No ano de 1922 os portugueses Gago Coutinho e Sacadura Cabral realizaram o ousado voo de viajar de Lisboa ao Rio de Janeiro, atravessando o Oceano Atlântico, numa época que viagens aéreas transatlânticas eram experimentais. O presente texto apresenta alguns aspectos dessa façanha pioneira.
Carlos Viegas Gago Coutinho (1869-1959) foi um oficial da Marinha, geógrafo, cartógrafo e historiador, o qual participou de várias expedições pela África, fazendo registros geográficos e cartográficos. No ano de 1907, Gago Coutinho estava em missão em Moçambique, onde conheceu o oficial a Marinha e piloto Artur de Sacadura Freira Cabral (1881-1924), o qual já se destacava naquele tempo por ser um piloto respeitado e instrutor de voo. Os dois se tornaram amigos e trabalharam juntos até 1910, passando a produzir equipamentos aéreos para ajudar na localização, como o sextante de bolha artificial.
Gago Coutinho à direita e Sacadura Cabral a bordo do Lusitânia, em 1922. |
Naquele ano, eles decidiram empreender viagens aéreas de longa distância, o que resultou numa expedição de Lisboa à ilha de Madeira em 1921, uma viagem de 971 km, em que os dois voaram em companhia do oficial da Marinha Manuel Ortins de Bettencourt (1892-1969), que mais tarde foi feito general de armada e ministro da Marinha. Na ocasião desse voo eles testaram o sextante de bolha artificial e um "corretor de rumos", ambos aparelhos para ajudar na navegação aérea, os quais se mostraram inventos exitosos.
Com o sucesso de voo entre Lisboa e a Madeira, para o ano seguinte os dois decidiram empreender uma viagem mais ousada, viajar de Portugal ao Brasil. Um percurso de mais de 5 mil km. Dessa vez, Ortins de Bettencourt não iria acompanhá-los, os dois viajaram sozinhos no avião Lusitânia, um hidroavião monomotor construído a partir do modelo F III-D da Fairey para aquela ocasião. Assim, a aeronave possuía mais espaço para combustível e teve sua estrutura reforçada. Sacadura Cabral acompanhou as modificações que perduraram ao longo de 1921.
O primeiro voo transatlântico foi realizado pelos ingleses John Alcock e Arthur Whitten Brock em 1919, voando do Canadá a Irlanda, num trajeto sem escalas, mas que a curvatura do planeta favorecia aquele percurso. Todavia, os portugueses estavam decididos também a realizar façanha similar ao atravessar o Atlântico de avião.
A viagem de Lisboa para o Rio de Janeiro marcaria uma homenagem ao centenário da Independência do Brasil. Com isso, os dois pilotos deixaram Portugal, partindo de Lisboa a 30 de março de 1922, voando do próprio Rio Tejo. De lá eles seguiram viagem até Las Palmas nas Ilhas Canárias, onde pararam para descansar por alguns dias e fazerem ajustes nos tanques e motor, pois o avião estava consumindo mais combustível do que devia. Assim, eles só voltaram a viajar em 5 de abril, partindo para São Vicente em Cabo Verde. Ali tiveram nos problemas técnicos devido ao acúmulo de água nos flutuadores, o que os forçou a ficarem mais de dez dias parados. Somente em 17 de abril conseguiu retomar a viagem, partindo de Porto Praia.
O Lusitânia fotografado no rio Tejo, em 30 de março de 1922, data que a expedição teve início. |
Gago Coutinho e Sacadura Cabral ficaram de 19 de abril até 5 de maio em Fernando de Noronha, esperando a chegada do novo avião, o qual chegou em 6 de maio, sendo nomeado Pátria. A aeronave foi testada e revisada, então os dois pilotos decidiram em 11 de maio retomarem a jornada. Eles voaram até o Arquipélago de São Pedro e São Paulo, para continuar do lugar onde pararam, porém, uma pane no motor os forçou até que pousar no mar. Ali eles ficaram várias horas à deriva até serem resgatados por um navio inglês o Paris City. Parecia que aquela expedição estava dada ao fracasso: aquelas ilhas se mostravam um local de má sorte.
Eles novamente foram levados até Fernando de Noronha e solicitaram outro avião, o qual somente chegou em junho, sendo nomeado Santa Cruz a pedido da primeira-dama Mary Sayão Pessoa, então esposa do presidente brasileiro Epitácio Pessoa (1919-1922). O novo avião foi transportado para o arquipélago de São Pedro e São Paulo, a incógnita da jornada. Gago Coutinho e Sacadura Cabral seguiram de navio até lá, de onde levantaram voo a partir dali, dessa vez o o voo deu certo.
O hidroavião Santa Cruz, utilizado na conclusão da expedição de Gago Coutinho e Sacadura Cabral em 1922. A aeronave encontra-se no Museu da Marinha de Lisboa. |
Após a conquista da missão, os pilotos Gago Coutinho e Sacadura Cabral decidiram voltar a Portugal de navio, zarpando o Foz do Douro. Ao chegarem em seu país, foram aclamados como heróis.
Percurso do voo transatlântico de 1922 de Lisboa ao Rio de Janeiro. A viagem levou 79 dias devido a problemas técnicos e dois aviões terem quebrado. |
Já Gago Coutinho a partir de 1925 passou a se dedicar a história marítima, escrevendo vários livros a respeito sobre a história portuguesa no mar, tornou-se membro da Sociedade de Geografia de Lisboa, entrou para a maçonaria, escreveu matérias para alguns jornais e revistas e aposentou-se como almirante. Embora não tenha voltado a participar de novas expedições aéreas, Gago Coutinho seguiu apoiando-as, correspondendo-se com pilotos e construtores de aeronaves.
Os portugueses João de Ribeiro de Barros e João Negrão em 1927 voaram de Gênova na Itália até Fernando de Noronha no Brasil. No mesmo ano o piloto estadunidense Charles Lindberg voou de Nova York a Paris no primeiro voo solitário pelo Atlântico. Alguns anos depois em 1932, Amelia Earhart se tornou a primeira mulher a voar sozinha através do Atlântico. Finalmente na década de 1940, se estabeleceram as rotas comerciais aéreas transatlânticas.
Referência bibliográfica
CAMBESES JR, Manuel. A primeira travessia aérea do Atlântico Sul. Brasília, INCAER, 2008.
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