domingo, 14 de agosto de 2011

A Revolução Francesa: Igualdade

"A revolução é como Saturno, devora os seus próprios filhos"
Georg Büchner

A França em 1791 ainda era uma nação em tumulto. O rei Luís XVI havia tentado fugir do país, mas foi capturado; havia conspirações para libertar o monarca, e para a retomada do governo, então em posse da Assembleia Nacional; havia dissidências entre o exército, os nobres e a burguesia; a Prússia e a Áustria ameaçavam declarar guerra aos franceses; o papa Pio VI estava desgostoso com as medidas tomadas com o clero francês; o país ainda não havia se recuperado dos problemas financeiros que lhe acometiam a pelo menos uns vinte anos; a população queria a morte do rei; jornais mais "incendiários" como os de Jean-Paul Marat, exaltavam medidas drásticas e denegriam a imagem dos monarcas ainda mais; parte da Assembleia queria uma república e não uma monarquia parlamentarista. Mas, de qualquer forma o grande evento de 1791 foi a promulgação da primeira Constituição Francesa, aprovada pelo rei Luís XVI, sendo este pressionado para assinar a constituição.

A Constituição Francesa

Outorgada em setembro de 1791, a primeira Constituição da França, declarava que oficialmente a criação de uma monarquia parlamentarista, onde a Assembleia Nacional comporia este parlamento; declarava a divisão dos três poderes, assim como sugerida na obra do filósofo Montesquieu; oficializava o fim da servidão, dos impostos feudais, assim como foi sugerido com a Declaração dos Direitos em 1789; oficializava todas as propostas defendidas na Declaração de 1789, agora em uma nova versão revista para o ano; permitia o voto censitário (apenas para os homens maiores de idade, que trabalhavam); além de legitimar outras mudanças realizadas desde 1789. 

Proclamação da Constituição Francesa em setembro de 1791.
Agora que os poderes do rei estavam oficialmente limitados por causa do parlamento, Luís XVI não era mais pela Graça de Deus, Rei de França e Navarra, mas sim, pela Graça de Deus e do direito constitucional do Estado, Rei dos franceses. Se oficialmente o reinado absoluto de Luís XVI se encerrou em 1791, o governo da Assembleia Nacional Constituinte vivenciaria o mesmo. Em 30 de setembro do mesmo ano, a Assembleia Nacional foi dissolvida e substituída pela Assembleia Legislativa, a qual passou a ser o parlamento outorgado pela constituição. Todavia, esta nova assembleia traria reviravoltas para o rumo da revolução.

Girondinos, jacobinos, cordeliers e sansculottes


Em 1 de outubro foi empossado oficialmente cerca de 750 deputados que representariam o país na recente criada Assembleia Legislativa. Grande parte dos membros não eram da política, mas membros ricos da alta burguesia, todavia, a situação na Assembleia não seria uma das melhores. Entre os 750 deputados, haviam representantes da nobreza, do clero, da alta e baixa burguesia, os quais se dividiam em monarquistas, republicanos, moderados, nacionalistas etc. 

Curiosamente, tais vertentes ficaram bem delineadas pelo simples fato de que os chamados girondinos, os quais eram os defensores de uma monarquia parlamentarista, e seguiam a via moderada, sentavam-se a direita na sala de reuniões, enquanto os mais radicais, os jacobinos sentavam-se do lado esquerdo. Tal fato deu origem, ao preceito de que os grupos de "esquerda" são sempre mais revolucionários do que os de mais. Contudo, antes de chegar a este emblemático meio de disputas, devemos conhecer um pouco de quem foram esses grupos.


Os girondinos foram de início os deputados eleitos do departamento de Gironde, departamento localizado na costa do Atlântico, logo um importante centro para o comércio marítimo, fato este no qual os girondinos como passaram a ser chamados, eram representantes dos direitos burgueses, além de também defenderem os direitos de uma monarquia parlamentarista, e a permanência do rei. Posteriormente, o partido, criado e liderado por Jacques-Pierre Brissot (1754-1793), passou a designar todos os adeptos ao seu pensamento que se uniram a chamada Gironda (termo que refere-se ao partido dos girondinos). 

Os girondinos eram considerados homens de pensamento moderado, contudo, Hobsbawm fala o seguinte: "os girondinos eram moderados enquanto estavam entre as paredes da Assembleia, fora desta, eram radicais". De fato, em 1792, estes passaram a compor um ministério especial criado pelo rei Luís XVI, chamado de girondino, o grupo tinha como missão declarar guerra a Áustria por traição, já que a mesma ameaçava invadir o país. Todavia, suas iniciativas fracassaram, e a reputação de seus membros deplorou-se a ponto de perderem grande influência que detinham. 


A origem dos jacobinos remonta ao ano de 1789, onde em Versalhes foi fundado o Clube dos Bretões, devido ao fato de que seus fundadores serem britânicos. Mas, posteriormente com a transferência da Corte e da Assembleia para Paris, a sede do grupo migrou para o refeitório do Convento Dominicano de São Tiago, o primeiro convento da Ordem dos Dominicanos fundado na França. O termo jacobino deriva do nome de São Tiago em francês, Saint-Jacques, onde Jacques, deriva do latim Jacob, logo jacobino era uma referência aos dominicanos desse convento. 


Sede do Clube dos Jacobinos no refeitório do Convento Dominicano de São Tiago, na rua Saint-Honoré, Paris.
Conde de Mirabeau
Pelo fato de o clube tomar sede neste convento, passou-se a chamá-lo de Clube dos Jacobinos, o qual teve com um dos notáveis lideres até 1791, o Conde de Mirabeau, Honoré Gabriel Riqueti (1749-1791). Mirabeau foi um homem de um passado remoto de problemas, o que o levou ao exílio e a prisão, mas por volta de 1787, voltou a politica francesa, mostrou-se um homem adepto aos interesses do Terceiro Estado, foi a favor da revolução em 1789, contudo não era a favor da morte do rei e da proclamação de uma república, assim como fala Blanning [1991], os burgueses do final do século XVIII, não estavam em sua grande maioria interessados em uma democracia, mas apenas nos interesses que favorecessem sua classe. De fato, Mirabeau em 1791 apoiou a formulação da Constituição, mas não viveu para ver sua proclamação (ele morreu em abril, e a constituição foi aprovada em setembro). Ele ao mesmo tempo serviu como agente secreto do rei. Com a morte de Mirabeau outros líderes tomaram a frente do Clube, dentre eles Maximilien de Robespierre, o qual conduziria os jacobinos de sua posição moderada para uma posição radical. 


Maximilien de Robespierre
Maximilien François Marie Isidore de Robespierre (1758-1794) foi um proeminente advogado da pequena cidade de Arras. Homem de baixa estatura, saúde debilitada, mas de grande retórica e oratória; sua mente febril o levou a galgar posições entre a política revolucionária a partir do ano de 1791, anteriormente o próprio havia sido eleito deputado para os Estados Gerais em 1789. Tornou-se membro do Clube dos Jacobinos, protestou contra a fuga do rei, pedindo a execução deste em 1791, passou a fazer parte da Comuna de Paris (1789-1795) no ano de 1792, sendo eleito deputado de Paris no mesmo ano. Devoto do pensamento de Rousseau, Robespierre defendia a ideia da "vontade geral", assim como predizia, Rousseau. Foi contra a declaração de guerra a Áustria, e instigava o controle interno da nação, a qual era ameaçada por conspirações. As medidas tomadas por Robespierre com a República Jacobina em 1792, mudariam significativamente o rumo da revolução pelos dois anos seguintes. 


"A soberania é indivisível pela mesma razão porque é inalienável, pois a vontade ou é geral, ou não o é; ou é a do corpo do povo, ou somente de uma parte". (ROUSSEAU, 2009, p. 43).


"Há comumente muita diferença entre a vontade de todos e a vontade geral. Esta se prende somente ao interesse comum; a outra, ao interesse privado e não passa de uma soma das vontades particulares". (ROUSSEAU, 2009, p. 45). 


Os Cordeliers era outro grupo revolucionário desta época, eram tidos como moderados, assim como os girondinos, todavia alguns de seus membros beiravam o extremismo, como fora o caso de Marat. Essencialmente o nome do grupo tem sua origem ligada ao Convento Franciscano dos Cordeliers de Paris, o qual passou a ser a sede do Clube dos Cordeliers. A palavra cordeliers vem do fato de que os monges franciscanos utilizavam cordas ao redor da cintura para segurar suas vestes. 

Sede do Clube dos Cordeliers, no Convento Franciscano dos Cordeliers em Paris.
Os cordeliers estavam mais ligados a população pobre de Paris, procurando lutar pelos direitos dos mais humildes e da pequena e média burguesia, algo que levou os cordeliers a contarem com um maior apoio destas classes dos que os jacobinos. O clube fora criado em 1790, mas chegou ao seu fim em 1793 devido a dissidências internas e as ameaças dos jacobinos. Dentre os principais nomes deste grupo estiveram: Danton, Marat, Hébert, Desmoulins, etc. Todavia, nos últimos anos do grupo, Danton e Hébert seriam as principais lideranças a ponto de levarem a secessão do grupo.


Georges J. Danton
Georges Jacques Danton (1759-1794), foi advogado e político. Tornou-se advogado em Paris em 1787, sendo adepto convicto da revolução. Era filho de uma família burguesa mediana; um homem alto, corpulento, de linguajar rude e eufórico, possuía uma forte retórica assim como Robespierre (de fato, ambos eram amigos, e no final se tornaram inimigos). Sua oratória arrebatava multidões tanto entre os cordeliers como entre os jacobinos. Foi eleito procurador substituto da Comuna de Paris (nome dado ao governo revolucionário) em 1791; apoiou a aprovação da Constituição, foi a favor da execução do rei, promoveu campanhas de recrutamento para defender as fronteiras, já que o mesmo via na guerra um caminho inviável. Passou a possuir forte influência após os acontecimento de 1792, onde em 1793, tornou-se opositor da politica agressiva dos jacobinos. 


Todavia, entre os próprios jacobinos, girondinos e cordeliers, haviam dissidências internas dentro da Assembleia. No local onde se reuniam as tribunas para as secessões parlamentares, havia uma divisão significativa entre os chamados Montanheses (devido ao fato de sentarem nas tribunas mais altas) e os Planícies (os quais ocupavam as tribunas mais baixas). Tais grupos se formaram ainda em 1792 antes da Convenção Nacional, os Montanheses os quais contavam com figuras como, Danton, Marat e Robespierre, pressionavam pela morte do rei e a proclamação de uma república, enquanto os Planícies, mais moderados, combatiam este radicalismo, defendiam a oligarquia e a permanência da monarquia. 

Essencialmente os Montanheses e Planícies eram formados por membros dos três grandes clubes. Mas, se por um lado, tais grupos comandavam a cena politica da França entre os anos de 1791 e 1792 dentro da Assembleia Legislativa, fora das paredes da assembleia um grupo importante crescia, este representava desde 1789 a parcela excluída do povo, os quais se denominavam de sanscullotes (os sem culotes). 


Os sanscullotes eram os homens e mulheres da pequena burguesia, eram camponeses, artesãos, lojistas, em geral, trabalhadores pobres, etc., estes diziam ser os verdadeiros representantes do Terceiro Estado. Já que até então os demais clubes defendiam as elites e a média e alta burguesia. O nome dava-se ao fato de que eles usavam calças simples e grosseiras, sem culote, algo que era a marca da burguesia, onde os burgueses se vestiam com roupas boas e com culotes. Eles usaram esta condição para se dizerem diferentes dos burgueses. 


Representação de um sanscullote
"Os sanscullotes eram organizados, principalmente nas "seções" de Paris e nos clubes políticos locais, e forneciam a principal força de choque da revolução - eram eles os verdadeiros manifestantes, agitadores, construtores de barricadas. Através de jornalistas como Marat e Hébert, através de porta-vozes locais, eles também formularam uma política, por trás da qual estava um ideal social contraditório e vagamente definido, que combinava o respeito pela (pequena) propriedade privada com a hostilidade aos ricos, trabalho garantido pelo governo, salários e segurança social para o homem pobre, uma democracia extremada, de igualdade e de liberdade, localizada e direta. Na verdade, os sanscullotes eram um ramo daquela importante e universal tendência política que procurava expressar os interesses da grande massa de "pequenos homens" que existia entre os polos do "burguês" e do "proletário", frequentemente talvez mais próximo deste do que daquele porque eram, afinal, na maioria pobres.(HOBSBAWM, 2010, pp. 112-113).


L' Ami du Peuple


Jean-Paul Marat
Em setembro de 1789, o médico, filósofo, cientista e político prussiano Jean-Paul Marat (1754-1793) criou seu próprio jornal, chamado inicialmente de Moniteur patriote (O Monitor Patriota), rebatizado posteriormente para L' Ami du Peuple (O Amigo do Povo). Marat veio de uma família modesta, estudou medicina na França, mudou-se para a Inglaterra onde viveu vários anos, onde publicou importantes obras suas no campo da medicina, política e direito. Quando soube dos incidentes do 14 de julho retornou para a França e se estabeleceu em Paris, onde passou a ser um adepto da revolução, fato este que o levou a criar seu jornal onde passou de forma rude e agressiva a atacar a aristocracia, a nobreza, os monarquistas, o ministério e outras pessoas que defendiam ainda o rei Luís XVI, dentre estes, o Marquês de La Fayette. Acabou gerando vários inimigos, o que o levou a ter que se retirar duas vezes para a Inglaterra, para não se preso ou morto. Tornou-se membro ativo dos Cordeliers, opôs-se aos girondinos, foi a favor da execução do rei em 1791, fato este que o levou a ser perseguido pelas ruas de Paris, onde para escapar da turba furiosa, acabou se escondendo nos esgotos, onde acabou contraindo uma dolorosa doença de pele, que o levou a permanecer longas horas imerso em um banho medicinal, o deixando nos últimos anos de sua vida, quase que preso a sua casa, mesmo assim ele continuava a escrever diariamente para o seu jornal. 

Tornou-se Membro do Comité de Vigilância da Comuna e deputado por Paris em 1792. Seu pensamento agressivo tornou-se mais claro a partir de 1792, após eleger-se deputado e após a proclamação da república, criou o Journal de la république française (Jornal da República Francesa), mesmo assim continuou a atacar a oposição e outras figuras politicas, além de questões de Estado, lhe gerando grande má fama. Foi a favor da pena de morte na guilhotina, quando esta passou a ser oficialmente utilizada pelo Estado em abril de 1792. Marat defendia a ideia de que o país não ia para frente devido a gente corrupta, escrupulosa, safada que conspirava para desestruturar a nação; e todos estes deveriam ser guilhotinados. 


"Para garantir a tranquilidade pública, mais duzentos e setenta mil cabeças devem rolar."
 Marat


1792: Vive la République


O ano de 1792 foi desastroso para os franceses, o embate bélico proposto desde o ano anterior contra os austríacos, acabou saindo vitorioso, e assim a guerra foi declarada a Áustria. Iniciada por volta de abril do mesmo ano, os conflitos na fronteira norte, na Bélgica e na Holanda, desmoralizaram o exército revolucionário com algumas derrotas, mas ao mesmo tempo lhe cedeu algumas vitórias, o que acabou levando a Prússia a entrar na guerra para auxiliar os austríacos. 

A Assembleia e o próprio rei, haviam votado a favor da guerra; a Assembleia via a oportunidade de conquistas e de expandir o ideal revolucionário, já o rei via nesta situação uma possibilidade de ser poupado e de reassumir o trono. Mas, para a infelicidade de Luís XVI, este acabou sendo preso no Templo, e destituído de seus privilégios e de seu título como Rei dos franceses, e ao mesmo tempo a Assembleia promoveu campanhas de recrutamento para combater a ameaça austríaca e prussiana que invadia o país. 

A situação complicou-se em agosto, onde Jérôme de Pétion de Villeneuve (1756-1794) com apoio de outros importantes nomes, como o de Danton, organizou entre a noite de 9 e 10 de agosto, a chamada Comuna Insurrecional de Paris, a fim de combater a ameaça austríaca, onde foi decretado que fossem dadas armas aos civis, para que os mesmo defendessem sua nação.


As iniciativas da Comuna Insurrecional a puseram a frente das ordens da Assembleia a qual passara a ser vista como incapaz de agir diante de um momento tão conturbado. Tais preceitos, levaram aos clubes políticos, se manifestarem a favor de uma reunião urgente, de uma Convenção Nacional


Mas, antes da convenção ser convocada, os franceses se viram em um "beco sem saída"; Paris foi sitiada; turbas de revoltosos atacaram o palácio onde estava o rei preso; atacaram a sede da Assembleia Legislativa; conflitos se desenrolaram pelo país, culminando em um terrível massacre ocorrido em 6 de setembro, massacre este o qual foi o primeiro de muitos outros, e tal fato levou os jornais a publicarem notícias como: "Os massacres de Setembro" e "Setembro Sangrento". A população com medo, em pânico e revoltada, punha em risco toda a estrutura até então fundamentada desde 1789. Parecia que a guerra de fato sufocaria a revolução. Contudo, para a sorte dos franceses a vitória veio.


Em 20 de setembro ocorreu a memorável Batalha de Valmy, onde o exército francês confrontou o exército prussiano em uma terrível batalha, na qual culminou com a vitória francesa. Graça a astúcia e a experiência de seus generais, principalmente do general Kellermann, o exército francês, mesmo em maior número, estava desmoralizado, abatido, e em péssimas condições conseguiu a vitória e com isso fez cessar a invasão austríaca e prussiana. 


Batalha de Valmy. Pintura de Jean-Baptiste Mauziasse.
Não tardou para a poeira baixar e no dia 21 de setembro, foi convocada a Convenção Nacional, a qual debateria o novo rumo da revolução. No dia 22 de setembro contrariando algumas das expectativas da convocação da Convenção, os Montanheses, representados em grande parte pelos jacobinos, decretaram o fim da Assembleia Legislativa, da monarquia constitucionalista e a proclamação de uma república e de uma nova constituição. Assim no dia 22, deu-se início ao que ficaria conhecido como a República Jacobina.   


O Calendário Republicano


Não apenas cogitou-se a elaboração de uma nova Constituição, a qual veio a ser aprovada no ano seguinte, o novo governo republicano promoveu reformas drásticas na sociedade francesa, começando pela questão religiosa e temporal. Os revolucionários tinham em mente a concepção que a proclamação da república era um divisor de águas, que separava o antigo mundo dominado pelo dogmatismo cristão, do novo mundo guiado pela luz da razão; nesse caso, eles levaram a risca o ideal racionalista compartilhado pelos filósofos iluministas. E se tal marco era o inicio de uma nova era, o calendário não poderia ser o mesmo; assim criou-se na Convenção Nacional o chamado Calendário Republicano Francês ou Calendário Revolucionário, o qual passaria a definir a data de 22 de setembro de 1792, como o início do Ano I, do novo calendário. 


Calendário Republicano
O novo calendário não apenas recomeçava a contagem dos anos, mas reformulava a divisão do tempo no período de um ano. Ao invés de ter-se semanas com 7 dias e 24 horas, passou-se a ter semanas com dez dias e dez horas; e cada dia recebia um nome diferente ao longo do ano. O calendário manteve os tradicionais 365 dias devido ao ciclo solar, e acrescentava um dia extra em quatro e quatro anos; contudo, todos os meses passaram a contar com 30 dias, e cinco dias extras. Dias de festividades foram criados para completar os 365. 

Não obstante, os meses do ano passaram a se chamar: Vindimiário, Brumário, Frimário, Nivoso, Pluvioso, Ventoso, Germinal, Florial, Pradial, Messidor, Termidor e Fructidor, nomes dados em referências as estações do ano e aos períodos de colheita e plantio. Tais meses eram representados artisticamente como lindas mulheres, fazendo uma alegoria as ninfas da mitologia grega. 


Tal fato, também expressava o preceito de rompimento com o dogmatismo cristão, já que até então e ainda hoje o calendário mais utilizado no mundo é o Calendário Gregoriano, desenvolvido pelo papa Gregório VII; os revolucionários queriam levar também a risca a laicização do Estado, ponderada desde 1790, com a Constituição do Clero. Não obstante, passou-se, a não mais comemorar-se os tradicionais feriados religiosos, mas sim feriados cívicos e o próprio Robespierre tentou substituir o culto a Deus pelo culto a um novo Ser Supremo, a Razão. 


A guilhotina


Joseph-Ignace Guillotin
A decapitação e a forca eram métodos tradicionais para a execução de crimes de traição e outros crimes hediondos, porém, nem sempre a forca garantia ao condenado uma morte rápida, e o machado uma morte limpa para a plateia; assim em 1789, em um debate sobre a pena de morte, o médico francês Joseph-Ignace Guillotin (1738-1814) propôs que o método da decapitação deveria ser utilizado mediante não ao uso do machado ou espada, mas sim de um mecanismo, e tal mecanismo veio a ser aprovado e utilizado no ano de 1792, sob o nome de guilhotina. A guilhotina foi aprovada pela Convenção Nacional como o instrumento oficial de execução do governo, assim todos os traidores e outros criminosos se fossem julgados culpados, seriam decapitados em praça pública. Inicialmente a guilhotina foi instalada em Paris, depois outras foram erguidas em outras praças da capital e em outros locais do país, e durante o período de "Terror", milhares de pessoas foram julgadas e decapitadas, logo o "instrumento de ordem" do governo, passou a ser o "instrumento de opressão" do mesmo. A guilhotina ganhou o epiteto de "a navalha nacional", e logo nos jornais passou-se a se utilizar a expressão "cabeças vão rolar". 


Réplica de uma guilhotina utilizada na Revolução.
1793: O "Terror"


"A virtude sem o terror é impotente, o terror sem a virtude é fatal".
 Robespierre


Virtude... Um dos preceitos essenciais definidos pelo filósofo Montesquieu para a constituição de um estado republicano. Em sua importantíssima obra, O Espirito das Leis (1748), Montesquieu não apenas falava da organização dos Três Poderes (Judiciário, Legislativo e Executivo), mas falava acerca dos tipos de governo: ele falava acerca da monarquia, da república, da democracia, da aristocracia e do despotismo. No caso da república, seja esta gerida de forma democrática ou aristocrática, um dos preceitos chave que define sua organização é o ideal de virtude, ideal este que se divide em: igualdade, frugalidade e amor a pátria. 

Se tais preceitos não coexistissem, então tal governo seria qualquer outra coisa, menos uma república. Todavia, Montesquieu dizia, que se para uma república deve-se valer a virtude, para uma monarquia deve-se imperar a honra e para uma ditadura ou tirania, a violência, a força. Assim, fica em aberto a questão: a República Jacobina que vai de 1792 a 1795, foi realmente uma república ou uma ditadura disfarçada?


A morte do rei


Desde a frustrada fuga da Família Real em meados de 1791, parte da população cogitava a morte dos monarcas, tidos como traidores da nação. Com a prisão de Luís XVI e Maria Antonieta no Templo, em agosto de 1792, e posteriormente a declaração da república, tal questão voltou a ser cogitada; nomes como Robespierre, Danton e Marat votavam a favor da execução do rei, enquanto isso, os girondinos, a ala da direita, tentava evitar a morte do monarca, e ao mesmo tempo um desastre ainda maior viesse a figurar. Os jacobinos defendiam a ideia de que enquanto o ex-rei vivesse, a França nunca seria uma república de fato. Assim, em novembro de 1792 deu-se início ao julgamento de Luís XVI, e em 21 de Janeiro de 1793 sua execução.


Execução de Luís XVI em 21 de janeiro de 1793.
Sua esposa, filhos, irmãos e parentes ficaram horrorizados com o veredito do julgamento, eles tinham a esperança que pelo fato de serem nobres, e de Luís ter sido rei, deveria ao menos ser exilado e ter a vida poupada, mas muitos não queriam isso. Dessa forma em 21 de janeiro, Luís foi levado de carruagem até a praça onde se encontrava a Grande Guilhotina, uma multidão o aguardava naquele momento, ávida para ver sua morte. O ex-rei desceu da carruagem e foi conduzido até a guilhotina sob vaias e xingamentos; sobre o patíbulo onde ficava a guilhotina, ele tentou proferir um breve discurso, mas o som de sinos tocando e de gritos foram tão altos que não se sabe ao certo o que foi que ele disse. Luís XVI morreu aos 38 anos.


Sua morte chocou as monarquias europeias, e não tardou para que a Áustria e a Prússia voltassem a atacar a França, e ao mesmo tempo a Espanha, Portugal e a Rússia se posicionassem contra a nova república; e a Inglaterra declarasse guerra aos franceses. Mas, isso não intimidou todos os franceses, Danton proferiu o seguinte: "Os reis da Europa que nos desafiem. Lançamos-lhes a cabeça de um rei!".


Se a Declaração de Direitos do Homem e Cidadão de 1789 e 1791 defendiam o direito a igualdade, agora com a guilhotina, este direito também cabia a todo o cidadão e cidadã francês. Todos passaram a serem iguais perante a Constituição e perante a guilhotina. 


Os comitês


A situação gerada com a morte de Luís XVI não apenas inflou a revolta das outras nações, mas também levou os próprios girondinos promoverem uma reação antirrevolucionária contra a República Jacobina, e tal medida acirrou as desavenças entre os dois grupos tanto dentro da Convenção como nas ruas. Logo, a França não apenas corria risco com as ameaças externas mas também com as ameaças internas, e como medida para se combater tais problemas, Georges Danton propôs a ideia de criar-se um comitê para se tratar da segurança da nação, assim criou-se o Comitê de Salvação Pública, voltado para os assuntos da segurança externa e do estado de guerra, tendo o próprio Danton como líder do comitê. E criou-se o Comitê de Segurança Geral, voltado para a segurança interna e para o combate contra os traidores e as insurreições antirrevolucionárias. Ambos os comitês passariam a serem controlados durante o período do Terror. 


Mas, antes que os comitês caíssem nas mãos dos jacobinos, os mesmos tiveram muito trabalho pela frente. A Convenção havia votado a favor de declarar-se guerra a Inglaterra, os franceses estavam convictos que poderiam lutar contra o seu maior rival, já que os mesmos haviam libertado parte da Bélgica, da Holanda e da Suíça e derrotado a Áustria e a Prússia. Porém, o excesso de confiança dos franceses fora seu erro; os ingleses possuíam a Marinha mais poderosa do mundo, e sem uma marinha forte, a França nunca conquistaria a Inglaterra; e para piorar a situação destes, os ingleses haviam se unido aos austríacos e prussianos, formando uma aliança contra a França.


No cenário interno, a situação também não era favorável. As desavenças entre os girondinos, levou uma ala mais radical, a tomar medidas ousadas, levando a revoltas antirrepublicanas e antijacobinas, isso fez os jacobinos tomarem cada vez mais o controle do Comitê de Segurança Geral, a fim de combater seus inimigos, e de se valer de forma opressora do Tribunal Revolucionário, para prender, julgar e executar tais traidores e revoltosos. 

As leis promulgadas pela Constituição de 1793, defendiam o uso da força e da violência para manter a ordem e a segurança da nação, tais preceitos foram oficializados com a: Lei dos Suspeitos (17 de setembro), Lei do Máximo (23 de setembro) e a Lei de 22 de Pradial (junho de 1794), a qual tornou o Terror mais opressivo; não obstante, a nova Constituição pouco diferia da de 1791, mas garantia alguns privilégios a mais para os interesses burgueses e logo dos jacobinos.


O medo da guilhotina pusera a população em um estado de grande tensão e estresse, os traidores eram procurados pela justiça, os delatores eram vigiados de perto, já que os mesmo poderiam também ser traidores; rivalidades pessoais acabavam tornando-se acusações públicas, onde delatava-se o rival, o acusando como conspirador, antijacobino, espião, inimigo, etc. Todo esse cenário tenso, viria só piorar ainda mais. 


A queda dos girondinos e a morte de Marat


Entre junho e julho, ocorreram várias prisões, julgamentos e execuções de membros da Gironda. Os jacobinos não aguentavam mais a oposição girondina e decidiram agir com agressividade, o próprio Jean-Paul Marat tivera grande participação nisso, onde incitava a revolta, a desconfiança e a perseguição aos girondinos, tidos como traidores, inimigos da república, da ordem e da segurança. No fim, a própria Gironda acabou se desestruturando e seus membros ou foram presos, ou foram mortos, ou fugiram, no entanto, eles ainda não se renderiam totalmente. 


Se por um lado, os jacobinos esboçavam uma vitória sobre seus principais opositores, isso não significava que a situação estava melhor. A derrocada dos girondinos, trouxe sérios problemas, econômicos, políticos e sociais para o Estado. Mas, não foram apenas os girondinos que saíram perdendo com tais iniciativas, os jacobinos perderiam um importante defensor e propagador de seus ideais, Jean-Paul Marat.


Em 13 de julho de 1793, a senhorita Charlotte Corday (1768-1793) seguiu calmamente até a residência do deputado e jornalista. Marat, como sofria de uma doença de pele, ficava restrito a sua casa durante várias horas e dias, contudo, sua casa era aberta para seus informantes e para aqueles que lhe pudessem fornecer informações sobre a oposição ou algum assunto polêmico e importante. Charlotte chegou a casa de Marat, alegando que trazia consigo uma lista com nomes de possíveis traidores. 

Os empregados da casa a conduziram até os aposentos onde se encontrava Marat, imerso em seu banho medicinal, escrevendo seu jornal. O mesmo havia ficado sabendo do propósito da visita de Charlotte. Então quando os dois ficaram a sós no quarto, Charlotte puxou um punhal e apunhalou Marat no coração. Dizem que suas últimas palavras foram de súplicas por ajuda.


Charlotte Corday após assassinar Marat. Pintura de Jacques Aimé Baudry.
Charlotte saiu tranquilamente da casa, mas acabou sendo capturada na rua. Durante seu julgamento foi lhe questionado se ela se arrependia do crime que cometera, Charlotte respondeu que não possuía arrependimento algum, e que tinha feito aquilo pelo bem da nação. Ela não era uma partidária convicta dos girondinos, ou uma antirrepublicana, mas era contra as iniciativas de Marat e as iniciativas do governo jacobino. Charlotte foi condenada a guilhotina quatro dias depois. 


Todavia, Marat não foi esquecido, ele foi martirizado pelo povo, e este aclamava por seu nome nas ruas. Por mais que tenha sido um homem de mente febril e linguajar severo, foi idolatrado como um herói da revolução. Tais acontecimentos levaram a ala mais radical jacobina, os Montanheses, liderados por Robespierre a tomar o controle dos comitês. 


Danton foi considerado um moderado e logo não poderia estar a frente de seu cargo, assim ele foi demitido, e o próprio Robespierre passou a liderar o Comitê de Salvação Pública, dando oficialmente início ao período que ficou conhecido como o Terror, o Grande Terror ou o Terror Jacobino. O período mais sangrento da revolução, que foi de meados de 1793 a meados de 1794, onde tendo durado cerca de um ano, baseou-se na utilização do medo e da força para por ordem sobre o povo. Estima-se que dezenas de milhares de pessoas foram guilhotinadas neste meio tempo. 


A morte da rainha


Maria Antonieta na prisão
Meses depois da execução de Luís XVI, foi chegado a hora de Maria Antonieta também ser mais uma vítima da "navalha nacional". O julgamento de Maria durou cerca de dois meses, e durante este período a aparência da outrora bela e radiante majestade, era apenas uma lembrança agradável de uma época que parecia ter há muito passado. Maria Antonieta, era uma figura magra e pálida; seus cabelos haviam perdido o brilho, haviam ficado brancos; sua aparência não condizia com uma mulher de 38 anos, mas sim de uma mulher de 50 anos, que sofreu muito em vida. Em seu julgamento, ela fora acusada dos crimes de traição, assim como seu marido, mas também para seu assombro, fora acusada de crimes de incesto com seu próprio filho mais velho, o qual era apenas uma criança. Tal proposição a deixou aterrorizada, e até mesmo aterrorizou parte da plateia do julgamento. A ex-rainha tentou defender-se de tais injúrias difamadas contra si, pedindo apoio as mulheres que ali se encontravam, rogando pelo instinto maternal. Mas, isso não lhe ajudou a convencer o tribunal de sua inocência. Ela foi condenada por seus crimes, a pena de morte na guilhotina, e isso se deu em 16 de outubro de 1793.


Execução de Maria Antonieta em 16 de outubro de 1793.
Diferente de seu marido que havia mantido parte dos trajes reais, Maria Antonieta foi vestida com um simples roupão branco, e foi conduzida até a guilhotina em uma gaiola, assim como era feito com os demais prisioneiros. Ela foi vitima de xingamentos, pedradas, e outros elementos que foram jogados contra a sua pessoa. Diante do público ela foi mais agredida verbalmente do que seu marido havia sido. Maria Antonieta morreu aos 38 anos.


1794: O Ano II


Jacques Hébert
O chamado Ano II representaria o auge das execuções no país, e ao mesmo tempo, seria marcado por conflitos no campo de batalha e conflitos urbanos. A opressão gerada pelo governo jacobino, a tomada dos comitês, a perseguição aos girondinos, levaria ao acirramento das manifestações de esquerda; os próprios cordeliers se dividiriam em duas alas, uma ala ultrarradical, liderada pelo jornalista e politico Jacques Hébert (1757-1794), onde seus seguidores ficariam conhecidos como hébertistas, e a outra ala, liderada por Danton e os dantonistas. Ambas dissidências dos cordeliers não apenas entrariam em confronto consigo, mas fariam oposição aos jacobinos. No campo urbano e rural, alas dos sanscullotes, desgostosos com a politica jacobina, que supria a oferta de alimento e o congelamento de salários, além dos gastos com a guerra, levaram os sanscullotes a apoiarem os hébertistas, os quais se mostram seus portas-vozes. Hébert denunciou o governo do Terror e outras atrocidades da guerra e da politica em seu jornal, Le Père Duchesne (O Pai Duchesne), o qual entre os anos de 1792 e 1794 bateu recordes de venda de exemplares, tanto quanto o jornal do próprio Marat. 

Hébert, não apenas era contra a política jacobina, mas também possuía um pensamento que hoje seria  considerado de vertente socialista, assim como as ideias propostas também por Saint-Just e outros. Porém, suas dissidências contra o Terror, o puseram na mira da ira jacobina, logo tanto Hébert e seus seguidores, foram condenados e executados na guilhotina no mês de março. 


"Por volta de 1794, o governo e a política eram monolíticos e dominados ferreamente por agentes diretos do Comitê ou da Convenção - através de delegados en mission - e por um amplo quadro de oficiais e funcionários jacobinos juntamente com organizações locais do partido. Por fim, as necessidades econômicas da guerra afastaram o apoio popular". (HOBSBAWM, 2010, p. 124).


"As massas portanto recolheram-se ao descontentamento ou a uma passividade confusa e ressentida, especialmente depois do julgamento do e execução dos hébertistas, os mais ardentes porta-vozes dos sanscullotes. Enquanto isso, os defensores mais moderados da Revolução estavam alarmados com o ataque contra a oposição direitista, a esta altura encabeçada por Danton. sta facção tinha fornecido refúgio para numerosos escroques, especuladores, operadores do mercado negro e outros elementos corruptos embora acumuladores de capital, e isso tão mais prontamente quanto o próprio Danton incorporava a imagem do livre amante e gastador amoral..." (HOBSBAWM, 2010, p. 124".


Conde de Saint-Just
Por trás das iniciativas de Robespierre em combater os hébertistas, os dantonistas e os sanscullotes, imperou um importante nome da Revolução, o Conde de Saint-Just, Louis Antoine Léon (1767-1794), membro do Comitê de Salvação Pública, um dos articuladores das campanhas externas e internas contra os inimigos da República e da Revolução. Saint-Just era um amante da cultura greco-romana, e um idealista da democracia e filosofia grega, para ele, o Terror era essencial para a estabilização do governo e passado este período conturbado, poderia-se de fato iniciar-se o tão sonhado governo republicano, assim como foripensado pelos romanos, séculos antes e mais recentemente pelos americanos. Saint-Just, tinha como ideia, para a república, a doação de terras, reformas econômicas, leis trabalhistas, reformas educacionais, etc. Saint-Just é considerado um dos pais do Socialismo Utópico

Em abril, menos de um mês após a execução dos hébertistas, chegou-se a hora dos dantonistas e do próprio Danton. Capturado em sua casa, semanas antes, enquanto planejava deixar Paris, Georges Danton foi levado para a prisão com muito dos seus seguidores e alguns amigos, entre eles Desmoulins. Danton se defendeu perante o Tribunal Revolucionário com seu linguajar eloquente e feroz, mas isso não bastou para livrá-lo das acusações de traição, má conduta do cargo público, conspiração, corrupção, etc. Saint-Just foi um dos elaboradores das acusações contra Danton e até o próprio Robespierre depôs contra seu outrora amigo.


Em 5 de abril de 1794, Georges Danton subiu ao palco da Grande Guilhotina diante de uma praça lotada. Lá ele proferiu um breve discurso, e suas últimas palavras teriam sido: "Roberspierre, você siga-me! Sua casa será demolida! Vai semear o sal!", com isso ele queria dizer que Robespierre logo seria a próxima vítima da guilhotina, a próxima vítima do Terror que ele ajudou a criar. 

9 de Termidor


Ilustração do mês de Termidor
Após os incidentes com a execução de Danton e os dantonistas, os jacobinos se mantinham firmes e fortes a frente do poder, todavia sua coalização já não dispunha de tanto prestígio como antes. O próprio governo da Convenção estava um tanto temeroso com as diretrizes que a politica estava tomando, o povo estava revoltado com o Terror imposto no país, os sanscullotes, se manifestavam pela cidade contra o governo, e o então líder dos jacobinos, Maximilien de Robespierre parecia que estava perdendo o controle da situação, que o seu fanatismo estivesse falando cada vez mais alto, e que a tão aclamada razão a quem ele tanto defendia, estivesse lhe faltando junto ao juízo. Nos meses anteriores, dentre as mudanças geridas pelo governo desde 1793, Robespierre, sufocou revoltas, como as ocorridas em Vendéia, Toulon e outros lugares do sul do país, promoveu a perseguição aos ateus, já que o governo deliberadamente propunha a aceitação da imortalidade da alma e de um Ser Supremo, ser este não o Deus dos cristãos, assim os ateus, eram uma ameaça o governo, assim como todos os católicos mais fervorosos, onde todos estes foram guilhotinados. 


Em um episódio contraditório do governo, Robespierre ordenou que realizasse um festival de louvor ao Ser Supremo, chamado de Festival do Ser Supremo, onde foi feito quadros para retratar tal acontecimento, o qual passou a ser um feriado cívico, comemorado uma única vez, no dia 20 de Pradial (8 de junho).


Quadro alegórico do Festival do Ser Supremo.
"Em junho, celebrou um grande festival, o festival do seu Ser Supremo. Organizou uma procissão até o Campo de Marte, procissão que encabeçou, brilhantemente trajado, e levando um grande ramalhete de flores e de pendões de trigo. Figuras de material inflamável que representavam o Ateísmo e o Vício foram solenemente queimadas; depois, por meio de um engenhoso mecanismo, com alguns ligeiros rangidos e dificuldades, ergueu-se no lugar daqueles dois horrores uma incombustível estátua da Sabedoria". (WELLS, 1966, p. 320).


Robespierre discursou perante todo o espetáculo organizado a sua vontade, contudo nas imagens feitas para a retratação do evento, o mesmo aparece em uma delas sobre uma colina, em uma posição heroica e divina. Nos últimos tempos para cá, Robespierre havia dedicado muito tempo a concepção de seu novo culto, parecia que o próprio havia sido incorporado ao culto que ajudou a criar.


Depois deste evento, Robespierre se recolheu e passou cerca de um mês sem aparecer nas reuniões da Convenção, algo de se estranhar, já que quase todo o dia ele se encontrava por lá, nesses últimos anos. Mas, quando o mesmo retornou, discursou perante a Convenção, um discurso um tanto, eloquente, convencido, egocêntrico e estranho. 


"A Convenção ouviu em silêncio o discurso; depois, quando se fez a proposta de imprimi-lo e distribui-lo, explodiu em um clamor de indignação e recusou a permissão. Robespierre saiu amargamente ressentido e, dirigindo-se ao clube dos seus adeptos, releu para ele o seu discurso!". (WELLS, 1966, p. 321).


Maximilien de Robespierre era conhecido entre os seus companheiros como o "Incorruptível", um homem que não poderia ser corrompido por nada neste mundo. Mas, na altura da situação que se encontrava, tal epiteto caíra por água abaixo. O Incorruptível havia se corrompido, talvez não por outros, mas pelos seus próprios ideais. Essa repentina mudança de senso, levou a Convenção a questionar até que ponto estavam deixando aquele homem seguir com seus planos. Na manhã seguinte, Robespierre voltou a Convenção, mas fora impedido de discursar pelas campainhas que tocavam e as vaias proclamadas contra sua pessoa. Ele esbravejou contra platéia, pedindo silêncio, e em meio aquele tempestuoso cenário, acusações foram proferidas contra ele, e verdades passadas em sua cara. 


Se por um lado a Convenção questionava a postura de Robespierre em seu cargo, havia também em meio a isso, a ação dos girondinos, os quais se puseram a incitar a intriga contra os jacobinos, e isso não tardou a acontecer. Ainda naquele dia, Robespierre e seus partidários foram declarados prisioneiros, porém uma turba jacobina vinda do Hotel de Ville, invadiu o recinto e libertou o seu líder e seus companheiros. Esse era o dia de 9 de Termidor de 1794 ou 27 de julho. 


Revolta no 9 de Termidor.
Robespierre e os outros foram conduzidos até o Clube Jacobino, eram agora fugitivos da justiça. E durante a noite, a Convenção decidiu agir e declarou a captura dos traidores. Tropas foram enviadas até o Clube, houve confronto e mortes no local, alguns dos jacobinos haviam cometido suicídio, saltando pelas janelas, cortando as gargantes ou dando tiros na boca ou na cabeça. Robespierre foi encontrado em seu escritório, com a cabeça sobre uma poça de sangue, sobre a mesa. Ele pelo o que parecia, havia tentado se matar, mas o tiro acabou lhe furando o maxilar, mesmo assim ele sobreviveu.


Prisão de Robespierre.
Seu maxilar foi amarrado com panos sujos, e o mesmo seguiu com seus companheiros para a prisão, onde passou mais da metade do dia, até ser executado em 10 de Termidor (28 de julho). Sujo de sangue, ferido e derrotado, seus cabelos foram cortados por causa da guilhotina, e este foi conduzido junto com pelo menos de 15 a 18 companheiros, dentre estes, seu irmão Augustin de Robespierre (deputado e militar), e seus amigos Saint-Just e Couthon. Os jacobinos foram levados em uma carroça simples até a Grande Guilhotina, sob vaias, xingamentos e pedradas. Diferente dos homens e mulheres a quem ele mandou para a guilhotina, ele, um homem de grande oratória, havia sido definitivamente silenciado. Robespierre morreu aos 36 anos. Era posto fim ao império do Terror. 


"O Termidor é o fim da heroica e lembrada fase da Revolução: a fase dos esfarrapados sanscullotes e dos corretos cidadãos de bonés vermelhos que viam-se a si mesmo como Brutus e Cato, do período das frases generosas, clássicas e grandiloquentes e também das mortais... Não foi uma fase cômoda para a se viver, pois a maioria dos homens sentia fome e muitos tinham medo, mas foi um fenômeno tão terrível e irreversível quanto a primeira explosão nuclear, e toda a história tem sido permanentemente transformada por ela". (HOBSBAWM, 2010, p. 126). 


"O período termidoriano foi marcado por uma distensão política (fim do Terror e das medidas de exceção), um relaxamento moral, uma reação burguesa (repressão das insurreições populares de abril-maio de 1795, restabelecimento do sufrágio censitário) e por uma pacificação parcial (tratados com a Prússia, Espanha e Holanda)". (Grande Enciclopédia Larousse Cultural, v. 20, São Paulo, Nova Cultural, p. 5036). 


Mesmo tendo acabado o Terror, a paz não seria algo alcançado pela França e outras nações europeias. De 1792 a 1815, haveria guerra constantemente. A República Jacobina pôde ter caído, mas a França ainda se manteria como república até 1804. Não obstante, os jacobinos sobreviventes, fugiriam do país e tentariam levar suas ideias radicais para outras nações, como Itália, Espanha, Áustria, Inglaterra, e até mesmo na América Latina, onde insurgiriam as revoltas das colônias pela independência, entre 1800 a 1830. 

Os jacobinos seriam taxados na história como desordeiros, extremistas, homens perigosos, isso tudo principalmente devido a figura de Robespierre, o qual por muito tempo residiu diferente de Marat, Danton e outros, como o grande mal da Revolução. Tirano ou não, é inegável dizer que Robespierre governou de forma autoritária e "terrorcrática", porém também é inegável não dizer que ele foi um dos grandes responsáveis pelo andamento da Revolução, e entre 1793 a 1794, o homem da revolução, infelizmente não fora aquilo que muitos esperavam ser. 


Por fim, os filhos da Revolução, um a um foram sendo devorados. Os rumos dessa nova fase da Revolução seriam tomados pelo governo termidoriano (girondinos e membros da Planície) que se instaurou no poder e recuperou seu antigo prestígio. A fase sombria dos jacobinos ficaria para trás, e finalmente a França poderia ser uma república de verdade sob os auspícios dos termidorianos, uma república governada pela alta burguesia, voltada para os interesses burgueses e de ação moderada. Tal nova fase da Revolução ficaria conhecida como o Diretório








NOTA: Um bom filme sobre a relação de poder entre Danton e Robespierre é o filme, Danton: O processo da revolução, dirigido por Andrzej Wajda, lançado em 1982. Tendo no papel de Danton (Gérard Depardieu) e no papel de Robespierre (Wojciech Pszoniak). 
NOTA 2: O Calendário Revolucionário vigorou de 1792 até 1805, quando Napoleão o aboliu e retomou o Calendário Gregoriano.
NOTA 3: A ala mais radical dos jacobinos, como Robespierre e Saint-Just, deu origem ao que ficou conhecido como Jacobinismo Negro
NOTA 4: De 1789 a 1794, o governo revolucionário adotava muito o pensamento roussoniano, contudo, a partir de 1795 a 1799, passou-se a adotar o pensamento de Montesquieu. 
NOTA 5: Mesmo com o fim do Terror, a guilhotina ainda continuou a ser utilizada, e posteriormente foi adotada por outros países, sendo utilizada oficialmente até as primeiras décadas do século XX. 
NOTA 6: O médico dr. Guillotin e sua família, tiveram o nome manchado pelo resto da vida, devido a associação deste ao instrumento de suplício. 
NOTA 7: O famoso químico Antoine Lavoisier (1743-1794), considerado como um dos "Pais da Química Moderna", foi guilhotinado. 
NOTA 8: A escritora Olympe de Gouges, em protesto contra a Declaração de 1789 e a Constituição de 1793, afirmava que as mulheres não possuíam direitos como cidadãs, apenas ostentavam o título de cidadã. Em resposta a isso, ela escreveu, A Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã
NOTA 9: O jogo Assassin's Creed: Unity (2014) explora alguns acontecimentos históricos da Revolução Francesa entre 1789 e 1794. Robespierre, Napoleão, Lavoisier, entre outros, são personagens que aparecem no jogo. 


Referências Bibliográficas:
ROUSSEAU, Jean-Jacques. O Contrato Social. Tradução de Paulo Neves, Porto Alegre, L&PM, 2009. 
HOBSBAWM, Eric J. A era das revoluções: 1789-1848. 25 ed, São Paulo, Paz e Terra, 2010. (Capitulo 3: A Revolução Francesa). 
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 6 ed, São Paulo, Saraiva, 2008. (Capitulo 5). 
WEFFORT, Francisco, C. (organizador). Os clássicos da politica - volume I. 13 ed, São Paulo, Ática, 2000.

WELLS, H. G. História Universal - volume 3. São Paulo, Editora Egéria S. A, 1966. (Capitulo XXXVI, pp. 308-322). 

Grande Enciclopédia Larousse Cultural. v. 11, São Paulo, Nova Cultural, 1998.
Grande Enciclopédia Larousse Cultural. v. 14, São Paulo, Nova Cultural, 1998.
Grande Enciclopédia Larousse Cultural. v. 16, São Paulo, Nova Cultural, 1998.
Grande Enciclopédia Larousse Cultural. v. 20, São Paulo, Nova Cultural, 1998.

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