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Leandro Vilar

sexta-feira, 19 de setembro de 2025

O imaginário europeu sobre o Brasil colonial nos séculos XVI e XVII

O presente estudo apresentou alguns imaginários sobre o Brasil Colonial a partir de fontes portuguesas, alemãs e holandesas, mostrando a percepção de fascínio, exotismo, estranheza, beleza e repúdio que os europeus possuíam pelo Brasil ao longo de quase duzentos anos de colonização. 

Conceito de imaginário

A palavra imaginário advém do latim imago, que é a raiz para as palavras imagem e imaginar. Nesses três casos, essas palavras estão associadas com a representação de algo. A imagem representa algo real ou fictício, seja um desenho, uma pintura, uma fotografia. A imaginação está associada com a capacidade de criatividade e inovação, as quais nos permitem produzir artes, ciências, ideias, e até mesmo usadas para contar histórias e brincar. Assim, o imaginário como seus irmãos, possuem essa concepção de ser a representação de algo, no caso, podendo ser uma idealização ou não.

A historiadora Sandra Pesavento escreveu a seguinte definição a partir do estudo histórico, em que:

"imaginário é, pois, representação, evocação, simulação, sentido e significado, jogo de espelhos onde o “verdadeiro” e o aparente se mesclam, estranha composição onde a metade visível evoca qualquer coisa de ausente e difícil de perceber. Persegui-lo como objeto de estudo é desvendar um segredo, é buscar um significado oculto, encontrar a chave para desfazer a representação do ser e parecer (PESAVENTO, 1995, p. 24).

Para Pesavento o imaginário em seu âmbito social, se expressa por símbolos, ritos, crenças, discursos e representações alegóricas figurativas. O historiador Jacques Le Goff, renomado por seus estudos sobre a França medieval, trabalhou com o imaginário, destacando-se alguns livros seus, o primeiro foi O imaginário medieval (1985), obra na qual ele tratou o tema ao analisar várias formas pelas quais o imaginário se manifestava. Assim, em cada uma das partes do livro, Le Goff trabalhou com ideias de lugares como florestas, desertos, montanhas e cidades, o tempo, o Purgatório, o corpo humano na moral cristã, os sonhos, a vidência etc. O livro de Le Goff mostra como o imaginário pode ser estudado pelo historiador a partir de diversas temáticas e objetos de estudo.

A respeito, ele assinalou alguns aspectos para o estudo do imaginário pelo historiador: 1) o imaginário é pautado por símbolos, os quais permeiam múltiplos significados e estão enraizados nas culturas e sociedades. 2) imaginário e ideologia se complementam, o segundo procura embasar um discurso defendendo ideias geralmente políticas, morais e religiosas, as quais se unem ao imaginário para se representarem. 3) os documentos podem apresentar características de imaginários do poder, da sociedade, do tempo, da justiça etc. 4) muitas das fontes do imaginário advêm das obras literárias e artísticas, produzidas por artistas que com base em suas sociedades, culturas, crenças, ideologias e ideias próprias, representavam os imaginários que tinham contato. 5) o imaginário tende as vezes ter um forte apelo ao visual, desenvolvendo toda uma iconografia a respeito.

"Neste aspecto a história do imaginário é menos audaciosa, pois se mantém no universo do homem. Mas nós sabemos cada vez melhor, com a psicanálise, com a sociologia, com a antropologia, com a reflexão sobre os meios de comunicação social, que a vida, quer do homem quer das sociedades, está tão ligada a imagens como a realidades mais palpáveis. Essas imagens não se restringem às que se configuram na produção iconográfica e artística: englobam também o universo das imagens mentais. [...]. As imagens que interessam ao historiador são imagens colectivas, amassadas pelas vicissitudes da história, e formam-se, modificam-se, transformam-se. Exprimem-se em palavras e temas. São-nos legadas pelas tradições, passam de uma civilização a outra, circulam no mundo diacrônico das classes e das sociedades humanas. E pertencem também à história social sem que, no entanto, nela fiquem encerradas". (LE GOFF, 1994, p. 16).

O segundo livro de destaque de Le Goff, se refere ao Nascimento do Purgatório, no qual ele analisou aspectos simbólicos, religiosos e mitológicos que moldaram o surgimento da concepção do Purgatório como um terceiro lugar para as almas dos cristãos, um meio termo entre o Paraíso e o Inferno. Fato esse que embora o Purgatório se tratasse de um mundo no Além, sua descrição foi difundida por pintores e escritores, servindo de base para o senso comum acerca de como poderia ser esse lugar espiritual.

"Mas penso que o Purgatório como crença impôs-se também por outras vias, e essas vias interessam-me particularmente porque informam mais sobre a relação entre crença e sociedade, sobre as estruturas mentais, sobre o lugar do imaginário na história. Não ignoro que, para a teologia católica moderna, o Purgatório não é um lugar, mas um estado. Os Padres do concílio de Trento, ansiosos neste ponto como nos restantes, por evitar a contaminação da religião pelas «superstições», deixaram de fora do dogma o conteúdo da ideia de Purgatório. Assim, nem a localização do Purgatório nem a natureza das penas que lá se sofrem foram definidas pelo dogma e antes foram deixadas à liberdade das opiniões". (LE GOFF, 1995, p. 27).

O historiador Georges Duby em seu clássico A Três Ordens ou o Imaginário do Feudalismo (1978), referia-se ao imaginário como um discurso sobre a realidade presente ou anterior. Ele decidiu analisar a sociedade feudal não apenas por suas estruturas políticas, legais e sociais como Bloch fez, mas compreender como as pessoas do período compreendiam aquela sociedade, realidade, costumes e tradições. Dessa forma, Duby trabalhou o imaginário como sendo um discurso, uma idealização, e até o resultado de certas nostalgias e sonhos interrompidos ou planejados.

"A história – que tento fazer aqui é a história dos fantasmas. Nesta história do imaginário, a invasão da ideologia cluniacense inicia, no segundo quarto do século XI, um período de deslumbramento. Seguros da vitória, os monges, detentores do imenso poder dado pelo monopólio da mais alta cultura, acalentaram o projecto de uma sociedade toda ela organizada em função da comunidade monástica, e cuja parte carnal seria como que absorvida pela angelismo". (DUBY, 1994, p. 201).

Já o historiador Hilário Franco Júnior (2010), baseado nos trabalhos de Jacques Le Goff e Georges Duby, concebeu o imaginário como uma representação da realidade, não algo oposto a mesma, mas que consista numa forma de compreender o real, geralmente pautado em algum tipo de idealização boa ou ruim, por sua vez, ele se manifesta através de diferentes tipos de linguagens e está vinculando a ideologias que consistem em um reflexo dos sistemas de valores, crenças e ideias de uma época, lugar, sociedade, cultura etc.

Dadas essas definições de imaginário por historiadores, como esse conceito poderia ser estudado numa pesquisa histórica? Como ele pode ser trabalhado por um viés historiográfico? A respeito, Cerqueira escreveu:

"O estudo do imaginário significa buscar articular na compreensão do social os níveis imaterial (ideologias, mentalidades, língua, convenções sociais, etc.) e do material (economia, natureza, mundo dos objetos, organização urbana, etc.) e percebê-los, de forma intertextual, nos mais variados tipos de significantes (expressões): desenhos, odores, sons, risos, ritmos, melodias, vestimentas, frases, palavras, traços, objetos, gestos, lemas, crenças, categorias sociais e culturais, etc". (CERQUEIRA, 1994, p. 60).

O imaginário sobre o Brasil colonial no século XVI

No final da década de 1970 o professor palestino-estadunidense Edward Said (1935-2003) ganhou notoriedade no mundo acadêmico pelo seu livro Orientalismo (1978), explicando que a ideia que o Ocidente possuía ainda no século XX sobre o Oriente, era pautada num imaginário construído ao longo de séculos, mesclando estereótipos, fantasias, lendas, exuberância, ostentação, desertos, selvas, barbárie e civilizações exóticas.  Assim, Said argumentou que a ideia de Oriente foi uma construção do Ocidente, que acabou rendendo percepções antiquadas e até preconceituosas dos povos asiáticos.

No entanto, não foi apenas a Ásia quem foi imaginada pelos europeus, mas as Américas também passaram pelo mesmo. Após a chegada de Cristóvão Colombo ao Caribe em 1492, dava início a colonização europeia do vindouro Novo Mundo. A própria noção de “novo mundo” consistiu num imaginário europeu sobre aquelas terras ocidentais para além do Atlântico. Da mesma forma que o Oriente foi construído sob uma perspectiva de diferença entre a civilização branca e cristã da Europa contra a civilização miscigenada pagã dos asiáticos, os povos das Américas vivenciaram a mesma relação, inclusive de forma até mais bruta, equiparável ao que povos africanos viveram também.

O Novo Mundo, Américas ou Índias Ocidentais, termos pelos quais os europeus se referiam a esses continentes entre os séculos XVI e XVIII, tornaram-se um aglutinado de estereótipos e antíteses ao modelo de civilização europeia. Ora referido por alguns como um paraíso terrestre, onde seus moradores viviam nus e ingênuos como Adão e Eva no Éden, ora referido como uma terra exuberante de florestas luxuriosas e quentes, infestadas de animais e pessoas selvagens, sem nenhum conhecimento de civilidade. E o Brasil estando nas terras do Novo Mundo, não fugiu a essas descrições e imaginações (OLIVEIRA, 2013).

Alegoria da América. Gravura de Adriaen Collaert e Marten de Vos, séc. XVI. A imagem mostra a América como uma guerreira indígena sentada num tatu gigante. Ao fundo à esquerda temos supostos animais nativos e à direita, indígenas lutando contra os colonizadores. 

Nas primeiras décadas do século XVI, um imaginário idealista e positivo do Novo Mundo como sendo os resquícios do Éden terreno, se difundiu na Europa ocidental. As descrições feitas pelos europeus que visitaram aquelas terras principalmente entre 1492 e 1520, sempre destacavam a beleza “paradisíaca”, a inocência e suposta pureza dos nativos que viviam nus como o casal primordial da tradição judaico-cristã, e também a suposta falta de violência e mazelas. Acreditava-se que os indígenas não fossem agressivos, mas pacíficos, assim como, sua alimentação saudável os tornavam belos e bastante sadios (HOLANDA, 2000).

O padre jesuíta Fernão Cardim (c. 1549-1625) viveu no Brasil por vários anos, entre os séculos XVI e XVII, sendo autor dos livros Tratados da Terra e da Gente do Brasil, em cujas obras ele descreveu a fauna, flora, geografia e alguns costumes dos povos indígenas. No entanto, chama atenção no seu primeiro tratado a seguinte informação: “O clima do Brasil geralmente é temperado de bons, delicados, e salutíferos ares, donde os homens vivem muito até noventa, cento e mais anos, e a terra é cheia de velhos” (CARDIM, 2013, p. 3). O relato do padre Cardim apresenta o imaginário dos europeus quanto a expectativa de vida dos indígenas no Brasil, sob alegação que eles viveriam bastante tempo por levarem uma vida calma e saudável.

Mas esse imaginário utópico nem sempre foi uma constante. Da mesma forma que temos homens como Fernão Cardim elogiando algumas características dos povos indígenas, outros criticaram severamente esses povos, como o caso do aventureiro e mercenário alemão Hans Staden (c. 1525 – c. 1576), o qual por duas vezes esteve no Brasil, participando de missões nas capitanias de Pernambuco e de São Vicente.

Os relatos de sua viagem se tornaram um livro intitulado Duas viagens ao Brasil (1557), que lhe rendeu certa popularidade. Staden como um europeu letrado de seu tempo, decidiu relatar as maravilhas e estranhezas das “novas terras”, dessa forma, sob uma visão bastante negativa dos povos indígenas brasileiros, ainda assim, ele nos legou importantes descrições sobre os costumes de alguns desses povos. Porém, a forma como Staden fez isso adentrou o campo do imaginário, pois ele mesclou o que viu e ouviu, com suas opiniões e ideias que circulavam em seu meio. Na introdução de seu livro pode-se ler:

"Descrição verdadeira de um país de selvagens nus, ferozes e canibais, situado no novo mundo América, desconhecido na terra de Hessen antes e depois do nascimento de Cristo, até que, há dois anos, Hans Staden de Homberg, em Hessen, por sua própria experiência, o conheceu e agora a dá à luz pela segunda vez diligentemente, aumentada e melhorada". (STADEN, 2013, p. 7).

Logo nas primeiras páginas fica evidente o tom da mensagem que o autor quis passar de forma enfática: era uma descrição verdadeira de um país nas Américas, habitado por povos que viviam nus, sendo ferozes e canibais. Essa imagem se tornou generalizada na literatura portuguesa, espanhola, inglesa, francesa, holandesa e alemã, de que os povos indígenas das Américas seriam todos bárbaros e canibais, embora que mais tarde alguns autores notaram diferenças civilizacionais, apontando que alguns povos na América Central e nos Andes eram mais avançados em questões urbanísticas, apesar de ainda serem pagãos, hereges e bárbaros. Esse imaginário negativo consistiu em uma antítese ao Velho Mundo.

Hans Staden aterrorizado diante do ritual canibalista dos tupinambás. Pintura colorizada de Theodor de Bry, c. 1630.

"Os europeus não eram iguais aos ameríndios: a superioridade dos primeiros respaldava a conquista, a colonização e a catequese. Os nativos desconheciam o cristianismo, menosprezavam o ouro e a idéia de trabalho tal como concebida pelos colonizadores. Portanto, eram considerados seres degenerados, decaídos e necessitados da intervenção européia para tomar os rumos de uma vida melhor, uma vida pautada nos mesmos princípios e valores da cultura ocidental". (RAMINELLI, 1996, p. 13).

Se ainda hoje é possível ouvir pessoas falarem que “índios são preguiçosos, boçais, arredios, matutos, desconfiados, vagabundos, traiçoeiros” e toda uma variedade de adjetivos negativos que permeiam o estereótipo de ser indígena no Brasil, no entanto, esse imaginário é bastante antigo, remontando aos tempos coloniais quando ele se desenvolveu.

Embora houvesse essa visão dúbia sobre os indígenas nas primeiras décadas do século XVI, no entanto, tudo aquilo ainda era tratado como algo exótico e fabuloso, que atiçava a curiosidade dos europeus quanto aquelas terras ainda desconhecidas para eles, habitadas por povos nunca antes vistos, os quais alguns viviam nus, mas outros eram bárbaros e canibais. Esse imaginário do exotismo se difundiu por vários meios sociais das nações europeias.

"O fascínio e maravilhamento da Europa renascentista com aquelas terræ incognitæ que aos poucos iam se mostrando muito maiores e mais complexas do que podia imaginar qualquer um, por mais fantasioso que fosse, fazia-se presente tanto nas conversas de tavernas lotadas de marinheiros à beira de um cais qualquer do Mediterrâneo ou do Atlântico Norte, como também nos salões da nobreza europeia". (OLIVEIRA, 2013, p. 28).

Não é de se admirar que indígenas que foram levados à Europa, foram tratados como seres exóticos, apresentados em bailes e banquetes nos salões da aristocracia e da nobreza. Assim como, adornos indígenas e pinturas retratando cenários do Novo Mundo, estiveram em moda em alguns países europeus (OLIVEIRA, 2013).

Mas nem só dos indígenas o imaginário do Brasil colonial se fez, a descrição da terra, da sua flora e fauna e supostas criaturas estranhas também marcaram a construção dessa visão exótica sobre a América Portuguesa. Assim, avançando mais algumas décadas na colonização lusitana nos deparamos com importantes crônicas sobre o século XVI, as quais apresentam o deslumbre de seus autores quanto a riqueza natural daquela estimada colônia.

O senhor de engenho Gabriel Soares de Sousa (1540-1591) escreveu o Tratado Descritivo do Brasil em 1587, exaltando a natureza do Brasil, especialmente da Capitania da Bahia de Todos os Santos, onde ele vivia. Condição essa que Sousa solicitava do então rei Filipe I (Filipe II de Espanha) que ele tomasse decisões urgentes e sábias para proteger a colônia e aproveitar suas riquezas.

"É esta província mui abastada de mantimentos de muita substância e menos trabalhosos que os de Espanha. Dão-se nela muitas carnes, assim naturais dela, como das de Portugal, e maravilhosos pescados; onde se dão melhores algodões que em outra parte sabida, e muitos açúcares tão bons como na Ilha da Madeira. Tem muito pau de que se fazem as tintas. Em algumas partes dela se dá trigo, cevada e vinho muito bom, e em todas todos os frutos e sementes de Espanha, do que haverá muita qualidade, se Sua Majestade mandar prover nisso com muita instância e no descobrimento dos metais que nesta terra há, porque lhe não falta ferro, aço, cobre, ouro, esmeralda, cristal e muito salitre; e em cuja costa sai do mar todos os anos muito bom âmbar; e de todas estas e outras podiam vir todos os anos a estes reinos em tanta abastança". (SOUSA, 2013, p. 10). 

O imaginário sobre o Brasil colonial no século XVII

Mas não foram apenas os portugueses e espanhóis que redigiram obras apresentando de forma mista o imaginário do Brasil colonial, os holandeses também fizeram isso. No documento intitulado A Tocha da Navegação (1623) de autoria do capitão holandês Dierick Ruiters, ele apresentou comentários e instruções sobre o Brasil, a África Ocidental e outras localidades das Américas. Seu trabalho foi centrado em descrever a costa, rios, baías, portos, vilas e cidades, além de explanar sobre a geografia, clima, habitantes e comércio. Acerca do Brasil, Ruiters explanou:

"A terra do Brasil é quente e primitiva do mesmo modo seus naturais que são extraordinariamente inclinados aos instintos da natureza mais do que em outros lugares por onde andei, tanto os do sexo feminino como os do masculino, de modo que os pais casam as filhas logo que elas atingem seus dez ou onze anos. A vida que os mesmos levam, sob os portugueses, no Brasil não é melhor do que nas Índias Ocidentais, sob os espanhóis, sendo mais bestial que humana". (RUITERS, 1969, p. 26).

O comentário de Ruiters mesmo tendo sido redigido mais de cem anos após a chegada dos europeus ao território que se tornou o Brasil, ainda conservava a mesma visão negativa sobre seus habitantes, embora que no início tenha existido uma percepção positiva e até idílica também sobre os indígenas. No entanto, para Ruiters, a impressão era que os indígenas fossem todos iguais, gente primitiva e naturalmente amoral. Mas um detalhe que se destaca é a condição de ele perceber que os portugueses maltratavam aqueles povos, os escravizando.

Sobre isso ele escreveu que os portugueses dividiam os escravos indígenas em “categorias”. Havias os que eram hábeis no trabalho pesado, exímios na caça e na pesca, mas eram rudes e teimosos, não gostavam de serem cobrados pelo seu trabalho; em seguida tínhamos os “coitados”, de boa índole, mas tolos, dóceis e medrosos. Por fim, o terceiro grupo era referido como os “levantados”, sendo esses mais agressivos e tidos como selvagens. Ruiters considerava esse último grupo referente as tribos hostis e que não foram “civilizadas” (RUITERS, 1969).

Ritual tupinambá. Gravura de Theodore de Bry, 1631. 

Após explanar sobre os habitantes do Brasil, Ruiters passou as páginas seguintes comentando sobre a natureza brasileira. Da mesma forma que ele a elogiava, também a criticava amargamente, dizendo que no Brasil existia uma grande diversidade de “pragas” como insetos e vermes. Aqui percebe-se o imaginário presente quando ele fala que existiam matas infestadas de carrapatos, toda sorte de “bichos do pé”, que a terra era venenosa, além de mencionar que existia uma parte no interior do Brasil, entre a Amazônia e o Rio da Prata, uma terra seca e árida, habitada por grandes monstros de cabeça chata que atacavam os canaviais. Os indígenas diziam que aquele lugar foi amaldiçoado pelos seus deuses.

O historiador Bruno Miranda (2014) comentou a respeito da propaganda que a Companhia das Índias Ocidentais (West-Indische Compagnie – WIC) fez no período, a qual apresentava um discurso deveras convidativo, sob promessas de aventura e riquezas fáceis. Essa propaganda era dirigida principalmente para os homens que serviriam como soldados e marinheiros, os quais esperançosos de construir uma carreira militar ou enriquecerem servindo na companhia, eram atraídos pelas promessas de que isso em poucos anos viria acontecer após assinarem o contrato de emprego com a WIC, indo servir em suas colônias atlânticas.

Miranda assevera que a propaganda da WIC era um misto de condições reais e fantasiosas, omitindo ou suavizando problemas como o clima, a falta de alimentos, atrasos no pagamento, vários descontos no soldo, dificuldades de progressão de carreira, dificuldades na guerra contra os nativos e os colonos, violência no exército, risco de doenças, falta de assistência médica adequada etc. Apesar de tudo isso, milhares de homens seguiram ao Brasil e as outras colônias holandesas.

O imaginário que se refere ao Brasil holandês pode ser concebido de maneira que apresentava o Brasil de forma ambígua, ora retratando as belezas naturais do Brasil, mas ora também comentando sobre os perigos, o “primitivismo” dos indígenas, a escravidão e a falta de moralidade dos colonos. Por sua vez, o imaginário posterior desenvolveu uma tendência mais voltada para um discurso político ufanista e patriótico, enxergando a época do Brasil holandês como um momento da construção de ideários políticos-militares.

No âmbito escrito possuímos vários relatórios, crônicas e memórias escritos pelos holandeses ou oficiais à serviço da WIC, os quais apresentaram suas impressões acerca da colônia da Nova Holanda, como passaram a se chamar aquelas terras conquistadas pela companhia na década de 1630. Embora tenhamos citado Ruiters no tópico anterior, no entanto, ele escreveu seu relatório antes das invasões se iniciarem e a colônia ser estabelecida, logo, seu imaginário apresenta diferenças com as publicações posteriores, as quais já apresentam o Brasil sob a óptica dos holandeses não apenas como visitantes, mas agora como colonizadores.

A percepção dos holandeses quanto a imagem dos indígenas é um ponto interessante, pois representa um imaginário colonizador a respeito. Os holandeses não tratavam os povos indígenas por suas especificidades identitárias, mas os viam divididos em dois grupos genéricos: tapuias e brasilianos (ou tupis). Os tapuias eram considerados mais “selvagens” e hostis, sendo inimigos dos brasilianos, dos portugueses e dos holandeses, embora graças a várias missões diplomáticas, algumas tribos tapuias se aliaram a WIC. Por sua vez, os tupis consistiam nos povos já “amansados” pelo processo colonizador dos portugueses, usando roupas e tendo se convertido ao cristianismo (POMPA, 2003).

A primeira obra que citamos é o Relatório sobre a capitania da Paraíba, escrito por Servaes Carpentier (1599-1645), o primeiro diretor (governador) da Paraíba, o qual redigiu um texto e poucas páginas para comentar a respeito da capitania que ele assumiu a direção nos idos de 1635. Inclusive Carpentier participou das campanhas de conquista da Paraíba nos anos anteriores. Sobre os indígenas ele escreveu que os brasilianos se chamavam Petiguares (Potiguares), sendo indígenas “amansados”, vivendo em sete aldeias, sabendo a língua portuguesa, convertidos ao catolicismo, andavam seminus ou nus. Eram tidos como preguiçosos e fracos para o trabalho pesado. Eles viviam numa relação de escravidão, mas menos severa do que a imposta aos africanos. Carpentier também mencionou a existência dos “tapuias do Maranhão”, que eram de baixa estatura, consistência debilitada e teimosos. Para não serem escravizados, eles comiam terra para se matar. (CARPENTIER, 2004). 

Outra obra que versa especificamente sobre a Paraíba, foi redigida por Elias Herckmans (1596-1644), militar, funcionário da WIC e poeta, o qual foi o terceiro governador da Capitania da Paraíba, governando entre 1636 e 1639, época na qual ele redigiu um importante relatório sobre essa capitania, descrevendo sua natureza, geografia, engenhos, igrejas, a cidade, a administração, as aldeias e costumes dos indígenas. Seu relatório é bem mais extenso e detalhado do que o de Carpentier.

No tocante ao imaginário paisagístico, impera os elogios a fertilidade da terra e sua beleza natural, algo costumeiro. Mas quanto as impressões sobre os indígenas, Herckmans curiosamente não os divide entre tapuias e tupis, mas trata todos eles como tapuias. Vale ressalvar que na Paraíba daquele tempo existiam dois povos indígenas que viviam naquelas terras do litoral: os Potiguaras e os Tabajaras, os quais no século anterior eram inimigos mortais, mas acabaram deixando de lado essas desavenças após serem colonizados.

Ao descrever o caju (Anacardium occidentale), Herckmans (2004) o compara em “formato” com a maçã, dizendo que os indígenas faziam uma “beberagem” com o suco dessa fruta, ficando terrivelmente embriagados e dados a todos os tipos de “pecados”. Inclusive ele salientou que durante a época de colheita do caju, os indígenas se tornavam vadios, pois não queriam saber de trabalhar, mas de ir tomar sua “beberagem”.

A ideia de que os indígenas eram pessoas sem capacidade moral e de etiqueta ao consumir bebidas alcoólicas, é recorrente nos relatos coloniais, seja dos portugueses, espanhóis, franceses e holandeses. Em todos eles, os indígenas eram retratados como gente sem pudores nenhum no ato de beber. O que reforçava ainda mais o estereotipo de “incivilizados” (GURIAN, 2018).

Na parte final de seu extenso relatório, Herckmans abordou os tapuias, dizendo se tratar de um outro povo nativo, sendo mais alto, robusto, belicoso e primitivo. Diferente dos tupis que se vestiam e já haviam sido “civilizados”, os tapuias viviam nos sertões, eram nômades, andavam nus, pintavam os corpos durante as batalhas, além de usarem adornos com penas. Eram pessoas ignorantes e não tinham conhecimento de Deus, servindo ao Diabo e espíritos malignos. Os guerreiros eram bastante fortes, resistentes e velozes como cavalos. Os tapuias lutavam de forma bruta, barulhenta e desordenada. Os prisioneiros que não eram mortos, eram depois sacrificados. Herckmans também salientou que os tapuias não conheciam a agricultura e nem a pecuária, não se preocupavam em guardar provisões, eram saqueadores e glutões. Nota-se por tais comentários toda uma gama de características negativas que ainda permeava o imaginário dos indígenas brasileiros na época da colonização holandesa, embora houvesse a distinção entre os “indígenas selvagens” e os “indígenas civilizados”.

Natureza morta com cajus, melancias, mamões e outras frutas. Albert Eckhout, 1650. 

No ano de 1645 foi publicado um importante livro de história sobre o Brasil holandês, redigido pelo cronista Gaspar Barléus (1584-1648) sob o patrocínio de Maurício de Nassau, cuja obra foi intitulada História dos feitos praticados no Brasil, durante oito anos, sob o governo do ilustríssimo conde João Maurício de Nassau.

Quando começou a descrever o Brasil, lugar que jamais visitou, Barléus (2005) se baseou nos relatos de outros autores, repetindo padrões e estereótipos. Um dado curioso é que ele disse que o Brasil não teria um clima tão quente, embora seja recorrente reclamações dos colonos quanto ao calor dos trópicos. Além disso, ele comentou que os nativos gozavam de uma boa saúde, podendo facilmente chegar aos cem anos de idade.

Quanto aos indígenas, o autor repetiu as típicas descrições: andavam nus, eram imorais, incivilizados, havendo alguns mais brutos e outros mais brandos, praticavam a poligamia, não tinham bons modos, não conheciam Deus, eram afeitos a feitiçaria. No entanto, Barléus destacou algumas características das crenças religiosas dos indígenas que se assemelham ao chamado Animismo, ao dizer que eles cultuavam as forças da natureza como o trovão e os raios (provavelmente uma referência a Tupã). O autor também destacava que os indígenas eram hábeis na pesca e caça, amáveis como anfitriões, amantes da embriaguez, além de praticarem sacrifícios humanos, serem canibais e violentos.

 “O gentio do sertão [tapuias] e todo aquele que conserva os costumes pátrios aproximam-se, na crueldade, mais das feras que dos homens. São avidíssimos de vingança e de sangue humano, temerários e pressurosos para os combates singulares e para as batalhas”. (BARLÉUS, 2005, p. 45).

O livro Relação da Viagem ao País dos Tapuias (1651) de Roulox Baro, funcionário da WIC, apresenta o seu relato numa missão diplomática para conseguir apoio dos tapuias que viviam no interior da capitania do Rio Grande [do Norte], liderados pelo cacique Janduí. Baro foi enviado pela companhia para negociar com essa liderança acerca de sua lealdade a empresa holandesa, pois informes de que alguns tapuias estavam se debando para o lado português, tinham chegado ao Recife, então capital da colônia holandesa.

Neste relatório, Roulox Baro que conviveu com os tapuias por muitos anos, sabendo falar fluentemente a língua deles e conhecendo seus costumes, apresentou várias impressões de como esses indígenas eram percebidos pela WIC. Um fato a ser mencionado era apesar de Baro não os tratar como “selvagens”, ainda assim, a companhia os consideravam como uma gente primitiva e bárbara, sendo úteis para fins de aliança militar, pois eram também desconfiados e indisciplinados (ALBUQUERQUE, 2006).

"Sobre a forma como Baro procura descrever aspectos da vida cotidiana dos tapuias, ao contrário de outros cronistas, nosso autor não tenta encaixar em esquemas previamente determinados suas imagens da sociedade tapuia. Passando a impressão de que os aceitava como eram, e, como destaca Ernst van den Boogart, nunca os descreve como “selvagens”, o que pode ser encarado como mais uma evidência da influência de sua formação cultural peculiar na forma de perceber e registrar o que viveu em sua missão". (ALBUQUERQUE, 2006, p. 68).

Uma última obra a ser mencionada à guisa de exemplo é a Memorável viagem marítima e terrestre ao Brasil do escritor Johan Nieuhof (1612-1672), o qual diferente de Barléus, viveu no território brasileiro para redigir seu livro. O trabalho de Nieuhof segue o modelo da época, comentando sobre a geografia, a natureza, os habitantes, as cidades, as fortificações, os engenhos, a guerra, a colonização etc. No entanto, apresenta algumas novidades, por ser uma redação de caráter híbrido: ele mesclou relato de viagem, com descrição geográfica e naturalista, acrescentando elementos da crônica histórica. Por fim, sua obra ainda apresenta o típico discurso enaltecedor da WIC em ter conquistado parte da colônia brasileira (BRANCO, 2004).

No caso de várias informações de ordem biológica, Nieuhof tomou de empréstimo as pesquisas de Piso e Marcgrave, que na época realizavam estudos sobre a natureza. Condição essa que Nieuhof replica estranhezas quanto a animais daquele território, como um lagarto chamado geco, que é confundido com um camaleão e a salamandra indiana, cujos dentes seriam tão afiados a ponto de perfurar o aço. A existência de “pedras” na cabeça dos jacarés, com as quais se fazia um remédio para tratar cálculo renal, a existência de escorpiões maiores do que em outros cantos do mundo, formigas com chifres e asas, morcegos que atacavam as pessoas, ferozes tigres e leopardos (referências a onça) etc. Nota-se o imaginário sobre os animais brasileiros presente no relato de Nieuhof. Além disso, ele também comentou com curiosidade animais que somente tinha visto naquela parte do mundo como o porco-espinho, o tatu, o tamanduá, o bicho-preguiça, a anta.

"Nieuhof descreve várias espécies de animais, insetos, plantas e frutas, apresentando essas informações com um formato mais técnico e científico. Dando mais ênfase aos animais e insetos, fornece aos leitores: os nomes conhecidos pelos brasileiros, holandeses ou mesmo portugueses; cor; aspecto; som característico; utilidade; sabor; e, por fim, periculosidade. Parece estar arquitetando uma espécie de guia geral para a compreensão de como era constituído o Brasil Holandês. Essa concepção trazida da Holanda, demonstra uma visão voltada para o lucro e constrói uma imagem do Brasil em que tudo representa rendimento". (BRANCO, 2004, p. 72-73).

Além do imaginário apresentado nas páginas dos cronistas, escritores e funcionários da WIC, o imaginário visual também teve grande importância, sendo retratado através das pinturas, gravuras e desenhos.

A historiadora da arte Rebecca Parker Brienen (2012), ao analisar as pinturas de Frans Post (1612-1680) e Albert Eckhout (1610-1665) – dois pintores holandeses que viveram no Brasil sob o patrocínio de Maurício de Nassau, entre as décadas de 1630 e 1640 –, salienta que ambos os artistas retrataram o Brasil por uma óptica bucólica e pacificada, destacando a exuberância da natureza e o exotismo dos indígenas.

"O Brasil de Post é pacificado e domesticado; seu povo – indígenas, escravos, e até os portugueses – são dóceis, plácidos, e até, de certa maneira, infantis, desempenhando suas funções atribuídas no palco colonial. Embora não figurados nessas obras, os olhos sempre vigilantes do governador colonial e da “figura paterna”, Maurício de Nassau, estão sempre presentes". (BRIENEN, 2012, p. 76).

Costa de Olinda por Frans Post, 1645. 

Para Brienen, o trabalho de Post, apresenta um discurso claramente colonial, mas que mascara os problemas enfrentados pela WIC ao se conquistar aquelas terras. Embora em algumas pinturas, gravuras e desenhos de Post se vejam fortificações e até tropas, não há cenas de batalhas, a ideia era mostrar que aquelas terras já estavam sob controle da companhia mercante.

"Possível dizer que essas imagens funcionavam no Brasil Holandês como propaganda para o Conde e seus empregados – vários criados da CIO [WIC] – além de dignitários estrangeiros. Finalmente, deve-se também observar que a domesticação do Brasil nesses quadros também ocorre de forma estilística; o estilo realista de Post familiariza o espectador com o Brasil e com uma parte do mundo holandês. Post não apenas registrava o que via, mas o modelava com base nos conhecimentos adquiridos nos treinamentos na escola paisagista de Haarlem". (BRIENEN, 2012, p. 77).

Por tal condição, Post criou um imaginário da paisagem brasileira nordestina com intuitos claramente propagandístico de servir aos interesses fosse de Nassau ou do Conselho dos XIX, órgão que controlava a companhia. Se recordamos que no tópico anterior foi comentado com base no estudo de Bruno Miranda (2014), o qual explanou sobre a propaganda de recrutamento, dizendo que havia omissões deliberadas sobre os problemas gerados pela guerra que ocorria no Brasil, podemos fazer um paralelo com as pinturas de Post, ao mostrar cenários campestres, belos e tranquilos. Isso teria um peso simbólico interessante para a aristocracia que conferiria essas pinturas, as quais mostrariam a ideia de que a colônia no Brasil estava sob controle, e realmente a terra era bela e fértil.

No caso do trabalho de Albert Eckhout, Brienen salienta que ele se centrou em temas como natureza-morta e retratos de indígenas e colonos mestiços. A ideia seria apresentar os nativos da colônia conquistada pela WIC, tendo em mente a visão de exótico que era comum sobre os povos indígenas. No entanto, Eckhout teve a preocupação de não acrescentar estereótipos negativos, para que isso viesse prejudicar o discurso agradável que Nassau apresentou à nobreza e a aristocracia ao retornar aos Países Baixos em 1644.

"No seu nível mais básico, os retratos etnográficos pretendiam representar as diferentes nações encontradas e dominadas no Brasil Holandês, enquanto as naturezas-mortas exibiam as frutas e verduras cultivadas tanto pelos indígenas como pelos europeus, representando um microcosmo da produção de alimentos na colônia. Como no caso das obras de Post, a função desses quadros brasileiros era outra vez propagandista e autocongratulatória". (BRIENEN, 2012, p. 78).

Pintura representando uma mulher tupi com o filho, ao lado de uma bananeira e ao fundo um canavial e a casa-grande. Autoria de Albert Eckhout, 1641. 

O trabalho de Post sobre as paisagens e de Eckhout sobre os indígenas, se tornaram modelos na arte holandesa do século XVII, inspirando artistas que eram contratados para desenhar cenários do Brasil e seus habitantes. Tais pintores na maior parte das vezes nunca viajaram ao Brasil, mas seguindo padrões estabelecidos nas obras de Post e Eckhout, começaram a replicá-los (VIEIRA, 2012).

"Parece provável que Post era nem preguiçoso nem acomodado em seu estilo, mas que ele respondia ao mercado de arte, que exigia paisagens das Índias Ocidentais idealizadas e algo genericamente “exótico” e “sereno”, em vez de lembranças dolorosas da perda do Brasil Holandês, que foi devolvido aos portugueses em 1654". (BRIENEN, 2011, p. 79).

Daniel Vieira (2012) comenta que já se indagou se Prost realmente pintava os cenários como realmente ele os viu ou os idealizou? Sobre isso, o historiador cita vários estudiosos que analisaram o trabalho de Post, mas a maioria tende a concordar que houve o desenvolvimento de um imaginário iconográfico nas obras dele. Não significa que ele inventou os cenários, mas fez alterações nos mesmos e até tomou a liberdade de criar composições.

"E que as visadas no campo eram apenas o primeiro passo numa elaborada cadeia de procedimentos que supunha a reorganização daqueles mesmos elementos percebidos num arranjo final que era já a fabricação de uma visão acerca do Brasil holandês. E que esse processo estava não só relacionado ao aspecto cultural da visualidade da época mas também às redes sociais de poder que permeavam as relações entre o artista – o pintor de paisagens –, e o patrão – o governador-general da colônia". (VIEIRA, 2012, p. 94).

Referências bibliográficas

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BRANCO, Patrícia Martins Castelo. O universo imaginário dos holandeses no Brasil Seiscentista: um estudo da narrativa do viajante Joan Nieuhof. 140f. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Ciências e Letras de Assis – Universidade Estadual Paulista, Assis, 2004.

BRIENEN, Rebecca Parker. O envolvimento mitológico do Brasil Holandês: interpretação dos trabalhos de Albert Eckhout e Frans Post (1637-2011). In: VIEIRA, Hugo Coelho; GALVÃO, Nara Neves Pires; DANTAS, Leonardo (orgs.). Brasil Holandês: história, memória e patrimônio compartilhado. São Paulo: Alameda, 2012, p. 75-90.

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