Erzsébet Bathory entrou para a História de forma infame: ela foi acusada de ser uma serial-killer, torturadora, sequestradora e até vampira. Histórias hediondas diziam que ela tinha uma paranoia pela beleza, então tomava banho no sangue de virgens. Entretanto, muitas narrativas difamatórias e macabras foram criadas sobre essa nobre húngara, a ponto de gerar uma terrível lenda sobre ela.
A condessa
Erzsébet Bathory nasceu em 7 de agosto de 1560 em Nyírbator, uma cidade no condado húngaro de Szabolcs-Szatmár-Bereg, região dominada a bastantes anos pela família Bathory, que remontava ainda o período medieval. Erzsébet era filha de Jorge Bathory (c. 1522-1570), que era parente do príncipe Andras da Transilvânia, e de Anna Bathory (c. 1539-1574), irmã do futuro rei Estêvão Bathory da Polônia. No caso, Jorge e Anna eram primos e pertenciam a ramos importantes da nobreza da família, o Ecsed e o Somlyó. (CRAFT, 2011).
Retrato da condessa Erzsébet Bathory. |
Ainda criança a família se mudou para o Castelo de Cachtiche (ou Csejthe), feudo de seu pai na atual Eslováquia, ali ela passou a infância até que aos 11 anos foi prometida em casamento ao seu primo, o jovem barão Ferenc Nádasdy (1555-1604), na época com seus 16 anos de idade. O casamento ocorreu apenas em 1575, quando Erzsébet completou 15 anos. Na época corriam boatos de que ela havia tido uma filha bastarda de um plebeu, a qual foi dada para camponeses criarem. De quaquer forma, os dois primos se casaram e foram viver em Sárvár, na Hungria, terra dos Nádasdy. (CRAFT, 2011).
Em sua adolescência Erzsébet converteu-se ao Calvinismo por influência da mãe, apesar que seu pai e vários outros parentes eram católicos. A jovem nobre também foi alfabetizada, sabendo falar e ler além do húngaro, o alemão, o eslovaco, além de latim e grego, o que reflete uma educação clássica. Ela também teria aprendido equitação, além de etiqueta de corte. (CRAFT, 2011).
Devido a tradição militar dos Nádasdy, Ferenc aos vinte e um anos assumiu o comando de tropas da família e partiu para as campanhas contra os otomanos que ocupavam a Europa oriental, querendo expandir seus domínios pela Romênia e Hungria. Como ele passava semanas ou meses fora de casa, Erzsébet era a senhora suprema do seu condado. Do casamento com o conde Ferenc, Erzsébet gerou sua primeira filha Anna, nascida por volta de 1586, anos depois nasceram Katalina por volta de 1590 e Úrsula em 1594. No ano de 1596 nasceu Andras, mas a criança morreu ainda pequena em data incerta. Já no ano de 1598, com seus 38 anos de idade, a condessa deu à luz a um menino chamado Paulo. (CRAFT, 2011).
No começo do século XVII, Bathory era vista como uma nobre respeitada, boa esposa, mãe e administradora competente, pois o marido confiou nela em todos esses anos. Isso é atestado a partir de cartas de outros nobres que conheciam a família, o que põe em dúvida a fama de cruel que mais tarde surgiria. Boatos sobre isso começaram a despontar no ano de 1601, quando uma serva croata chamada Anna Darvolya foi acusada de sequestrar jovens mulheres, torturando-as para sua senhora. Porém, as acusações sumiram por alguns anos, o caso foi abafado, apesar de bastante estranho e sensacionalista. (CRAFT, 2011).
O casamento de Erzsébet durou até 1604, quando Ferenc devido a ferimentos de batalha, acabou adoecendo, vindo a falecer no acampamento militar naquele ano. Erzsébet ficou viúva aos 44 anos, mãe de quatro filhos. Ela após a morte do marido mudou-se para Viena por algum tempo, além de voltar a terras da família na Hungria.
No final de 1610, Erzsébet foi acusada de cometer crimes de assassinato contra seus criados e servos. Dessa forma, no dia 29 de dezembro, o primeiro-ministro Jorge Thúrzo, acompanhado dos condes Nicolau Zrínyi e Jorge Drugeth, e o escudeiro desse, de nome Imre Megyeri, chegaram ao castelo de Cachtiche, com uma tropa, levando um mandado de prisão contra a condessa. Uma narrativa sombria sobre isso surgiu tempos depois, dizendo que a comitiva ao chegar ao castelo, encontraram o corpo mutilado de três mulheres mortas, e em uma das salas do castelo, os quatro servos fiéis da condessa: Anna Darvolya, a ama de leite Ilona Jó, uma amiga dela de nome Katalin Beneczky, e um jovem criado de nome Janos Újváry, foram pegos em flagrante torturando uma moça. Por sua vez, a condessa estava em seus aposentos quando foi presa. (CRAFT, 2009).
Assim, o rei Matias II da Hungria ordenou uma investigação e a prisão preventiva da condessa, que ocorreu ainda em dezembro daquele ano. O julgamento bastante manipulado, resultou no confisco de vários bens e propriedades de Erzsébet, embora parta disso ficou com seus filhos. Por sua vez, a condessa foi condenada à prisão no Castelo Cachtiche. Ali ela permaneceu até a sua morte em por volta de 21 de agosto 1614. Apesar de não se saber a causa exata. Teria sido envenenada? Teve parada cardíaca? Segundo uma carta de um primo do ministro Thrúzu que tinha acesso ao castelo, Erzsébet nos últimos meses se queixava de dores nas articulações. Ela era uma mulher de 54 anos, já considerada velha para os padrões da época. Os restos mortais dela jamais foram encontrados, mesmo tendo sido enterrados no cemitério do castelo, em dado momento foram removidos e desapareceram. (CRAFT, 2009).
O julgamento pelos assassinatos
A advogada e historiadora Kimberly L. Craft (2009) ao estudar a vida e o julgamento de Erzsébet Bathory comenta que uma série de problemas ocorreram a respeito. Os relatos que se conhecem são contraditórios. Ora informam que 300 testemunhas foram ouvidas, um número demasiadamente exagerado. Mas depois só listam que 20 dessas testemunhas eram confiáveis. Uma parte das testemunhas disse que somente reconheciam 50 assassinatos, outras falaram em 200, mas uma criada disse ter ouvido que foram 650 vítimas. Craft apresentou uma lista de testemunhas segundo os autos do processo, mas muitos nomes são suspeitos, pois não se sabe se testemunharam de fato ou realmente existiram. Em outras palavras, armaram para incriminar a condessa.
Além das inconstâncias quanto a quantidade de testemunhas e falsos testemunhos, Craft destaca que o julgamento de Bathory foi bastante rápido e nebuloso. Não se conhece a documentação exata, a condessa inclusive nem parece ter tido chances de se defender. Embora existam narrativas que dizem que ela confessou os crimes, enquanto outros falaram que ela se manteve calada ou negou tudo. Apesar disso, Bathory não teve um julgamento justo, sendo acusada de forma arbitrária sem direito de defesa.
A narrativa que se difundiu na época é que o primeiro-ministro Jorge Thúrzu chegou em flagrante no castelo de Bathory, testemunhando suas três servas e o jovem criado torturando uma adolescente. Anna, Ilna, Katalin e Janos quando foram interrogados, confessaram terem matado dezenas de crianças e adolescentes, geralmente mulheres entre seus 10 e 14 anos, torturando-os e mutilando seus corpos por ordem da condessa. Porém, essa confissão como assinala Craft é bastante estranha, pois não encontramos detalhes das mesmas. (CRAFT, 2009).
Craft (2009) assinala que a condenação de Erzsébet Bathory foi um bode expiatório para justificar a indignação do rei Matias II da Hungria contra a família dela. Um dos sobrinhos de Erzsébet, chamado Gabriel Bathory, havia se manifestado publicamente contrário ao reinado de Matias II (1557-1619). Além disso, a condessa possuía muitas propriedades e rendas, boa parte advinda da família de seu marido e das conquistas militares dele. O que interessava ao monarca, e para completar, as terras dela estavam sob ameaça de invasão otomana e sem seu marido para reunir um exército e liderá-los, a região estava vulnerável. E o rei não poderia permitir isso.
Por conta disso, Kimerberly Craft (2009) comenta que por volta de março de 1610 surgiram boatos de que a condessa Bathory era uma assassina, matando ou mandando matar jovens mulheres. Não se sabe de onde tais boatos surgiram, mas eles chegaram aos ouvidos do primeiro-ministro Thúrzu e até do próprio rei. Porém, uma medida propriamente falando somente foi tomada no final do ano, como visto anteriormente, quando o ministro invadiu o castelo da condessa em 29 de dezembro.
Após sua prisão, o julgamento se operou de forma bastante rápida e nada justa. Testemunhas foram ouvidas sem nenhum rigor, a papelada do processo depois não foi encontrada. Bathory já por volta de fevereiro ou março tinha sido condenada a prisão domiciliar, nesse tempo ela escreveu cartas as familiares e amigos, pedindo ajuda para ser julgada de forma justa. Thúrzu cogitou lhe dar pena de morte, mas por motivos não conclusivos, o rei Matias II interviu na situação e mediante o Parlamento, ordenou que Bathory fosse sentenciada a prisão perpétua no castelo dela. Além disso, parte de suas propriedades e rendas foram confiscadas pela coroa, embora a parte já dada aos seus filhos, foi mantida. Naquela época, suas filhas e filho já estavam casados, e até tentaram provar a inocência da mãe, como consta em cartas trocadas por eles e enviadas ao primeiro-ministro, ao rei e outros nobres, mas nada adiantou. (CRAFT, 2009).
A lenda da condessa sangrenta
Ao longo da sua vida Erzsébet Bathory não teve destaque e problemas. Viveu cuidando de suas propriedades, filhos e do marido quando esse voltava da guerra. Embora houvessem boatos de que a condessa fosse rude com os servos. Porém, também circulavam boatos de que a condessa era infiel e até teria casos com mulheres também. Entretanto, as denúncias de uma suposta série de assassinatos somente surgiu em 1610.
As acusações e o julgamento de Erzsébet Bathory ainda são envoltas em mistérios, pois nenhuma documentação concreta a respeito foi achada, apenas recortes e menções indiretas. Não se sabe a identidade das testemunhas de acusação, além de ter ocorrido falso testemunho, já que a condessa tinha inimigos. Se desconhece o processo judicial. Embora uma das supostas provas foi um diário que pertenceria a condessa, onde ela teria escrito que mandava matar jovens mulheres virgens. Supostamente nesse diário haveria uma lista com 650 nomes das vítimas de Bathory.
Os motivos para Bathory se tornar uma sociopata são inconclusivos. Alguns chegaram a teorizar que ela sofria de epilepsia na infância, e um tratamento da época era dar sangue para ela beber. Mas isso é bastante incoerente, pois doenças como febre reumática e epilepsia poderiam ser tratadas com sangria, ou seja, ao invés de ela ingerir sangue, seria o sangue dela a ser descartado. (CRAFT, 2009).
Outro motivo para sua crueldade alegava-se que ela teria problemas mentais, mas nada disso foi confirmado. Bathory viveu seus 54 anos, sem apresentar indícios de problemas mentais. Não obstante, outra teoria sugeria que ela era obcecada pela beleza, então passou a tomar banho no sangue de virgens, pois isso supostamente ajudaria a manter a pele jovem. Devido a essa vaidade exacerbada, ela ao longo da vida, mandou matar centenas de jovens. Sobre isso, alguns alegavam que Bathory aprendeu essa prática sangrenta com uma bruxa, pois a condessa era afeita a bruxaria. (CRAFT, 2009).
Quanto ao ato de ela ser cruel com os servos, mandando castigá-los, isso não era incomum, afinal, eram tempos de escravidão moderna, onde em outros lugares do mundo, coisa pior acontecia. O mais exagerado seriam as atrocidades a ela imputadas e seus criados. Dessa forma, Erszébet Bathory foi vítima da sociedade de seu tempo, condenada por crimes que não cometeu, entrando para a História como uma terrível e cruel assassina, a "condessa sangrenta".
Mais tarde no século XIX, com a popularização da literatura gótica e narrativas de terror sobre vampiros, surgiram menções de que Erzsébet Bathory teria sido uma vampira. Por essa época, as histórias de ela ter sido uma sanguinária condessa que mandou matar centenas de pessoas e torturar várias outras já tinham se tornado lendas sombrias que circulavam pela Hungria e outros países europeus. Estigma esse que inspirou livros, filmes, músicas, desenhos e jogos ao longo do século XX.
NOTA: A Condessa Drácula (1917) e o primeiro filme conhecido sobre Bathory, tratando-se de um curta-metragem de terror.
NOTA 2: Bathory foi o nome de uma banda sueca de metal, em atividade de 1983 a 2004.
NOTA 3: No jogo Castlevania Bloodlines (1994), a condessa é uma das vilãs da trama.
NOTA 4: Tivemos alguns filmes históricos e dramáticos baseados na vida da condessa como Bathory (2008) e A Condessa (2009).
NOTA 5: O livro Dracula the Un-dead (2009) é uma continuação do romance original, escrita por Drace Stoker, descendente de Bram Stoker. Nesse livro a condessa Bathory é uma vampira e a antagonista da história.
NOTA 6: No jogo Resident Evil Village (2021), a vilã Lady Alcina Dimitrescu é inspirada em Bathory.
NOTA 7: Na série animada Castlevania: Noturno (2023-presente), a condessa Bathory aparece como uma poderosa vampira, sendo a antagonista da história.
Referências bibliográficas:
CRAFT, Kimberly L. Infamous Lady: The True Story of Countess Erzsébet Báthory. Edição da autora, 2009.
CRAFT, Kimberly L. The Private Letters of Countess Erzsébet Báthory. Edição da autora, 2011.
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