sábado, 5 de junho de 2010

São Jorge e o Dragão

Ícone de S. Jorge, século XIII.
São Jorge da Capadócia (275?-303) teria nascido por volta do século III na Capadócia, região hoje da atual Turquia. Naquela época, essa região pertencia ao Império Romano. De acordo com os poucos relatos de sua vida, Jorge teria logo cedo entrado para o exército romano, onde passou a seguir carreira. Mas, em um determinado momento ele recebeu ordens para executar alguns cristãos, mas devido ao fato de ser um adepto do Cristianismo, teria recusado a cumprir tais ordens. Então como crime de insubordinação, ele fora condenado a morte, tendo sido decapitado no ano de 303. Em 313, o imperador romano Constantino, o Grande junto como o imperador romano do Oriente, Lícinio, firmaram o chamado Édito de Milão, o qual punha um fim a perseguição religiosa e legalizava o culto de outras religiões entre os súditos do império. Assim, o Cristianismo no Império Romano, deixou de ser perseguido, e o próprio Constantino se tornou o primeiro imperador romano a se converter ao Cristianismo. Anos depois em 393, o imperador Teodósio, o Grande decretou que o Cristianismo seria a religião oficial do império.

Assim, muitos santos mártires começaram a ganhar maior reconhecimento entre os cristãos e o culto dos mesmos se disseminou como forma de legitimar a nova religião oficial do império. Pelo fato de Jorge ter sido um militar romano e defensor dos cristãos, se tornou um desses mártires que tivera o culto difundido para além da Turquia.

Vista área das peculiares formações rochosas da Capadócia. 
O culto a São Jorge se espalhou de forma relativamente rápida, pois quase dois séculos após a sua morte, já haviam igrejas em sua homenagem. Porém, um dos fatores que contribuiu para a disseminação do culto a São Jorge, foi sua ligação ao exército e posteriormente na transformação do mesmo como uma figura que representava o idílico cavaleiro cristão que levava a palavra do Senhor aos pagãos e combatia o mal.

Devido a essa associação bélica, missionária e espiritual, alguns reis da Europa passaram a se tornar devotos de São Jorge, ou a fundarem ordens militares como a Ordem Militar de São Jorge em Gênova na Itália, criada pelo rei Frederico III da Alemanha ou a Ordem da Jarrateira, criada em 1330 pelo rei Eduardo III da Inglaterra. São Jorge também é o padroeiro da Inglaterra, de Portugal, da Catalunha, da Lituânia, da cidade de Moscou, além de outras cidades na França, Itália, Grécia e na América Latina.

Fotografia de 1920 da Igreja de São Jorge na Lida em Israel. Os restos mortais do santo se encontram sepultados aqui.
Esse reconhecimento feito pela realeza ao culto do santo contribuiu para difundir e popularizar seu culto entre o povo. Tal fato levou até mesmo a criação de dias litúrgicos para cada país ou a utilização de símbolos associados ao santo como a Cruz de São Jorge, que se tornou uma medalha militar usada na Inglaterra, ou que passou a estampar bandeiras como a dos ingleses e dos gregos e até mesmo foi usada como símbolo pela Ordem dos Templários durante as Cruzadas


Além de ser utilizada na bandeira da Inglaterra, a cruz de São Jorge também estampa a bandeira da Escócia e do Reino Unido. 

Embora, São Jorge da Capadócia seja um santo reconhecido pelas Igrejas Católica, Ortodoxa e Anglicana, com a colonização portuguesa na costa ocidental da África e posteriormente no Brasil, o culto de S. Jorge assim como de outros santos católicos foi associado as religiões de matriz-africana, como a Umbanda e o Candomblé, onde o mesmo é associado ao orixá Ogum, o qual personifica a masculinidade, os ofícios de ferreiro, caçador, agricultor e guerreiro. 


O orixá Ogum é associado a São Jorge.
A lenda da luta contra o dragão

Entretanto a história do dragão, é algo que veio surgir em algum período obscuro da Idade Média. Não se tem certeza hoje em que época tal história se originou. Entretanto, nesse artigo não irei buscar sua origem ou narrá-la, mas, sim elaborar uma análise desta lenda, referente ao contexto cristão da época. O que dizia o simbolismo, a metáfora do dragão para os cristãos medievais?

A história começa com S. Jorge viajando para o Oriente em missão de converter os pagãos e os infiéis (termo usado para se referir aos muçulmanos), e em sua viagem ele ficou sabendo da história de uma cidade que estava sendo assolada por uma terrível fera, um dragão. Esta cidade teria oferecido a sua princesa como sacrifício a terrível besta para por um fim aos seus ataques. Então São Jorge sendo um nobre servidor da Igreja e de Deus, partiu para salvar a princesa e a cidade, e derrotar a temível fera. Tendo pondo um fim ao monstro, Jorge salvou a princesa, a cidade, e livrou o mundo do mal, e garantiu que aquele povo se convertesse ao Cristianismo. Em meio a este enredo de contos de fadas, do nobre cavaleiro, do terrível dragão e da donzela em perigo, esta história esconde um simbolismo profundo e impregnado de fé e soberania. Já que eu já falei de São Jorge, irei tratar da questão da imagem do dragão. O que o dragão representa nesta história, e a semelhança desta história com outras lendas e mitos de diferentes povos. Na qual a essência é a mesma: a vitória do Bem contra o Mal.

Não se sabe ao certo se no passado houve dragões, ou eles não passaram da descrição fantasiosa de répteis reais (a zoocriptologia estuda a plausibilidade da existência de supostos monstros). Entretanto é de fato que em diferente épocas da História, em diferentes lugares e culturas, se fala de histórias sobre dragões. Mas, nessas histórias essa criatura é vista de formas diferentes.

Em geral, um dragão é representando como uma criatura grande, horrenda, coberta de escamas mais duras que pedra ou metal; que cospe fogo, que possui asas de morcego, que possui várias cabeças ou não; e seu instinto é a crueldade pura. Porém, a seguir será apresentado algumas histórias que se falam de dragões, e seus atributos simbólicos.

Dentro da história da Canção dos Nibelungos, um poema medieval escrito em língua alemã, narra-se a história de um guerreiro chamado Siegfried ou Sigurd. Tendo este valente guerreiro confrontado o terrível dragão Fafnir. Não me prendendo muito ao mito, Siegfried de posse de sua espada mágica, derrota a fera e lhe rouba os tesouros que guardava. Em muitas outras histórias os dragões são representados como guardiões de tesouros. Para alguns mitólogos, esse fato, serve como uma metáfora para retratar a ganância do homem. Se o dragão é um ser ligado ao mal, a ganância como sendo algo ruim, é simbolizada por este. Sendo assim, o fato do dragão guardar um tesouro e não deixar que ninguém o pegue, perfaz esta condição. Tal história também é vista no poema épico Beowulf, no qual o herói enfrenta um terrível dragão no final da história, sendo este dragão guardião de um tesouro.

No livro O Hobbit de J. R. R. Tolkien, o autor fala de um grande e poderoso dragão chamado Smaug, o qual guardava um grande tesouro na Montanha Solitária, local para onde Bilbo Bolseiro, Gandalf, 13 anões e dentre outros vão em busca de tais riquezas. Nesses três casos citados acima, a imagem do dragão se faz negativa, e representa a avareza dos sentimentos humanos. Porém nem todos os dragões eram vistos como criaturas totalmente cruéis. 

No Oriente, como no caso da China, Japão e Coreia, os dragões são vistos não somente como feras, mas, como manifestações da natureza, já que para eles estes controlavam elementos da natureza, como o vento, chuva, neve, seca, terremotos, etc. Sendo assim, o dragão era um ser sagrado, sábio e poderoso. Ainda hoje se fazem rituais para honrar tais criaturas, como por exemplo a Dança do Dragão.

O dragão Shenlong. Senhor dos ventos e das chuvas.
Shenlong é o dragão que controla os ventos e as chuvas. Sendo feito em sua homenagem oferendas por boas chuvas para ajudar na colheita. Quando ficava furioso, ele gerava tempestades de seus rugidos.

Quando o cristianismo aportou no Oriente por volta do século XVI, trazido principalmente pelos jesuítas portugueses, aos impérios Chinês e Japonês, locais onde havia o culto ao dragão, tais rituais e festividades foram condenadas como heréticas, e de adoração ao Diabo. Entretanto, o cristianismo não conseguiu abolir as religiões Taoísta (China) e Xintoísta (Japão), diferente do que ocorreu na Europa e nas Américas, onde ele prevaleceu sobre as religiões ditas pagãs.

Já que vimos a simbologia do dragão em alguns aspectos, como ser cruel e como ser divino, irei passar para a visão do dragão na Bíblia. Para o cristianismo a imagem do dragão fora ligado diretamente a serpente do Éden, que simboliza o Pecado Original, e ao próprio Diabo. Em alguns momentos da Bíblia, haverá referências a essas criaturas, principalmente no livro do Apocalipse.

Na história de São Jorge, como tanta outras já vistas, a luta contra o dragão perfaz a luta do Bem contra o Mal. O santo representando o poder de Deus, da Luz, da salvação, e o dragão, o Mal, as Trevas, a perdição. Mas, por outro lado, a importância desta história possui mais dois fatos interessantes a serem comentados. Primeiro, fora algo comum a absorção de lendas e cultos pagãos pela Igreja Católica como forma de atrair seguidores. Como maior exemplo temos a data de 25 de dezembro, a qual marca o "nascimento" de Jesus Cristo. Embora que na realidade Jesus não nasceu em dezembro, pois ainda hoje é questionável em que mês e em que ano ele realmente nasceu. 

Mas, a data 25 de dezembro é uma data na qual muitos povos antigos cultuavam o solstício de inverno um momento importante para o calendário das colheitas, da natureza e da astronomia e astrologia, pois era o indicativo do final do ano e que com este a primavera estava por vir. Nesse ponto a segunda questão que tenho a assina-lá é que esta história representa a vitória do cristianismo sobre o paganismo, o qual é representado pelo dragão. E no fim, isso leva a conversão de novos fiéis, e a aumentar a devoção dos cristãos pelos santos e pelo poder da Igreja e de Deus. Tal história era uma forma de difundir entre os cristãos a dádiva que seus santos realizavam sobre o mundo.

"Como os heróis pagãos, os santos cristãos tinham um desempenho ambíguo, ora virtuoso ora vingativo". (FRANCO JR, 1996, p. 64).

"Aí o papel dos santos era, pelo exemplo do martírio e das virtudes, conquistar novos adeptos para a causa de Deus". (FRANCO JR, 1996, p. 222).

NOTA: A história de Siegfried é também contada na Saga dos Voslungos, no Edda em verso e em outros poemas.
NOTA 2: O compositor Richard Wagner compôs uma ópera intitulada Siegfried (1871). Além desta ópera, Siegfried é uma personagem recorrente em outras óperas que compõem o Anel do Nibelungo.
NOTA 3: São Jorge é considerado o santo padroeiro do time de futebol brasileiro Corinthians e do time espanhol do Barcelona.
NOTA 4: Na cultura popular atual, é comum se ouvir muitas músicas nacionais e até mesmo internacionais sobre São Jorge, além da venda de camisas e medalhas com sua imagem. Devido a sua associação como guerreiro e ao mesmo tempo protetor.
NOTA 5: Em muitos países cristãos católicos romanos, São Jorge é padroeiro da cavalaria dos exércitos, o que inclui o Brasil.  

Referências Bibliográficas:
FRANCO JÚNIOR, Hilário. A Eva Barbada: Ensaios de Mitologia Medieval, São Paulo, Editora USP, 1996.
Grande Enciclopédia Larousse Cultural. São Paulo, Nova Cultural, 1998.

LINKS:
Libreto original de Siegfried com tradução em português (ópera)
http://www.muitamusica.com.br/992-zeca-pagodinho/65407-lua-de-ogum/letra/
http://letras.terra.com.br/jorge-ben-jor/75518/
http://www.dancadodragao.com.br/

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