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Leandro Vilar

domingo, 15 de setembro de 2024

A primeira travessia aérea do Atlântico Sul (1922)

No ano de 1922 os portugueses Gago Coutinho e Sacadura Cabral realizaram o ousado voo de viajar de Lisboa ao Rio de Janeiro, atravessando o Oceano Atlântico, numa época que viagens aéreas transatlânticas eram experimentais. O presente texto apresenta alguns aspectos dessa façanha pioneira. 

Carlos Viegas Gago Coutinho (1869-1959) foi um oficial da Marinha, geógrafo, cartógrafo e historiador, o qual participou de várias expedições pela África, fazendo registros geográficos e cartográficos. No ano de 1907, Gago Coutinho estava em missão em Moçambique, onde conheceu o oficial a Marinha e piloto Artur de Sacadura Freira Cabral (1881-1924), o qual já se destacava naquele tempo por ser um piloto respeitado e instrutor de voo. Os dois se tornaram amigos e trabalharam juntos até 1910, passando a produzir equipamentos aéreos para ajudar na localização, como o sextante de bolha artificial

Gago Coutinho à direita e Sacadura Cabral a bordo do Lusitânia, em 1922. 

No ano de 1911 Sacadura Cabral foi enviado para trabalhar em Angola, realizando medições geográficas e astronômicas, vindo a se reencontrar com Gago Coutinho em 1912, em que os dois trabalharam no sul de Angola. Posteriormente eles se separaram novamente, indo Sacadura Cabral trabalhar em Portugal, enquanto Gago Coutinho permaneceu em suas atividades pelo continente africano. Os dois amigos voltariam a se reencontrar em 1920 em Portugal. 

Naquele ano, eles decidiram empreender viagens aéreas de longa distância, o que resultou numa expedição de Lisboa à ilha de Madeira em 1921, uma viagem de 971 km, em que os dois voaram em companhia do oficial da Marinha Manuel Ortins de Bettencourt (1892-1969), que mais tarde foi feito general de armada e ministro da Marinha. Na ocasião desse voo eles testaram o sextante de bolha artificial e um "corretor de rumos", ambos aparelhos para ajudar na navegação aérea, os quais se mostraram inventos exitosos. 

Com o sucesso de voo entre Lisboa e a Madeira, para o ano seguinte os dois decidiram empreender uma viagem mais ousada, viajar de Portugal ao Brasil. Um percurso de mais de 5 mil km. Dessa vez, Ortins de Bettencourt não iria acompanhá-los, os dois viajaram sozinhos no avião Lusitânia, um hidroavião monomotor construído a partir do modelo F III-D da Fairey para aquela ocasião. Assim, a aeronave possuía mais espaço para combustível e teve sua estrutura reforçada. Sacadura Cabral acompanhou as modificações que perduraram ao longo de 1921. 

primeiro voo transatlântico foi realizado pelos ingleses John Alcock e Arthur Whitten Brock em 1919, voando do Canadá a Irlanda, num trajeto sem escalas, mas que a curvatura do planeta favorecia aquele percurso. Todavia, os portugueses estavam decididos também a realizar façanha similar ao atravessar o Atlântico de avião. 

A viagem de Lisboa para o Rio de Janeiro marcaria uma homenagem ao centenário da Independência do Brasil. Com isso, os dois pilotos deixaram Portugal, partindo de Lisboa a 30 de março de 1922, voando do próprio Rio Tejo. De lá eles seguiram viagem até Las Palmas nas Ilhas Canárias, onde pararam para descansar por alguns dias e fazerem ajustes nos tanques e motor, pois o avião estava consumindo mais combustível do que devia. Assim, eles só voltaram a viajar em 5 de abril, partindo para São Vicente em Cabo Verde. Ali tiveram nos problemas técnicos devido ao acúmulo de água nos flutuadores, o que os forçou a ficarem mais de dez dias parados. Somente em 17 de abril conseguiu retomar a viagem, partindo de Porto Praia.

O Lusitânia fotografado no rio Tejo, em 30 de março de 1922, data que a expedição teve início. 

O trajeto seguinte seria o mais longo, pois eles percorreram 1700 km sem nenhuma terra no caminho. Já voando próximo ao Arquipélago de São Pedro e São Paulo, em território brasileiro, fortes ventos os obrigaram a terem que pousar naquelas ilhas, mas isso acabou danificando a aeronave. Um dos flutuadores foi perdido durante o pouso no mar. O avião ficou incapacitado de voltar a voar. Parecia que seria o fim da viagem dele, pois aquele arquipélago é desabitado. Todavia, um navio português que passava ali perto os resgatou e os conduziu até a ilha de Fernando de Noronha. O Lusitânia não poderia mais continuar a viagem, então solicitaram outro avião. 

Gago Coutinho e Sacadura Cabral ficaram de 19 de abril até 5 de maio em Fernando de Noronha, esperando a chegada do novo avião, o qual chegou em 6 de maio, sendo nomeado Pátria. A aeronave foi testada e revisada, então os dois pilotos decidiram em 11 de maio retomarem a jornada. Eles voaram até o Arquipélago de São Pedro e São Paulo, para continuar do lugar onde pararam, porém, uma pane no motor os forçou até que pousar no mar. Ali eles ficaram várias horas à deriva até serem resgatados por um navio inglês o Paris City. Parecia que aquela expedição estava dada ao fracasso: aquelas ilhas se mostravam um local de má sorte.

Eles novamente foram levados até Fernando de Noronha e solicitaram outro avião, o qual somente chegou em junho, sendo nomeado Santa Cruz a pedido da primeira-dama Mary Sayão Pessoa, então esposa do presidente brasileiro Epitácio Pessoa (1919-1922). O novo avião foi transportado para o arquipélago de São Pedro e São Paulo, a incógnita da jornada. Gago Coutinho e Sacadura Cabral seguiram de navio até lá, de onde levantaram voo a partir dali, dessa vez o o voo deu certo. 

O hidroavião Santa Cruz, utilizado na conclusão da expedição de Gago Coutinho e Sacadura Cabral em 1922. A aeronave encontra-se no Museu da Marinha de Lisboa. 

Eles fizeram escala em Recife, Salvador, Porto Seguro, Vitória para abastecer a aeronave, fazer reparos e descansarem, pois era um trajeto de mais de 2 mil km, mas finalmente chegaram ao Rio de Janeiro em 17 de junho, pousando em frente a ilha das Enxadas na Baía de Guanabara. A notícia da chegada dos pilotos portugueses foi uma sensação na capital brasileira e nas cidades por onde eles passaram. Além de ser noticiada em jornais de outros estados. Uma viagem que deveria durar poucas semanas, acabou se estendendo por setenta e nove dias, devido a problemas diversos, levando inclusive a troca de aviões. No entanto, o tempo de voo contabilizado foi de 62 horas e 26 minutos.

Após a conquista da missão, os pilotos Gago Coutinho e Sacadura Cabral decidiram voltar a Portugal de navio, zarpando o Foz do Douro. Ao chegarem em seu país, foram aclamados como heróis. 

Percurso do voo transatlântico de 1922 de Lisboa ao Rio de Janeiro. A viagem levou 79 dias devido a problemas técnicos e dois aviões terem quebrado. 

Sacadura Cabral em 1923 desenvolveu um projeto para dar a volta ao mundo de avião, entretanto, a Marinha e o governo Português não decidiram patrociná-lo, por considerar falta de meios para se fazer isso e ser algo bastante perigoso e inviável para época. Desgostoso, o piloto pediu demissão da Marinha em 1924, mas seu pedido foi negado, no entanto, lhe ofereceram cargo num projeto para se criar rotas comerciais. Sacadura Cabral faleceu num acidente aéreo em 15 de novembro de 1924, quando voava de Lisboa a Amsterdã

Já Gago Coutinho a partir de 1925 passou a se dedicar a história marítima, escrevendo vários livros a respeito sobre a história portuguesa no mar, tornou-se membro da Sociedade de Geografia de Lisboa, entrou para a maçonaria, escreveu matérias para alguns jornais e revistas e aposentou-se como almirante. Embora não tenha voltado a participar de novas expedições aéreas, Gago Coutinho seguiu apoiando-as, correspondendo-se com pilotos e construtores de aeronaves. 

Os portugueses João de Ribeiro de Barros e João Negrão em 1927 voaram de Gênova na Itália até Fernando de Noronha no Brasil. No mesmo ano o piloto estadunidense Charles Lindberg voou de Nova York a Paris no primeiro voo solitário pelo Atlântico. Alguns anos depois em 1932, Amelia Earhart se tornou a primeira mulher a voar sozinha através do Atlântico. Finalmente na década de 1940, se estabeleceram as rotas comerciais aéreas transatlânticas. 

Referência bibliográfica

CAMBESES JR, Manuel. A primeira travessia aérea do Atlântico Sul. Brasília, INCAER, 2008.  

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