Atualmente é comum vermos produções como Percy Jackson, God of War e Sangue de Zeus, retratando Hades como uma divindade sempre sombria e malévola, devido a ser o Senhor do Submundo ou Mundo dos Mortos. Por conta disso, Hades é representado como sendo frio, vilanesco, traiçoeiro, invejoso, sempre a estar relacionado com alguma tramoia para prejudicar os outros deuses e os heróis da trama. Entretanto, na mitologia grega esse deus era assim mesmo? Ele seria uma divindade realmente sombria e ardilosa, dada a conspirações e traições?
Estátua representando Hades e Cérbero. |
Origem
Hades era um dos seis filhos dos titãs Cronos e Reia, sendo ele o segundo homem a ter nascido, o mais velho era Poseidon, e o caçula era Zeus. Já suas irmãs eram Hera, Deméter e Héstia. Temendo uma profecia que seria destronado por um dos filhos, Cronos começou a engolir seus filhos, porém, quando nasceu o mais jovem deles, Zeus, esse foi trocado por uma pedra e escondido numa caverna em Creta. Anos depois já adulto, Zeus castrou o pai e libertou seus irmãos.
Após isso iniciou-se uma guerra entre titãs e deuses conhecida como Titanomaquia (as vezes referida como Gigantomaquia). Durante essa guerra que durou por alguns anos, Hades e seus irmãos e irmãs confrontaram seu pai, tios e primos. Para poder derrotar os titãs, os três irmãos recorreram a ajuda dos Hecatônquiros, os quais eram três titãs com cem braços e cinquenta cabeças, chamados Briareu, Coto e Giges. Cada um deles concedeu um artefato mágico único. A Zeus deu-se os raios, a Poseidon foi entregue o tridente, e para Hades lhe deram o elmo da invisibilidade. Assim, de posse desses artefatos poderosos, os Olimpianos viraram a guerra ao seu favor, banindo os titãs inimigos para o Tártaro.
Após a vitória na Titanomaquia, o governo do mundo foi dividido pelos três irmãos. A Zeus coube reinar no céu e na terra, a Poseidon lhe ficou os oceanos e mares, por fim, a Hades foi entregue o submundo, com suas riquezas, vastidões e mistérios. Depois disso os deuses seguiram para seus reinos e deram continuidade as suas vidas eternas.
O deus do submundo
Hades foi incumbido de governar o submundo, que na Grécia Antiga era o mundo dos mortos, o que o tornou o deus dos mortos. Porém, além disso, o submundo é associado com as riquezas minerais por conta das minas, fato esse que se dizia que Hades era um dos deuses mais ricos de todos, por conta disso, os romanos o chamavam de Plutão ("o próspero"). Além de ser o senhor dos mortos, dos minerais e gemas preciosas, Hades tinha algumas obrigações: ele era responsável por manter o submundo em ordem, evitar que qualquer um entrasse facilmente em seus domínios, mas sobretudo, evitar que os mortos escapassem dali.
No submundo também estava situado o tribunal dos juízes Éaco, Minos e Radamento, os quais julgavam os mortos por seus atos em vida. Nas profundezas do submundo se encontrava o Tártaro, a prisão de fogo, cercada por muralhas de bronze, onde estavam os titãs inimigos, assim como, outros seres e alguns humanos que cometeram crimes que abominaram os deuses. Por fim, no mundo de baixo também estava situado os Campos Elíseos, equivalente ao paraíso para os humanos (embora algumas versões desse mito associem esses campos na superfície e situados em ilhas).
Dessa forma, por conta do submundo ser um local amplo, com distintas localidades, para onde iam todos os mortos e os imortais condenados a prisão eterna, Hades na prática era um dos deuses mais poderosos no sentido de governo, já que ele tinha funções importantes em assegurar que os mortos não escapassem, mas principalmente que os titãs não conseguissem deixar o Tártaro. Devido a essa importância o mundo dos mortos era normalmente referido como o Hades.
O deus invisível e que não deve ser nomeado
Um dos epítetos de Hades era que ele era chamado de o "deus invisível", e isso se devia a condição de ele possuir um elmo da invisibilidade, um dos três artefatos feitos pelos Hecatônquiros. Com posse desse elmo, Hades conseguiu roubar as armas dos titãs, deixando-os os vulneráveis aos ataques de Zeus e Poseidon. Além disso, o deus chegou a emprestar esse elmo para Hermes e até Perseu.
Outro aspecto a ser sublinhado é que diferente de outros deuses que mudavam de forma ou se disfarçavam para viajar pelo mundo dos homens, Hades o fazia usando seu elmo. O motivo por conta disso não é claro, já que ele como um deus teria poder de também se disfarçar, mas optava em ficar invisível, isso acabou gerando outra característica associada a ele: o temor de se proferir seu nome. Pois como ele podia ficar invisível, Hades poderia estar ao seu lado, e caso você o maldissesse, ele o puniria. Vale lembrar que os deuses gregos não eram oniscientes.
Além disso, havia a crença de que falar em Hades atrairia má sorte e a própria morte, pois ele era o deus dos mortos, por conta disso, ele era uma divindade importante, mas que não costumava ser cultuada. Existem poucos relatos de templos dedicados a ele, diferente de seus irmãos que recebiam mais culto. Mas isso se deve não por falta de respeito, mas pelo temor. Mas nem por isso os mitos relatam que Hades seria ressentido a tal ponto e castigaria a humanidade por conta de tal condição.
Hades era mal na mitologia?
Um dos atos malvados de Hades foi ter sequestrado Perséfone, sua sobrinha, a qual era filha de Deméter, a deusa da agricultura. Existem distintas variações do mito quanto aos detalhes, mas no geral, Hades apaixonou-se perdidamente por Perséfone, então decidiu a sequestrá-la, levando-a para seu reino, o que tomou Deméter em desespero.
A deusa após alguns dias de busca, consegue descobrir o paradeiro da filha e pede ajuda a Zeus, esse determina que durante seis meses Perséfone viveria com Hades, o qual ela acabou se apaixonando e se casando (um exemplo de síndrome de Estocolmo), por sua vez, nos outros seis meses ela vivia em companhia da mãe. Assim, no período que ela estava com a mãe tínhamos a primavera e o verão, já nos meses que ela estava no submundo tínhamos o outono e o inverno.
Pintura num vaso representando Perséfone e Hades. Datada do século V a.C. |
Asclépio antes de se tornar o deus da medicina, ele era um renomado médico, sendo filho de Apolo. Porém, por estar evitando que as pessoas morressem de ferimentos simples e doenças comuns, isso irritou Hades, pois para ele era algo que quebrava o ciclo da vida e morte, então furioso ele foi conversar com Zeus, dizendo que Asclépio prejudicava tal ciclo, o deus matou o neto. Apolo se irritou com o pai e o tio, mas acabou sendo punido. Mais tarde Zeus tornou Asclépio num deus, mas impedindo-o de salvar a todos, pois deveria haver morte no mundo.
Outro caso associado com uma atitude severa de Hades, deve-se a uma situação delicada. Teseu e Pirítoo fizeram uma aposta que conseguiriam sequestrar Perséfone e descem ao submundo, ali eles são convidados por Hades para um banquete, mas o deus descobre o plano traiçoeiro deles e os aprisiona, fazendo-os ficarem presos em suas cadeiras. Teseu é mais tarde libertado por Héracles, pois Hades assim permitiu, mas Pirítoo que foi o idealizador do plano de sequestro, não foi liberado, tendo que ficar preso pela eternidade ali. Sendo assim, a severidade de Hades é justificada como ato de punir o homem que planejava sequestrar sua esposa, ironicamente cometer o mesmo crime que o deus cometera.
No entanto, em outras ocasiões Hades se mostrou bem mais altruísta. Ele ajudou o herói Perseu lhe emprestando o elmo da invisibilidade, permitiu que Héracles levasse Cérbero para cumprir um dos Doze Trabalhos, concordou com Perséfone em dar uma chance para Orfeu resgatar sua esposa morta, Eurídice (embora eles tenham falhado nisso por conta dela); permitiu que Odisseu entrasse no submundo para pedir os conselhos do vidente Tirésias e saísse sem problemas.
Sendo assim, dos poucos mitos em que Hades aparece, basicamente ele não era uma divindade malvada. Excetuando-se o sequestro de Perséfone e a raiva por Asclépio, ele não possui outras histórias que mostrem atos criminosos ou cruéis, inclusive Hades aparece até sendo solidário com alguns dos heróis, ajudando-os. Porém, a condição de ele ser o deus do submundo e dos mortos levou a construção de um imaginário negativo sobre ele, tornando-o numa divindade sombria e ruim.
Referências bibliográficas
BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia grega, vol. I. Petrópolis, Vozes, 1986. 3v
GRIMAL, Pierre. Dicionário de mitologia grega. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1998.
MENARD, René. Mitologia grego-romana, vol. I. São Paulo, Opus, 1991.
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