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Leandro Vilar

sábado, 14 de dezembro de 2024

A Catedral de Notre-Dame de Paris

Situada no centro da cidade de Paris, ergue-se a imponente catedral de Notre-Dame, considerada a mais famosa igreja gótica do mundo. Com mais de 800 anos de idade, essa igreja foi sendo ampliada e reformada ao longo de muito tempo, além de ter sido testemunha de guerras, invasões, crises, golpes de estado e revoluções. Em 2019 a icônica igreja teve parte de seu telhado e da nave destruídos por incêndio, passando por cinco anos de uma caríssima restauração que foi concluída em 2024. 

Fachada da Catedral de Notre-Dame de Paris. 

A construção da catedral

Antes da construção da catedral na Île de la Cité (Ilha da Cidade), outras igrejas existiam nessa ilha como a Catedral de São Estêvão(Saint Étienne), um santo mártir, famoso por ter sido o primeiro mártir cristão a ser canonizado, sendo popular na França. Seu templo era o principal do complexo existente na ilha, que incluía uma igreja a Virgem Maria, a São Cristóvão e a São JoãoA igreja de São Estêvão era a mais antiga de todas e remontaria ao século IV, sendo mais tarde ampliada e convertida em catedral. Todavia, o bispo Maurício de Sully (?-1196) decidiu em 1160 que era necessário construir uma nova catedral principal de Paris, pois a de São Estêvão estava pequena e já envelhecida. O bispo também ambicionava poder e status, e ele sabia que construir grandes catedrais era um caminho para isso. (BRUZELIUS, 1987).

Assim, Maurício de Sully conseguiu convencer o então rei Luís VII (r. 1137-1180) a construir uma nova e imponente catedral no centro de Paris. O monarca concordou com o projeto do bispo, autorizando a demolição da Catedral de São Estêvão e das igrejas vizinhas. Em 25 de março de 1163 foi lançada a pedra fundamental da nova catedral, a qual seria dedicada a Nossa Senhora (Notre-Dame), numa época em que a Mariologia estava se difundindo. Entretanto, como a construção de grandes templos naquele tempo era algo muito oneroso, acabava-se demorando décadas para eles ficarem concluídos. Um dos principais fatores era que a Igreja Católica não tinha como custear todas as igrejas que eram construídas na Europa, logo, os nobres, bispos e a população deveriam angariar recursos para tal finalidade, considerada bastante honrosa e um ato de fé. (SANDRON; TALLON, 2013). 

Maquete em 3D da Catedral de São Estêvão e as igrejas adjacentes antes de serem demolidas para a construção de Notre-Dame. 

Entretanto, como as receitas dos Estados eram dispendiosas e nem sempre conseguia-se haver um equilíbrios com os gastos públicos, além de gastos com guerras, acordos e crises de abastecimento de alimentos, o financiamento dessas grandes igrejas demoravam bastante. Para se ter ideia, a igreja de Notre-Dame começou a ser construída em 1163, mas em partes. A primeira foi a capela que somente foi finalizada por volta de 1178, pelo menos sua estrutura, pois os detalhes ainda se estenderam até 1182, quando se concluiu o coro, alguns corredores e o altar-mor, que por sua vez, foi consagrado pelo bispo Maurício de Sully, podendo ocorrer a primeira missa naquela catedral, que contou com a presença do rei Felipe II (r. 1180-1223) e da rainha Isabel de Hainaut, além do restante da corte e de dignitários. (BRUZELIUS, 1987).

Com a conclusão da capela e o início de seu funcionamento a parte dois do projeto teve início que era se construir a grande nave com seus 70 metros de comprimento. Assim, as obras tiveram início ainda em 1182 se estendendo até 1206, quando a nave finalmente foi concluía. Com isso teve início a terceira parte do projeto, a construção da fachada, uma rosácea (típico da arquitetura gótica) e o restante da ornamentação com painéis em alto-relevo e estátuas. As obras se estenderam até 1220, levando o rei Felipe II inclusive dobrar os impostos em 1119 e 1120 consecutivamente para poder dar continuidade as obras da catedral que havia atrasado. (BRUZELIUS, 1987).

A partir de 1225 a construção das duas torres teve início, estendendo-se por vinte anos, sendo concluídas em 1245. Essas obras começaram durante o reinado de Luís VIII (r. 1223-1226), sendo concluídas no governo de Luís IX (r. 1226-1270). Com a conclusão das torres foram instalados os grandes sinos, mais tarde incluiu-se as famosas gárgulas. De qualquer forma, em 1245 a Catedral de Notre-Dame de Paris estava concluída, após oitenta e dois anos de construção, passando pelo governo de quatro reis. 

Maquete 3D da catedral na década de 1220, quando a fachada começou a ser construída. 

Entre os motivos da demora para além dos altos gastos, devia-se também ao transporte de pedras, os meses ociosos do inverno (em que era inviável se construir), a quantidade de trabalhadores envolvidos, além da complexidade do projeto, pois a nova catedral era construída em estilo gótico, o qual possuía uma arquitetura mais colossal e detalhada, com muitas janelas, arcos e vitrais. Além das estátuas e altos-relevos, em que a decoração demanda mais tempo e é mais cara. 

Embora a catedral tivesse sido concluída em 1245 ela passou por várias reformas nas décadas seguintes. De 1245 a 1265 as fachadas laterais que possuem entradas para a nave e mais próximas da capela, foram totalmente refeitas, o que demandou vinte longos anos para serem concluídas. Já que se acrescentou duas rosáceas em cada uma delas, além de estátuas e outros ornamentos. Por sua vez, a capela passou por reformas, acrescentando-se ornamentação e melhorias na estrutura isso se estendeu por décadas sendo finalizados por volta de 1345, o que incluiu também a construção de um pináculo no centro do telhado da nave. (BRUZELIUS, 1987).

Embora as obras de infraestrutura tenham sido concluídas em quase dois séculos, o interior da catedral seguiu recebendo obras nos séculos seguintes, com o acréscimo de ornamentação, do órgão, trocas de vitrais, entre outras reformas necessárias para manter a estrutura e suas atividades. 

Assim, por séculos a catedral funcionou para seus fins litúrgicos, realizando missas, casamentos, batismos, funerais, entre outras cerimônias religiosas, mas também políticas, como reuniões de políticos, autoridades públicas e militares, coroação de monarcas como o caso de Napoleão em 1804. A catedral também foi alvo de protestos e ataques durante a Revolução Francesa (1789-1799), quase sendo alvo de vandalismo e planos de incendiá-la. E a partir do século XIX ela começou a ser usada também para fins turísticos, algo que mantém até hoje. 

A arquitetura gótica da catedral

A Catedral de Notre-Dame de Paris é um templo imponente: possui 128 metros de comprimento, 15 metros de largura da nave, mas a fachada tem 43 metros de largura; 38 metros de altura, 69 metros de altura no topo das torres, mas alcança também os 96 metros de altitude na ponta de seu pináculo. As duas torres possuem dez sinos de bronzes, o templo possui cinco rosáceas (três grandes e duas pequenas), além de ter cinco grandes portas (três na fachada e duas nas laterais). A catedral possui 5.500 metros quadrados de área construída, sendo uma das maiores igrejas da Europa, apesar de que mundialmente seja considerada de porte médio. (BRUZELIUS, 1987).

O grande destaque arquitetônico de Notre-Dame de Paris foi a adesão ao estilo gótico que foi marcante entre os séculos XII e XIV, tendo surgido na França e chamado inicialmente de "obra francesa" ou "estilo francês". O termo gótico surgiu no século XVIII, inicialmente como forma de desdém para esse estilo artístico, associando-a a ideia de barbárie e "Idade das Trevas", a qual os filósofos renascentistas e iluministas imaginavam a Idade Média. (MARTINDALE, 1993). 

Entre as principais características arquitetônicas do gótico estão: janelas, portas e ornamentos em arcos ogivais, abóboda em cruzaria, arcobotantes no exterior para ajudar na dispersão do peso, rosáceas, vitrais estreitos e altos, sendo coloridos; pilares lisos e bastante altos, grande quantidade de estátuas no interior ou exterior; estrutura grande e elevada. Neste caso, as igrejas de estilo românico já eram compridas e até largas, a novidade foi deixá-las mais altas, algo implementado com o gótico. (MARTINDALE, 1993). 

Interior da nave com seus arcos ogivais, abóbodas em cruzaria e vitrais.  

A ideia de construir igrejas elevadas se deve a dois fatores principais: o primeiro era destacar o templo em meio as construções urbanas; segundo, era uma forma de simbolizar a grandeza da Igreja Católica e de Deus, causando forte impacto visual, gerando um misto de fascínio e assombro. Ao visitar tais igrejas as pessoas sentem uma sensação de pequenez, o que é proposital, para mostrar a insignificância do ser humano diante da "casa de Deus". Dessa forma, várias igrejas europeias mantiveram essa prática de serem bastante altas para manter essa condição simbólica. No caso de Notre-Dame, o teto da nave está a 38 metros de altura do nível do chão. Algo que ainda hoje impacta. (MARTINDALE, 1993). 

A primeira igreja gótica a se destacar foi a Basílica de Saint-Denis no norte de Paris, construída no século VII em estilo românico, mas sendo reformada para o gótico a partir de 1135, mantendo tal estilo até hoje. Porém, diferente de Notre-Dame, Saint-Denis é bem mais modesta, sendo menor em vários aspectos e tendo uma torre somente. Apesar disso é perceptível as características do estilo gótico em sua estrutura, as quais serviram de modelo para a construção de Notre-Dame e outras igrejas góticas seguintes. (SANDRON; TALLON, 2013). 

A Basílica de Saint-Denis, a qual inspirou Notre-Dame de Paris. 

Apesar do gótico hoje em dia evocar algo sombrio, mas isso advém da literatura gótica surgida no século XVIII, o que dá a falsa impressão que as igrejas góticas sejam escuras. Entretanto, a arte gótica da Idade Média era algo voltado para a luz, fosse nas grandes e várias janelas que as igrejas possuíam, além de que na pintura prezava-se por cores claras e efeitos de iluminação. No entanto, a fachada das igrejas góticas costuma serem algo "bruto" o que gera também a impressão equivocada de que seu interior seja escuro. 

Como as igrejas góticas presavam por grandes e altas estruturas, especialmente em suas naves, onde ficam os fiéis, o aumento da altitude do pé-direito permitiu se construir janelas maiores, logo, a incidência de luz aumentava. As igrejas românicas, que antecedem o estilo gótico, não tinham tantas janelas, e as vezes eram janelas pequenas, lembrando as vistas em alguns castelos. Mas as igrejas góticas passaram não apenas em fazer janelas maiores, mas também aumentar a quantidade das mesmas, permitindo maior iluminação natural no seu interior, além de adotar as rosáceas e vitrais, que apresentam vidro colorido e com pinturas, o que embeleza o recinto. (MARTINDALE, 1993). 

A grande rosácea da fachada da catedral e alguns vitrais abaixo dela. 

As várias estátuas retratam personagens bíblicos, santos, mas também reis, bispos e outras autoridades, até mesmo monstros, como o caso das gárgulas, que ficaram famosas no século XIX, na época que o turismo permitia se acessar as torres e terraços do telhado, podendo se tirar fotos ao lado das gárgulas. 

Entradas da fachada da catedral, com seus arcos ogivais e várias estátuas e figuras em alto-relevo. As estátuas acima das portas pertencem a chamada galeria dos reis. 

O incêndio de 2019

No dia 15 de abril de 2019 às 18h20 durante a missa, os alarmes de incêndio foram tocados e a missa foi suspensa. Os fiéis evacuaram o local. Minutos depois as chamas começaram a surgir. Os bombeiros foram acionados, mas o forte trânsito da hora do rush atrasou a chegada deles em vários minutos. Enquanto isso o fogo consumia o telhado de madeira e as 20h o pináculo desabou com a maior parte do telhado da nave. 

A queda do telhado danificou o interior da nave, destruiu janelas, estátuas, móveis, o piso, obras de artes, objetos ritualísticos etc. Inclusive na época a catedral estava passando por obras de restauração desde 2018, condição essa que havia andaimes de obras no telhado e nos arredores do templo, além de que algumas estátuas foram removidas para serem restauradas. 

O incêndio de 15 de abril de 2019. 

Os 400 bombeiros envolvidos, tiveram dificuldades para controlar o incêndio, levando cerca de 15 horas para conseguir fazer isso, um dos fatores para a demora se devia a condição de que devido a estrutura secular, era arriscado usar métodos mais intrusivos, como aviões, helicópteros e jatos d'água mais potentes. Porém, como a a evacuação ocorreu rápida e eficaz, não houve vítimas fatais e nem feridos por parte do público que se encontrava assistindo a missa ou trabalhando na catedral. 

O motivo do incêndio ainda hoje não foi identificado. A perícia descartou ato criminoso, apontando fator acidental, possívelmente um curto-circuito de lâmpadas ou maquinário usado nas obras de reforma do telhado. Como esse era feito de madeira antiga rapidamente foi consumido pelas chamas. 

A reforma da catedral e sua reabertura em 2024

Com a tragédia ocorrida em fins de 2019, o governo francês decidiu tratar de restaurar a icônica catedral gótica. Os gastos seriam altíssimos, assim, abriu-se um processo de doações. 340 mil doadores de vários países (a maioria da França e dos EUA) doaram um total de 840 milhões de euros ou 4,3 bilhões de reais. Sendo uma das doações mais caras já feitas na História presente. O dinheiro arrecadado pagou milhares de funcionários entre arquitetos, restauradores, pedreiros, vidraceiros, artesãos, historiadores, engenheiros, operários etc., que trabalharam por quase cinco anos nas obras de restauração.

Vale lembrar que durante 2020 e 2021 as obras ficaram meses paradas por conta da pandemia de Covid-19, voltando com tudo apenas a partir de 2022, vindo a serem concluídas em 2024, quando em 7 de dezembro ocorreu a cerimônia de reinauguração e o início das missas solenes para consagrar à catedral e homenagear os bombeiros que impediram que o incêndio se alastrasse e os trabalhadores que atuaram na restauração. O bispo de Paris, além de vários outros bispos e clérigos franceses, além de autoridades políticas e militares francesas e estrangeiras, participaram do evento de reinauguração. 

Chegada dos bispos franceses na cerimônia de reinauguração em 7 de dezembro. 

O alto investimento permitiu a reconstrução completa do telhado e sua estrutura, anteriormente de madeira, pedra e chumbo, agora adotando-se material mais resistente ao fogo. As colunas, pilares, piso e estátuas foram restaurados. Vitrais e ornamentos foram refeitos. Especialistas em várias áreas do estilo gótico foram convocados para atuar nas obras de restauração. Devido a isso, o telhado foi refeito e o pináculo também. Além disso, o dinheiro das doações será ainda usado para continuar a reforma iniciada em 2018, que irá atuar em outras alas dessa catedral com mais de 860 anos. 

NOTA: Depois da Torre Eiffel, a Catedral de Notre-Dame é o segundo ponto turístico mais visitado de Paris, mas diferente da torre, ela é gratuita. 

NOTA 2: O Corcunda de Notre-Dame (1831) é um dos mais famosos livros do escritor Victor Hugo, tratando-se de um romance histórico que se passa em 1482, em que acompanhamos o drama do corcunda Quasimodo, a cigana Esmeralda e outros personagens que se apaixonam pela cigana. Victor Hugo escreveu esse livro em parte para enaltecer sua admiração pela catedral. 

Referências bibliográficas 

BRUZELIUS, Caroline. The Construction of Notre-Dame in Paris. The Art Bulletin, v. 69, n. 4, 1987, p. 540-569. 

MARTINDALE, Andrew. Gothic Art. London: Thames and Hudson, 1993. 

SANDRON, Dany; TALLON, Andrew. Notre-Dame Cathedral: Nine Centuries of History. Pennsylvania, Pennsylvania State University Press, 2013. 

Referências da internet

Incêndio atinge a Catedral de Notre-Dame, em Paris. G1. Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2019/04/15/fogo-na-igreja-de-notre-dame-em-paris-e-relatado-em-redes-sociais.ghtml

Reabertura da Notre Dame: tudo sobre como ficou a histórica catedral de Paris após anos de restauração. National Geographic Brasil. Disponível em: https://www.nationalgeographicbrasil.com/viagem/2024/12/reabertura-da-notre-dame-tudo-sobre-como-ficou-a-historica-catedral-de-paris-apos-anos-de-restauracao

LINK:

Site oficial da catedral


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