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Leandro Vilar

segunda-feira, 23 de junho de 2025

Francesco Matarazzo: o fundador de fábricas

Italiano de origem, vendeu tudo que tinha para tentar uma vida como empreendedor no Brasil, porém, teve um começo bastante difícil, já que seus investimentos afundaram. Apesar disso, Matarazzo não desistiu e empenhou-se em alternativas para se recuperar do prejuízo. Anos depois começou a despontar como um empreendedor nato e industrial, tendo fundado mais de uma centena de fábricas pelo país, o que lhe rendeu a alcunha de o "fundador de fábricas" ou "fabricante de fábricas", tornando-o o homem mais rico do Brasil por algum tempo. O presente texto contou um pouco da história de sua carreira como comerciante, empreendedor e industrial. 

Introdução

Nascido Francesco Antonio Maria Matarazzo (1854-1937) na comuna de Castellabate, na província de Salerno, era o filho mais velho de Costabile Matarazzo (1830-1873) e Mariangela Jovane (1835-1925). Seu pai era advogado e proprietário de alguns lotes de terra, já sua mãe era dona de casa. O casal teve nove filhos. Devido as condições financeiras da família, Francesco foi enviado para estudar fora da sua cidade. Adulto, casou-se com Filomena Sansivieri, com quem teve treze filhos. (COUTO, 2004). 

Retrato de Francesco Matarazzo em 1920. 

Na década de 1870 a economia do sul da Itália começou a declinar devido a política-econômica que favorecia mais as províncias nortenhas. Enquanto o norte desenvolvia fábricas e indústrias, o sul era predominantemente agrário. As mudanças nos tributos, impostos, investimentos etc., comprometeram o desenvolvimento econômico do sul do país, gerando falência e desemprego. Por essa época, o pai de Francesco tinha falecido desde 1873, levando-o até que cuidar dos negócios da família. Como não concluiu a universidade, ele não possuía uma profissão que demandasse diploma, diferente do seu pai que foi advogado. Assim, Francesco tratou de administrar as poucas propriedades da família, herança de seu pai e avós. (COUTO, 2004). 

Mas com o aumento da crise, tendo dois filhos pequenos para cuidar, além do seus outros irmãos que eram menor de idade, Francesco após alguns anos, considerou que deveria mudar de país. Naquele tempo a política migratória para o Brasil seguia em alta. O governo brasileiro vendia a imagem de que o café era um grande investimento, e a mão de obra italiana conseguia trabalho facilmente. Entre meias verdades, realmente o governo brasileiro investiu pesado na propaganda migratória para italianos e alemães, como parte de substituir a mão de obra escrava que começa a ser gradativamente libertada, mas também como medida para embranquecer a sociedade brasileira, visto que a mestiçagem era considerada um problema crônico do Brasil, tendo gerado um povo "degenerado". 

Assim, Francesco iniciou seus contatos com italianos que tinham parentes que migraram para o Brasil, além de empresas que prestavam serviços por lá. Uma das mercadorias que lhe chamou atenção era o comércio de venda de banha de porco. Naquele tempo no Brasil, pouco se usava manteiga, o azeite era luxo importado, óleos vegetais eram vistos como inapropriados e nem havia fábricas para produzi-lo em escala. Assim, a banha era o principal ingrediente culinário. Tendo isso em mente, Francesco vendeu parte de suas propriedades, deixando de direito aos irmãos, então reuniu sua esposa e filhos, comprou um carregamento de banha e partiu para o Brasil, a fim de tentar vida nova. (MARTINS, 1973). 

Todavia, o navio que transportava sua carga de banha, ao atracar no porto de Santos, enquanto era descarregado, houve um acidente e o carregamento caiu no mar, dando perda total. Os investimentos de Matarazzo literalmente foram por água abaixo. Mas sem entrar em desespero, ele recorreu ao Consulado Italiano, pedindo empréstimos para comprar nova carga, depois disso mudou-se para Sorocaba no interior da província de São Paulo. (COUTO, 2004). 

O vendedor de banha

Embora seja lembrado como um grande industrial, Matarazzo teve um começo bem pequeno, já que era vendedor ambulante (mascate) de banha em Sorocaba, uma pequena cidade em desenvolvimento no interior de São Paulo, rodeada por fazendas de café, contando com o aumento de imigrantes italianos, além de rede de tropeiros. Pode parecer estranho que ele tenha escolhido esse local para ir viver e trabalhar, mas a escolha foi bem pensada. (COUTO, 2004). 

Sorocaba na década de 1880 era uma cidade que se industrializava e crescia rapidamente. Possuía malha ferroviária graças aos barões do café, tinha fábricas de tecidos e fundição. Concentrava uma população de italianos que chegavam anualmente. Pensando na colaboração de seus compatriotas, Matarazzo enxergou a possibilidade de vender banha para as famílias italianas que viviam em Sorocaba, depois para os próprios brasileiros. Além disso, a concorrência desse mercado não era grande. Somando-se a essa perspicácia e o trabalho árduo, pois Matarazzo passava várias horas do dia indo de casa em casa vender seu produto, somente meses depois ganhou parceiros comerciais em armazéns. (COUTO, 2004). 

O resultado de seu trabalho duro repercutiu em 1882, quando ele comprou um armazém, tornando-se dona de sua própria loja, sem necessidade de ter que atuar como mascate. Embora à venda de banha fosse sua principal mercadoria, ele passou a comercializar outros bens também. Mas passados alguns meses, percebendo que a demanda seguia em alta, mas o preço da banha que ele comprava para revender era um empecilho para ampliar seus lucros, decidiu por ele mesmo produzir sua própria banha. Assim, ele comprou um imóvel ao lado de seu armazém e o tornou numa rudimentar fábrica de banha, passando a comprar dos produtores locais carne de porco para produzir banha. Embora tenha empregado inicialmente sua família e depois empregados, no entanto, ao romper a necessidade de ter que importar banha para revender, o lucro aumentou, levando-o a trazer sua mãe e irmãos da Itália. (MARTINS, 1973). 

Fotografia do armazém e frigorífico do Matarazzo, em Sorocaba.

Posteriormente, ele abriu uma pequena fábrica de banha em Capão Bonito, distante 130 km, no entanto, ali por estar mais próxima de fazendas de criação de porcos, favorecia o acesso ao produto. Além disso, Matarazzo também passou a atuar como açougueiro, vendendo carne suína. Graças a linha férrea, o transporte não era um problema. Dessa forma, em 1885, Matarazzo era dono de um armazém e de duas pequenas fábricas de banha, mas havia outro detalhe a ser resolvido: o armazenamento. A banha era vendida em latas, mas essas eram importadas. Assim, pensando em contornar essa dependência, ele abriu uma pequena fábrica de produção de latas, valendo-se da existência de fundições em Sorocaba, as quais forneciam a matéria-prima necessária. (MARTINS, 1973). 

Mudança para São Paulo

Em oito anos vivendo em Sorocaba, Francesco Matarazzo foi de um simples mascate a empresário possuindo um negócio de banha e enlatados, que lhe rendeu capital suficiente para levá-lo a mirar em novos projetos. Assim, ele se uniu a três de seus cinco irmãos para montar uma empresa em São Paulo, nomeada Matarazzo e Irmãos. No entanto, o projeto acabou não dando certo por desentendimento dele com os irmãos, assim, depois de um ano a empresa foi dissolvida. Porém, Matarazzo usando seu capital de giro e contatos que tinha desenvolvido nos últimos anos, fundou a Companhia Matarazzo S.A, vendo ações delas para vários acionistas que implantaram capital no projeto. (COUTO, 2004). 

A nova empresa gestava as fábricas em Sorocaba e em Porto Alegre, essas fundadas pelo seu irmão Giuseppe, além disso, Matarazzo abriu armazéns e entrou no circuito de importação e revenda. Ele passou a negociar trigo e arroz, dois cereais em alta na época. Dessa forma, a década de 1890 foi promissora para Matarazzo, fazendo-o acumular uma fortuna rapidamente graças a sua visão de negócio e o apoio de alguns irmãos e dos acionistas. O resultado disso culminaria em seu grande projeto de fundar um moinho. 

Em 1900 diante da crise de importação de trigo, Matarazzo pediu empréstimo ao Banco London and Brazilian para construir um enorme moinho no bairro do Brás. O investimento apesar de elevado, trouxe o retorno esperado. Seu enorme moinho se tornou um prédio icônico no Brás. Para maximizar a produção e manutenção, Matarazzo também abriu uma oficina de reparos na fábrica e depois uma fábrica de sacos de farinha, mais tarde fundou uma fábrica têxtil de algodão. Dessa forma, ele conseguia produzir farinha e os sacos, posteriormente foi adquirindo uma frota de caminhões. No ano de 1902 transformou sua oficina de reparos numa metalúrgica, o que ajudou a potencializar seus negócios, já que o crescimento industrial de São Paulo demandava grandes quantidades de metal regularmente. (MARTINS, 1973). 

Moinho de Matarazzo no bairro do Brás, em São Paulo. 

O moinho potencializou o lucro da empresa de Matarazzo, permitindo-o comprar fábricas e empresas para consolidar seu sistema de produção. Matarazzo defendia uma visão de investimentos na qual ele pudesse controlar vários aspectos da sua linha de produção, o que incluía o fornecimento de embalagens, matéria-prima e transporte. Dessa forma, ele ampliou sua frota de caminhões, chegou a comprar navios de carga mais tarde, adquiriu fábricas de tecidos, de óleo, de enlatados, entre outros produtos. 

Assim, Matarazzo na década seguinte ampliou seus negócios por São Paulo e até em outros estados. Dessa forma, em 1911 ele fundou as Indústrias Reunidas Fábricas Matarazzo (IRFM), o primeiro conglomerado industrial e empresarial do Brasil, o maior do país e até da América Latina no começo do século XX. Em seu auge, Matarazzo contou com pelo menos 30 mil funcionários e mais de 200 fábricas pelo Brasil. (MARTINS, 1973). 

O milionário bem quisto

No começo do século XX, Francesco Matarazzo já era milionário, um dos homens mais ricos do Brasil, que consequentemente se tornaria o mais rico. Ele vivia com sua família na chamada Mansão Matarazzo, uma suntuosa residência na Avenida Paulista, conhecida por sua beleza arquitetônica e requinte. Matarazzo não mediu fundos para construir sua mansão e decorá-la. Sua imponente residência se tornou símbolo do glamour da sua família e do seu conglomerado industrial. (MARTINS, 1973). 

Por essa época, Matarazzo estava cada vez mais próximo da imprensa, dos políticos e da população. Em distintos momentos ele recebeu convites para entrar na política, a fim de se candidatar a vereador e deputado, mas recusou todos eles. Diferente do Barão de Mauá, industrial da época imperial que foi deputado federal, Matarazzo decidiu jamais assumir cargos políticos, mas não significou que não tivesse contato com a política. Ele conseguiu vários acordos econômicos com a prefeitura e o governo do estado de São Paulo, além de ter contato com presidentes, senadores e políticos de outros estados. Em sua mansão era regular almoços e jantares com empresários, industriais, políticos, embaixadores etc. 

Mansão Matarazzo durante a década de 1910. 

Mas além desse contato com a elite paulista, Matarazzo também tinha o hábito de visitar regularmente suas empresas e fábricas, além de fazer aparições públicas em eventos. O mesmo também gostava de conversar com seus funcionários quando possível e eventualmente dar entrevistas. Por conta disso, ele se tornou um milionário bem quisto socialmente, tanto por ajudar no desenvolvimento industrial do país, financiar vários projetos, assim como, empregar uma grande quantidade de trabalhadores. Ele também se mostrou benfeitor, ajudando em projetos e caridade e assistencialismo. Um dos seus feitos foi a construção do Hospital Matarazzo - Umberto I em 1904

Enquanto a riqueza de Matarazzo deslanchava de vento em popa, a Europa entrou numa profunda crise com a eclosão a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). A Itália, sua terra natal, foi um dos países que entrou no mortífero conflito, saindo desse em 1917, após uma campanha desastrosa que repercutiu em mais condições negativas do que positivas. Enquanto o mundo via o desenrolar da sangrenta guerra que vitimou mais de 10 milhões de pessoas, Matarazzo doou dinheiro ao governo italiano para ajudar as vítimas e na reconstrução do país. (MARTINS, 1973). 

No ano de 1917 em reconhecimento ao apoio financeiro prestado ao país, o rei Vittorio Emanuele III concedeu o título de conde a Matarazzo, o qual viajou a Itália com a família para receber a grande honraria. De um plebeu filho de advogado e dona de casa, passando por industrial milionário no Brasil, agora aos 63 anos ele conquistou um título de nobreza, o qual inclusive foi herdado por seus filhos. Aproveitando o renome como novo conde, Matarazzo tratou de casar suas filhas e filhos com nobres italianos. Além disso, ele passou a morar no país até 1919(MARTINS, 1973). 

Retornando ao Brasil em 1919, Matarazzo comprou uma transportadora naval para exportar suas mercadorias para a Europa e os Estados Unidos, comprou fazendas, adquiriu uma fábrica de bebidas anteriormente pertencente a Antártica, fundou fábricas de produtos químicos, abriu novos frigoríficos e até comprou os direitos de distribuição de filmes americanos no Brasil, já que o cinema começava a se espalhar timidamente pelo país. 

Na década de 1920 a Itália já estava sob governo da ditadura fascista (1922-1945) de Benito Mussolini, o qual veio a se tornar aliado de Adolf Hitler, auxiliando a Alemanha nos primeiros anos da vindoura Segunda Guerra (1939-1945). Mas enquanto tal nova guerra mundial não acontecia, Matarazzo para garantir suas conexões políticas e econômicas com a Itália, passou a apoiar a ditadura de Mussolini, mesmo que nunca tenha se declarado fascista. Para Matarazzo, a nobreza e a elite italiana, o governo de Mussolini, apesar de autoritário, se mostrava patriótico, nacionalista e preocupado em reestruturar o país. De fato, houve melhorias, mas a custa de uma série de problemas. Apesar disso, seu apoio a ditadura fascista foi uma das marcas negativas de seu governo. Embora que Matarazzo não viveu para ver a eclosão da Segunda Guerra. (MARTINS, 1973). 

Mas não foi apenas o apoio do ditador fascista que Matarazzo conquistou. Ele também trouxe para si o apoio dos presidentes Washington Luís e Getúlio Vargas. Oficialmente Matarazzo não declarou apoio a Getúlio durante a Revolução de 1930, tampouco aderiu a Revolução de 1932, promovida por setores paulistas revoltados com o golpe promovido por Vargas e a Aliança Liberal. Em ambas as ocasiões Matarazzo optou por neutralidade. Mas passado esses momentos de efervescência, sua conexão com Vargas manteve-se até o fim da vida. (MARTINS, 1973). 

Considerações finais

Apesar de idoso, Matarazzo manteve-se à frente de seus negócios até onde a saúde lhe permitiu, vindo a falecer a 10 de fevereiro de 1937, aos 82 anos, meses antes do golpe de Getúlio Vargas para criar o Estado Novo (1937-1945). Como Matarazzo teve 13 filhos com Filomena, mulher com que se manteve casado até o fim da vida, ele decidiu escolher entre eles para ser seu sucessor. Seu primogênito era Giuseppe, depois dele vinha Andrea e Ermelino. Dos três filhos mais velhos, Matarazzo considerou Ermelino o mais responsável por dirigir os negócios, inclusive o mesmo fez isso entre 1917 e 1919, quando esteve à frente da IRFM durante a estada do pai na Itália. (COUTO, 2004). 

No entanto, Ermelino morreu num acidente de carro na Itália, em 1920, chocando profundamente a família. Com a morte de seu herdeiro predileto para assumir os negócios, Matarazzo adiou tais planos. Seus outros filhos já tinham suas empresas e agiam como sócios também do conglomerado do pai, porém, o novo herdeiro foi Francesco Matarazzo Júnior (1900-1977), seu décimo segundo filho, o qual ficou popularmente conhecido como Conde Chiquinho por ter herdado o título do pai. (COUTO, 2004). 

Chiquinho Matarazzo ainda conseguiu manter os negócios da família até sua morte, dirigindo as empresas e fábricas por quatro décadas, porém, sua gestão bem distinta da do pai, testemunhou o gradativo encolhimento da fortuna e negócios da família. Apesar disso, o legado de seu pai como maior industrial do Brasil entre 1900 e 1937 não foi apagado. No auge de sua carreira de negócios, Francesco Matarazzo tinha se tornado bilionário e senhor de mais de 250 empresas e fábricas. 

NOTA: A Mansão Matarazzo existiu de 1896 a 1996, quando devido a falência da família, o imóvel foi confiscado pelo governo para saudar dívidas. Em 1989 houve o projeto de torná-lo um museu custeado pela prefeitura, mas a família foi contrária e entrou na justiça. Passados alguns anos, o governo desistiu de fazer um projeto e a mansão foi a leilão, vindo a ser demolida em 1996 para dar espaço ao Shopping Cidade São Paulo. 
NOTA 2: O Hospital Matarazzo - Umberto I foi desativado em 1993, sendo vendido e abrigando galeria de arte, casa de eventos e exposições. Atualmente seu complexo compreende a Cidade Matarazzo, que incluirá hotéis de luxo. 
NOTA 3: Todos os treze filhos de Matarazzo se casaram com indivíduos de famílias ricas, alguns oriundos da nobreza italiana. 
NOTA 4: A IRFM faliu na década de 1990, pondo fim a quase cem anos de atividades. 
NOTA 5: Quando Matarazzo começou a montar seus negócios de banha em Sorocaba, o Barão de Mauá, famoso industrial brasileiro ainda era vivo, apesar que naquele tempo tinha entrado em falência, perdendo suas fábricas e empresas. 

Referências bibliográficas
COUTO, Ronaldo Costa. Matarazzo: O colosso brasileiro. São Paulo, Editora Planeta, 2004. 
MARTINS, José de Souza. Conde Matarazzo, o empresário e a empresa: estudo de sociologia do desenvolvimento. São Paulo, Hucitec, 1973. 

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