O médico H. H. Holmes ficou conhecido no final do século XIX por ter assassinado algumas pessoas em Chicago, o que lhe rendeu a fama de ser o primeiro serial-killer conhecido dos Estados Unidos. Sua história criminal virou uma sensação na época, rendendo notícias falsas em jornais e revistas e inspirando até mesmo escritores a criarem contos a respeito. Tendo matado supostamente 27 vítimas, o sensacionalismo expandiu o número de assassinatos até para 200 pessoas. Porém, a vida de serial-killer de Holmes foi bem menos empolgante do que se imagina. Ele atuou como assassino por poucos anos e cometia seus crimes na surdina, o que dificulta saber quantas pessoas realmente ele matou. Além disso, Holmes foi também cometeu crimes de estelionato, bigamia, falsidade ideológica, sequestro, vilipêndio de cadáveres, cárcere privado etc.
Retrato de H. H. Holmes. |
Nascido Herman Webster Mudgett (1861-1896), em Gilmanton, em New Hampshire, sendo o terceiro filho de Levi Horton Mudgett e Theodate Page Price. Seu pai trabalhou como agricultor, comerciante e pintor de parede, tendo problemas com alcoolismo. Já a mãe era dona de casa. Mudgett cresceu numa família Metodista. Em dado momento da sua adolescência decidiu estudar Medicina. Conseguido ser aprovado na Universidade de Vermont em 1879, mais tarde pediu transferência em 1882 para a Universidade de Michigan, onde se formou em 1884.
Durante a universidade, Mudgett se interessou bastante por dissecações, inclusive tornou-se assistente do Laboratório de Anatomia em Michigan e até foi suspeito de cometer o crime de vilipendio de cadáveres, ou seja, roubar corpos do cemitério ou necrotério. Aqui teríamos tido o primeiro sinal criminoso de Mudgett e seu estranho interesse pelos mortos. Além disso, nesse tempo em que fazia o curso de Medicina, Mudgett casou-se com Clara Lovering, com quem teve um filho chamado Robert Lovering Mudgett (1880-1956). Ele usou o dinheiro da esposa para pagar seus estudos e demais despesas.
Durante seus estudos, Mudgett tomou como amante uma viúva rica, a qual bancou o restante de sua formação. Após se formar em 1884, ele abandonou a esposa, o filho e a amante, e se mudou para Nova York, onde ficou o ano de 1885, sem obter segurança em sua carreira, ele foi embora para Chicago, na época uma cidade em alta, mudando-se para lá em 1886. Foi naquela ocasião que ele teria adotado sua famosa identidade falsa sob o nome Dr. Henry Howard Holmes, mais conhecido como Dr. Holmes.
Chicago e o hotel
Em Chicago, Holmes passou a trabalhar numa farmácia, consultando as pessoas. Mas por ser um golpista experiente, procurou por uma jovem endinheirada, a qual acabou caindo em seus galanteios. Holmes como era mentiroso profissional, apresentou-se como um médico de respeito, recém-chegado a Chicago. A escolhida foi Myrta Belknap, com quem teve uma filha chamada Lucy Theodate Holmes (1889-1956). No caso, Holmes aproveitou para enganar a família da esposa, conseguindo pedir empréstimos. Além disso, ele teria dado um golpe financeiro na farmácia onde trabalhava.
A ponto que em 1887 ele comprou um terreno próximo a farmácia para construir um prédio de dois andares, além de ter herdado a própria farmácia, após convencer os donos fazerem um negócio de venda. Holmes usou um nome falso para isso. Em 1888, ele havia dado calote no arquiteto e na empresa de construção, sendo processado por conta disso. Todavia, Holmes conseguiu chegar a um acordo quanto a sua dívida e em 1892, o prédio ganhou um terceiro andar para funcionar como hotel, antes disso, ele funcionava como farmácia, consultório e moradia.
O hotel ficou pronto em 1893 para atender os turistas que iriam a Chicago para a aguardada Exposição Mundial de 1893. Depois que eclodiu a notícia de que ele era um assassino, os jornais chamaram seu hotel de Castelo do Assassinato (Murder Castle), um nome chamativo, com direito de evocar todo um imaginário sombrio sobre o lugar, em que relatos falavam de câmaras de tortura, masmorras, alçapões, passagens secretas etc., um local de armadilhas, em que Holmes sadicamente brincaria com seus hóspedes. Todavia, nada disso foi achado. Embora Holmes confessou que matou algumas das vítimas que trabalharam ou se hospedaram lá.
Suposta planta do hotel de Holmes, publicada numa manchete sensacionalista do The World Pages de 11 e agosto de 1895, chamando-o de "o castelo do Barba Azul moderno". |
Os assassinatos
O relato dos assassinatos de H. H. Holmes é complexo de ser rastreado. Muitas invenções surgiram com os jornais e revistas da época. Ele teria confessado que matou 27 pessoas, mas suspeitas diziam que o número teria sido muito maior. Algumas obras chegaram a falar de mais de 100 vítimas outros aumentaram o valor para 200 mortes. Além disso, não dispomos dos nomes de suas vinte e sete vítimas
Mas o que se sabe sobre as pessoas que ele matou? Embora tenha dito que cometeu 27 pessoas, ele nunca deu o nome de todos. Entre as vítimas estariam: Julia Smythe, sua amante que trabalhava no seu prédio, que estava grávida de Pearl, tendo se separado do marido Laurence Connor. Em 1891, Julia e Pearl sumiram misteriosamente. Em 1892, Emeline Cigrand, que atuava como secretária no prédio e outra possível amante de Holmes, também desapareceu naquele ano. Seu esqueleto foi achado em uma das residências de Holmes.
No ano de 1893, Holmes conheceu uma atriz chamada Wilhemina "Minnie" Williams, a qual buscava seguir a carreira artística em Chicago, mas sem sorte, Holmes lhe ofereceu emprego em seu hotel, como secretária. Ali ele a cortejou, tornando-a sua amante também. Holmes inclusive usou Williams como vítima de seus golpes de estelionato, fazendo ela assinar documentos para vender uma propriedade que tinha, para um homem chamado Alexander Bond, que era um dos nomes falsos de Holmes. Vale lembrar que desde Michigan ele já aplicava golpes usando nomes falsos.
Mesmo estando casado com Myrtha Belknap, Holmes disse que era solteiro e passou a morar junto com Minnie Williams, tendo alugado uma casa para ela. Em junho de 1893, a irmã mais nova de Minnie, Anna, foi visitar o casal para felicitar o noivado da irmã. Semanas depois as duas não foram mais vistas com vida. Holmes as matou. Nota-se aqui que Holmes possuía preferência por matar mulheres, já que entre 1891 e 1893 ele assassinou cinco mulheres.
No entanto, ele também matou homens. Um dos seus credores, o senhor John DeBrueil, teria sido envenenado por Holmes em 1891, em sua farmácia. Na época ele disse que DeBrueil teve um mal súbito. Outras secretárias e funcionários que trabalhavam para Holmes, além de alguns hóspedes, desapareceram também e nunca foram achados. Consideram que talvez tenham sido mortos por ele.
No ano de 1894, os credores de Holmes voltaram a pressioná-lo, ele se mudou para Fort Worth, onde possuía uma propriedade roubada de Winnie Williams, cogitando ir depois para o Colorado, onde vivia sua terceira esposa. Porém, ele não escapou da polícia e foi preso devido a acusação de vender bens hipotecados em outra cidade. No entanto, ele passou pouco tempo preso, pagando fiança. Até então seus outros crimes de estelionato e fraude ainda não tinham sido descobertos. Fora da prisão, Holmes planejou dar um golpe numa agência de seguros planejando sua própria morte, mas o plano falhou. Então ele convocou seu parceiro do crime, Benjamin Pitezel (1856-1894), para ajudá-lo em um novo golpe.
Holmes conheceu Pitezel anos antes, o qual inclusive já tinha passagens pela polícia. Pitezel passou a ajudar Holmes em seus golpes, possivelmente também em acobertar os assassinatos, sumindo com os corpos e as evidências. O plano era fazer uma apólice de seguro de 10 mil dólares para Pitezel, e ele fingiria a própria morte. Holmes arquitetou tudo, mas acabou traindo seu parceiro, o matando de verdade, tendo sufocado com clorofórmio e queimado seu corpo em seguida (ele confessou isso na prisão). Porém, ele obteve o dinheiro do seguro e foi falar com a esposa de Pitezel, Carrie Alice Canning.
Como um frio psicopata, Holmes, mentiu para Carrie ao dizer que o marido estava escondido e o enviou para tratar do plano de mudança da família. Carrie que conhecia Holmes a algum tempo confiou em sua palavra. Assim, ele levou consigo seus três filhos Alice, Nellie e Howard. Os quatro viajaram rumo ao Canadá, por onde supostamente iriam encontrar o pai ou pegariam um navio para ir à Europa onde ele estaria vivendo em Londres. Carrie viajou posteriormente, mas não chegou a encontrar os filhos, tendo sido enviada por Holmes a outra cidade. Finalmente eles se mudaram para Toronto no Canadá, onde H. H. Holmes matou os três filhos de Pitizel.
A captura
Ainda em 1894 a polícia já estava atrás de Holmes devido aos seus golpes e a condição de ele aparecer viajando para diferentes estados. Vale ressalvar que também havia suspeitas acerca da apólice de seguro de Benjamin Pitezel, ainda mais após Holmes ter recebido o dinheiro e ido buscar os filhos dele e sumido em seguida. A polícia considerou isso bastante suspeito. A Agência Nacional e Detetives Pinkerton, passou a investigá-lo, vindo a prendê-lo em 17 de novembro de 1894 em Boston.
No ano seguinte sua casa em Toronto foi investigada e encontraram os restos mortais dos filhos de Pitizel. O hotel de Holmes em Chicago também foi investigado, mas nenhum corpo foi achado, apenas pequenos vestígios que poderiam ter sido de suas vítimas. Ele ficou preso preventivamente enquanto aguardava julgamento.
As investigações criminais começaram em novembro de 1894 e foram concluídas em 1895. Curiosamente somente se atestou quatro assassinatos, sendo de Benjamin Pitizel e de seus três filhos. Porém, enquanto estava preso, Holmes disse que matou 27 pessoas, dando os nomes de alguns, mas outros jamais ele falou a respeito. Ele disse que matou pessoas em Chicago, Indianópolis e Toronto. No entanto, jornais na época ofereceram dinheiro para ele dar uma exclusiva sobre seus crimes. Holmes aceitou, mas hoje considera-se que ele pode ter inventado algumas coisas nesses depoimentos para inflar sua fama perversa, já que ele sabia que seria condenado à morte.
H. H. Holmes ficou preso pelos meses seguintes, sendo enforcado em 7 de maio de 1896, aos 35 anos. Ele disse que seu corpo fosse enterrado a três metros de profundidade e coberto de concreto. Os jornais alegaram que tal pedido se devia para aprisionar sua alma maldita. Holmes teria alegado que era para evitar que seu corpo fosse roubado. O que é irônico, pois ele cometeu o crime de roubo de cadáveres. No entanto, tal pedido não foi atendido. Seu corpo foi enterrado numa cova sem identificação no Cemitério Santa Cruz, em Yeadon, na Pensilvânia. Pondo fim a sua vida de crimes.
O enforcamento de H. H. Holmes. Desenho feito por Newmar para o artigo Holmes' Own Story (1895). |
Considerações finais
H. H. Holmes se tornou uma celebridade infame ainda em vida, já que a descoberta de seus crimes de assassinato rapidamente repercutiram e viraram grande sensacionalismo. O cruel médico que matou as amantes, funcionários, hóspedes, o parceiro e crianças.
Todavia, foi nos anos seguintes que outros crimes dele envolvendo estelionato, fraudes, falsidade ideológica, bigamia etc., foram sendo descobertos. A quantidade de mortos nunca foi conclusiva, apesar de ele ter dito que matou vinte sete pessoas. Mas alguns investigadores duvidam desse valor, cogitando poder ser menor, embora que os jornais da época diziam que era bem maior.
O hotel de Holmes foi incendiado em 1895 de forma criminosa, mas os bombeiros conseguiram conter o fogo. O prédio foi confiscado pela justiça e vendido, mantendo-se operante por vários anos até ser demolido em 1938. Alguns dos funcionários de Holmes que atuaram em seu hotel, foram investigados, mas não depuseram contra seu antigo patrão, alegando que não sabiam de nada acerca de seus crimes (o que gera dúvidas ainda hoje). Embora familiares de alguns deles diziam que esses estavam atormentados após descobrirem as atrocidades que seu patrão cometeu.
Holmes inspirou produções literárias, as quais criaram histórias sobre seus crimes, atribuindo inclusive mais mortes, algo que se difundiu na primeira metade do século XX. Depois disso tivemos vários livros de jornalistas e de alguns historiadores analisando o caso dele. Transformando esse psicopata americano no primeiro serial-killer dos Estados Unidos.
NOTA: Holmes também foi acusado de fazer abortos em algumas de suas amantes e possivelmente até em outras mulheres.
NOTA 2: Holmes foi chamado de o "Barba Azul moderno" por conta de ele ter assassinado algumas de suas amantes que teve em Chicago. Inclusive alguns autores consideram que ele poderia ser misógino.
NOTA 3: O livro American Gothic (1974) é um romance de Robert Bloch sobre a via de crimes de Holmes.
NOTA 4: O livro The Devil in the White City (2003) do jornalista Erik Larson, é uma das obras mais famosas que analisa o caso criminal de H. H. Holmes. Os direitos do livro foram comprados em 2010 pelo ator Leonardo DiCaprio para se tornar um filme, mas esse nunca foi produzido. Em 2019 os canais Paramount e Hulu anunciaram que adaptariam o projeto de DiCaprio como uma série, mas a proposta também foi cancelada.
NOTA 5: No seriado Supernatural (2005-2020) na segunda temporada, episódio 6, intitulado Sem Saída (No Exit), os irmãos Sam e Dean devem enviar o fantasma de Holmes de volta ao Inferno. Já que esse escapou e pretendia voltar a matar.
NOTA 6: O jogo The Devil in Me (2022) é inspirado na história de Holmes. No jogo, um psicopata que é fã do médico, recria seu hotel numa ilha e convida hóspedes para lá, onde os assassina com sadismo.
Referências bibliográficas:
CRIGHTON, J. D. Holmes' Own Story: Confessed 27 Murders – Lied Then Died. Murrieta, Aerobear Classics, 2017.
GEARY, Rick. The Beast of Chicago: An Account of the Life and Crimes of Herman W. Mudgett, Known to the World as H. H. Holmes. New York, NBM Publishing, 2003.
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