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Leandro Vilar

sábado, 31 de maio de 2025

O pão de açúcar

Entre o século XII e o XIX o açúcar era produzido e vendido em algumas partes do mundo através de fôrmas chamadas de pão de açúcar. Apesar do nome, tais recipientes possuíam um formato cônico que variava de tamanho e peso. Havendo inclusive dois tipos de pães de açúcar: os usados na produção de açúcar e o usados na sua venda. O presente texto comentou um pouco a respeito desse icônico recipiente, hoje em dia raramente usado. 

Não se sabe exatamente quando o pão de açúcar surgiu, os registros escritos mais antigos conhecidos remontam ao século IX com o escritor árabe Al-Zubayr ibn Bakkar (788-870), o qual mencionou cones de açúcar em seu livro Al-Akhbar al-Muwaffaqiyyat. Por sua vez, as fôrmas mais antigas de pão de açúcar encontradas, datam do século XII, tendo sido achadas na Jordânia. Logo, credita-se que os árabes possam ter inventado essa prática de usar pães de açúcar. (DEERR, 1950). 

Os quais a transmitiram para outros povos os egípcios, bizantinos, cretenses, sicilianos, portugueses e espanhóis. Condição essa que a partir desses outros povos, passou-se a ter conhecimento dessa forma de produzir e armazenar açúcar, apesar que na Europa medieval o consumo de açúcar fosse baixo devido a ser uma especiaria bastante cara, praticamente produzida em poucas localidades do Mediterrâneo como a ilha de Creta(BENDINER, 2004, p. 65).

Todavia, com o despontar a indústria açucareira europeia na Idade Média, começando com os portugueses, que após séculos de colonização arábio-moura desenvolveram a cultura canavieira e aprenderam o fabrico de açúcar, condição essa que, em meados do século XV, Portugal em suas colônias atlânticas na Madeira, Açores e Cabo Verde, já possuía engenhos de açúcar em atividade. Assim, a produção açucareira era vendida no país e o excedente exportado para outras nações europeias. Por essa época, era possível encontrar nos grandes mercados, a venda de açúcar, fosse em potes, caixinhas, sacos ou na forma de pão de açúcar. 

Manuscrito francês do século XV mostrando uma fôrma de pão de açúcar e dois pães de açúcar. 

Dessa forma, no século XVI a presença de pães de açúcar se encontrava comum não apenas nos mercados europeus, mas principalmente nos engenhos portugueses, espanhóis e franceses, pela África Ocidental e na América Latina. O pão de açúcar não apenas servia para moldar o açúcar deixando na forma de cone, mas esse recipiente fazia parte do processo de purgação, a etapa final da produção açucareira que consistia em: extrair o caldo da cana, ferver e coá-lo várias vezes para remover as impurezas e transformá-lo em um melaço cristalizado, para depois colocar essa substância nos recipientes do pão de açúcar, deixando-os na casa de purga, onde permaneceriam uma ou duas semanas secando, para se tornar o açúcar. (OLIVEIRA, 2025, p. 32-33). 

A ilustração acima mostra esse recipiente do pão de açúcar, com um líquido amarronzado escorrendo de sua ponta, tratava-se do resíduo do melaço cristalizado, o qual poderia ser bebido na forma de garapa ou usado para se fazer o chamado "açúcar de panela", de coloração escura como o mascavo. (OLIVEIRA, 2005, p. 85-86). 

Inclusive é importante ressalvar que ao se quebrar o pão de açúcar, o açúcar situado a parte superior (a base do cone), era considerado de melhor qualidade, por isso chamado de açúcar branco fino, por sua vez, da metade da fôrma se extraia um açúcar de segunda categoria, nomeado de "redondo". Já da ponta do pão de açúcar restava o açúcar "baixo", de coloração amarronzada, quase sendo o açúcar mascavo. No entanto, vale ressalvar que essas categorias de açúcar branco: fino, redondo e baixo, não tinham uma coloração totalmente branca, mas acinzentada, pois o açúcar branco e cristalino que habitualmente consumismo hoje em dia, precisava ser refinado depois de extraído do pão de açúcar. (OLIVEIRA, 2025, p. 76-78). 

Um engenho de açúcar. Gravura de Phillipp Galle Zuckermülle, 1591. Na imagem podemos ver fôrmas de pão de açúcar. 

O uso de pães de açúcar como fôrma e formato de venda do açúcar se manteve ao longo dos séculos. Em imagens europeias é possível encontrar no século XIX, época na qual os engenhos começaram a entrar em declínio, ainda fazendo-se uso de fôrmas de pão de açúcar. Esse tipo de recipiente acabou sendo trocado no século XX com as mudanças no processo de fabrico de açúcar, que passaram a serem industrializados pelas fábricas ou usinas. 

Assim, atualmente algumas empresas ainda usam fôrmas de pão de açúcar não para a purga, mas para conceder o formato cônico ao açúcar, já que em países como Alemanha e Irã, o açúcar ainda é comercializado por algumas marcas nesse formato icônico. 

Pães de açúcar em exposição no Museu do Açúcar, em Berlim. 

NOTA: O Morro do Pão de Açúcar no Rio de Janeiro, leva esse nome devido ao seu formato lembrar um pão de açúcar. O local é um importante ponto turístico da cidade e um dos mais visitados do Brasil. 

NOTA 2: Pão de Açúcar é o nome de uma cidade no estado de Alagoas, no Brasil, fundada em 1855. 

NOTA 3: A cidade do Funchal, na Madeira, em Portugal, tem em seu brasão de armas cinco pães de açúcar, uma referência a produção açucareira da ilha. 

NOTA 4: Durante a dominação holandesa da Capitania da Paraíba, no Brasil, entre 1634 e 1654, seu brasão possuía seis pães de açúcar, uma referência a qualidade do açúcar produzido naquelas terras. 

NOTA 5: Pão de Açúcar é o nome de um distrito da cidade de Taquaritinga do Norte, em Pernambuco. 

NOTA 6: No Brasil e em Portugal existem redes de supermercados chamadas de Pão de Açúcar. 

Referências bibliográficas:

BENDINER, Kenneth. Food in Paiting: from renaissence to the present. Hong Kong: Reaktion Books Ltd., 2004.

DEERR, Noël. History of Sugar, vol. 2. London, Chapman & Hall, 1950. 2v

OLIVEIRA, Leandro Vilar. Uma história a alimentação, volume 1. João Pessoa: IEXEA, 2025. 


domingo, 25 de maio de 2025

Condenados da terra: o garimpo de Serra Pelada (1978-1992)

Serra Pelada se tornou o maior garimpo a céu aberto do mundo, sendo massivamente explorado ao longo de uma década. Em seu auge era um formigueiro humano, onde milhares de garimpeiros em péssimas condições de trabalho e de insalubridade, trabalhavam muitas horas diárias no sonho de conseguir achar ouro para ficarem ricos. Apesar que a maior parte do ouro coletado ia para as empresas e o governo. Serra Pelada foi o último caso da corrida do ouro ocorrida em território brasileiro. 

Garimpeiros escalando as escadas de madeira em Serra Pelada. 

Introdução

Serra Pelada consiste num distrito do município de Curionópolis, situado no sudeste do Pará. Porém, na época fazia parte das terras do município do Marabá. O local já era explorado comerciante por fazendeiros, até que em fins da década de 1970 teve início a atividade garimpeira. No ano de 1977 em plena Ditadura Militar (1964-1985), mais especificamente na época em que a economia andava ruim e ia piorando devido aos altos gastos do governo e a corrupção desenfreada e omitida, o governo federal decidiu emitir incentivos fiscais e econômicos. Em Serra Pelada alguns fazendeiros acharam ouro de aluvião, aquele encontrado em leitos de riachos e rios rasos. 

Assim, eles colocavam seus empregados para percorrer tais riachos e rios atrás de gramas de ouro. Tradicionalmente é creditado ao fazendeiro Genésio Ferreira da Silva o início do garimpo na localidade de Grota Rica, onde ele montou uma equipe de garimpo. De fato, ouro - mesmo em pouca quantidade - foi encontrado, assim, a notícia começou a se espalhar pelos municípios vizinhos. 

Localização de Serra Pelada, no Pará. 

Interessados nisso foram enviados para lá ou viajaram por conta própria para confirmar se realmente havia ouro ali. Em 1980 o fazendeiro Genésio começou a barrar os garimpeiros forasteiros, proibindo-os de ir garimpar em Grota Rica, porém, eles passaram a se dirigir para outras localidades, o que incluiu uma serra descampada que foi apelidada de Serra Pelada. Ali encontrou-se ouro e isso gerou uma "febre do ouro". 

Até o final do ano de 1980, milhares de homens tinham partido para Serra Pelada em busca de ouro. Um povoado formado de acampamentos improvisados foi se formando naquela localidade, vindo anos depois originar uma vila. Ao mesmo tempo em que muitos garimpeiros seguiam para Serra Pelada, a notícia da descoberta de ouro atraiu a atenção do governo. O Serviço Nacional de Informação (SNI) enviou funcionários para lá, depois chegou representantes da Receita Federal, Caixa Econômica, Polícia Federal, Polícia Militar, entre outras instituições públicas. 

A formalização do garimpo

No ano de 1981 o garimpo de Serra Pelada contava com milhares de trabalhadores e habitantes, havendo uma vila com mercearias, lojas, uma paróquia, posto de saúde, hospedarias, alojamentos, bares, prostíbulos, oficinas etc. O ouro encontrado superficialmente esgotou rapidamente no primeiro ano daquela exploração voraz. Assim, o governo designou a Rio Doce Geologia e Mineração (DOCEGEO) para realizar prospecções no terreno para encontrar novos locais para serem escavados. 

Isso levou Serra Pelada a ser dividia em várias zonas de garimpo (também referidas como covas ou cavas), as quais ganharam nomes coloquiais como: Babilônia I, Babilônia II, Bico de Papagaio, Boca da Grota Rica, Bucetinha, Buraco da Viúva, Igrejinha, PPO, Serrinha e Terra Preta. Cada uma dessas zonas contava com seus organizadores, fiscais, capatazes, empregados, equipamentos etc., embora todos se reportassem ao major Sebastião Curió (1934-2022), militar, engenheiro e jornalista, amigo do presidente Ernesto Geisel, designado como Interventor da Serra Leste, região administrativa criada para gerir a área garimpeira em Marabá. 

Assim, o major Curió possuía sua equipe de gestão para fiscalizar a produção aurífera. Assim, o ouro encontrado era enviado para ser pesado, limpo, armazenado e tributado pela Receita Federal, por sua vez, a Caixa Econômica pagava as empresas e garimpeiros o valor pelo ouro coletado. Mesmo que essa medida do governo para evitar o contrabando de ouro, esse ainda ocorria. Empresas estrangeiras enviavam negociantes para comprar o precioso minério, fato esse que uma pista pouso foi construída na região. Além disso, os próprios funcionários do governo também possuíam esquemas para desviar pequenas quantidade dos dourado metal. 

Em 1982 o major Curió deixa o cargo de interventor para se candidatar ao de deputado federal, em seu lugar ele designou Ari Santos, homem seu de confiança. Curió defendendo um discurso em prol dos latifundiários e dos garimpos, somado ao enorme curral eleitoral formado pelos garimpeiros e todos que tinham ligação com esse negócio, foi eleito deputado federal naquele ano. Sua vitória foi importante para prorrogar a exploração aurífera, já que o DOCEGEO comunicou que a fonte de ouro em Serra Pelada estava próxima do esgotamento e sugeriu encerrar a atividade garimpeira para o ano de 1983.

Todavia, o Sindicato dos Garimpeiros através do deputado Sebastião Curió pleiteou em Brasília uma medida para adiar o fechamento do garimpo. Assim, com os seus contatos, o presidente João Figueiredo assinou a lei n. 7.914, de 11 de junho de 1984, que autorizava medidas orçamentárias que liberavam verbas para a atividade de garimpagem, autorizando a criação do Grupo de Trabalho para reorganizar os garimpos em Serra Pelada, além de cobrar melhorias na fiscalização e nas condições de trabalho. O artigo terceiro da lei também prorrogava a exploração dos garimpos até 1988, podendo inclusive ser renovada caso houvesse necessidade. Dessa forma, as empresas e organizações garimpeiras conseguiram do governo federal autorização para seguirem com suas atividades por mais quatro anos. 

O tal Grupo de Trabalho levou a criação da Cooperativa de Mineração dos Garimpeiros de Serra Pelada (COOMIGASP), em teoria a organização representaria os garimpeiros, os quais passavam por uma série de problemas como exposição ao calor excessivo, riscos diversos, além de terem que trabalhar várias horas diárias em ambiente insalubre, exposto ao calor, lama, chuva, poeira, sujeira, mercúrio e dejetos. Além de haver casos de castigos físicos por parte dos capatazes. No entanto, a cooperativa na prática servia aos donos dos garimpos, fazendeiros, políticos e outras autoridades públicas. Apesar dessa lei postergar o prazo para atividade garimpeira, Serra Pelada visivelmente enfrentava em 1984 seu esgotamento.

Formigueiro humano dos garimpeiros enfileirados para subir as escadas. Fotografia de Sebastião Salgado. 

Declínio do garimpo

Em 1984 a população estimada na região era de 80 mil habitantes (o maior valor alcançado), além disso, em 1983, a mina resultou na extração de 14 toneladas de ouro (maior valor registrado), mas em 1984 o valor extraído foi de 3,9 toneladas. Especialistas em mineração falavam que a mina havia chegado a seu fim, para conseguir mais ouro teria que se fazer túneis com maquinário, adentrando cada vez mais profundamente a serra. Porém, outros sugeriam que os veios de ouro já tinham se esgotado ou estavam perto do fim. 

A DOCEGEO ainda em 1984 deixou de atuar em Serra Pelada, considerando que o garimpo não teria mais condições de seguir operando. Em seu lugar assumiu o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), que seguiu no monitoramento do garimpo até 1985, quando terminou a ditadura militar. Assim, ele deixou de realizar suas atividades, então a COOMIGASP assumiu sua função. Apesar da troca de governos com o término da ditadura, o governo de José Sarney manteve em vigência alguns decretos e leis, como a lei que favorecia os garimpos. 

Mesmo com a diminuição gradativa da extração de ouro, que levou milhares de pessoas a deixarem Serra Pelada, já considerando ser inviável continuar ali, ainda assim, a COOMIGASP seguiu em atividade nos anos seguintes. Em 1987 nova crise acometeu a região garimpeira, pois se aproximava o final do prazo dado por Figueiredo para manter o garimpo. O lucro obtido era pouco, mas ainda havia gente que insistia que novos veios poderiam ser descobertos se escavassem mais profundamente. 

Assim, alguns garimpeiros começaram a ameaçar com greves e protestos reivindicando melhores condições de trabalho e o pagamento de salários atrasados. Isso levou Jane Resende a liderar um bloqueio na ponte de Marabá, na BR-115, a mais importante daquela região, em 29 de dezembro de 1987. O governador do Pará, Hélio Gueiros considerou inadmissível tal protesto e ordenou que a polícia militar usasse a força para remover os garimpeiros. Pelo menos 79 homens foram mortos na ocasião. O ocorrido ficou conhecido como Massacre da Ponte ou Massacre de São Bonifácio

Notícia sobre o massacre de garimpeiros de Serra Pelada, mortos em protesto na ponte de Marabá. 

Após o massacre, nenhum grane protesto voltou a ocorrer. No entanto, isso acabou influenciando o governo a reconhecer a autonomia política daquele território, levando em 1988 a criação do município de Curionópolis (uma homenagem ao major Curió). Apesar disso, a situação problemática para os garimpeiros não se resolveu, além de que a atividade garimpeira foi suspensa, pois o prazo tinha chegado ao fim.

O fim do garimpo

Garimpeiros ainda continuaram a escavar ilegalmente em Serra Pelada pelos anos de 1989 e 1990, a realidade mudou em 1991, quando Fernando Collor de Mello autorizou alguns decretos orçamentários para liberar os garimpos no país, além de outras atividades. Assim, legalmente Serra Pelada voltou a ser explorada, mas dessa vez por alguns meses, pois as empresas mineradoras tinham interesses na área e não queria que aquela cooperativa de garimpeiros seguisse ali gerindo o local, além de que Collor recebeu impeachment em 1992, sendo destituído da presidência. 

Com isso, o garimpo em Serra Pelada foi encerrado novamente e foi ordenado que a cratera de quase 200 metros de profundidade, fosse alagada, tornando-a um pequeno lago artificial, cujas águas são contaminadas com mercúrio. No entanto, mesmo com o fechamento novamente do garimpo em 1992, garimpeiros ilegalmente continuaram a frequentar os arredores de Serra Pelada em busca de veios de ouro, atividade que se manteve ao longo de anos, havendo conflitos e denúncias. Em 2007 o governo federal cogitou retomar o garimpo legal permitindo que empresas estrangeiras atuassem na área. Estudos e instalações foram realizadas, mas ouro não foi encontrado. 

A vila de Serra Pelada ao lado do lago onde ficava a cratera do garimpo. 

Dessa forma, a história de Serra Pelada foi marcada por muita riqueza, pois estima-se que pelo menos 40 toneladas de ouro foram extraídas principalmente entre 1980 e 1984, o auge esse garimpo, por outro lado, centenas morreram devido a acidentes, brigas e outros crimes. Vale ressalvar que em dados momentos alguns garimpeiros ficaram rapidamente ricos, mas gastaram todo o dinheiro em apostas, prostíbulos, bares, comprando carros e outros objetos supérfluos. De outro lado, a maior parte das dezenas de milhares de garimpeiros que foram trabalhar em Serra Pelada não conseguiram enriquecer, tampouco juntar um dinheiro considerável. Muitos voltaram frustrados para suas cidades e estados. Outros acabaram insistindo por mais tempo, vindo a adoecer e contrair muitas dívidas. 

Também se desconhece quanto ouro foi perdido ilegalmente pela sonegação e contrabando, além e que boa parte dessa riqueza obtida durante a ditadura militar, que deveria quitar dívidas do governo federal, jamais foi empregada, fato esse que quando a ditadura chegou ao fim, a dívida interna e externa seguia alta, e a inflação estava gigantesca. 

NOTA: A maior pepita de ouro encontrada no Brasil, que se tem registro, adveio de Serra Pelada, pesando 7 kg. 

NOTA 2: O filme Os Trapalhões na Serra Pelada (1982) foi o primeiro filme a abordar o contexto desse famoso garimpo, apesar de ser uma produção de comédia. 

NOTA 3: O filme Serra Pelada (2013) consiste numa produção dramática que explora os problemas e sofrimentos dos garimpeiros. 

NOTA 4: Serra Pelada: A Lenda da Montanha de Ouro (2013) é um documentário que conta a história do maior garimpo do Brasil. 

NOTA 5: Serra Pelada: A Saga do Ouro (2014) é uma minissérie da Globo que aborda o período do garimpo, mesclando fatos e ficção. 

Referências bibliográficas: 

MONTEIRO, Maurílio de Abreu [et al]. Ouro, empresas e garimpeiros na Amazônia: o caso emblemático de Serra PeladaRevista Pós Ciências Sociais, v. 7, n. 13, 2010, 131-158.

SILVA, Tallyta Suenny Araujo da. Áureo carmesim: conflitos e disputas pela exploração de ouro em Serra PeladaSecuencia, n. 109, 2021, p. 

domingo, 4 de maio de 2025

Filmes sobre história do Brasil

A presente postagem apresenta uma lista de filmes sobre história brasileira, com alguns comentários pontuais acerca dessas produções. A ideia é servir de guia para as pessoas terem contato com essas produções, seja para vê-las por lazer ou para trabalho. Vale ressalvar que muitas das produções aqui apresentadas são obras de ficção histórica, embora algumas tenham mais embasamento histórico do que outras.  

O descobrimento do Brasil (1936)

Produzido para fins políticos do governo de Getúlio Vargas (1930-1945), a obra contou com consultoria de renomados historiadores da época como Afonso de Taunay, Edgar Roquette Pinto e Bernardino José de Souza, citações da Carta de Pero Vaz de Caminha e trilha sonora de Heitor Villa-Lobos, sendo dirigido por Humberto Mauro. O filme buscou retratar como teria sido a chegada da armada de Pedro Álvares Cabral em 22 de abril de 1500

Ganga Zumba (1964)

O filme reúne aspectos históricos e de ficção histórica para contar alguns momentos da vida de Ganga Zumba (c. 1630-1678), um dos proeminentes líderes do Quilombo dos Palmares, situado na Serra da Barriga, hoje em Alagoas. Pouco se sabe sobre sua história, mas ele teria sido filho bastardo de uma princesa congolense, assim, após viver como escravo num engenho na Capitania de Pernambuco, fugiu e foi morar em Palmares. Na década de 1670 documentos portugueses relatam Ganga Zumba como então rei dos Palmares, o qual em 1678 negociou um acordo de paz com o governador-geral, porém, um de seus parentes, Zumbi (1655-1695) foi contrário, iniciando uma revolta no quilombo, levando a morte de Ganga Zumba. O filme foi dirigido por Cacá Diegues, baseado no livro Ganga Zumba (1962) de José Felício dos Santos, estrelando Antônio Pitanga como o protagonista, além de contar com atuação de atores negros famosos da época, assim como, a trilha sonora de Cartola e Dona Zica da Mangueira


Independência ou Morte (1972)

A proposta do filme foi celebrar o sesquicentenário da Independência do Brasil, estrelando Tarcísio Meira (1935-2021) no papel de Dom Pedro I, além de vários outros atores famosos na época nos papéis principais. Apesar da boa ideia, o filme trata-se de uma produção mais voltada para a ficção, já que ele reconta de forma própria e bem resumida, o processo de independência do Brasil, culminando no simbólico 7 de setembro de 1822, o Grito do Ipiranga e a abdicação do monarca em 1831. O filme foi produzido por Oswaldo Massiani.


Os Inconfidentes (1972)

Lançado em resposta ao sesquicentenário da Independência do Brasil, o filme é uma produção franco-brasileira dirigida por Joaquim Pedro de Andrade, com roteiro dele em parceria a Eduardo Escorel, inspirado no livro de Cecília Meireles, Romanceiro da Inconfidência (1953). Assim, a obra retrata o movimento da Inconfidência Mineira (1789) que tentou iniciar uma revolução para conquistar a independência da Capitania de Minas Gerais, porém, os inconfidentes foram traídos por um de seus membros. A produção mostra o contexto, planos, o fracasso o intento e a execução de Tiradentes (interpretado por José Wilker), condenado a servir de exemplo máximo. 


Xica da Silva (1976)

Baseado no livro homônimo de João Felício dos Santos, dirigido por Carlos Diegues, com roteiro dele e de Antônio Callado, estrelando Zezé Motta no papel principal, a produção conta a história de Francisca da Silva Oliveira (c. 1732-1796) que conquistou a alforria devido ao relacionamento com o rico comerciante e negociador de diamantes João Fernandes de Oliveira (1720-1779), em Diamantina. Chica viveu com João por mais de vinte anos, tendo treze filhos. Devido a ter se tornada uma senhora da elite, apesar de negra e ex-escrava, ainda assim, ela causou alvoroço na sociedade colonial e até originou lendas sobre sua vida. 


Tiradentes, o mártir da independência (1977)

Inspirado no relativo sucesso de Os Inconfidentes (1972), Geraldo Vietri dirigiu e roteirizou ao lado de Sérgio Galvão, um filme sobre Tiradentes (interpretado por Adriano Reys), difundindo a imagem dele como "herói revolucionário", algo comum ainda naquele tempo. Assim, a produção mescla acontecimentos históricos com fictícios para construir a ideia de que Tiradentes realmente teve uma importância significativa para os planos da Inconfidência Mineira (1789). 


Anchieta, José do Brasil (1977)

O filme narra alguns momentos da vida de São José de Anchieta (1534-1597), padre, missionário, dramaturgo, gramático e poeta espanhol, o qual chegou ao Brasil em 1553 na missão jesuítica do padre Manoel da Nóbrega (1517-1580), seu mentor e amigo ao longo dos anos. A produção foi dirigida por Paulo César Sarecini, com roteiro dele e Marcos Konder Reis, estrelando Ney Latorraca (1944-2024) como o missionário. Anchieta foi figura religiosa importante no Brasil colonial do século XVI, elogiado por seu trabalho missionário, literário e gramático, mas envolto em controversas na forma de tratar os indígenas e escravos. 

Batalha dos Guararapes, o Príncipe de Nassau
(1978)

Produção brasileira dirigida por Paulo Thiago, roteirizado por Miguel Borges e Armando Costa, filmado em Pernambuco. Apesar do título, a obra apresenta momentos distintos da história do Brasil holandês (1630-1654) em Pernambuco, a começar pelo fato que João Maurício de Nassau-Siegen (1604-1679) deixou o Brasil em 1644 e as batalhas em Guararapes ocorreram em 1648 e 1649. De qualquer forma, o filme usando personagens históricos e fictícios resume alguns momentos dos 24 anos de colonização holandesa, focando-se principalmente no governo de Nassau e nas batalhas dos Guararapes que marcaram uma forte derrota para a dominação holandesa. 

Quilombo (1984)

A produção dirigida por Cacá Diegues novamente se baseou no livro de José Felício dos Santos, trazendo Tony Tornado como Ganga Zumba, mostrando seu governo conciliador e depois o governo de Zumbi dos Palmares (1655-1695), interpretado por Antônio Pômpeo, que culminou na derrocada do Quilombo dos Palmares em 1695Curiosamente Antônio Pitanga participou desse filme, mas interpretou outro personagem. Apesar de ser baseado no mesmo livro usado por Diegues para fazer o filme Ganga Zumba, o diretor aproveitou para dar maior espaço a figura de Zumbi nessa segunda produção. A produção também contou com outros artistas famosos como Zezé Mota e Grande Otelo


Guerra de Canudos (1996)

O filme centra-se a contar o trágico fim do Arraial de Canudos situado no sertão da Bahia, que no final do século XIX passou a ser governado pelo líder religioso Antônio Conselheiro (1830-1897), interpretado por José Wilker (1944-2014). Após alguns anos como uma simples comunidade rural, Canudos (renomeada para Belo Monte) começou a crescer rapidamente sob governo de Conselheiro, irritando os fazendeiros da região levando a boatos de ali ser antro de revolucionários, criminosos e monarquistas, no que resultou na famigerada Guerra de Canudos (1896-1897). O filme produzido por Mariza Leão e dirigido por Sérgio Rezende, foi lançado para celebrar o centenário do terrível conflito, contando essa história a partir da personagem fictícia Luíza (Cláudia Abreu), a qual se muda com a família para Canudos em meio a época da guerra. 

Hans Staden (1999)

Produção luso-brasileira dirigida por Luiz Alberto Pereira, contou com investimento significativo na época, além de esmero na parte técnica, como uso de uma réplica de caravela, construção de uma aldeia tupinambá, além da contratação de historiadores e especialistas em língua tupi para ensinar algumas palavras aos atores. O filme também foi gravado em Ubatuba, localidade onde o alemão Hans Staden (1525-1576) foi capturado por tupinambás e mantido prisioneiro. Tal condição resultou num livro que ele escreveu, o qual contribuiu bastante para difundir uma imagem negativa dos indígenas brasileiros, considerados todos como sendo selvagens canibais. 

Mauá - O Imperador e o Rei (1999)

A obra acompanha a trajetória de Irineu Evangelista de Sousa (1813-1889), empresário gaúcho que ficou conhecido na história brasileira como Barão de Mauá (embora ele fosse visconde), responsável por construir portos, fábricas, mas principalmente por introduzir a ferrovia no país. Interpretado por Paulo Betti, o filme apresenta alguns aspectos da vida de Irineu, centrando-se em sua carreira empresarial, sua relação com D. Pedro II, culminando na falência de seus negócios. A produção foi dirigida por Sérgio Rezende, com roteiro dele, Paulo Halm e Joaquim Vaz de Carvalho


Netto perde sua alma (2001)

Baseado no livro homônimo de Tabajara Ruas, o filme é uma produção do autor com o diretor Beto Souza, o qual narra a polêmica carreira do general Antônio de Sousa Neto (1803-1866), o qual foi a segunda liderança durante a Revolução Farroupilha (1835-1845) e mais tarde participou da Guerra do Paraguai (1864-1870). O filme é narrado a partir das memórias do general Netto ao se recordar durante seu exílio no Uruguai as participações na revolução e na guerra. O general foi interpretado por Werner Schünemann

Carandiru (2003)

Baseado no livro Estação Carandiru (1989) do médico Drauzio Varela que atuou como médico voluntário na Casa de Detenção de São Paulo, mais conhecido como Carandiru, o maior presídio da América Latina, que funcionou de 1920 a 2002. O local foi palco de muitos crimes e atrocidades contra os direitos humanos. Em 1992, Drauzio Varela trabalhava no local quando testemunhou o grande massacre naquele ano, resultando no assassinato de 102 detentos pela polícia e outros 10 mortos durante a rebelião. A partir de sua vivência ele escreveu seu livro que baseou o filme dirigido por Hector Babenco, o qual gravou o filme no Carandiru, chegando até usar funcionários e detentos nas filmagens. O filme foi elogiado pelo seu realismo nu e cru do maior massacre de presos na história do Brasil recente. 

Olga (2004)

Filme dirigido por Jayme Monjardim, que conta a história da judia alemã Olga Benário Prestes (1908-1942), que na adolescência aderiu a resistência comunista na Alemanha, mais tarde mudou-se para Moscou, depois foi designada para auxiliar o militar Luís Carlos Prestes (1898-1990) numa tentativa de revolução no Brasil que ficou conhecida como Intentona Comunista (1935), a qual foi rechaçada pelo governo de Getúlio Vargas. Olga acabou sendo presa em 1936, vindo a ser deportada para a Alemanha Nazista por ser judia. Lá ela ficou presa no Campo de Concentração de Barnimstrasse, onde teve sua filha Anita Leocádio Prestes, depois foi transferida para o Campo de Bernburg, onde foi executada. O filme foca na fase final da vida de Olga, quando ela conheceu Prestes, o ajudou, se apaixonou por ele e depois foi condenada aos campos de concentração. 

Xingu (2011)

Dirigido por Cao Hamburger, a produção narra a história dos irmãos Orlando (1914-2002), Cláudio (1916-1998) e Leonardo (1918-1961) Villas-Bôas, que participaram da Expedição Roncador-Xingu (1941) enviada por Getúlio Vargas, para fazer reconhecimento do interior do Mato Grosso. O contato dos irmãos com as comunidades indígenas do Xingu os levaram a lutar pelo direito de demarcação daquele território indígena, resultando na criação dessa reserva somente em 1961. A produção foi elogiada na época por sua ambientação realista e representação apurada dos povos indígenas. 


Vermelho Brasil (2014)

Produção da Globo Filmes e Conspiração Filmes (Brasil), RTP e Stopline (Portugal), France 2 e Pampa Productions (França), CD Films (Canadá), dirigida por Sylvain Archambault adaptando o livro Vermelho Brasil (2001) do escritor Jean-Christophe Rufin, cujo enredo dramatiza a história da colônia da França Antártica (1555-1565), fundada pelos franceses na ilha Serigipe (atual ilha de Villegagnon) na Baía de Guanabara, sob comando do militar Nicolas Durand de Villegagnon (1510-1571) em acordo com tamoios e tupinambás, na época hostis aos portugueses. A colônia perdurou por dez anos até ser desmantelada pela campanha de Estácio de Sá que resultou na fundação do Rio de Janeiro em 1565. O filme resume esse período, centrando-se no começo e fim da colônia. 


Getúlio
(2014)

Dirigido por João Jardim com roteiro de George Moura, a produção aborda os 19 dias que antecederam o suicídio de Getúlio Vargas (1882-1954), interpretado por Tony Ramos, o qual diante de uma crise política profunda e ameaça de golpe de estado, se isolou no Palácio do Catete definhando mentalmente até decidir se matar. Assim, a produção explora o final do último mandato do governo de Vargas, que anteriormente havia governado initerruptamente de 1930 a 1945 como ditador. O filme recebeu críticas favoráveis pela atuação de Ramos, figurino e roteiro. 


Joaquim
(2017)

Produção luso-brasileira dirigida por Marcelo Gomes, o filme aborda a história de Joaquim José da Silva Xavier (1746-1792) - interpretado por Júlio Machado -, conhecido pelo seu apelido de Tiradentes e mártir da Inconfidência Mineira (1789). Apesar de se saber que Joaquim não foi uma liderança no movimento inconfidente e toda aura heroica sobre ele foi um mito político desenvolvido durante a República Velha (1889-1930), o filme procura dialogar com isso, mostrando Joaquim principalmente na época que atuava como militar, chegando a patente de alferes, no entanto, a trama acaba levando a ideia de que ele realmente foi uma liderança importante, contrariando sua proposta. Todavia, o roteiro toma uma série de liberdades para narrar essa história, a qual dividiu opiniões. Além disso, a produção também sofreu críticas quanto ao quesito técnico e desenvolvimento do roteiro. 

O Paciente - O Caso de Tancredo Neves (2018)

Baseado no livro homônimo do historiador Luís Mir, o filme foi dirigido por Sérgio Rezende e roteirizado por Gustavo Lipsztein, estrelando Othon Bastos como Tancredo Neves (1910-1985), presidente eleito, mas que não chegou a tomar posse por estar gravemente doente. O filme resume bastante a trama do livro e tentou criar um thriller médico centrando-se no quadro de saúde preocupante de Tancredo, primeiro presidente eleito após o término da Ditadura Militar (1964-1985), todavia, ele acabou falecendo, sendo sucedido por seu vice José Sarney. O filme inclusive aborda a polêmica de que Neves já estivesse doente algum tempo e com pouca expectativa de vida, e foi escolhido apenas por ter mais carisma do que Sarney. O filme acabou passando despercebido na época, sendo ignorado pela imprensa e o público. 


Doutor Gama (2021)

O filme aborda três momentos da vida de Luiz Gonzaga Pinto da Gama (1830-1882) escravizado quando criança e adolescente, conseguiu sua alforria, assumiu outros ofícios como jornalista e escritor até se formar como advogado, quando passou a lutar pelo abolicionismo e ajudar escravizados a conseguirem sua liberdade. O filme foi dirigido por Jefferson De e roteirizado por Luiz Antônio, baseado em biografias e livros sobre a história de Luiz Gama. 


Ainda Estou Aqui (2024)

Baseado no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, o qual narra sua vivência na época da Ditadura Militar (1964-1985), quando seu pai o ex-deputado e engenheiro Rubens Paiva (1929-1971) foi preso, sendo torturado e morto no DOI da Tijuca, sob acusação de espionagem, apoiar guerrilheiros, terrorismo e acobertar Carlos Lamarca (1937-1971), na época militar rebelde que se tornou contrário ao governo ditatorial e era inimigo público. O corpo de Paiva jamais foi encontrado e ele foi dado como desaparecido pelas autoridades. No entanto, além dele, sua esposa Eunice Paiva (1929-2018) foi presa por 12 dias sofrendo maus-tratos e tortura psicológica, assim como, sua filha mais velha também ficou 24 horas presa para interrogatório. Depois disso o enredo acompanha a dureza de Eunice para criar cinco filhos, mudando-se para São Paulo, indo estudar Direito e lutando para provar que o marido foi morto na ditadura. O filme foi dirigido por Walter Salles, com roteiro de Murilo Hauser e Heitor Lorega, estrelando Selton Mello como Rubens e Fernanda Torres/Fernanda Montenegro como Eunice. A produção ganhou alguns prémios como o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e o Globo de Ouro de Melhor Atriz


NOTA: O filme Carlota Joaquina, Princesa do Brasil (1995) é uma sátira a nobre que se tornou rainha de Portugal e do Brasil, além de ser mãe de D. Pedro I, além de trazer várias imprecisões históricas. 

NOTA: O filme Estrada 47 (2015) conta uma narrativa fictícia que acompanha o drama e militares da Força Expedicionária Brasileira (FEB) na Itália, durante a Segunda Guerra Mundial

NOTA: O filme A Viagem de Pedro (2022) apesar de se basear no retorno de D. Pedro I a Portugal em 1831, trata-se de uma obra de ficção por inventar aspectos de como teria sido essa jornada, enquanto o soberano segue amargurado e reflexivo sobre seu reinado de nove anos no Brasil, assim como, suas desavenças com seu irmão Miguel, que o aguardava em Portugal. 

quarta-feira, 16 de abril de 2025

Os Budas de Bamiyan e a intolerância religiosa

No ano de 2001 quando o grupo terrorista do Talibã tomou o poder no Afeganistão, uma das ordens violentas declaradas foi extirpar o país de símbolos religiosos que não pertencessem a fé islâmica. Assim, seus membros saíram atrás de estátuas, relicários, templos, mosaicos, objetos etc. de outras religiões para serem destruídos. Um dos casos que repercutiu mundialmente foi a destruição das estátuas gigantes dos Budas de Bamiyan. 

Bamiyan consiste numa localidade atualmente no Afeganistão, situada a 240 km ao sul de Cabul, capital do país. No passado ela compreendeu parte de diferentes territórios como o Reino da Báctria, o Império Persa, o Império de Alexandre, o Grande. Bamiyan fica próximo a Rota da Seda, o que favoreceu para intensificar os contatos comerciais, mas culturais, já que por séculos essa rota foi frequentada por caravanas e viajantes de diferentes países. 

Monges budistas de origem indiana se estabeleceram em Bamiyan por volta o século II d.C., indo viver em cavernas como eremitas. Possívelmente era pretensão deles fundar algum mosteiro na região, embora a Pérsia daquele tempo contasse com religiões como o Masdeísmo, o Zoroastrismo, o Maniqueísmo e até a presença de judeus também. O Cristianismo somente chegaria mais tarde. 

Assim, a comunidade budista que se estabeleceu em Bamiyan, acabou prosperando, fundando mosteiros e reunindo centenas de monges. Os quais começaram a esculpir enormes estátuas de Buda nas encostas dos morros de arenito entre os séculos VI e VII. Tais estátuas se tornaram um marco da paisagem por mais de mil anos. 

A maior das estátuas media 55 metros de altura, chamada de "Buda do Oeste" já a segunda maior estátua possuía 38 metros, sendo nomeada de "Buda do Leste". Ambas apresentavam Budas de pé, dentro de alcovas. Outras estátuas menores também foram produzidas, assim como, murais com pinturas retratando a vida de Buda, outros bodishavtas e até divindades hindus. Segundo relatos de viajantes, as estátuas originalmente eram pintadas e até conteriam joias de verdade com brincos e colares. Com o tempo as joias foram subtraídas e a pigmentação se desfez. 

Os Budas de Bamiyan em pintura de 1885. As faces deles já estavam danificadas naquele tempo.

Por sua vez, com a difusão do Islão a partir da segunda metade do século VIII, o Budismo no Afeganistão (na época domínio persa) começou a entrar em declínio. Mais tarde os mosteiros foram fechados e abandonados. As estátuas acabaram permanecendo como lembranças de uma comunidade budista em território persa ao longo de séculos.

No limiar do século XXI as estátuas dos Budas de Bamiyan já estavam deterioradas há bastante tempo, mas seguiam de pé. Seus rostos inclusive em algum momento foram quebrados como parte da intolerância religiosa de habitantes ou viajantes. Segundo os preceitos islâmicos, figuras sagradas não devem ter os rostos retratados. Assim, baseando-se nesse princípio de sua fé, algumas pessoas foram até aquelas estátuas gigantes e quebraram suas faces. 

Apesar das estátuas terem ficado desfiguradas o pior ocorreu em 2001 na época do governo do grupo fundamentalista religioso do Talibã. Surgido em 1994 como uma milícia radical de fundamentalismo religioso e nacionalismo fanático, os talibãs pretendiam levar o Paquistão e depois o Afeganistão a retornar aos eixos, alegando que a influência das culturas ocidentais cristianizadas macularam os princípios islâmicos. Na prática os talibãs defendem um Islão baseado numa perspectiva ultraconservadora e fanática, assim, essa milícia começou a crescer rapidamente e em 1996 eles operaram um golpe de estado no Afeganistão, tomando o poder até 2001. 

Os talibãs passaram a serem vistos mundialmente como terroristas, embora tenham ganho adesão de muitos homens do Paquistão, Afeganistão e de países muçulmanos vizinhos, os quais aderiram ao discurso fanático deles. Assim, em 2001 alguns talibãs explodiram as estátuas dos Budas gigantes de Bamiyan, sob alegação de serem "ídolos pagãos", o que representava não apenas uma religião alheia ao Afeganistão, mas uma afronta a Alá como deus único. Para os talibãs, os Budas seriam representações de deuses e falsos profetas, logo, deveriam ser destruídos. Embora essas estátuas não foram as únicas a sofrerem a intolerância religiosa do governo radical do Talibã, outras representações religiosas mesmo de origem persa, também foram danificadas ou destruídas.

Os Budas de Bamiyan antes de serem destruídos pelo Talibã em 2001. 

No entanto, ainda em 2001, os Estados Unidos com o governo de George W. Bush iniciou a invasão do Afeganistão para caçar os terroristas da Al-Qaeda que se refugiaram no país, especialmente Osama Bin Laden, um os mentores do atentado terrorista contra o World Trade Center, ocorrido em 11 de setembro naquele ano, em Nova York. Consequentemente na caça aos membros da Al-Qaeda, o governo americano também objetivou expurgar o Talibã do controle do país, algo que conseguiram manter por duas décadas, já que eles retornaram ao poder em 2021. 

No ano de 2003 a UNESCO registrou o Vale de Bamiyan como parte do patrimônio histórico da humanidade na tentativa de protegê-lo, no entanto, o sítio segue sob ameaça. Inclusive ao retornarem ao poder, o Talibã, realizou novos atos de intolerância religiosa ao destruir estátuas, murais, pinturas, objetos sacros e até ruínas de templos persas. Mostrando que antigas práticas ainda continuavam, infelizmente. Assim, fica perceptível que embora intolerância religiosa seja um crime em muitos países, no entanto, em alguns onde as leis não funcionam e governos ditatoriais e fanáticos imperam, atos de intolerância, ódio, preconceitos diversos se tornam comuns e seguem impunes. 

Duas mulheres diante de uma das alcovas vazias dos Budas de Bamiyan, em 2012. 

Referência bibliográfica: 

BRAJ BASI LAL; SENGUPTA, R. A Report on the Preservation of Buddhist Monuments at Bamiyan in Afghanistan. Islamic Wonders Bureaum, 2008. 

sábado, 12 de abril de 2025

As múmias

Embora os antigos egípcios sejam principalmente lembrados pela prática religiosa da mumificação, no entanto, eles não foram os únicos povos a criar múmias. Outros povos como os incas e os japoneses, cada um com suas próprias técnicas. Assim, o presente texto mostra como existiram diferentes tipos de múmias em alguns lugares do mundo, além de que o conceito de múmia inclui múmias naturais e artificiais, assim como, a mumificação é uma prática para se criar múmias artificiais como será visto.


A palavra múmia

Essa palavra advém do latim medieval mumia, baseada no árabe mumiya, usada para designar cadáveres embalsamados com betume. Por sua vez, os persas usavam o termo mum (piche). A medicina islâmica utilizava o betume e piche para diferentes empregos, inclusive embalsamar os corpos enquanto eles aguardavam o funeral. 

Assim, o contato entre povos europeus com povos de língua árabe os levou a assimilar a palavra mumia, usada principalmente na medicina medieval para designar substâncias derivadas do betume medicinal e até de compostos químicos diversos, vendidos como remédios para tratar diferentes tipos de doenças. Inclusive se sabe que houve casos de se pegar partes de múmias e moê-las, tornando-as num "pó de múmia", que era vendido para se fazer poções e medicamentos. 

Frasco apotecário com pó de mumia, datado de entre o século XVI e XVII.  

Essa ideia de mumia como um tipo de composto medicinal perdurou ao longo do medievo e meados da modernidade, quando foi abandonada devido a mudanças no pensamento medicinal. Por sua vez, a palavra múmia passou a designar as múmias egípcias, até então as mais famosas e conhecidas pelos europeus, africanos e povos do Oriente Médio. Nesse período da Idade Moderna o antiquarismo fez crescer o interesse pelas múmias, cobiçadas como bizarros itens de colecionador. 

Múmias naturais

O conceito mais simplista de múmia refere-se a um cadáver que por condições naturais ou artificiais (induzidas) foi preservado de tal forma que conseguiu resistir a decomposição e intempéries ao longo de séculos ou milênios. No caso, as múmias naturais se dividem em dois tipos: as acidentais, ou seja, a pessoa não pretendia se tornar uma múmia, mas devido as circunstâncias e localidade onde ela veio a morrer, seu corpo acabou ficando preso em algum substrato e ali foi preservado. 

Um exemplo famoso é o Ötzi, o homem do gelo. Um viajante que cruzava os Alpes austríacos há mais de cinco mil anos, o qual acabou morrendo de frio e seu corpo foi coberto por gelo e neve, permitindo que ficasse preservado por milênios até ser descoberto em 1991 por um casal de alpinistas no Vale de Ötztal. Nesse caso, esse viajante não pretendia se tornar uma múmia, mas acabou acidentalmente se tornando uma por conta de ter morrido ali e seu corpo ter sido congelado naturalmente e permanecido nesse estado de preservação por milhares de anos.

Fotografia da descoberta de Ötzi, em 1991. 

Outro exemplo de múmias naturais são as múmias dos pântanos dinamarqueses. O território central da Dinamarca, chamado de Jutland é conhecido por possuir em determinadas localidades turfeiras, um tipo de região pantanosa. No passado sacrifícios humanos e de animais eram feitos nessas turfeiras. Devido a lama, o lodo e o clima mais frio, isso criava um substrato que envolvia os cadáveres deixando-os preservados por séculos. Um exemplo famoso é do chamado Homem de Tollund, o qual viveu no século V a.C, o qual foi sacrificado na ocasião. Seu corpo foi descoberto em 1950 durante uma escavação próximo a Silkeborg

Fotografia da face do Homem de Tollund. 

Entretanto, o segundo exemplo de múmia natural é quando ela é induzida aquilo. Aqui inclui-se a condição de que alguém deliberadamente depositou um cadáver em determinado local para ele ser preservado. Os incas costumavam fazer isso ao deixar pessoas que foram sacrificadas em cavernas nas montanhas. Devido ao clima frio, esses cadáveres se tornavam múmias. A respeito voltarei a comentar no tópico específico sobre as múmias incas. 

No México, na cidade de Guanajuato, no século XIX começaram a exumar túmulos no cemitério de Santa Paula devido a falta de espaço para covas. Ao se fazer isso, os coveiros constataram que alguns corpos estavam preservados. Tratam-se de múmias naturais que devido ao clima seco, atingiram essa condição. Na época algumas múmias foram vendidas como curiosidade, outras foram expostas em igrejas e capelas. No século XX criou-se o Museu das Múmias de Guanajuato, que virou sensação no país. 

Uma seção do Museu das Múmias de Guanajuato, no México. 

Múmias egípcias

As múmias do Egito Antigo se tornaram as mais famosas do mundo devido a popularização da Egitomania entre os séculos XIX e XX, além da própria midiatização sobre as múmias em filmes, desenhos, ilustrações e jogos. Em geral múmias enfaixadas apareciam em tramas de terror ou em sátiras. De qualquer forma, os egípcios foram um dos povos que mais investiu no desenvolvimento da prática mortuária da mumificação, condição bastante influenciada pelas crenças religiosas desse povo, o qual acreditava na ressurreição. 

Assim, as múmias foram concebidas para se preservar o corpo físico de forma que ele pudesse repousar com segurança por bastante tempo até o dia que os deuses autorizassem o retorno da alma para o corpo e assim a pessoa ressuscitasse. É evidente que nem todo mundo tinha condições de ser mumificado, pois era um processo caro, assim, o mais comum eram os ricos e sacerdotes serem mumificados, além de termos casos de animais diversos como gatos, bois, íbis, crocodilos, babuínos, cães etc. que também eram tornados em múmias. 

Além de se mumificar as pessoas, as tumbas recebiam oferendas de comida e bebida regularmente, assim como, a pessoa era enterrada com seus pertences e presentes. Quanto mais rica o indivíduo, maior quantidade de objetos, móveis e alimentos ele receberia em sua tumba, para ajudá-lo na outra vida até o dia de seu retorno. No entanto, os egípcios desenvolveram distintas técnicas de mumificação. O Livro dos Mortos apresenta algumas delas, além de associar o deus Anúbis como sendo a divindade que criou a mumificação e rege essa prática. 


Múmia do faraó Ramsés II. 

As múmias mais antigas achadas datam da IV Dinastia (2613-2494 a.C.) em que as múmias já eram enfaixadas, sendo revestidas com resina e gesso, além de que seus órgãos eram removidos. Um rosto era até pintado nas faixas. Amuletos de proteção eram colocados junto a múmia. Além disso, as múmias nobres eram guardadas dentro de sarcófagos de diferentes tamanhos e com distintos ornamentos. Pessoas de condição financeira inferior só tinham um caixão ou suas múmias eram colocadas dentro de uma câmara mortuária simples. 

Fotografia de 1922 do sarcófago do faraó Tutancâmon sendo analisado por Howard Carter. 

Séculos depois a mumificação foi sendo melhorada. O uso de sal ou nátron, além de betume e cera também passou a ser mais comum, substituindo a resina e o gesso. No caso, o sal e o nátron ajudavam a absorver a umidade do cadáver, secando-o e estendendo seu tempo de preservação. Por sua vez, o betume e a cera criavam uma cada de vedação, evitando o contato do ar e e bactérias. As práticas de evisceração se tornaram mais eficientes, removendo-se vários dos órgãos internos e guardando-os nos vasos canopos. Os quais tinham a forma de alguns deuses como: Imseti que guarda o fígado, Hapi que guarda os pulmões, Duamutef que guarda estômago, e Kebehsenuef que guarda os intestinos. O coração não era guardado, pois o morto deveria levá-lo para o julgamento da balança da deusa Maat

Vasos canópicos representando da esquerda para direita: Kebehsenuef, Hapi, Duamutef e Imseti. 

Além de melhorias no uso de substâncias conservantes, os egípcios também passaram a utilizar outros produtos como azeite, mirra, incenso e especiarias para conceder melhor aroma as múmias. Além disso, outros tipos de amuletos foram desenvolvidos, além de mudanças nas escrituras de proteção presentes nos sarcófagos e tumbas. 

A mumificação no Egito Antigo durou por séculos, mas depois entrou em declínio e quase sumiu após o ano 1000 a.C. Sendo retomada em algumas épocas. Porém, na época da dominação greco-macedônica (305-30 a.C) basicamente não se mumificava mais ninguém. Após isso seguiu-se a dominação romana (30 a.C - 476 d.C) e a prática de fazer múmias praticamente sumiu se tornando apenas algo de um passado longínquo, além de suscitar a curiosidade. 

Múmias andinas

Na região da Cordilheira dos Andes, especialmente entre o Peru, Bolívia e Argentina, algumas múmias foram achadas. Embora as mais famosas sejam de origem inca, no entanto, outros povos andinos também praticavam a mumificação antes deles. Em descoberta datada do final de 2021, arqueólogos acharam túmulos em Cajamarquilla no Peru, uma cidade anterior aos incas, onde encontrou-se 14 múmias entre crianças, adolescentes e adultos, os quais teriam vivido entre 800 e 1000. Essas múmias foram sepultadas envoltas em bandagens e tecidos, os quais somados ao clima seco e frio ajudou no seu estado de conservação prolongado. 

Pelos estudos realizados, tratava-se de pessoas que foram sacrificadas, as quais pertenceriam a um status social elevado a julgar por seus trajes e pertences. A ideia de sacrificar alguém da elite era mais válida do que sacrificar pobres e escravos, pois o sacrifício humano aos deuses deveria ter valor, logo, não era qualquer pessoa a ser sacrificada, pois isso seria uma ofensa aos deuses. 

Arqueólogas em 2022 escavando uma múmia encontrada em Cajamarquilla, no Peru. 

No entanto, as múmias andinas mais famosas datam da época inca. Os incas foram um dos povos que habitaram a região andina, tendo fundado um vasto império entre 1438 e 1533. Por essa época a nobreza manteve a antiga prática da mumificação, embora bem menos sofisticada do que a mumificação egípcia. A diferença é que os incas contavam com o meio ambiente para ajudar nesse processo. Alguns cadáveres deixados nas montanhas, devido ao frio e o ar rarefeito, acabaram sendo mumificados naturalmente. Essa prática possui três exemplares famosos, chamados de As crianças de Llullaillaco, descobertas em 1999, num vulcão na fronteira entre Argentina e Chile

Ao todos foram três múmias achadas numa caverna: uma garota entre seus 13 e 15 anos apelidada de "la doncela", uma menina de seus 6 anos apelidada de "la niña del rayo" e um menino de sete anos apelidado "lo niño". De acordo com os trajes, acessórios e pertences achados com as múmias, essa adolescente e as duas crianças eram membros da nobreza inca que foram sacrificados no ritual da capacocha, para apaziguar a ira ou descontentamento dos deuses. No caso, entre os incas a realização de sacrifícios humanos ocorria em determinadas ocasiões, o que incluía desde o sacrifício de adultos a crianças. 

Duas múmias das crianças de Llullaillacco, em 1999. 

Enquanto as múmias de outros povos anteriores ou contemporâneos aos incas eram deliberadamente enfaixadas e sepultadas para serem conservadas para a próxima vida, algumas das múmias incas mais famosas encontradas foram deixadas ao relento em montanhas, ou seja, não era o intuito de mumificá-las, mas elas acabaram sendo mumificadas naturalmente de forma acidental. 

Múmias budistas

Não se sabe quando a prática de mumificação budista surgiu, se teria começado ainda na Antiguidade ou na Idade Média, mas a maior parte das múmias budistas encontradas datam do final do medievo e ao longo da Idade Moderna. No caso, somente algumas escolas e comunidades budistas adotaram essa prática de automumificação, que é diferente da mumificação convencionalmente que conhecemos. Enquanto no segundo caso uma pessoa morta é mumificada, as múmias budistas consistiam em técnicas ascéticas severas nas quais os monges preparavam seus corpos em vida para ficarem preservados. 

Múmias budistas foram encontradas na Índia, China, Japão, Tailândia, Malásia e Indonésia, em países onde o budismo foi uma religião predominante em determinadas épocas. As formas de se mumificar variavam com o povo e a época. Por exemplo, no Tibete encontrou-se múmias cobertas com argila ou dentro de recipientes com sal. Isso ajudava na conservação do corpo. Por sua vez, em outras localidades da China, os monges adotavam uma dieta radical de poucas calorias e baixa (ou ausência) ingestão de líquidos, combinada com técnicas de meditação prolongada. O processo poderia levar semanas ou meses. Durante esse período o monge ia emagrecendo, perdendo líquidos, gordura corporal e definhando até morrer de fome, sede, insuficiência respiratória ou parada cardíaca. Basicamente eles meditavam até morrer, mas esse tipo de suicídio religioso era encarado como uma técnica de mortificação para expiar os pecados ao sacrificar o corpo para libertar a alma. 

Uma múmia budista. 

Algumas múmias budistas foram guardadas em tumbas, estupas, dentro de estátuas, deixadas em cavernas ou exibidas em altares em templos, onde eram adoradas. Essa prática, lembrando, não foi convencional entre várias vertentes do budismo. Não obstante, no Japão ela também existiu, principalmente nas províncias do norte, de clima mais frio e em regiões montanheses, as quais favoreceram a prática do sokunshinbutsu, referida como "Buda vivo", pois significaria que eles teriam alcançado do estado de bodhisatva (se tornaram iluminados). Assim, suas múmias permaneceriam como um lembrete do sacrifício dele e serviriam de fonte de inspiração. 

O sokunshinbutsu foi desenvolvido com base em práticas chinesas de automumificação que chegaram ao Japão ainda no medievo em época em certa. Porém, apenas algumas comunidades budistas o praticavam. Tratava-se na condição do monge adotar uma dieta restrita a comer cascas de pinheiro, resina e outros materiais vegetais, praticamente não beber água e nenhum outro líquido. Passar horas e horas em meditação regular ao longo de semanas ou meses. Isso era tudo preparativo para ele conseguir preparar seu corpo até o momento de sua passagem. Além disso, soma-se que o clima frio das montanhas ajudou na conservação. Muitas múmias japonesas se perderam com o tempo, mas algumas foram achadas em templos, em altares, outras encontradas em cavernas ou tumbas. A prática durou por época indefinida.

Uma múmia budista japonesa.

Embora muitos monges aleguem que essa mumificação foi totalmente intencional, no entanto, arqueólogos apontam que em muitos casos houve intervenção nas múmias, como mudança de trajes, acréscimo de acessórios, limpeza dos cadáveres e até adição de substâncias para prolongar sua conservação. De qualquer forma, as múmias budistas representam uma decisão muito difícil entre alguns monges: a escolha de encerrar sua vida para poder alcançar sua libertação ou elevação espiritual. 

Múmias guanches

Consistem em múmias encontradas nas ilhas Canárias, especialmente em Tenerife, de onde achou algumas das melhores múmias preservadas. O povo guanche, que viveu viveu naquele arquipélago entre os séculos I ao XV, tinha a prática de mumificar a nobreza. No caso, os cadáveres eram preparados combinando-se técnicas de evisceração, uso de produtos como sal e resinas para a conservação, além de se enfaixar os corpos e colocá-los em tumbas ou cavernas, junto aos pertences e presentes do morto. 

Os espanhóis e os portugueses ao começarem a colonizar aquele arquipélago se depararam com tais múmias, achando uma prática estranha e selvagem. Muitas múmias acabaram sendo destruídas pela ordem dos colonizadores ou foram enterradas. Por sua vez, os guanches foram subjugados pela colonização e deixaram de manter essa tradição religiosa de mumificar. 

Uma múmia guanche exibida no Museu Arqueológico de Madri. 

NOTA: O filme A Múmia (1932) foi o primeiro filme de terror a ganhar destaque mundial abordando múmia egípcia numa produção sombria. A produção acabou gerando derivados e remakes.

NOTA 2: O conceito de corpo incorrupto encontrado principalmente no Catolicismo, seria um tipo de múmia natural (ou artificial), embora os fiéis considerem que se trate de um milagre. Tais corpos incorruptos são comuns com santos, os quais devido a sua devoção e bondade tiveram seus corpos preservados por intervenção divina. 

NOTA 3: No jogo The Legend of Zelda: Breath of the Wild (2017), os guardiões dos santuários são baseados em múmias budistas japonesas. 

NOTA 4: A lenda da maldição da múmia surgiu na época da descoberta da tumba e Tutancâmon em 1922, onde se espalhou o boato de que algumas mortes associadas diretamente ou indiretamente a pessoas que tiveram contato com a múmia do faraó, foram amaldiçoadas e vieram a morrer. 

NOTA 5: Embora a prática regular de mumificação tenha sumido ao longo de séculos, ainda assim, houve casos de pessoas que pediram para serem mumificadas ou foram feitas múmias não por escolha. Por exemplo, Vladimir Lenin (1870-1924), o qual foi um importante líder da Revolução Russa (1917), foi mumificado por ordem do partido bolchevique para inspirar o culto ao líder na URSS. 

Referências bibliográficas

AUFDERHEIDE, Arthur C. The Scientific Study of Mummies. Cambridge, Cambridge University Press, 2003. 

CERUTI, María Constanza. Llullaillaco: Sacrificios y Ofrendas en un Santuario Inca de Alta Montaña. Salta, EUCASA, 2003.

JEREMIAH, Ken. Living Buddhas: The Self-mummified Monks of Yamagata. Japan, McFarland, 2010.

RODRIGUEZ MAFFIOTTE, Conrado. Las Momias Guanches de Tenerife. Proyecto Cronos. Tenerife, Museo Arqeologico y Etnográfico de Tenerife, 1992. 

Referência da internet

Arqueólogos encontram 14 múmias do período pré-Inca no Peru

Link relacionado

Tutancâmon e a maldição da múmia