construção, que acabou sendo capturada, marcando uma dura derrota para Balduíno e os templários. Em 1180 foi assinada uma trégua entre o rei e Saladino, suspendendo os ataques pelos próximos dois anos. Nesse meio-tempo, Balduíno tratou de providenciar o casamento de sua irmã Sibila e assegurar a linhagem no trono. 

Problemas de sucessão

Sibila por ser a filha mais velha de Amalrico I era cobiçada por vários pretendentes, já que ela havia ficado viúva em 1176, após seu marido morrer em batalha. Além do conde Raimundo III, outros nobres pretendiam se casar com Sibila, pois ela era a herdeira direta ao trono depois de seu irmão, e ele estava ciente, por conta disso, Balduíno IV tratou de escolher um bom marido para sua irmã, a fim de assegurar a linhagem no poder. O jovem rei considerou casar Sibila com o duque Hugo III da Borgonha, mas os planos nunca foram concretizados.

Em 1180 o príncipe Boemundo III da Antióquia, invadiu Jerusalém e tentou pressionar o rei a casar Sibila com um de seus vassalos, o qual agiria como governante fantoche sob seu poder, mas em resposta Balduíno IV firmou o casamento da irmã com Guido de Lusinhão (1150-1194), filho do rei Amalrico I de Chipre. Para o jovem rei, um acordo com Chipre parecia ser mais vantajoso do que com nobres que viviam mais distantes na Europa. Apesar que hoje considere-se que tal decisão tenha sido um erro. (RUNCIMAN, 1978). 

Guido de Lusinhão aliou-se a Reinaldo de Chatilion (c. 1125-1187), Príncipe da Antióquia, o qual ambicionava expandir seus domínios sobre os territórios islâmicos. Condição essa que mais tarde veio a irritar Saladino, levando-o a contra-ataques ferrenhos. (RUNCIMAN, 1978). 

Últimos anos de reinado

A trégua acordada com Saladino acabou em 1182, quando o sultão retornou com fúria, ainda mais pela condição de que o cunhado de Balduíno tinha acordos e alianças com Reinaldo, além de que ambos atacaram caravanas de muçulmanos e invadiram territórios sob o governo de Saladino. Porém, nessa época, Balduíno estava com a saúde bem mais deteriorada, fato esse que nos últimos meses de vida, ele era transportado de maca, pois não tinha forças para caminhar ou montar a cavalo. 

Temendo a morte iminente, Balduíno IV nomeou seu sobrinho Balduíno V como seu herdeiro legítimo, e nomeou novamente Raimundo III como regente e bailio do reino, desagradando em parte Guido de Lusinhão que ambicionava permanecer na regência do filho. Em retaliação a decisão do monarca em preterir Raimundo, Guido gradativamente cortou laços com o rei, passando mais tempo distante da corte, fato esse que em 1184, Balduíno tentou anular o casamento de Guido com Sibila, mas nenhum compareceu a sessão, além disso, o monarca estava bastante debilitado. (HAMILTON, 2000). 

Balduíno IV faleceu aos 24 anos em 16 de março de 1185. O trono foi herdado pelo seu sobrinho, Balduíno V (1177-1186), uma criança ainda, mas tutelado por Raimundo III de Trípoli. Todavia, no ano seguinte, o pequeno Balduíno V faleceu em Acre, de causas desconhecidas, até hoje nunca descobertas. A morte repentina do novo monarca surpreendeu o reino, neste momento Sibila reivindicou o direito ao trono, por ser a filha mais velha de Amalrico I, assim, ela assumiu o governo e Guido de Lusinhão se tornou rei. Raimundo III foi destituído do cargo de regente e de bailio. (HAMILTON, 2000). 

O rei Balduíno IV (acima) e a coroação de Balduíno V (abaixo). Ilustração datada do século XIII. 

Saladino demonstrou respeito pela morte de Balduíno IV, tendo adotado o luto, segundo alguns historiadores da época, pois embora fossem inimigos, mas o fato de ser um rei leproso e não se deixar vencer pela doença, isso despertou respeito no sultão. Em contraparte, Saladino considerava Sibila e Guido como oportunistas traiçoeiros. Apesar disso, ele manteve as campanhas contra o Reino de Jerusalém pelos anos seguintes, levando a Terceira Cruzada (1196-1199) ocorrer dez anos depois para tentar pôr fim a esse conflito, embora ela tenha acabado fracassando. (RUNCIMAN, 1978). 

NOTA: No filme Cruzada (2005) o rei Balduíno IV é retratado sempre usando máscara e com uma postura pacifista. Na realidade ele participava de batalhas e não usava máscara ou luvas regularmente para esconder as feridas da doença. 
NOTA 2: Balduíno IV é citado ou aparece como coadjuvante em alguns romances, mas normalmente esses não aprofundam sua história, tampouco retratam seu lado guerreiro, tendendo a focar mais em sua condição de saúde. 

Referências bibliográficas:

HAMILTON, Bernard. The Leper King and his Heirs: Baldwin IV and the Crusader Kingdom of Jerusalem. Cambridge, Cambridge Unviersity Press, 2000. 

RUNCIMAN, Steven. Historia de las Cruzadas, vol. II: El Reino de Jerusalén. Madrid, Alianza, 1978. 

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