"E jamais a homem algum, cristão, tártaro ou pagão, foi dado ver o que Misser Marco Polo, filho do nobre Nicolau Polo de Veneza, pôde ver pelo mundo..."
Rusticiano de Pisa
Ásia medieval, século XIII, 1272 do ano do Senhor. Partindo da cidade de São João do Acre, na época na Terra Santa, hoje Síria, três venezianos acompanhados por dois monges, transportando uma carga valiosa, óleo do Santo Sepulcro de Jerusalém, iniciavam uma longa viagem que os levaria através da Ásia dominada pelas dinastias mongóis herdeiras do grande Gengis Khan, outrora Senhor da Ásia. Os cinco viajantes partiram rumo a longínqua China, incumbidos de levar a palavra do cristianismo, assim como, solicitada pelo imperador mongol Kublai Khan, o Senhor do Oriente.
No caminho, devido a ameaças de guerras, os monges acabaram desistindo da viagem, no entanto os Polo continuaram a seguir em frente e devido a algumas paradas e desvios, três anos e meio depois, eles chegaram a China, o coração do império de Kublai. Lá os três passaram a servir ao imperador por 16 anos até que retornaram para casa em 1295. Nesses 26 anos que Marco Polo viveu na Ásia, ele deixou um relato surpreendente de suas viagens e do que viu e ouviu falar, tais relatos foram narrados a Rusticiano, o qual os compilou no que veio a ser o Livro das Maravilhas: a descrição do mundo, escrito por Rusticiano de Pisa, narrado e vivido por Marco Polo.
No caminho, devido a ameaças de guerras, os monges acabaram desistindo da viagem, no entanto os Polo continuaram a seguir em frente e devido a algumas paradas e desvios, três anos e meio depois, eles chegaram a China, o coração do império de Kublai. Lá os três passaram a servir ao imperador por 16 anos até que retornaram para casa em 1295. Nesses 26 anos que Marco Polo viveu na Ásia, ele deixou um relato surpreendente de suas viagens e do que viu e ouviu falar, tais relatos foram narrados a Rusticiano, o qual os compilou no que veio a ser o Livro das Maravilhas: a descrição do mundo, escrito por Rusticiano de Pisa, narrado e vivido por Marco Polo.
Mosaico retratando Marco Polo. |
Aqui nesse texto vos contarei o que li a respeito dos relatos de Marco Polo acerca de suas viagens e serviços prestados a Kublai Khan, e como a sua descrição da Ásia, fora fundamental para o desenvolvimento da geografia como um estudo mais sério e crítico acerca do misticismo que rondava o mundo. O que contarei aqui talvez surpreenda alguns... seus relatos vão muito mais além do que a menção de lendas ou monstros, ele trouxe a Europa a realidade de povos antes nunca vistos, de locais antes nunca imaginados, de uma riqueza cultural desconhecida para o Ocidente.
Essa postagem consiste numa continuação do projeto inciado em Quem foi Marco Polo? Nesse primeiro texto foquei mas a questão pessoal da vida de Marco, e da jornada de seu pai e tio, e o contexto da viagem da época. Sendo assim, aqueles que não estão familiarizados com a pessoa de Marco Polo, recomendo ler a primeira postagem antes de prosseguir, para que possam entender os motivos que levaram os três a viajarem até a China e o contexto histórico da Ásia nessa época.
Os mapas que indicam as cidades, províncias e regiões visitadas ou mencionadas por Marco Polo fora editados por mim, com base nas notas trazidas no exemplar do livro que possuo e numa ampla pesquisa geográfica para se descobrir a localização desses locais atualmente e seus correspondentes, logo parte da demora de se postar esse trabalho deu-se devido ao trabalho geográfico que tive que fazer.
O LIVRO
O Livro das Maravilhas: a descrição do mundo, nome dado por Rusticiano de Pisa a obra a qual copilou, consiste nos relatos narrados por Marco Polo, enquanto os dois se encontravam em uma prisão em Gênova. Quando os Polo retornaram em 1295 para Veneza, uma pequena guerra eclodia entre Veneza e Gênova, rivais de longa data. Marco posteriormente pegou parte de sua riqueza que trouxera da China e contratou mercenários para participar da batalha, ele acabou sendo capturado e jogado na prisão por volta de 1296. Não se sabe ao certo quantos anos ele permaneceu preso, mas fontes apontam que provavelmente ele tenha deixado a prisão em 1299 ou 1300. Nesse tempo ele conheceu este misterioso escritor que pouco se sabe de suas origens, o qual se interessou pelas histórias de Marco e decidiu escrevê-las.
No entanto, embora Rusticiano tenha escrito o livro e o concluído em 1298, como ele aponta, análises recentes, indicam que os últimos capítulos tenham sido escritos por Marco Polo, devido ao fato de fazer menção a alguns acontecimentos que ocorreram na época que ele estava preso, tudo indica que ele tomou conhecimento desses fatos e inseriu em seu livro, que embora tenha sido escrito por Rusticiano, as referências bibliográficas apontam Marco como seu autor.
Quando Marco deixou a prisão, voltou para Veneza e publicou sua obra, ela se tornou bem popular na época e ganhou o epiteto de Il Milione ("O milhão") devido as grandes quantidades numéricas citadas por Marco ao longo de sua obra. Quando o mesmo dissera que na China havia cidades com um milhão de habitantes, as pessoas achavam aquilo ridículo e mentiroso, como poderia haver uma cidade com um milhão de pessoas?
As cidades europeias daquela época mau chegavam aos 30 mil habitantes, Roma que na Antiguidade chegou a ter um milhão de pessoas, no começo do século XVI possuía muito mal 50 mil habitantes. A própria Constantinopla possuía uma população em torno de 300 mil habitantes. Hoje sabemos que na China daquela época já havia de fato cidades desse tamanho, mas para a mentalidade da época isso era algo um tanto improvável, daí Marco Polo ter sido chamado de mentiroso por alguns.
De qualquer forma, seu livro verdadeiro ou mentiroso se tornou bem popular e até hoje é reeditado. No entanto, ao longo desses séculos várias versões surgiram e algumas chegaram a distorcer partes da história. O livro original é dividido em três partes: Livro primeiro, Livro segundo e o Livro da Índia, cada um desses "livros" é composto por centenas de pequenos capítulos.
No entanto, alguns editores e outras pessoas se valeram da fama do livro de Polo e o manipularam. Oficialmente são reconhecidos 140 manuscritos do original, já que na época a prensa não existia na Europa, porém após a sua criação no século XV, uma profusão de edições do livro surgiram pela Europa, e algumas possuíam capítulos ou trechos a mais ou a menos. Outro problema também, fora a questão da tradução dos nomes asiáticos, que em algumas edições ficaram bem estranhos e quase irreconhecíveis. E o próprio título do livro sofreu alterações ao longo da história. Curiosamente muitos preferiram chamar o livro de As Viagens de Marco Polo ou algo do tipo.
Atualmente, apenas as edições em língua inglesa, francesa, italiana e portuguesa são as mais amplas, detalhadas e fiéis aos manuscritos mais antigos conhecidos já que os mesmos são cópias de cópias.
A JORNADA PARA CHINA
"Senhores, Imperadores, Reis, Duques e Marqueses, Condes, Fidalgos e burgueses, e todos vós que desejais conhecer as diferentes raças e variedades das diversas regiões do globo, tomai este livro e mandai que vo-lo leiam; e nele encontrarei todas as imensas maravilhas e curiosidades da nobre Armênia e da Pérsia, dos tártaros e da Índia e diversas outras províncias da Ásia Menor e de uma parte da Europa, desde o momento que se parte na direção do Vento Grego, do Levante e do Tramontano; assim as descreverá nosso livro e vo-las explicará, clara e ordenadamente, como as conta Misser Marco Polo, sábio e nobre cidadão de Veneza, tal como as viram seus olhos mortais". (POLO, 2009, p. 35).
A partida
Como fora dito inicialmente, os Polo deixaram São João do Acre em 1272 acompanhados de dois monges indicados pelo papa Gregório X em resposta ao pedido de Kublai Khan (1215-1294), o qual havia solicitado o envio de cem doutores da Igreja e de óleo do Santo Sepulcro. No entanto o papa só nomeou dois monges para essa missão, Nicolau de Vicenza e Guilherme de Trípoli. Nicolau (ou Nicola, ou também Nicollò) e Maffeo, decidiram não discordar do papa e esperar mais tempo. Desde 1269 aguardavam esse dia para partirem novamente.
Assim os cinco deixaram Acre e seguiram viagem em direção a Laias, localizada na Armênia Menor (compreendia na época a região da Cilícia, hoje compreendendo parte sul do atual território da Turquia. No entanto o território variou de tamanho ao longo de sua existência de quase três séculos). A Armênia Menor e a Armênia Maior eram reinos cristãos ortodoxos nas fronterias com os reinos muçulmanos e os domínios mongóis, onde na maioria viviam muçulmanos. Não obstante, a escolha de irem para a Armênia Menor, dava-se primeiro pelo fato de estarem em um Estado cristão e neutro em relação as alianças italianas, já que Constantinopla, o baluarte da cristandade, estava sob o controle dos genoveses, inimigos dos venezianos.
"Em verdade, há duas Armênias: a Maior e a Menor. Da Menor é rei um soberano tributário do Tártaro. A região é rica em vilas e castelos, e abundante a todos os respeitos, produz grande quantidade de caça, de outros animais e pássaros, mas é uma província pouco saudável. Antigamente, os homens eram galhardos e valentes capitães; agora são raquíticos e vis, não tendo mais qualidade a de serem grandes bebedores". (POLO, 2009, p. 51).
Laias eram uma pequena cidade portuária comercial da Pequena Armênia, de lá eles seguiram viagem para o pequeno reino chamado de Turcomânia.
Os turcos são um povo originário das estepes mongóis, logo se espalharam pela Ásia Central antes da chegada dos mongóis em si, se misturando aos povos que ali existiam, daí, existirem vários locais referente a "terra dos turcos". Não obstante, o termo tártaro era utilizado na época para se referir erroneamente aos mongóis, na realidade tártaro era um nome de uma tribo mongol em si, mas passou a servir como gentílico para se referir ao povo em si. O grande Tártaro era uma referência ao imperador Kublai ou algum de seus governantes.
Turcomânia
Hoje a Turcomânia refere-se ao Turcomenistão ou Turquemenistão, um pequeno país que faz fronteira como Afeganistão, Irã, Uzbequistão e Cazaquistão, mas na época de Marco, a Turcomânia compreendia a porção oriental da atual Turquia.
"Na Turcomânia há três espécies de habitantes, que são: os turcos, que rezam a Maomé e observam a sua lei. Muito simples e de linguagem rude, vivem nas planícies onde sabem existir em abundância de pastagem, visto que se dedicam ao pastoreio. Criam espécies cavalares de grande corpulência. O resto da população compõe-se de armênios e gregos, com eles misturados em vilas e castelos. Vivem do comércio e da arte, pois sabei que fabricam os mais belos tapetes, superiores aos do resto do mundo". (POLO, 2009, p. 51).
Deixando a Turcomânia ele atravessaram o pequeno país para leste em direção a Armênia Maior que equivale a atual Armênia de hoje, parte do leste da Turquia oriental, e parte do norte do atual Iraque e Irã.
Armênia Maior
"A Armênia Maior é uma província muito extensa: principia numa cidade chamada Arzigã, na qual se fabricam os melhores "bogarães". Também ali vi as mais belas facas que existem no mundo. Tem minas de prata riquíssimas. Os habitantes são armênios e súditos dos tártaros. Cidades e castelos abundam, sendo Arzigã a mais nobre, porque tem um arcebispo. As outras são Argiram e Darizim. É uma província muito rica". (POLO, 2009, p. 52).
Acerca da Armênia Maior, Marco também fala que a região possui abundantes e bons pastos, os quais os mongóis utilizavam para criar seus cavalos, cabras, ovelhas e bois, durante o verão e a primavera. A partir do outono a região fica mais fria, então eles seguem para sudeste.
Na Armênia Maior se localizava o Monte Ararat, hoje em território turco. O monte de acordo com a Bíblia fora o local onde a Arca de Noé atracou. Pelo fato de ter sido um cristão, ele faz muitas referências e menções ao cristianismo, e ao mesmo tempo falará mau as vezes do islamismo e do paganismo.
Na fronteira da Armênia Maior com a Geórgia, um pequeno reino cristão ortodoxo ao norte, Marco fala a respeito de uma curiosa substância preta que brotava da terra, era o petróleo.
"Na zona limítrofe da Geórgia existe uma grande fonte de que sai um licor que é semelhante ao óleo, em tal abundância que podem carregar-se cem navios de uma só vez; mas não é proveitoso para beber e sim para queimar, e serve para untar os camelos, protegendo-os de urticárias e furúnculos; os homens vêm de muito longe recolher este óleo, e em toda a comarca não se queima senão esta substância". (POLO, 2009, p. 52).
O petróleo na época além de servir para substituir a lenha para acender fogueiras, fornalhas, archotes, etc., e além de servir para as utilidades especificadas por Marco, ele também servia para fazer betume, o qual também era chamado de alcatrão, asfalto e outros nomes. O betume pode ser encontrado naturalmente em alguns poços ou pode ser feito a partir da destilação do petróleo bruto. Nesse caso ele poderia ser utilizado como forma de "cola" e isolante. Noé utilizou betume para isolar a sua arca.
Geórgia
A respeito da Geórgia, inicialmente Marco conta um breve relato sobre um tal rei chamado Davi Nelic, o qual corresponde ao rei Davi V, o qual governou entre (1243-1272). Esse rei Davi, de acordo com Polo se comparava ao rei Davi biblico, no entanto um fato curioso é que, segundo Polo, houveram vários reis da Geórgia chamados de Davi, os quais nasciam com uma marca de nascença parecida com uma águia, e um dos reis da Antiguidade confrontou os exércitos de Alexandre, o Grande, e conseguiu impedir que suas tropas conquistassem seu reino, porquê ordenou a construção de uma muralha em um desfiladeiro o qual era a principal rota de acesso vinda do sul para o noroeste. Tal muralha é chamada por Polo de Ponta de Ferro e hoje fica em território russo na cordilheira do Cáucaso. De fato, Alexandre chegou a visitar a região montanhosa.
Deixando esses relatos sobre Davi V e Alexandre, Marco volta a descrever a região. Esse pequeno reino era tributário do império mongol, porém preservavam seus costumes, religião e leis. Ele disse que os homens dessa região eram bons guerreiros, e vestiam-se como os cristãos da Europa. Produziam rico e belos tecidos, além de comercializarem peles de animais vindas da Rússia e Ucrânia e seda. Ele também diz que a paisagem é muito bela, devido as montanhas que a cercam. Marco, também faz menção ao mosteiro de São Leonardo.
Provavelmente, os Polos não chegaram a adentrar mais na Geórgia, mas ficaram limitados a fronteira com a Armênia Maior. No entanto, alguns historiadores sugerem que eles foram além das fronteiras, pelo fato de que possivelmente seu pai e tio cogitassem seguir viagem até a corte de Baku Khan antigo soberano mongol da Horda de Ouro, a quem a Geórgia era tributária direta. Baku no passado abrigou Nicolau e Maffeo em sua corte e lhes deu presentes e direito de trabalharem em suas terras como comerciantes. Porém, tal possibilidade não fora levada a frente, e eles voltaram a seguir viagem para o sudeste.
O reino de Mossul
Mossul fora um grande reino por qual os Polos atravessaram em direção a Bagdá mais ao sul. Embora Mossul fosse um reino no passado, nessa época ele consistia em território do Ilkhanato, uma das grandes regiões que compreendiam os domínios do Império Mongol. No primeiro mapa exibido aqui, pode-se ver a localização desse reino. Sobre o mesmo Marco fala brevemente. Atualmente, Mossul se encontra no território do Iraque.
Ele diz que grande parte da população é árabe e muçulmana, embora haja turcos, mongóis, curdos e outros povos por ali. Os poucos cristãos que ali viviam eram de vertente nestoriana e jacobita. Tais cristãos viviam independentes da Igreja de Roma, possuindo seu próprio patriarca. Nas montanhas a norte habitavam os curdos, os quais eles se refere como um povo pastoreiro, seminômade, muçulmanos, e hábeis na guerra e perigosos.
Não obstante, ele diz que o reino produz ricos tecidos em seda e fio de ouro, chamados de musselinas, os quais são bem finos e chegam a serem transparentes.
Bagdá
Assim como Mossul, Bagdá se encontrava em território mongol, sob a juridição de Abaca Khan (1234-1282), bisneto de Gengis Khan, na época senhor do Ilkhanato. Abaca era filho de Hulagu Khan (1217-1265) e sobrinho de Kublai Khan.
Antes de descrever a respeito de Bagdá, Marco fala um pouco acerca da guerra travada por Hulagu Khan para se conquistar essa região. Como eu havia dito anteriormente, não me prenderei a relatar a descrição que Marco dá ao conflito, já que a mesma e alguns pontos possui imprecisões históricas, mas de qualquer forma, em 1258, Hulagu o qual detinha grande poder e autoridade por essa região, era budista e sua esposa uma cristã nestoriana, nesse caso o mesmo estava interessado em expandir seus domínios sobre a Síria, o Reino de Jerusalém e seguir para a Turcomânia e o Egito na África. Sua esposa pediu que o marido evitasse massacrar os cristãos e ao invés disso sugerisse que os mesmos se tornassem seus aliados, assim Hulagu fizera e em 1258, seus exércitos citiaram Bagdá, a cidade fora invadida, pilhada e incendiada. Milhares de pessoas foram mortas.
Tal episódio é reforçado pelo relato de Marco Polo, quando o mesmo conta no restante da parte II, que antes de Hulagu atacar Bagdá, um tal califa Abássida o qual Marco não revela a sua identidade, é descrito por ele como tendo sido um homem bem cruel contra os cristãos. Ele disse que isso aconteceu em 1255, nessa época o califa reinante era Al-Musta'sim. Não se tem certeza da veracidade da história contada por Polo, de qualquer forma, tal relato consiste em histórias que ele ouviu por meio de segundos e terceiros, e provavelmente, ele aproveitou tal fato para justificar a conquista de Bagdá pelos mongóis, como um ato de vingança ou justiça.
Tauris
Deixando a cidade de Bagdá a qual nessa época havia perdido o brilho e prosperidade visto durante o domínio do Califado Abássida (632-1258), eles seguem para a cidade de Tauris que fica próximo a Bagdá, perto das montanhas, numa região que ele se refere de Yrac.
Tauris é descrita como sendo uma cidade mais importante e próspera do que Bagdá nessa época, estando entre importantes rotas de comércio, entre o Mossul e a Índia. No entanto, Marco diz que os sarracenos (sinônimo para mouro e árabe), eram desleais, malvados e perigosos. Como eu havia dito, será recorrente, Polo remeter-se aos muçulmanos de certas regiões como sendo muito perigosos para os cristãos.
"Há uma abundância de pedras preciosas. É uma cidade na qual os mercadores se enriquecem, assim como os navegantes. A população é um misto de raças: tem armênios, nestorianos, jacobitas, geórgios e persas: há homens que adoram a Mafoma (a maioria deles); chamam-se estes taurisinos. A cidade está rodeada de numerosos jardins, cheios de abundantes frutas". (POLO, 2009, p. 61).
Antes de prosseguir para o próximo destino a Pérsia, Marco fala brevemente dos três Reis Magos, Baltazar, Gaspar e Belchior. De fato, muitos estudiosos sugerem que tais homens tenham vindo provavelmente da Pérsia, devido a forma de como se vestiam e os presentes que levaram para o Menino Jesus. Não obstante, a Pérsia também na época de Cristo era conhecida pelos seus "magos". Marco diz que os tais reis partiram da cidade de Sava, hoje Saveh no Irã.
Os oitos reinos da Pérsia
Nos relatos de Marco Polo, é comum ele fazer muito uso dos termos reino e rei, no entanto, como a maior parte de sua jornada se deu em território mongol, logo, os ditos reinos e reis que ele se refere, na realidade se trataria de províncias e seus governadores. O único soberano era Kublai Khan, embora que seus irmãos, sobrinhos e primos detivessem muitos poderes e carregassem o titulo de khan consigo.
Assim, a Pérsia que hoje consiste no Irã, na época compreendia o Ilkhanato do Império Mongol, por sua vez, Marco diz que ela era dividida em "oito reinos", o que seria na realidade oito províncias segundo seu relato.
"Na Pérsia há oito reinos, porque é uma extensa província; o primeiro chama-se Casvin; o segundo, lá para o Meio-Dia, Curdistão; o terceiro, Lor, o quarto, Gulistã; o quinto, Ispaã; o sexto, Serasi; o sétimo, Soncara; o oitavo, Tunocaim". (POLO, 2009, p. 63).
Todos esses "reinos" compreendiam pequenas províncias da região, hoje correspondem a províncias e cidades no caso de Serasi, Gulistã, Soncara e Tunocaim no atual Irã, embora que alguns destes tenham mudado de nome.
Marco aponta acerca destes "reinos" a existência da criação de equinos, nesse caso, ele diz que os cavalos e burros criados na região são muito bons e por isso caros, os cavalos são fortes e velozes, e os burros conseguem carregar muito peso e não se cansam fácil. Ele também fala, que tais equinos são vendidos na Índia onde a falta desses animais. Não obstante, ele diz que o povo é malvado, especialmente com os estrangeiros.
"Na cidade há muitos mercadores e artífices que vivem do seu trabalho e do comércio; tecem o brocado de ouro e seda, de toda espécie; há por ali abundância de tudo: milho, aveia, trigo, cevada, alpiste e toda a qualidade de vinhos e de frutas". (POLO, 2009, p. 64).
Continuando sua viagem pela pérsia mongol, Marco faz relatos de mais três localidades importantes, a cidade de Iasdis, o reino de Qirmã e a cidade de Camandi.
Iasdis, Qirmã e Camandi
Marco refere-se a Iasdis (atual Yadz no sudeste do Irã) como sendo uma cidade nobre, devido ao fato de produzir um dos melhores brocados de seda do mundo segundo ele. Tais tecidos são chamados de iasdis. Seu povo é muçulmano, e nos arredores da cidade a belos bosques com muita caça, tendo perdizes, tordos e burros selvagens em abundância. E a sete dias de viagem dali chega-se ao "reino" de Qirmã.
Em Qirmã (atual capital da província de Kerman), era próspera na mineração. Marco diz que havia muitas turquesas neste reino, além de minas de ferro e ônix. Os equipamentos para os cavalos e as armas de ferro produzidas ali eram bem feitas, de uma qualidade muito superior a de outros lugares.
"As mulheres e as meninas bordam com perfeição sobre brocados de seda todas as cores; bordam pássaros, flores e outras coisas. São elas que fazem as gualdrapas para os cavalos dos barões e dos grandes capitães; e tudo feito tão maravilhosamente que dá prazer de admirar. Também confeccionam almofadões, cobertas de cama, coxins, e tudo com invulgar perfeição". (POLO, 2009, p. 65).
Nas montanhas nos arredores da cidade a pássaros de várias espécies, sendo os falcões os mais belos, assim como diz Marco. Deixando Qirmã, cavalgando-se por uma planície, após cerca de dez dias de viagem chega-se a cidade de Camandi (hoje consiste em apenas ruínas, ficando a alguns quilômetros do mar).
Polo diz que Camandi outrora fora uma rica cidade, mas depois que fora conquistada e saqueada pelos mongóis perdera seu brilho e sua prosperidade. Ela fica localizada numa planície desértica na província de Rudbaris, como ele a chama. Lá cultiva-se principalmente tâmaras e maçãs.
No entanto na província cria-se bom gado. Marco diz que os bois são brancos como a neve, grandes e fortes, e possuem uma corcova no lombo. Os carneiros são gordos e bons de comer, além de possuírem uma boa lã. Além disso existe uma espécie de pássaro chamada francolins (são parentes dos faisões e das galinhas, mas são silvestres), os quais existem em grande quantidade pela planície.
Marco também fala que na região há muitas fortalezas e vilas fortificadas para se protegerem de bandos de ladrões que vagam pelo deserto, dentre estes o povo que ele chama de caroana (ainda não se sabe com certeza que povo seria esse). Além dos caroanas, a outros inimigos que vem do leste e do norte. Marco ainda fala acerca de Nogodar, o qual era um neto de Tchagatai um dos filhos de Gengis Khan, no entanto ele mistura fatos históricos acerca das duas personagens, construindo um relato deturpado da história. Nesse caso, não farei menção a isso, já que Nogodar não chegou a invadir a Índia como Marco menciona em seu relato.
Ormuz e Cobina
Ainda continuando com sua jornada pela pérsia mongol, os Polo se dirigiram para a província de Ormuz na orla do Golfo Pérsico, a capital da província também chama-se Ormuz e fica localizada numa ilha do mesmo nome. A província é descrita como sendo muito verde devido aos rios que por lá correm, havendo abundância de palmeiras e vários tipos de pássaros. Já a capital consiste num importante porto comercial, de onde seguem mercadorias para a Índia, Egito e outras cidades-estados da costa oriental africana. Tal fato é bem verdadeiro, já que os portugueses, ingleses e franceses no século XVI disputaram o controle dessa região.
"Os mercadores da Índia vêm até ali em seus barcos e galeras, trazendo toda espécie de pedras finas, pérolas e brocados de couro e seda, dentes de elefante e outras coisas preciosas". (POLO, 2009, p. 69).
Marco diz que o "rei" dessa província chamava-se Ruomedã Acomat (na realidade seu nome era Roukneddin Mahmout, o qual governou Ormuz de 1243 a 1277. Possivelmente a variação do nome consista num erro de tradução). Embora fosse um "rei" rico, tal riqueza advinha do comércio, já que a terra em geral era muito seca e árida e mesmo com os rios que ali existiam não era bom para a agricultura.
A população é negra e muçulmana, comem muito peixe e bebem um vinho feito de tâmaras, e comem um pão feito de outros cereais, embora cultivem o trigo, mas o mesmo é de péssima qualidade. Segundo Marco, eles não comem carne vermelha e pão de trigo por que passariam mal. Durante o verão, a temperatura é tão quente, que parte da população deixa a cidade e se muda para suas casas no campo ou para a casa de parentes.
Quando os Polo chegaram a Ormuz ele haviam cogitado seguir viagem até a China através do mar que seria bem mais rápido, porém não se sabe ao certo porque desistiram dessa possibilidade. Segundo Marco, os navios de Ormuz eram muito mau fabricados, e péssimos para longas viagens, e havia muitos piratas nos mares das Índias. Tudo isso se mostrou muito arriscado para seguirem por essa via, no entanto em sua jornada de regresso eles vieram por mar.
Deixando Ormuz eles retornaram para Qirmã de onde seguiram por sete dias em meio a paisagens desoladoras. Na realidade eles cruzaram parte do deserto, daí Marco dizer que não havia água e nenhum povoado por perto. Depois desses sete dias eles chegaram a cidade de Cobina.
"Cobina é uma grande cidade; os seus habitantes adoram Maomé. Há nela ferro e aço, em grande quantidade; fabricam-se ali grandes espelhos de metal; é em Cobina que se faz a atutia, um medicamento muito bom para os olhos; vou dizer-vos como ele é feito: pegam em terra com cobre e calamina, que serve para fazer o latão; põem-na num forno muito quente e sobre este uma vasilha de ferro. A umidade que adere à vasilha forma a tal substância chamada atutia e o que fica da terra no fogo chama-se a espódia, com a qual se faz o latão". (POLO, 2009, p. 72).
A atutia seria um composto feito a partir de resíduos do derretimento de metais, se desconhece sua real eficácia. Deixando Cobina, os Polos seguiram para noroeste em direção a província de Timocain.
A Árvore Seca e a Ordem dos Assassinos
Em Timocaim ainda na Pérsia, Marco se prende a fazer dois relatos principais, primeiro ele fala acerca da lenda da Árvore Só ou Árvore Seca e da Ordem dos Assassinos que existia na região.
"Ao fim das oito jornadas, encontramos uma província chamada Timocain. Há, nesta província, muitos castelos e cidades; confina ela com a Pérsia pelo lado do Poente, e logo após fica uma vastíssima planície onde cresce a Árvore Só, que os cristãos chamam de Árvores Seca". (POLO, 2009, p. 79).
Como bom cristão, Marco Polo ao longo de seu livro procurará embasar de forma "verídica" supostas lendas cristãs acerca do continente asiático, e a primeira delas diz respeito a Árvore Seca-Árvore Só, nesse caso, tal etimologia tem duas linhas de interpretação.
Primeiro, os povos daquela região referem-se a Árvore Só como sendo um marco entre os limites do mundo conhecido pelo ocidente e o mundo desconhecido para os ocidentais, assim o que fica além dessa árvore é desconhecido, estranho, exótico, misterioso. Nesse caso, a China e a Índia os quais ficam além dessa "fronteira" estabelecida, encaixam-se nessa ideia do que existe no extremo oriente.
No caso da Árvore Seca, essa tem uma questão mais voltada para o cristianismo. Os cristãos identificavam tal árvore como o limite entre o mundo civilizado e conhecido e o mundo desconhecido, selvagem, bárbaro e pagão. E segundo a tradição dessas antigas lendas, quando Cristo retornasse a Terra, tal árvore ficaria verde, significando que os pecados dos homens que secaram a árvore, seriam perdoados e uma nova era cristã começaria.
Marco não chega a dizer com clareza onde fica a tal árvore, mas por suas indicações ela ficaria em uma região desértica entre as fronteiras dos atuais territórios do Irã e do Afeganistão. Porém, alguns historiadores apontam que tal árvore seja um plátano, comum nessa região e o próprio Marco afirma nisso em seu relato.
Acerca da Ordem dos Assassinos, Marco conta que nessa região haviam um velho e rico homem chamado de Aladino, conhecido como o Velho da Montanha. Esse homem pegou sua fortuna e criou uma imponente fortaleza entre duas montanhas com um magnífico palácio resguardado entre seus muros. No entanto, a fim de manter sua riqueza, ele ordenou que órfãos, ladrões, mercenários, vagabundos, desertores, foragidos, que demonstrassem aptidão para lutar, fossem levados para sua fortaleza, lá eles lhe convenceria que era um profeta e seu palácio era um "paraíso terrestre", esses homens seria iludidos por essas palavras e até mesmo desfrutariam desse "paraíso", mas em troca teriam que servir a Aladino como seus assassinos de recompensa, assim eles eram treinados e enviados para cumprir missões em troca de grandes quantias de riquezas.
"No centro do jardim havia uma fonte, com muitas bicas de onde jorravam o vinho, o leite, o mel e ainda a água. Havia nesse jardim as donzelas mais belas do mundo; estas sabiam tocar todos os instrumentos e cantavam como os anjos, e o Velho fazia acreditar aos seus súditos que aquele reino era o paraíso". (POLO, 2009, p. 74).
A Ordem dos Assassinos fora fundada em 1090 por Hassan Sabbah (1034-1124), no castelo de Alamut em Qazvin no atual Irã. Porém um ramo dessa seita se estabeleceu na Síria, onde fora combatida pelos cruzados. Seu líder se autodenominava Cheike el Djebel que significa, "Velho da Montanha". Aqui fica claro que Marco misturou lendas com fatos históricos para falar acerca dessa história. O castelo fora destruído em 1256 pelos exércitos de Hulagu Khan quando o mesmo conquistou a Pérsia.
Essa postagem consiste numa continuação do projeto inciado em Quem foi Marco Polo? Nesse primeiro texto foquei mas a questão pessoal da vida de Marco, e da jornada de seu pai e tio, e o contexto da viagem da época. Sendo assim, aqueles que não estão familiarizados com a pessoa de Marco Polo, recomendo ler a primeira postagem antes de prosseguir, para que possam entender os motivos que levaram os três a viajarem até a China e o contexto histórico da Ásia nessa época.
Os mapas que indicam as cidades, províncias e regiões visitadas ou mencionadas por Marco Polo fora editados por mim, com base nas notas trazidas no exemplar do livro que possuo e numa ampla pesquisa geográfica para se descobrir a localização desses locais atualmente e seus correspondentes, logo parte da demora de se postar esse trabalho deu-se devido ao trabalho geográfico que tive que fazer.
O LIVRO
O Livro das Maravilhas: a descrição do mundo, nome dado por Rusticiano de Pisa a obra a qual copilou, consiste nos relatos narrados por Marco Polo, enquanto os dois se encontravam em uma prisão em Gênova. Quando os Polo retornaram em 1295 para Veneza, uma pequena guerra eclodia entre Veneza e Gênova, rivais de longa data. Marco posteriormente pegou parte de sua riqueza que trouxera da China e contratou mercenários para participar da batalha, ele acabou sendo capturado e jogado na prisão por volta de 1296. Não se sabe ao certo quantos anos ele permaneceu preso, mas fontes apontam que provavelmente ele tenha deixado a prisão em 1299 ou 1300. Nesse tempo ele conheceu este misterioso escritor que pouco se sabe de suas origens, o qual se interessou pelas histórias de Marco e decidiu escrevê-las.
No entanto, embora Rusticiano tenha escrito o livro e o concluído em 1298, como ele aponta, análises recentes, indicam que os últimos capítulos tenham sido escritos por Marco Polo, devido ao fato de fazer menção a alguns acontecimentos que ocorreram na época que ele estava preso, tudo indica que ele tomou conhecimento desses fatos e inseriu em seu livro, que embora tenha sido escrito por Rusticiano, as referências bibliográficas apontam Marco como seu autor.
Quando Marco deixou a prisão, voltou para Veneza e publicou sua obra, ela se tornou bem popular na época e ganhou o epiteto de Il Milione ("O milhão") devido as grandes quantidades numéricas citadas por Marco ao longo de sua obra. Quando o mesmo dissera que na China havia cidades com um milhão de habitantes, as pessoas achavam aquilo ridículo e mentiroso, como poderia haver uma cidade com um milhão de pessoas?
As cidades europeias daquela época mau chegavam aos 30 mil habitantes, Roma que na Antiguidade chegou a ter um milhão de pessoas, no começo do século XVI possuía muito mal 50 mil habitantes. A própria Constantinopla possuía uma população em torno de 300 mil habitantes. Hoje sabemos que na China daquela época já havia de fato cidades desse tamanho, mas para a mentalidade da época isso era algo um tanto improvável, daí Marco Polo ter sido chamado de mentiroso por alguns.
De qualquer forma, seu livro verdadeiro ou mentiroso se tornou bem popular e até hoje é reeditado. No entanto, ao longo desses séculos várias versões surgiram e algumas chegaram a distorcer partes da história. O livro original é dividido em três partes: Livro primeiro, Livro segundo e o Livro da Índia, cada um desses "livros" é composto por centenas de pequenos capítulos.
No entanto, alguns editores e outras pessoas se valeram da fama do livro de Polo e o manipularam. Oficialmente são reconhecidos 140 manuscritos do original, já que na época a prensa não existia na Europa, porém após a sua criação no século XV, uma profusão de edições do livro surgiram pela Europa, e algumas possuíam capítulos ou trechos a mais ou a menos. Outro problema também, fora a questão da tradução dos nomes asiáticos, que em algumas edições ficaram bem estranhos e quase irreconhecíveis. E o próprio título do livro sofreu alterações ao longo da história. Curiosamente muitos preferiram chamar o livro de As Viagens de Marco Polo ou algo do tipo.
Atualmente, apenas as edições em língua inglesa, francesa, italiana e portuguesa são as mais amplas, detalhadas e fiéis aos manuscritos mais antigos conhecidos já que os mesmos são cópias de cópias.
A JORNADA PARA CHINA
"Senhores, Imperadores, Reis, Duques e Marqueses, Condes, Fidalgos e burgueses, e todos vós que desejais conhecer as diferentes raças e variedades das diversas regiões do globo, tomai este livro e mandai que vo-lo leiam; e nele encontrarei todas as imensas maravilhas e curiosidades da nobre Armênia e da Pérsia, dos tártaros e da Índia e diversas outras províncias da Ásia Menor e de uma parte da Europa, desde o momento que se parte na direção do Vento Grego, do Levante e do Tramontano; assim as descreverá nosso livro e vo-las explicará, clara e ordenadamente, como as conta Misser Marco Polo, sábio e nobre cidadão de Veneza, tal como as viram seus olhos mortais". (POLO, 2009, p. 35).
A partida
Como fora dito inicialmente, os Polo deixaram São João do Acre em 1272 acompanhados de dois monges indicados pelo papa Gregório X em resposta ao pedido de Kublai Khan (1215-1294), o qual havia solicitado o envio de cem doutores da Igreja e de óleo do Santo Sepulcro. No entanto o papa só nomeou dois monges para essa missão, Nicolau de Vicenza e Guilherme de Trípoli. Nicolau (ou Nicola, ou também Nicollò) e Maffeo, decidiram não discordar do papa e esperar mais tempo. Desde 1269 aguardavam esse dia para partirem novamente.
Assim os cinco deixaram Acre e seguiram viagem em direção a Laias, localizada na Armênia Menor (compreendia na época a região da Cilícia, hoje compreendendo parte sul do atual território da Turquia. No entanto o território variou de tamanho ao longo de sua existência de quase três séculos). A Armênia Menor e a Armênia Maior eram reinos cristãos ortodoxos nas fronterias com os reinos muçulmanos e os domínios mongóis, onde na maioria viviam muçulmanos. Não obstante, a escolha de irem para a Armênia Menor, dava-se primeiro pelo fato de estarem em um Estado cristão e neutro em relação as alianças italianas, já que Constantinopla, o baluarte da cristandade, estava sob o controle dos genoveses, inimigos dos venezianos.
Ao centro a Armênia Menor, em volta o Império Bizantino, o Sultanato de Roma e outro pequenos reinos em 1200. |
Laias eram uma pequena cidade portuária comercial da Pequena Armênia, de lá eles seguiram viagem para o pequeno reino chamado de Turcomânia.
Os turcos são um povo originário das estepes mongóis, logo se espalharam pela Ásia Central antes da chegada dos mongóis em si, se misturando aos povos que ali existiam, daí, existirem vários locais referente a "terra dos turcos". Não obstante, o termo tártaro era utilizado na época para se referir erroneamente aos mongóis, na realidade tártaro era um nome de uma tribo mongol em si, mas passou a servir como gentílico para se referir ao povo em si. O grande Tártaro era uma referência ao imperador Kublai ou algum de seus governantes.
Turcomânia
Hoje a Turcomânia refere-se ao Turcomenistão ou Turquemenistão, um pequeno país que faz fronteira como Afeganistão, Irã, Uzbequistão e Cazaquistão, mas na época de Marco, a Turcomânia compreendia a porção oriental da atual Turquia.
"Na Turcomânia há três espécies de habitantes, que são: os turcos, que rezam a Maomé e observam a sua lei. Muito simples e de linguagem rude, vivem nas planícies onde sabem existir em abundância de pastagem, visto que se dedicam ao pastoreio. Criam espécies cavalares de grande corpulência. O resto da população compõe-se de armênios e gregos, com eles misturados em vilas e castelos. Vivem do comércio e da arte, pois sabei que fabricam os mais belos tapetes, superiores aos do resto do mundo". (POLO, 2009, p. 51).
Deixando a Turcomânia ele atravessaram o pequeno país para leste em direção a Armênia Maior que equivale a atual Armênia de hoje, parte do leste da Turquia oriental, e parte do norte do atual Iraque e Irã.
Armênia Maior
"A Armênia Maior é uma província muito extensa: principia numa cidade chamada Arzigã, na qual se fabricam os melhores "bogarães". Também ali vi as mais belas facas que existem no mundo. Tem minas de prata riquíssimas. Os habitantes são armênios e súditos dos tártaros. Cidades e castelos abundam, sendo Arzigã a mais nobre, porque tem um arcebispo. As outras são Argiram e Darizim. É uma província muito rica". (POLO, 2009, p. 52).
Acerca da Armênia Maior, Marco também fala que a região possui abundantes e bons pastos, os quais os mongóis utilizavam para criar seus cavalos, cabras, ovelhas e bois, durante o verão e a primavera. A partir do outono a região fica mais fria, então eles seguem para sudeste.
Na Armênia Maior se localizava o Monte Ararat, hoje em território turco. O monte de acordo com a Bíblia fora o local onde a Arca de Noé atracou. Pelo fato de ter sido um cristão, ele faz muitas referências e menções ao cristianismo, e ao mesmo tempo falará mau as vezes do islamismo e do paganismo.
Na fronteira da Armênia Maior com a Geórgia, um pequeno reino cristão ortodoxo ao norte, Marco fala a respeito de uma curiosa substância preta que brotava da terra, era o petróleo.
A Armênia Maior no século XIII. Em laranja o atual território armênico. |
O petróleo na época além de servir para substituir a lenha para acender fogueiras, fornalhas, archotes, etc., e além de servir para as utilidades especificadas por Marco, ele também servia para fazer betume, o qual também era chamado de alcatrão, asfalto e outros nomes. O betume pode ser encontrado naturalmente em alguns poços ou pode ser feito a partir da destilação do petróleo bruto. Nesse caso ele poderia ser utilizado como forma de "cola" e isolante. Noé utilizou betume para isolar a sua arca.
Geórgia
A respeito da Geórgia, inicialmente Marco conta um breve relato sobre um tal rei chamado Davi Nelic, o qual corresponde ao rei Davi V, o qual governou entre (1243-1272). Esse rei Davi, de acordo com Polo se comparava ao rei Davi biblico, no entanto um fato curioso é que, segundo Polo, houveram vários reis da Geórgia chamados de Davi, os quais nasciam com uma marca de nascença parecida com uma águia, e um dos reis da Antiguidade confrontou os exércitos de Alexandre, o Grande, e conseguiu impedir que suas tropas conquistassem seu reino, porquê ordenou a construção de uma muralha em um desfiladeiro o qual era a principal rota de acesso vinda do sul para o noroeste. Tal muralha é chamada por Polo de Ponta de Ferro e hoje fica em território russo na cordilheira do Cáucaso. De fato, Alexandre chegou a visitar a região montanhosa.
Deixando esses relatos sobre Davi V e Alexandre, Marco volta a descrever a região. Esse pequeno reino era tributário do império mongol, porém preservavam seus costumes, religião e leis. Ele disse que os homens dessa região eram bons guerreiros, e vestiam-se como os cristãos da Europa. Produziam rico e belos tecidos, além de comercializarem peles de animais vindas da Rússia e Ucrânia e seda. Ele também diz que a paisagem é muito bela, devido as montanhas que a cercam. Marco, também faz menção ao mosteiro de São Leonardo.
Provavelmente, os Polos não chegaram a adentrar mais na Geórgia, mas ficaram limitados a fronteira com a Armênia Maior. No entanto, alguns historiadores sugerem que eles foram além das fronteiras, pelo fato de que possivelmente seu pai e tio cogitassem seguir viagem até a corte de Baku Khan antigo soberano mongol da Horda de Ouro, a quem a Geórgia era tributária direta. Baku no passado abrigou Nicolau e Maffeo em sua corte e lhes deu presentes e direito de trabalharem em suas terras como comerciantes. Porém, tal possibilidade não fora levada a frente, e eles voltaram a seguir viagem para o sudeste.
O reino de Mossul
Mossul fora um grande reino por qual os Polos atravessaram em direção a Bagdá mais ao sul. Embora Mossul fosse um reino no passado, nessa época ele consistia em território do Ilkhanato, uma das grandes regiões que compreendiam os domínios do Império Mongol. No primeiro mapa exibido aqui, pode-se ver a localização desse reino. Sobre o mesmo Marco fala brevemente. Atualmente, Mossul se encontra no território do Iraque.
Ele diz que grande parte da população é árabe e muçulmana, embora haja turcos, mongóis, curdos e outros povos por ali. Os poucos cristãos que ali viviam eram de vertente nestoriana e jacobita. Tais cristãos viviam independentes da Igreja de Roma, possuindo seu próprio patriarca. Nas montanhas a norte habitavam os curdos, os quais eles se refere como um povo pastoreiro, seminômade, muçulmanos, e hábeis na guerra e perigosos.
Não obstante, ele diz que o reino produz ricos tecidos em seda e fio de ouro, chamados de musselinas, os quais são bem finos e chegam a serem transparentes.
Bagdá
Assim como Mossul, Bagdá se encontrava em território mongol, sob a juridição de Abaca Khan (1234-1282), bisneto de Gengis Khan, na época senhor do Ilkhanato. Abaca era filho de Hulagu Khan (1217-1265) e sobrinho de Kublai Khan.
Antes de descrever a respeito de Bagdá, Marco fala um pouco acerca da guerra travada por Hulagu Khan para se conquistar essa região. Como eu havia dito anteriormente, não me prenderei a relatar a descrição que Marco dá ao conflito, já que a mesma e alguns pontos possui imprecisões históricas, mas de qualquer forma, em 1258, Hulagu o qual detinha grande poder e autoridade por essa região, era budista e sua esposa uma cristã nestoriana, nesse caso o mesmo estava interessado em expandir seus domínios sobre a Síria, o Reino de Jerusalém e seguir para a Turcomânia e o Egito na África. Sua esposa pediu que o marido evitasse massacrar os cristãos e ao invés disso sugerisse que os mesmos se tornassem seus aliados, assim Hulagu fizera e em 1258, seus exércitos citiaram Bagdá, a cidade fora invadida, pilhada e incendiada. Milhares de pessoas foram mortas.
Pintura persa retratando o ataque de Hulagu Khan à Bagdá, em 1258. |
Tauris
Deixando a cidade de Bagdá a qual nessa época havia perdido o brilho e prosperidade visto durante o domínio do Califado Abássida (632-1258), eles seguem para a cidade de Tauris que fica próximo a Bagdá, perto das montanhas, numa região que ele se refere de Yrac.
Tauris é descrita como sendo uma cidade mais importante e próspera do que Bagdá nessa época, estando entre importantes rotas de comércio, entre o Mossul e a Índia. No entanto, Marco diz que os sarracenos (sinônimo para mouro e árabe), eram desleais, malvados e perigosos. Como eu havia dito, será recorrente, Polo remeter-se aos muçulmanos de certas regiões como sendo muito perigosos para os cristãos.
"Há uma abundância de pedras preciosas. É uma cidade na qual os mercadores se enriquecem, assim como os navegantes. A população é um misto de raças: tem armênios, nestorianos, jacobitas, geórgios e persas: há homens que adoram a Mafoma (a maioria deles); chamam-se estes taurisinos. A cidade está rodeada de numerosos jardins, cheios de abundantes frutas". (POLO, 2009, p. 61).
Antes de prosseguir para o próximo destino a Pérsia, Marco fala brevemente dos três Reis Magos, Baltazar, Gaspar e Belchior. De fato, muitos estudiosos sugerem que tais homens tenham vindo provavelmente da Pérsia, devido a forma de como se vestiam e os presentes que levaram para o Menino Jesus. Não obstante, a Pérsia também na época de Cristo era conhecida pelos seus "magos". Marco diz que os tais reis partiram da cidade de Sava, hoje Saveh no Irã.
Os oitos reinos da Pérsia
Nos relatos de Marco Polo, é comum ele fazer muito uso dos termos reino e rei, no entanto, como a maior parte de sua jornada se deu em território mongol, logo, os ditos reinos e reis que ele se refere, na realidade se trataria de províncias e seus governadores. O único soberano era Kublai Khan, embora que seus irmãos, sobrinhos e primos detivessem muitos poderes e carregassem o titulo de khan consigo.
Assim, a Pérsia que hoje consiste no Irã, na época compreendia o Ilkhanato do Império Mongol, por sua vez, Marco diz que ela era dividida em "oito reinos", o que seria na realidade oito províncias segundo seu relato.
"Na Pérsia há oito reinos, porque é uma extensa província; o primeiro chama-se Casvin; o segundo, lá para o Meio-Dia, Curdistão; o terceiro, Lor, o quarto, Gulistã; o quinto, Ispaã; o sexto, Serasi; o sétimo, Soncara; o oitavo, Tunocaim". (POLO, 2009, p. 63).
Mapa com a atual divisão das províncias do Irã. Em destaque a localização dos oito "reinos persas" mencionados por Marco Polo. Mapa organizado por mim. |
Marco aponta acerca destes "reinos" a existência da criação de equinos, nesse caso, ele diz que os cavalos e burros criados na região são muito bons e por isso caros, os cavalos são fortes e velozes, e os burros conseguem carregar muito peso e não se cansam fácil. Ele também fala, que tais equinos são vendidos na Índia onde a falta desses animais. Não obstante, ele diz que o povo é malvado, especialmente com os estrangeiros.
"Na cidade há muitos mercadores e artífices que vivem do seu trabalho e do comércio; tecem o brocado de ouro e seda, de toda espécie; há por ali abundância de tudo: milho, aveia, trigo, cevada, alpiste e toda a qualidade de vinhos e de frutas". (POLO, 2009, p. 64).
Continuando sua viagem pela pérsia mongol, Marco faz relatos de mais três localidades importantes, a cidade de Iasdis, o reino de Qirmã e a cidade de Camandi.
Iasdis, Qirmã e Camandi
Marco refere-se a Iasdis (atual Yadz no sudeste do Irã) como sendo uma cidade nobre, devido ao fato de produzir um dos melhores brocados de seda do mundo segundo ele. Tais tecidos são chamados de iasdis. Seu povo é muçulmano, e nos arredores da cidade a belos bosques com muita caça, tendo perdizes, tordos e burros selvagens em abundância. E a sete dias de viagem dali chega-se ao "reino" de Qirmã.
Brocados de seda. Possivelmente bem parecidos com o que Marco viu na época. |
"As mulheres e as meninas bordam com perfeição sobre brocados de seda todas as cores; bordam pássaros, flores e outras coisas. São elas que fazem as gualdrapas para os cavalos dos barões e dos grandes capitães; e tudo feito tão maravilhosamente que dá prazer de admirar. Também confeccionam almofadões, cobertas de cama, coxins, e tudo com invulgar perfeição". (POLO, 2009, p. 65).
Nas montanhas nos arredores da cidade a pássaros de várias espécies, sendo os falcões os mais belos, assim como diz Marco. Deixando Qirmã, cavalgando-se por uma planície, após cerca de dez dias de viagem chega-se a cidade de Camandi (hoje consiste em apenas ruínas, ficando a alguns quilômetros do mar).
Polo diz que Camandi outrora fora uma rica cidade, mas depois que fora conquistada e saqueada pelos mongóis perdera seu brilho e sua prosperidade. Ela fica localizada numa planície desértica na província de Rudbaris, como ele a chama. Lá cultiva-se principalmente tâmaras e maçãs.
No entanto na província cria-se bom gado. Marco diz que os bois são brancos como a neve, grandes e fortes, e possuem uma corcova no lombo. Os carneiros são gordos e bons de comer, além de possuírem uma boa lã. Além disso existe uma espécie de pássaro chamada francolins (são parentes dos faisões e das galinhas, mas são silvestres), os quais existem em grande quantidade pela planície.
Marco também fala que na região há muitas fortalezas e vilas fortificadas para se protegerem de bandos de ladrões que vagam pelo deserto, dentre estes o povo que ele chama de caroana (ainda não se sabe com certeza que povo seria esse). Além dos caroanas, a outros inimigos que vem do leste e do norte. Marco ainda fala acerca de Nogodar, o qual era um neto de Tchagatai um dos filhos de Gengis Khan, no entanto ele mistura fatos históricos acerca das duas personagens, construindo um relato deturpado da história. Nesse caso, não farei menção a isso, já que Nogodar não chegou a invadir a Índia como Marco menciona em seu relato.
Ormuz e Cobina
Ainda continuando com sua jornada pela pérsia mongol, os Polo se dirigiram para a província de Ormuz na orla do Golfo Pérsico, a capital da província também chama-se Ormuz e fica localizada numa ilha do mesmo nome. A província é descrita como sendo muito verde devido aos rios que por lá correm, havendo abundância de palmeiras e vários tipos de pássaros. Já a capital consiste num importante porto comercial, de onde seguem mercadorias para a Índia, Egito e outras cidades-estados da costa oriental africana. Tal fato é bem verdadeiro, já que os portugueses, ingleses e franceses no século XVI disputaram o controle dessa região.
Mapa com a localização da Ilha de Ormuz no Golfo Pérsico a beira do Golfo de Omã. |
Marco diz que o "rei" dessa província chamava-se Ruomedã Acomat (na realidade seu nome era Roukneddin Mahmout, o qual governou Ormuz de 1243 a 1277. Possivelmente a variação do nome consista num erro de tradução). Embora fosse um "rei" rico, tal riqueza advinha do comércio, já que a terra em geral era muito seca e árida e mesmo com os rios que ali existiam não era bom para a agricultura.
A população é negra e muçulmana, comem muito peixe e bebem um vinho feito de tâmaras, e comem um pão feito de outros cereais, embora cultivem o trigo, mas o mesmo é de péssima qualidade. Segundo Marco, eles não comem carne vermelha e pão de trigo por que passariam mal. Durante o verão, a temperatura é tão quente, que parte da população deixa a cidade e se muda para suas casas no campo ou para a casa de parentes.
Quando os Polo chegaram a Ormuz ele haviam cogitado seguir viagem até a China através do mar que seria bem mais rápido, porém não se sabe ao certo porque desistiram dessa possibilidade. Segundo Marco, os navios de Ormuz eram muito mau fabricados, e péssimos para longas viagens, e havia muitos piratas nos mares das Índias. Tudo isso se mostrou muito arriscado para seguirem por essa via, no entanto em sua jornada de regresso eles vieram por mar.
Deixando Ormuz eles retornaram para Qirmã de onde seguiram por sete dias em meio a paisagens desoladoras. Na realidade eles cruzaram parte do deserto, daí Marco dizer que não havia água e nenhum povoado por perto. Depois desses sete dias eles chegaram a cidade de Cobina.
"Cobina é uma grande cidade; os seus habitantes adoram Maomé. Há nela ferro e aço, em grande quantidade; fabricam-se ali grandes espelhos de metal; é em Cobina que se faz a atutia, um medicamento muito bom para os olhos; vou dizer-vos como ele é feito: pegam em terra com cobre e calamina, que serve para fazer o latão; põem-na num forno muito quente e sobre este uma vasilha de ferro. A umidade que adere à vasilha forma a tal substância chamada atutia e o que fica da terra no fogo chama-se a espódia, com a qual se faz o latão". (POLO, 2009, p. 72).
A atutia seria um composto feito a partir de resíduos do derretimento de metais, se desconhece sua real eficácia. Deixando Cobina, os Polos seguiram para noroeste em direção a província de Timocain.
A Árvore Seca e a Ordem dos Assassinos
Em Timocaim ainda na Pérsia, Marco se prende a fazer dois relatos principais, primeiro ele fala acerca da lenda da Árvore Só ou Árvore Seca e da Ordem dos Assassinos que existia na região.
"Ao fim das oito jornadas, encontramos uma província chamada Timocain. Há, nesta província, muitos castelos e cidades; confina ela com a Pérsia pelo lado do Poente, e logo após fica uma vastíssima planície onde cresce a Árvore Só, que os cristãos chamam de Árvores Seca". (POLO, 2009, p. 79).
Como bom cristão, Marco Polo ao longo de seu livro procurará embasar de forma "verídica" supostas lendas cristãs acerca do continente asiático, e a primeira delas diz respeito a Árvore Seca-Árvore Só, nesse caso, tal etimologia tem duas linhas de interpretação.
Primeiro, os povos daquela região referem-se a Árvore Só como sendo um marco entre os limites do mundo conhecido pelo ocidente e o mundo desconhecido para os ocidentais, assim o que fica além dessa árvore é desconhecido, estranho, exótico, misterioso. Nesse caso, a China e a Índia os quais ficam além dessa "fronteira" estabelecida, encaixam-se nessa ideia do que existe no extremo oriente.
No caso da Árvore Seca, essa tem uma questão mais voltada para o cristianismo. Os cristãos identificavam tal árvore como o limite entre o mundo civilizado e conhecido e o mundo desconhecido, selvagem, bárbaro e pagão. E segundo a tradição dessas antigas lendas, quando Cristo retornasse a Terra, tal árvore ficaria verde, significando que os pecados dos homens que secaram a árvore, seriam perdoados e uma nova era cristã começaria.
Marco não chega a dizer com clareza onde fica a tal árvore, mas por suas indicações ela ficaria em uma região desértica entre as fronteiras dos atuais territórios do Irã e do Afeganistão. Porém, alguns historiadores apontam que tal árvore seja um plátano, comum nessa região e o próprio Marco afirma nisso em seu relato.
Uma variedade de plátano durante o inverno. |
"No centro do jardim havia uma fonte, com muitas bicas de onde jorravam o vinho, o leite, o mel e ainda a água. Havia nesse jardim as donzelas mais belas do mundo; estas sabiam tocar todos os instrumentos e cantavam como os anjos, e o Velho fazia acreditar aos seus súditos que aquele reino era o paraíso". (POLO, 2009, p. 74).
A Ordem dos Assassinos fora fundada em 1090 por Hassan Sabbah (1034-1124), no castelo de Alamut em Qazvin no atual Irã. Porém um ramo dessa seita se estabeleceu na Síria, onde fora combatida pelos cruzados. Seu líder se autodenominava Cheike el Djebel que significa, "Velho da Montanha". Aqui fica claro que Marco misturou lendas com fatos históricos para falar acerca dessa história. O castelo fora destruído em 1256 pelos exércitos de Hulagu Khan quando o mesmo conquistou a Pérsia.
Ruínas do Castelo de Alamut, sede da Ordem dos Assassinos, Irã. |
Bactriana
Deixando a Pérsia, os Polo adentraram a região antigamente chamada de Bactriana que hoje corresponde a parte norte do atual Afeganistão, seguindo por uma das estradas da Rota da Seda. Tal região ainda fazia parte do Ilkhanato, próximo a fronteira com o Canato de Djagatai, outra das grandes regiões em que estava dividido o Império Mongol.
A primeira parada deles se da na cidade de Sopurga (atual Shebergan), a qual tinha como principal produto de comércio a produção de melões, os melhores do mundo de acordo com Marco Polo. E tais melões era exportados para toda a região em volta. De Sopurga eles seguiram para Balachai (hoje Balkh, também chamada antigamente Bactres, capital da Bactriana).
"Balachai é uma grande e nobre cidade. Na antiguidade foi mais próspera; mas as invasões dos tártaros e doutros povos deitaram-na perder. Noutros tempos tinha magníficos palácios e casas de mármores, mas estas foram destruídas". (POLO, 2009, p. 78).
Marco diz que fora nessa cidade que Alexandre, o Grande se casou com uma das filhas de Dario III, Estátira. Entretanto, Plutarco aponta que Alexandre tenha se casado com Estátira em Susa, hoje no Irã. Talvez, Marco tenha confundido a história. Estátira fora a segunda esposa de Alexandre, a primeira fora Roxana, a qual de fato vivia na Bactriana.
Partindo de Balachai eles passaram por Dogã (hoje Decã no Indostão), Taichã (hoje Taloqan) e Escassem (atual Ishkashem no Badakhsan), até chegarem a província da Balastia (atual província de Badakhsan).
Marco fala que essas terras são muito frias, lodosas e alagadas, logo fica difícil se movimentar com carroças. Ele fala que o povo de lá cria grandes mastins (raça de cachorro), e que durante o inverno usam um carro sem rodas, nesse caso, trenós.
Deixando a Pérsia, os Polo adentraram a região antigamente chamada de Bactriana que hoje corresponde a parte norte do atual Afeganistão, seguindo por uma das estradas da Rota da Seda. Tal região ainda fazia parte do Ilkhanato, próximo a fronteira com o Canato de Djagatai, outra das grandes regiões em que estava dividido o Império Mongol.
A primeira parada deles se da na cidade de Sopurga (atual Shebergan), a qual tinha como principal produto de comércio a produção de melões, os melhores do mundo de acordo com Marco Polo. E tais melões era exportados para toda a região em volta. De Sopurga eles seguiram para Balachai (hoje Balkh, também chamada antigamente Bactres, capital da Bactriana).
"Balachai é uma grande e nobre cidade. Na antiguidade foi mais próspera; mas as invasões dos tártaros e doutros povos deitaram-na perder. Noutros tempos tinha magníficos palácios e casas de mármores, mas estas foram destruídas". (POLO, 2009, p. 78).
Marco diz que fora nessa cidade que Alexandre, o Grande se casou com uma das filhas de Dario III, Estátira. Entretanto, Plutarco aponta que Alexandre tenha se casado com Estátira em Susa, hoje no Irã. Talvez, Marco tenha confundido a história. Estátira fora a segunda esposa de Alexandre, a primeira fora Roxana, a qual de fato vivia na Bactriana.
Partindo de Balachai eles passaram por Dogã (hoje Decã no Indostão), Taichã (hoje Taloqan) e Escassem (atual Ishkashem no Badakhsan), até chegarem a província da Balastia (atual província de Badakhsan).
Marco fala que essas terras são muito frias, lodosas e alagadas, logo fica difícil se movimentar com carroças. Ele fala que o povo de lá cria grandes mastins (raça de cachorro), e que durante o inverno usam um carro sem rodas, nesse caso, trenós.
"Os homens que vivem nestas planícies e vales são grandes caçadores. Caçam animais de grande preço, de que tiram grande proveito, e que são: zibelinas, arminhos, martas e outros, que lhes fornecem peles preciosas de grande estimação e valor". (POLO, 2009, p. 274).
A província da escuridão
Continuando sua descrição do norte asiático, Marco fala de uma terra sombria, onde a escuridão prevalece a maior parte do ano. Tal região corresponde a Sibéria na Rússia. Grande parte da Sibéria nessa época ainda era desconhecida, os mongóis haviam adentrado pouco em suas terras, logo o que havia além do que era conhecido, tornou-se lendário.
Ele diz que a população dali não possui Estado ou leis, e vivem como selvagens naquele clima frio, desolador e cercado por feras. Ele também fala que os mongóis vão ali de vez em quando para caçar, já que na primavera e verão se encontram muitas zibelinas, raposas negras, martas e arminhos.
Ele conta que o povo dali, embora selvagem, são altos e brancos, sendo grandes caçadores, não apenas por serem exímio no que fazem, mas por sobreviverem ao frio e as feras. A Sibéria é uma das regiões mais frias do mundo, chegando no inverno em alguns locais a alcançar temperaturas de -40 C.
A região da Sibéria na Rússia. Marco Polo chama esse lugar de "terra da escuridão".
Província da Rossia
Sobre a Rossia, a qual corresponde a Rússia, Marco diz que ela fica a oeste das "terras da escuridão", nesse caso, os Montes Urais são um marco entre o território da Sibéria e o restante da Rússia, como se pode ver no mapa anterior.
"A Rossia é uma grande província do Norte. Os seus habitantes são cristãos e observam a lei dos gregos. Têm vários reis e idiomas próprios. É gente muito simples; são formosos os homens e belas as mulheres, brancas e loiras. Têm desfiladeiros estreitos e fortificados. Não pagam tributo a ninguém, a não ser um rei tártaro do Poente que se chama Toctai". (POLO, 2009, p. 275).
De fato, apenas o sul da Rússia fora conquistado, as cidades mais ao norte chegaram a ser atacadas como o caso de Moscovo (atual Moscou), mas devido ao clima e a região, os mongóis desistiram de prosseguir adiante, porém algumas dessas cidades se tornaram tributárias do império mongol, e assim permaneceram mesmo após o fim do império, ainda dependentes da Horda de Ouro até o século XVI. A Rússia nessa época não era uma nação unificada, mas sim um conjunto de principados. O Toctai que Marco cita fora Toktagha, soberano da Horda de Ouro de 1290 a 1312.
Marco diz que nessa terra se produz as mais belas e preciosas peles do mundo e existem muitas minas de prata. As cidades dali fazem comércio através do Mar Negro e do Mar Cáspio, especialmente comercializando peles de animais e outros produtos minerais e naturais, em troca compram o que faltam.
"Ouvistes todos os feitos dos tártaros e dos sarracenos, dos seus costumes e dos de outros países do mundo, tudo quando deles se pode dizer e saber. E se Misser Nicolau Polo, seu irmão Mafeu e eu, Marco Polo, não tivéssemos sido encarregados pelo Gra-Cã de escoltar a bela princesa Cogatim, não teríamos podido contar as coisas maravilhosas que vimos. Mas tal fora a vontade de Deus. E jamais a homem cristão, tártaro ou pagão foi dado ver o que Misser Marco, filho do nobre Nicolau Polo de Veneza, viu pelo mundo. DEO, GRATIAS. AMEN. AMEN. AMEN".
Rusticiano de Pisa
NOTA: Marco faleceu em 1323 aos 69 anos, deixando esposa e três filhas. Morreu como um rico comerciante de Veneza.
NOTA 2: Embora ele mencione uma variedade de cidades, províncias, regiões etc., é provável que ele tenha conhecido muito mais do que é citado aqui.
NOTA 3: Marco em suas viagens percorreu os territórios de pelo menos 19 países, sendo estes atualmente: Turquia, Síria, Armênia, Geórgia, Iraque, Irã, Afeganistão, Paquistão, China, Mongólia, Myanmar, Vietnã, Tailândia, Malásia, Cingapura, Indonésia, Sri Lanka, Índia e Omã.
NOTA 4: Ele cita também cidades e lugares de outros países que não visitou como: Uzbequistão, Japão, Iêmen, Somália, Tanzânia, Etiópia, Rússia e Ucrânia.
NOTA 5: Aconselho a quem tiver interesse a respeito das viagens de Marco Polo, lerem o livro integralmente, já que tive que omitir algumas partes onde ele descreve costumes e hábitos de alguns povos, principalmente dos chineses, devido a vastidão de assuntos abordados.
NOTA 6: Rusticiano também pode ser grafado como Rustichello. Possivelmente o mesmo tenha conhecido Marco Polo em 1298, quando ambos foram feitos prisioneiros pelos genoveses. Além de ter escrito o Livro das Maravilhas, Rusticiano também escreveu alguns contos sobre o Rei Arthur.
NOTA 7: Nas versões mais antigas do livro, o nome de Kublai é escrito como Koubilai, Cublai, Cubilai. Assim como o título Khan pode ser visto escrito como: Can, Kan ou Cão.
NOTA 8: Marco Polo é uma série original da Netflix, lançada em dezembro de 2014. A trama mistura acontecimentos históricos com ficção, com a proposta de contar como foi os primeiros anos de Marco a serviço de Kublai Khan.
NOTA 6: Rusticiano também pode ser grafado como Rustichello. Possivelmente o mesmo tenha conhecido Marco Polo em 1298, quando ambos foram feitos prisioneiros pelos genoveses. Além de ter escrito o Livro das Maravilhas, Rusticiano também escreveu alguns contos sobre o Rei Arthur.
NOTA 7: Nas versões mais antigas do livro, o nome de Kublai é escrito como Koubilai, Cublai, Cubilai. Assim como o título Khan pode ser visto escrito como: Can, Kan ou Cão.
NOTA 8: Marco Polo é uma série original da Netflix, lançada em dezembro de 2014. A trama mistura acontecimentos históricos com ficção, com a proposta de contar como foi os primeiros anos de Marco a serviço de Kublai Khan.
Referências Bibliográficas:
POLO, Marco. O livro das maravilhas: a descrição do mundo. Tradução de Elói Braga Júnior, Porto Alegre, L&PM, 2009.
CONRAD, Phillipe. As civilizações das Estepes.
Rio de Janeiro, Editions Ferni, 1976. (Coleção: Grandes Civilizações
Desaparecidas).
WELLS, H. G. História Universal, vol.
3. São Paulo, Editora Egéria S. A, 1966. (Capitulo XXXII: O grande império de
Genghis Cã e seus sucessores).
Grande Enciclopédia Larousse Cultural, v. 18, São Paulo, Nova Cultural, 1998.
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Legal, ótimo trabalho.
ResponderExcluirQue bom que gostou. Foi trabalhoso escrever esse texto, demorei mais de um mês apenas para preparar os mapas, pois tive que consultar vários mapas para saber localizar as cidades e regiões atuais pelos seus nomes antigos.
ExcluirExcelente texto, muito bem elaborado. Duas observações: Os manuscritos que contém o livro de Marco Polo são cerca 130; o título italiano ¨Milione ¨não exatamente se refere às muitas riquezas de Marco Polo, mas é uma aférese do nome Ëmilione¨ que era o apelido da família de Marco para diferenciá-los de uma outra famíla com o mesmo sobrenome, o apelido é anterior à viagem de Matteo, Nicollo e Marco Polo.
ResponderExcluirAgradeço pelo comentário. Irei atualizar o texto com tais dados.
ResponderExcluirÓtimo texto parabens 👏🏻👏🏻👏🏻
ResponderExcluirObrigado, Unknown.
ResponderExcluirParabens otimo texto
ResponderExcluirSuper interessante. Parabéns!
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