quarta-feira, 9 de maio de 2012

As viagens de Marco Polo

"E jamais a homem algum, cristão, tártaro ou pagão, foi dado ver o que Misser Marco Polo, filho do nobre Nicolau Polo de Veneza, pôde ver pelo mundo..."
Rusticiano de Pisa


Ásia medieval, século XIII, 1272 do ano do Senhor. Partindo da cidade de São João do Acre, na época na Terra Santa, hoje Síria, três venezianos acompanhados por dois monges, transportando uma carga valiosa, óleo do Santo Sepulcro de Jerusalém, iniciavam uma longa viagem que os levaria através da Ásia dominada pelas dinastias mongóis herdeiras do grande Gengis Khan, outrora Senhor da Ásia. Os cinco viajantes partiram rumo a longínqua China, incumbidos de levar a palavra do cristianismo, assim como, solicitada pelo imperador mongol Kublai Khan, o Senhor do Oriente. 

No caminho, devido a ameaças de guerras, os monges acabaram desistindo da viagem, no entanto os Polo continuaram a seguir em frente e devido a algumas paradas e desvios, três anos e meio depois, eles chegaram a China, o coração do império de Kublai. Lá os três passaram a servir ao imperador por 16 anos até que retornaram para casa em 1295. Nesses 26 anos que Marco Polo viveu na Ásia, ele deixou um relato surpreendente de suas viagens e do que viu e ouviu falar, tais relatos foram narrados a Rusticiano, o qual os compilou no que veio a ser o Livro das Maravilhas: a descrição do mundo, escrito por Rusticiano de Pisa, narrado e vivido por Marco Polo. 


Mosaico retratando Marco Polo.
Aqui nesse texto vos contarei o que li a respeito dos relatos de Marco Polo acerca de suas viagens e serviços prestados a Kublai Khan, e como a sua descrição da Ásia, fora fundamental para o desenvolvimento da geografia como um estudo mais sério e crítico acerca do misticismo que rondava o mundo. O que contarei aqui talvez surpreenda alguns... seus relatos vão muito mais além do que a menção de lendas ou monstros, ele trouxe a Europa a realidade de povos antes nunca vistos, de locais antes nunca imaginados, de uma riqueza cultural desconhecida para o Ocidente. 

Essa postagem consiste numa continuação do projeto inciado em Quem foi Marco Polo? Nesse primeiro texto foquei mas a questão pessoal da vida de Marco, e da jornada de seu pai e tio, e o contexto da viagem da época. Sendo assim, aqueles que não estão familiarizados com a pessoa de Marco Polo, recomendo ler a primeira postagem antes de prosseguir, para que possam entender os motivos que levaram os três a viajarem até a China e o contexto histórico da Ásia nessa época. 

Os mapas que indicam as cidades, províncias e regiões visitadas ou mencionadas por Marco Polo fora editados por mim, com base nas notas trazidas no exemplar do livro que possuo e numa ampla pesquisa geográfica para se descobrir a localização desses locais atualmente e seus correspondentes, logo parte da demora de se postar esse trabalho deu-se devido ao trabalho geográfico que tive que fazer. 

O LIVRO

O Livro das Maravilhas: a descrição do mundo, nome dado por Rusticiano de Pisa a obra a qual copilou, consiste nos relatos narrados por Marco Polo, enquanto os dois se encontravam em uma prisão em Gênova. Quando os Polo retornaram em 1295 para Veneza, uma pequena guerra eclodia entre Veneza e Gênova, rivais de longa data. Marco posteriormente pegou parte de sua riqueza que trouxera da China e contratou mercenários para participar da batalha, ele acabou sendo capturado e jogado na prisão por volta de 1296. Não se sabe ao certo quantos anos ele permaneceu preso, mas fontes apontam que provavelmente ele tenha deixado a prisão em 1299 ou 1300. Nesse tempo ele conheceu este misterioso escritor que pouco se sabe de suas origens, o qual se interessou pelas histórias de Marco e decidiu escrevê-las.

No entanto, embora Rusticiano tenha escrito o livro e o concluído em 1298, como ele aponta, análises recentes, indicam que os últimos capítulos tenham sido escritos por Marco Polo, devido ao fato de fazer menção a alguns acontecimentos que ocorreram na época que ele estava preso, tudo indica que ele tomou conhecimento desses fatos e inseriu em seu livro, que embora tenha sido escrito por Rusticiano, as referências bibliográficas apontam Marco como seu autor.  

Quando Marco deixou a prisão, voltou para Veneza e publicou sua obra, ela se tornou bem popular na época e ganhou o epiteto de Il Milione ("O milhão") devido as grandes quantidades numéricas citadas por Marco ao longo de sua obra. Quando o mesmo dissera que na China havia cidades com um milhão de habitantes, as pessoas achavam aquilo ridículo e mentiroso, como poderia haver uma cidade com um milhão de pessoas? 

As cidades europeias daquela época mau chegavam aos 30 mil habitantes, Roma que na Antiguidade chegou a ter um milhão de pessoas, no começo do século XVI possuía muito mal 50 mil habitantes. A própria Constantinopla possuía uma população em torno de 300 mil habitantes. Hoje sabemos que na China daquela época já havia de fato cidades desse tamanho, mas para a mentalidade da época isso era algo um tanto improvável, daí Marco Polo ter sido chamado de mentiroso por alguns. 

De qualquer forma, seu livro verdadeiro ou mentiroso se tornou bem popular e até hoje é reeditado. No entanto, ao longo desses séculos várias versões surgiram e algumas chegaram a distorcer partes da história. O livro original é dividido em três partes: Livro primeiro, Livro segundo e o Livro da Índia, cada um desses "livros" é composto por centenas de pequenos capítulos. 

No entanto, alguns editores e outras pessoas se valeram da fama do livro de Polo e o manipularam. Oficialmente são reconhecidos 140 manuscritos do original, já que na época a prensa não existia na Europa, porém após a sua criação no século XV, uma profusão de edições do livro surgiram pela Europa, e algumas possuíam capítulos ou trechos a mais ou a menos. Outro problema também, fora a questão da tradução dos nomes asiáticos, que em algumas edições ficaram bem estranhos e quase irreconhecíveis. E o próprio título do livro sofreu alterações ao longo da história. Curiosamente muitos preferiram chamar o livro de As Viagens de Marco Polo ou algo do tipo. 

Atualmente, apenas as edições em língua inglesa, francesa, italiana e portuguesa são as mais amplas, detalhadas e fiéis aos manuscritos mais antigos conhecidos já que os mesmos são cópias de cópias.

A JORNADA PARA CHINA

"Senhores, Imperadores, Reis, Duques e Marqueses, Condes, Fidalgos e burgueses, e todos vós que desejais conhecer as diferentes raças e variedades das diversas regiões do globo, tomai este livro e mandai que vo-lo leiam; e nele encontrarei todas as imensas maravilhas e curiosidades da nobre Armênia e da Pérsia, dos tártaros e da Índia e diversas outras províncias da Ásia Menor e de uma parte da Europa, desde o momento que se parte na direção do Vento Grego, do Levante e do Tramontano; assim as descreverá nosso livro e vo-las explicará, clara e ordenadamente, como as conta Misser Marco Polo, sábio e nobre cidadão de Veneza, tal como as viram seus olhos mortais". (POLO, 2009, p. 35).

A partida

Como fora dito inicialmente, os Polo deixaram São João do Acre em 1272 acompanhados de dois monges indicados pelo papa Gregório X em resposta ao pedido de Kublai Khan (1215-1294), o qual havia solicitado o envio de cem doutores da Igreja e de óleo do Santo Sepulcro. No entanto o papa só nomeou dois monges para essa missão, Nicolau de Vicenza e Guilherme de Trípoli. Nicolau (ou Nicola, ou também Nicollò) e Maffeo, decidiram não discordar do papa e esperar mais tempo. Desde 1269 aguardavam esse dia para partirem novamente. 

Assim os cinco deixaram Acre e seguiram viagem em direção a Laias, localizada na Armênia Menor (compreendia na época a região da Cilícia, hoje compreendendo parte sul do atual território da Turquia. No entanto o território variou de tamanho ao longo de sua existência de quase três séculos). A Armênia  Menor e a Armênia Maior eram reinos cristãos ortodoxos nas fronterias com os reinos muçulmanos e os domínios mongóis, onde na maioria viviam muçulmanos. Não obstante, a escolha de irem para a Armênia Menor, dava-se primeiro pelo fato de estarem em um Estado cristão e neutro em relação as alianças italianas, já que Constantinopla, o baluarte da cristandade, estava sob o controle dos genoveses, inimigos dos venezianos. 


Ao centro a Armênia Menor, em volta o Império Bizantino, o Sultanato de Roma e outro pequenos reinos em 1200. 
"Em verdade, há duas Armênias: a Maior e a Menor. Da Menor é rei um soberano tributário do Tártaro. A região é rica em vilas e castelos, e abundante a todos os respeitos, produz grande quantidade de caça, de outros animais e pássaros, mas é uma província pouco saudável. Antigamente, os homens eram galhardos e valentes capitães; agora são raquíticos e vis, não tendo mais qualidade a de serem grandes bebedores". (POLO, 2009, p. 51).

Laias eram uma pequena cidade portuária comercial da Pequena Armênia, de lá eles seguiram viagem para o pequeno reino chamado de Turcomânia.  

Os turcos são um povo originário das estepes mongóis, logo se espalharam pela Ásia Central antes da chegada dos mongóis em si, se misturando aos povos que ali existiam, daí, existirem vários locais referente a "terra dos turcos". Não obstante, o termo tártaro era utilizado na época para se referir erroneamente aos mongóis, na realidade tártaro era um nome de uma tribo mongol em si, mas passou a servir como gentílico para se referir ao povo em si. O grande Tártaro era uma referência ao imperador Kublai ou algum de seus governantes. 

Turcomânia

Hoje a Turcomânia refere-se ao Turcomenistão ou Turquemenistão, um pequeno país que faz fronteira como Afeganistão, Irã, Uzbequistão e Cazaquistão, mas na época de Marco, a Turcomânia compreendia a porção oriental da atual Turquia. 

"Na Turcomânia há três espécies de habitantes, que são: os turcos, que rezam a Maomé e observam a sua lei. Muito simples e de linguagem rude, vivem nas planícies onde sabem existir em abundância de pastagem, visto que se dedicam ao pastoreio. Criam espécies cavalares de grande corpulência. O resto da população compõe-se de armênios e gregos, com eles misturados em vilas e castelos. Vivem do comércio e da arte, pois sabei que fabricam os mais belos tapetes, superiores aos do resto do mundo". (POLO, 2009, p. 51).

Deixando a Turcomânia ele atravessaram o pequeno país para leste em direção a Armênia Maior que equivale a atual Armênia de hoje, parte do leste da Turquia oriental, e parte do norte do atual Iraque e Irã. 

Armênia Maior

"A Armênia Maior é uma província muito extensa: principia numa cidade chamada Arzigã, na qual se fabricam os melhores "bogarães". Também ali vi as mais belas facas que existem no mundo. Tem minas de prata riquíssimas. Os habitantes são armênios e súditos dos tártaros. Cidades e castelos abundam, sendo Arzigã a mais nobre, porque tem um arcebispo. As outras são Argiram e Darizim. É uma província muito rica". (POLO, 2009, p. 52).

Acerca da Armênia Maior, Marco também fala que a região possui abundantes e bons pastos, os quais os mongóis utilizavam para criar seus cavalos, cabras, ovelhas e bois, durante o verão e a primavera. A partir do outono a região fica mais fria, então eles seguem para sudeste. 

Na Armênia Maior se localizava o Monte Ararat, hoje em território turco. O monte de acordo com a Bíblia fora o local onde a Arca de Noé atracou. Pelo fato de ter sido um cristão, ele faz muitas referências e menções ao cristianismo, e ao mesmo tempo falará mau as vezes do islamismo e do paganismo. 

Na fronteira da Armênia Maior com a Geórgia, um pequeno reino cristão ortodoxo ao norte, Marco fala a respeito de uma curiosa substância preta que brotava da terra, era o petróleo. 


A Armênia Maior no século XIII. Em laranja o atual território armênico.
"Na zona limítrofe da Geórgia existe uma grande fonte de que sai um licor que é semelhante ao óleo, em tal abundância que podem carregar-se cem navios de uma só vez; mas não é proveitoso para beber e sim para queimar, e serve para untar os camelos, protegendo-os de urticárias e furúnculos; os homens vêm de muito longe recolher este óleo, e em toda a comarca não se queima senão esta substância". (POLO, 2009, p. 52).

O petróleo na época além de servir para substituir a lenha para acender fogueiras, fornalhas, archotes, etc., e além de servir para as utilidades especificadas por Marco, ele também servia para fazer betume, o qual também era chamado de alcatrão, asfalto e outros nomes. O betume pode ser encontrado naturalmente em alguns poços ou pode ser feito a partir da destilação do petróleo bruto. Nesse caso ele poderia ser utilizado como forma de "cola" e isolante. Noé utilizou betume para isolar a sua arca. 

Geórgia

A respeito da Geórgia, inicialmente Marco conta um breve relato sobre um tal rei chamado Davi Nelic, o qual corresponde ao rei Davi V, o qual governou entre (1243-1272). Esse rei Davi, de acordo com Polo se comparava ao rei Davi biblico, no entanto um fato curioso é que, segundo Polo, houveram vários reis da Geórgia chamados de Davi, os quais nasciam com uma marca de nascença parecida com uma águia, e um dos reis da Antiguidade confrontou os exércitos de Alexandre, o Grande, e conseguiu impedir que suas tropas conquistassem seu reino, porquê ordenou a construção de uma muralha em um desfiladeiro o qual era a principal rota de acesso vinda do sul para o noroeste. Tal muralha é chamada por Polo de Ponta de Ferro e hoje fica em território russo na cordilheira do Cáucaso. De fato, Alexandre chegou a visitar a região montanhosa.  

Deixando esses relatos sobre Davi V e Alexandre, Marco volta a descrever a região. Esse pequeno reino era tributário do império mongol, porém preservavam seus costumes, religião e leis. Ele disse que os homens dessa região eram bons guerreiros, e vestiam-se como os cristãos da Europa. Produziam rico e belos tecidos, além de comercializarem peles de animais vindas da Rússia e Ucrânia e seda. Ele também diz que a paisagem é muito bela, devido as montanhas que a cercam. Marco, também faz menção ao mosteiro de São Leonardo.

Provavelmente, os Polos não chegaram a adentrar mais na Geórgia, mas ficaram limitados a fronteira com a Armênia Maior. No entanto, alguns historiadores sugerem que eles foram além das fronteiras, pelo fato de que possivelmente seu pai e tio cogitassem seguir viagem até a corte de Baku Khan antigo soberano mongol da Horda de Ouro, a quem a Geórgia era tributária direta. Baku no passado abrigou Nicolau e Maffeo em sua corte e lhes deu presentes e direito de trabalharem em suas terras como comerciantes. Porém, tal possibilidade não fora levada a frente, e eles voltaram a seguir viagem para o sudeste. 

O reino de Mossul

Mossul fora um grande reino por qual os Polos atravessaram em direção a Bagdá mais ao sul. Embora Mossul fosse um reino no passado, nessa época ele consistia em território do Ilkhanato, uma das grandes regiões que compreendiam os domínios do Império Mongol. No primeiro mapa exibido aqui, pode-se ver a localização desse reino. Sobre o mesmo Marco fala brevemente. Atualmente, Mossul se encontra no território do Iraque. 

Ele diz que grande parte da população é árabe e muçulmana, embora haja turcos, mongóis, curdos e outros povos por ali. Os poucos cristãos que ali viviam eram de vertente nestoriana e jacobita. Tais cristãos viviam independentes da Igreja de Roma, possuindo seu próprio patriarca. Nas montanhas a norte habitavam os curdos, os quais eles se refere como um povo pastoreiro, seminômade, muçulmanos, e hábeis na guerra e perigosos.

Não obstante, ele diz que o reino produz ricos tecidos em seda e fio de ouro, chamados de musselinas, os quais são bem finos e chegam a serem transparentes. 

Bagdá

Assim como Mossul, Bagdá se encontrava em território mongol, sob a juridição de Abaca Khan (1234-1282), bisneto de Gengis Khan, na época senhor do Ilkhanato. Abaca era filho de Hulagu Khan (1217-1265) e sobrinho de Kublai Khan. 

Antes de descrever a respeito de Bagdá, Marco fala um pouco acerca da guerra travada por Hulagu Khan para se conquistar essa região. Como eu havia dito anteriormente, não me prenderei a relatar a descrição que Marco dá ao conflito, já que a mesma e alguns pontos possui imprecisões históricas, mas de qualquer forma, em 1258, Hulagu o qual detinha grande poder e autoridade por essa região, era budista e sua esposa uma cristã nestoriana, nesse caso o mesmo estava interessado em expandir seus domínios sobre a Síria, o Reino de Jerusalém e seguir para a Turcomânia e o Egito na África. Sua esposa pediu que o marido evitasse massacrar os cristãos e ao invés disso sugerisse que os mesmos se tornassem seus aliados, assim Hulagu fizera e em 1258, seus exércitos citiaram Bagdá, a cidade fora invadida, pilhada e incendiada. Milhares de pessoas foram mortas. 


Pintura persa retratando o ataque de Hulagu Khan à Bagdá, em 1258.
Tal episódio é reforçado pelo relato de Marco Polo, quando o mesmo conta no restante da parte II, que antes de Hulagu atacar Bagdá, um tal califa Abássida o qual Marco não revela a sua identidade, é descrito por ele como tendo sido um homem bem cruel contra os cristãos. Ele disse que isso aconteceu em 1255, nessa época o califa reinante era Al-Musta'sim. Não se tem certeza da veracidade da história contada por Polo, de qualquer forma, tal relato consiste em histórias que ele ouviu por meio de segundos e terceiros, e provavelmente, ele aproveitou tal fato para justificar a conquista de Bagdá pelos mongóis, como um ato de vingança ou justiça.

Tauris

Deixando a cidade de Bagdá a qual nessa época havia perdido o brilho e prosperidade visto durante o domínio do Califado Abássida (632-1258), eles seguem para a cidade de Tauris que fica próximo a Bagdá, perto das montanhas, numa região que ele se refere de Yrac.

Tauris é descrita como sendo uma cidade mais importante e próspera do que Bagdá nessa época, estando entre importantes rotas de comércio, entre o Mossul e a Índia. No entanto, Marco diz que os sarracenos (sinônimo para mouro e árabe), eram desleais, malvados e perigosos. Como eu havia dito, será recorrente, Polo remeter-se aos muçulmanos de certas regiões como sendo muito perigosos para os cristãos. 

"Há uma abundância de pedras preciosas. É uma cidade na qual os mercadores se enriquecem, assim como os navegantes. A população é um misto de raças: tem armênios, nestorianos, jacobitas, geórgios e persas: há homens que adoram a Mafoma (a maioria deles); chamam-se estes taurisinos. A cidade está rodeada de numerosos jardins, cheios de abundantes frutas". (POLO, 2009, p. 61). 

Antes de prosseguir para o próximo destino a Pérsia, Marco fala brevemente dos três Reis Magos, Baltazar, Gaspar e Belchior. De fato, muitos estudiosos sugerem que tais homens tenham vindo provavelmente da Pérsia, devido a forma de como se vestiam e os presentes que levaram para o Menino Jesus. Não obstante, a Pérsia também na época de Cristo era conhecida pelos seus "magos". Marco diz que os tais reis partiram da cidade de Sava, hoje Saveh no Irã. 

Os oitos reinos da Pérsia

Nos relatos de Marco Polo, é comum ele fazer muito uso dos termos reino e rei, no entanto, como a maior parte de sua jornada se deu em território mongol, logo, os ditos reinos e reis que ele se refere, na realidade se trataria de províncias e seus governadores. O único soberano era Kublai Khan, embora que seus irmãos, sobrinhos e primos detivessem muitos poderes e carregassem o titulo de khan consigo. 

Assim, a Pérsia que hoje consiste no Irã, na época compreendia o Ilkhanato do Império Mongol, por sua vez, Marco diz que ela era dividida em "oito reinos", o que seria na realidade oito províncias segundo seu relato. 

"Na Pérsia há oito reinos, porque é uma extensa província; o primeiro chama-se Casvin; o segundo, lá para o Meio-Dia, Curdistão; o terceiro, Lor, o quarto, Gulistã; o quinto, Ispaã; o sexto, Serasi; o sétimo, Soncara; o oitavo, Tunocaim". (POLO, 2009, p. 63).


Mapa com a atual divisão das províncias do Irã. Em destaque a localização dos oito "reinos persas" mencionados por Marco Polo. Mapa organizado por mim. 
Todos esses "reinos" compreendiam pequenas províncias da região, hoje correspondem a províncias e cidades no caso de Serasi, Gulistã, Soncara e Tunocaim no atual Irã, embora que alguns destes tenham mudado de nome.

Marco aponta acerca destes "reinos" a existência da criação de equinos, nesse caso, ele diz que os cavalos e burros criados na região são muito bons e por isso caros, os cavalos são fortes e velozes, e os burros conseguem carregar muito peso e não se cansam fácil. Ele também fala, que tais equinos são vendidos na Índia onde a falta desses animais. Não obstante, ele diz que o povo é malvado, especialmente com os estrangeiros.

"Na cidade há muitos mercadores e artífices que vivem do seu trabalho e do comércio; tecem o brocado de ouro e seda, de toda espécie; há por ali abundância de tudo: milho, aveia, trigo, cevada, alpiste e toda a qualidade de vinhos e de frutas". (POLO, 2009, p. 64). 

Continuando sua viagem pela pérsia mongol, Marco faz relatos de mais três localidades importantes, a cidade de Iasdis, o reino de Qirmã e a cidade de Camandi.

Iasdis, Qirmã e Camandi

Marco refere-se a Iasdis (atual Yadz no sudeste do Irã) como sendo uma cidade nobre, devido ao fato de produzir um dos melhores brocados de seda do mundo segundo ele. Tais tecidos são chamados de iasdis. Seu povo é muçulmano, e nos arredores da cidade a belos bosques com muita caça, tendo perdizes, tordos  e burros selvagens em abundância. E a sete dias de viagem dali chega-se ao "reino" de Qirmã. 


Brocados de seda. Possivelmente bem parecidos com o que Marco viu na época. 
Em Qirmã (atual capital da província de Kerman), era próspera na mineração. Marco diz que havia muitas turquesas neste reino, além de minas de ferro e ônix. Os equipamentos para os cavalos e as armas de ferro produzidas ali eram bem feitas, de uma qualidade muito superior a de outros lugares.

"As mulheres e as meninas bordam com perfeição sobre brocados de seda todas as cores; bordam pássaros, flores e outras coisas. São elas que fazem as gualdrapas para os cavalos dos barões e dos grandes capitães; e tudo feito tão maravilhosamente que dá prazer de admirar. Também confeccionam almofadões, cobertas de cama, coxins, e tudo com invulgar perfeição". (POLO, 2009, p. 65).

Nas montanhas nos arredores da cidade a pássaros de várias espécies, sendo os falcões os mais belos, assim como diz Marco. Deixando Qirmã, cavalgando-se por uma planície, após cerca de dez dias de viagem chega-se a cidade de Camandi (hoje consiste em apenas ruínas, ficando a alguns quilômetros do mar). 

Polo diz que Camandi outrora fora uma rica cidade, mas depois que fora conquistada e saqueada pelos mongóis perdera seu brilho e sua prosperidade. Ela fica localizada numa planície desértica na província de Rudbaris, como ele a chama. Lá cultiva-se principalmente tâmaras e maçãs. 

No entanto na província cria-se bom gado. Marco diz que os bois são brancos como a neve, grandes e fortes, e possuem uma corcova no lombo. Os carneiros são gordos e bons de comer, além de possuírem uma boa lã. Além disso existe uma espécie de pássaro chamada francolins (são parentes dos faisões e das galinhas, mas são silvestres), os quais existem em grande quantidade pela planície. 

Marco também fala que na região há muitas fortalezas e vilas fortificadas para se protegerem de bandos de ladrões que vagam pelo deserto, dentre estes o povo que ele chama de caroana (ainda não se sabe com certeza que povo seria esse). Além dos caroanas, a outros inimigos que vem do leste e do norte. Marco ainda fala acerca de Nogodar, o qual era um neto de Tchagatai um dos filhos de Gengis Khan, no entanto ele mistura fatos históricos acerca das duas personagens, construindo um relato deturpado da história. Nesse caso, não farei menção a isso, já que Nogodar não chegou a invadir a Índia como Marco menciona em seu relato.

Ormuz e Cobina

Ainda continuando com sua jornada pela pérsia mongol, os Polo se dirigiram para a província de Ormuz na orla do Golfo Pérsico, a capital da província também chama-se Ormuz e fica localizada numa ilha do mesmo nome. A província é descrita como sendo muito verde devido aos rios que por lá correm, havendo abundância de palmeiras e vários tipos de pássaros. Já a capital consiste num importante porto comercial, de onde seguem mercadorias para a Índia, Egito e outras cidades-estados da costa oriental africana. Tal fato é bem verdadeiro, já que os portugueses, ingleses e franceses no século XVI disputaram o controle dessa região. 


Mapa com a localização da Ilha de Ormuz no Golfo Pérsico a beira do Golfo de Omã. 
"Os mercadores da Índia vêm até ali em seus barcos e galeras, trazendo toda espécie de pedras finas, pérolas e brocados de couro e seda, dentes de elefante e outras coisas preciosas". (POLO, 2009, p. 69).

Marco diz que o "rei" dessa província chamava-se Ruomedã Acomat (na realidade seu nome era Roukneddin Mahmout, o qual governou Ormuz de 1243 a 1277. Possivelmente a variação do nome consista num erro de tradução). Embora fosse um "rei" rico, tal riqueza advinha do comércio, já que a terra em geral era muito seca e árida e mesmo com os rios que ali existiam não era bom para a agricultura. 

A população é negra e muçulmana, comem muito peixe e bebem um vinho feito de tâmaras, e comem um pão feito de outros cereais, embora cultivem o trigo, mas o mesmo é de péssima qualidade. Segundo Marco, eles não comem carne vermelha e pão de trigo por que passariam mal. Durante o verão, a temperatura é tão quente, que parte da população deixa a cidade e se muda para suas casas no campo ou para a casa de parentes. 

Quando os Polo chegaram a Ormuz ele haviam cogitado seguir viagem até a China através do mar que seria bem mais rápido, porém não se sabe ao certo porque desistiram dessa possibilidade. Segundo Marco, os navios de Ormuz eram muito mau fabricados, e péssimos para longas viagens, e havia muitos piratas nos mares das Índias. Tudo isso se mostrou muito arriscado para seguirem por essa via, no entanto em sua jornada de regresso eles vieram por mar. 

Deixando Ormuz eles retornaram para Qirmã de onde seguiram por sete dias em meio a paisagens desoladoras. Na realidade eles cruzaram parte do deserto, daí Marco dizer que não havia água e nenhum povoado por perto. Depois desses sete dias eles chegaram a cidade de Cobina.

"Cobina é uma grande cidade; os seus habitantes adoram Maomé. Há nela ferro e aço, em grande quantidade; fabricam-se ali grandes espelhos de metal; é em Cobina que se faz a atutia, um medicamento muito bom para os olhos; vou dizer-vos como ele é feito: pegam em terra com cobre e calamina, que serve para fazer o latão; põem-na num forno muito quente e sobre este uma vasilha de ferro. A umidade que adere à vasilha forma a tal substância chamada atutia e o que fica da terra no fogo chama-se a espódia, com a qual se faz o latão". (POLO, 2009, p. 72). 

A atutia seria um composto feito a partir de resíduos do derretimento de metais, se desconhece sua real eficácia. Deixando Cobina, os Polos seguiram para noroeste em direção a província de Timocain.

A Árvore Seca e a Ordem dos Assassinos

Em Timocaim ainda na Pérsia, Marco se prende a fazer dois relatos principais, primeiro ele fala acerca da lenda da Árvore Só ou Árvore Seca e da Ordem dos Assassinos que existia na região. 

"Ao fim das oito jornadas, encontramos uma província chamada Timocain. Há, nesta província, muitos castelos e cidades; confina ela com a Pérsia pelo lado do Poente, e logo após fica uma vastíssima planície onde cresce a Árvore Só, que os cristãos chamam de Árvores Seca". (POLO, 2009, p. 79).

Como bom cristão, Marco Polo ao longo de seu livro procurará embasar de forma "verídica" supostas lendas cristãs acerca do continente asiático, e a primeira delas diz respeito a Árvore Seca-Árvore Só, nesse caso, tal etimologia tem duas linhas de interpretação.

Primeiro, os povos daquela região referem-se a Árvore Só como sendo um marco entre os limites do mundo conhecido pelo ocidente e o mundo desconhecido para os ocidentais, assim o que fica além dessa árvore é desconhecido, estranho, exótico, misterioso. Nesse caso, a China e a Índia os quais ficam além dessa "fronteira" estabelecida, encaixam-se nessa ideia do que existe no extremo oriente. 

No caso da Árvore Seca, essa tem uma questão mais voltada para o cristianismo. Os cristãos identificavam tal árvore como o limite entre o mundo civilizado e conhecido e o mundo desconhecido, selvagem, bárbaro e pagão. E segundo a tradição dessas antigas lendas, quando Cristo retornasse a Terra, tal árvore ficaria verde, significando que os pecados dos homens que secaram a árvore, seriam perdoados e uma nova era cristã começaria. 

Marco não chega a dizer com clareza onde fica a tal árvore, mas por suas indicações ela ficaria em uma região desértica entre as fronteiras dos atuais territórios do Irã e do Afeganistão. Porém, alguns historiadores apontam que tal árvore seja um plátano, comum nessa região e o próprio Marco afirma nisso em seu relato.


Uma variedade de plátano durante o inverno.
Acerca da Ordem dos Assassinos, Marco conta que nessa região haviam um velho e rico homem chamado de Aladino, conhecido como o Velho da Montanha. Esse homem pegou sua fortuna e criou uma imponente fortaleza entre duas montanhas com um magnífico palácio resguardado entre seus muros. No entanto, a fim de manter sua riqueza, ele ordenou que órfãos, ladrões, mercenários, vagabundos, desertores, foragidos, que demonstrassem aptidão para lutar, fossem levados para sua fortaleza, lá eles lhe convenceria que era um profeta e seu palácio era um "paraíso terrestre", esses homens seria iludidos por essas palavras e até mesmo desfrutariam desse "paraíso", mas em troca teriam que servir a Aladino como seus assassinos de recompensa, assim eles eram treinados e enviados para cumprir missões em troca de grandes quantias de riquezas. 

"No centro do jardim havia uma fonte, com muitas bicas de onde jorravam o vinho, o leite, o mel e ainda a água. Havia nesse jardim as donzelas mais belas do mundo; estas sabiam tocar todos os instrumentos e cantavam como os anjos, e o Velho fazia acreditar aos seus súditos que aquele reino era o paraíso". (POLO, 2009, p. 74).

A Ordem dos Assassinos fora fundada em 1090 por Hassan Sabbah (1034-1124), no castelo de Alamut em Qazvin no atual Irã. Porém um ramo dessa seita se estabeleceu na Síria, onde fora combatida pelos cruzados. Seu líder se autodenominava Cheike el Djebel que significa, "Velho da Montanha". Aqui fica claro que Marco misturou lendas com fatos históricos para falar acerca dessa história. O castelo fora destruído em 1256 pelos exércitos de Hulagu Khan quando o mesmo conquistou a Pérsia. 


Ruínas do Castelo de Alamut, sede da Ordem dos Assassinos, Irã. 
Bactriana


Deixando a Pérsia, os Polo adentraram a região antigamente chamada de Bactriana que hoje corresponde a parte norte do atual Afeganistão, seguindo por uma das estradas da Rota da Seda. Tal região ainda fazia parte do Ilkhanato, próximo a fronteira com o Canato de Djagatai, outra das grandes regiões em que estava dividido o Império Mongol.

A primeira parada deles se da na cidade de Sopurga (atual Shebergan), a qual tinha como principal produto de comércio a produção de melões, os melhores do mundo de acordo com Marco Polo. E tais melões era exportados para toda a região em volta. De Sopurga eles seguiram para Balachai (hoje Balkh, também chamada antigamente Bactres, capital da Bactriana). 

"Balachai é uma grande e nobre cidade. Na antiguidade foi mais próspera; mas as invasões dos tártaros e doutros povos deitaram-na perder. Noutros tempos tinha magníficos palácios e casas de mármores, mas estas foram destruídas". (POLO, 2009, p. 78).

Marco diz que fora nessa cidade que Alexandre, o Grande se casou com uma das filhas de Dario III, Estátira. Entretanto, Plutarco aponta que Alexandre tenha se casado com Estátira em Susa, hoje no Irã. Talvez, Marco tenha confundido a história. Estátira fora a segunda esposa de Alexandre, a primeira fora Roxana, a qual de fato vivia na Bactriana.

Partindo de Balachai eles passaram por Dogã (hoje Decã no Indostão), Taichã (hoje Taloqan) e Escassem (atual Ishkashem no Badakhsan), até chegarem a província da Balastia (atual província de Badakhsan). 


Mapa com a divisão das 34 províncias do Afeganistão. Em destaque as quatro cidades e a província visitadas por Marco Polo. Mapa organizado por mim.



"Balastia é uma província onde as pessoas adoram Maomé. Tem idioma próprio. É um grande reino hereditário, quer dizer que a dinastia descende em linha reta de Alexandre e da filha de Dario, o grande rei da Pérsia. Todos estes reis chama-se em sarraceno zulcarnianos, o que significa descendentes de Alexandre, por amor do grande rei". (POLO, 2009, p. 80).

Nesse caso Marco diz que os habitantes dessa região seriam descendentes de Alexandre, o Grande (356-323 a.C), entretanto, Alexandre embora tenha possuído quatro esposas, a única que lhe dera um herdeiro fora Roxana, a qual deu a luz a Alexandre IV (323-309 a.C), posteriormente assassinado aos 14 anos junto com a mãe, assim findou-se a linhagem de Alexandre. Nesse caso, Marco se equívoca em dizer que Estátira tenha tido um filho de Alexandre, embora ele tenha tomado mais três esposas, a preferida era Roxana, e além disso Alexandre era bissexual. Se ele teve filhos bastardos, se desconhece, mas de qualquer forma os reis dessa região, realmente se consideravam descendentes de Alexandre, alguns costumes helênicos foram preservados após a morte do imperador, e continuaram entre essa cultura.

Ainda acerca da Balastia, Marco fala que a região produz belos rubis chamados balasses (um tipo de rubi pontudo), os quais todos pertenciam ao "rei" local e se algum fosse levado sem seu consentimento era punido com a morte. Além de rubis, a região também possui minas de prata e lápis-lazúli. 

Cria-se um tipo de cavalo forte e bom para andar em terreno montanhoso, há muitos falcões e outros pássaros na região. Cultiva-se trigo, cevada, nozes e gergelim. Os homens usam muitas peles de animais como vestimenta e as mulheres usavam roupas feitas com tecido de linho e algodão. Segundo Marco, as mulheres que possuam coxas grossas e nádegas opulentas, são as mais requisitadas entre aquela sociedade. 

Ainda sobre a Bactriana, Marco descreve mais duas províncias as quais ele não chegou a visitar, já que ficavam para o sul e leste, e nesse caso os três seguiam viagem para o nordeste, afim de seguirem caminho pela Rota da Seda que cruzava o Himalaia ao norte. 

Ele fala brevemente acerca da província da Baschia (hoje o Nuristão, no Irã), onde os homens usavam brincos de ouro, prata e com jóias, comem carne e arroz e são idólatras, nesse caso pagãos. A província de Tesmur (equivale a Caxemira, região dividida entre o Paquistão, Índia e China), exuberante em bosques frondosos, onde a população é negra e as mulheres são belas, porém o povo dali é idolátra e voltado a bruxaria, como Marco fala. 

Entretanto em sua jornada para o leste eles passaram pela província de Bochã (compreende parte da atual província de  Badakhsan, ainda no Afeganistão), de onde seguiram viagem por um rio até chegarem a essa região, onde o povo adora Maomé e os homens são guerreiros fortes e hábeis. O senhor dessa província é chamado de None. Deixando a cidade, eles seguiram viagem por uma rota em meio as montanhas da região, chegando a grandes altitudes. De fato os Polos se encontravam já no inicio da Cordilheira do Himalaia, lá ele diz que há uma grande quantidade de carneiros de boa lã e com chifres longos. Nessa região eles passaram pela planície do Pamir (hoje localizada na ponta de Badakshan, veja o mapa anterior, entre as fronteira da Caxemira paquistanês e as atuais fronteiras do Quirguistão e da China). 

Em destaque a região da Caxemira, por onde os Polo passaram. Hoje a região é um foco de conflitos turbulentos, já que a Índia disputa o controle dessa região com o Paquistão e a China.

A região do Pamir é descrita como sendo fria e quase inóspita, havendo pouco disponibilidade de alimentos e de povoados. Assim, eles seguiram viagem para o norte, numa jornada de 52 dias de viagem lenta devido ao frio e a altitude, até chegarem a região que ele chama de Belor (compreende o norte da Caxemira). Nessa região com os mesmos aspectos antes descrito, Marco diz que as poucas pessoas que ali vivem são pagãos cruéis e traiçoeiros. 

Caschar

Depois de cerca de quase três meses de viagem por essa região do Himalaia eles chegaram a cidade de Caschar, hoje Kashgar na província de Sinkiang na China. 

Localização de Kashgar, no atual território da China.

"Caschar noutros tempos, era um reino; agora, pertence ao Grã-Cã. A população adora Maomé. Há muitas povoações e castelos e a mais importante cidade é Caschar. Está também situada entre Nordeste e Levante; crescem ali muitas plantas de algodão e saem desta região mercadores que vão por todo mundo fazendo negócio com esta planta. A população é miseravelmente pobre e muito sóbria no comer. Neste país há cristãos que têm a sua Igreja e as suas crenças. Os naturais daquela província têm o seu idioma próprio; na totalidade, pode a cidade ser visitada toda em cinco jornadas". (POLO, 2009, p. 83).

Nessa parte da narrativa há uma pausa brusca. Marco conta que enquanto atravessa estas montanhas acabou adoecendo gravemente, não se sabe ao certo a doença que lhe atingiu já que o mesmo não a detalha, porém ela o afetou a tal ponto que a viagem teve que ficar interrompida por várias semanas. Não obstante, os Polos tiveram problemas em conseguir mantimentos e recursos para prosseguir através dessa região, o frio também os obrigou a pararem e o inverno era motivo de uma pausa mais longa. De fato, nessa altura da viagem era o ano de 1274 ou possivelmente inicio de 1275, já que não se tem noção cronológica-espacial de quanto tempo eles demoraram em cada lugar. 

Enquanto os Polo tiveram que na realidade passarem alguns meses parados devido a saúde debilitada de Marco e outros problemas, nessa parte do livro, Marco dedica-se após a falar a respeito de Samarcanda, uma cidade que não visitou, antes de continuar a narrar seu itinerário.

Samarcanda

Samarcanda fora uma próspera cidade mercantil por alguns séculos, hoje fica localizada no território do Uzbequistão, mas na época de Marco Polo pertencia aos domínios do Canato de Djagatai. Samarcanda era uma das paradas obrigatórias da Rota da Seda e de várias outras caravanas que percorriam a Ásia Central. Marco Polo não chegou a visitar a cidade, porém seu pai e tio visitaram Samarcanda e chegaram a viver e trabalhar nesta por cerca de um ano, antes de seguirem viagem para a China a convite de um dos embaixadores de Kublai. Nesse caso, os relatos que Marco faz acerca dessa importante cidade advêm principalmente de seu pai e tio, embora possa também conter histórias de mercadores que ele ouviu. 

Atualmente Samarcanda se localiza no Uzbequistão, mas na época de Marco Polo, a cidade ficava no centro do Império Mongol. 

De acordo com Marco, em Samarcanda viviam cristãos e sarracenos, no entanto por ser uma cidade grande e uma das principais paradas da Rota da Seda nessa região, lá na cidade confluíam pessoas de vários cantos do império mongol. Até mesmo mercadores da Europa iam fazer compras em Samarcanda. 

A cidade fica numa região fértil e agradável, logo há muitas árvores e plantações nas redondezas, isso transforma a cidade numa espécie de oásis nessa região desértica. Acerca da cidade, Marco fala muito pouco, apenas faz referência mesmo.

Na entrada da China

Deixando a breve menção a Samarcanda, os Polo deixaram Caschar e seguiram viagem para o sul atravessando a região norte do atual Tibet. Eles seguiram viagem para Carcã (atualmente Yarkand) em cinco dias de viagem cruzaram a região, habitada por muçulmanos e cristãos nestorianos até chegarem a outra província, chamada de Cotã (atualmente Hetian). O seu povo é muçulmano e obedecem diretamente a Kublai, já que Carcã e Caschar se encontravam nos domínios do Canato de Djagatai, logo eles se reportavam primeiramente ao khan de lá e depois ao imperador. A administração do império mongol nessa época não era centralizada na figura do imperador, embora ele fosse o detentor do poder supremo sobre o império.

"Há nesta província abundância de alimentos e algodão em quantidade; tem muitas propriedades, vinhas e jardim; vive do comércio e da indústria. Não é guerreira a gente desta província". (POLO, 2009, p. 86).

Deixando Cotã eles seguiram para a província vizinha de Peim, cuja capital se chama Peim. Nessa província o povo adora Maomé, há muitas cidades e castelos, e existe segundo o relato de Marco um rio do qual pode-se coletar jaspes e calcedônias de seu leito. Há muitas plantações de algodão, e a província e relativamente próspera. 

De Peim eles seguiram viagem para Ciarchã (equivale a província de Xinjiang ou também chamada de Turquestão oriental). Marco, diz que todas as províncias que foram citadas, começando por Caschar se localizavam na região da Grande Turquia, nome devido aos povos que ali viviam serem de origem turca. Não obstante, o uso do termo Grande Turquia caiu em desuso para não se confundir com o atual país chamado Turquia (veja o mapa anterior).

Ciarchã e uma cidade grande e próspera, embora que parte da província seja desértica e pobre. De fato, de Cotã até Ciarchã parte desses territórios se encontram em meio ao deserto de Taklamakan ao norte do território do Tibet. Marco conta, que em alguns rios dessa província há pedras preciosas as quais são comercializadas com a China (devo lembrar que na época dele, essa região não fazia parte da China como hoje faz). Deixando a capital da província o restante da região é estéril e pobre devido ao deserto que os circunda, assim eles seguiram por alguns dias de viagem por essa região desértica até pararem em um pequeno povoado de onde se abasteceram com comida e água e voltaram a seguir seu rumo agora indo para a cidade de Lop.

Lop (Deserto de Gobi)

Lop era tanto o nome de uma cidade que ficava perto do lago Lop Nor, no entanto essa cidade, hoje não existe mais. Lop também é o nome pelo qual Marco se refere ao Deserto de Gobi, o qual se estende entre as fronteiras da atual Mongólia e China.


Os Polo atravessaram parte do Deserto de Gobi em sua jornada para o norte.

"Lop é uma grande cidade, ao pé do extenso deserto chamado Lop, entre Levante e Nordeste. Esta cidade pertence ao Grã-Cã. Os seus habitantes adoram a Maomé". (POLO, 2009, p. 88).

Marco diz que o deserto é tão grande que em um ano não podia-se percorrer sua extensão, logo, o mais sensato era contorná-lo. Assim, ele diz que os viajantes que chegam a Lop descansam pelo menos uma semana, antes de seguirem viagem pelo deserto. 

"Na região mais estreita é preciso um mês para a travessia. Está cheio de dunas, montanhas e vales. Nada há ali para comer. Ao fim de um dia e de uma noite de caminho encontra-se, sem dificuldade, água com um sabor um tanto acre, mas que serve para matar a sede de uns 50 ou 100 homens, e dos cavalos. Só em três ou quatro sítios existe água amarga; as outras são boas e há 28 nascentes". (POLO, 2009, p. 88).

Marco também conta que o deserto é assombrado por maus espíritos que fazem sons estranhos, e as vezes até se pode ouvir vozes; e que tais espíritos assustam os animais e fazem os homens se perderem. Provavelmente, tal relato se aplique as miragens e ao sopro do vento, que dependendo da velocidade e do local onde se encontra, ele pode lembrar um uivo de lobo, ou rosnados e sussurros. 

Tangut

Após saírem do deserto eles chegaram a cidade de Sachim (hoje Dunhuang na província de Kan-su), em Tangut. Tangut ou Xi Xia no passado fora um pequeno reino que existiu de 982 a 1227 quando fora destruído por Gengis Khan, passando a integrar o seu império. Atualmente o outrora território de Tangut se localiza entre as províncias de Kan-su (ou Gansu), Ning-hia (ou Ningxia) e a Mongólia Interior. 

Nesta terra marco diz que os homens eram idólatras, e possuíam muitos mosteiros onde adoravam seus idolos. Contudo, esses idólatras que ele faz menção na verdade são budistas. O Reino de Tangut fora fundado por um povo tibetano, logo o budismo tibetano era a religião oficial daquele Estado e assim permaneceu após esse. Porém, Marco diz que havia alguns cristãos nestorianos por ali. 

Acerca dessa província, Marco tende a relatar os costumes dos "idólatras". Ele diz que quando nasce um filho varão, o pai escolhe um carneiro e o engorda ao longo do ano todo, e quando o menino faz um ano de vida, o pai leva o carneiro para se sacrificado. O animal é morto para o "deus", então ele é cozinhado e servido a família, os ossos são guardados como sinal de boa sorte para o bebê. 

Marco também diz, que os mortos ali não são enterrados, mas sim cremados dentro de pequenas cabanas de madeira. O morto é cremado junto com seus pertences e alimentos. Enquanto a cremação ocorre, toca-se música ou canta-se. As cremações só são feitas quando o sacerdote ou astrólogo ver nos astros o dia mais auspicioso para isso, enquanto esse dia não chega, o corpo fica dentro de um caixão e é mantido em casa. Se isso não for seguido arrisca, o espírito não encontrará seu caminho para o Outro Mundo e ficará na Terra para atormentar os vivos. 

Mas, deixando Tangut, Marco antes de prosseguir viagem para a Mongólia, volta a falar de algumas cidades da Grande Turquia, possivelmente ele não visitou essas cidades nessa viagem de ida, já que os três haviam vindo por uma estrada do sul, mas possivelmente as cidades que ele menciona, tenham sido os locais por onde seu pai e tio passaram quando vieram a primeira vez para a China. 

De volta a Grande Turquia

Sobre a definição geográfica da Grande Turquia já fora dada uma explicação sobre isso, agora, antes de Marco, Nicolau e Maffeo voltarem a seguir viagem, no relato de seu livro, Marco decide falar mais um pouco da Grande Turquia, de cidades do norte desta, já que ele e seu pai e tio viajaram pelo sul dessa região. O relato de Marco em seu livro não é linear cronológico, em dados momentos ele volta a falar de fatos do passado, ocorridos há 10, 20 ou mais anos, ou fala acerca de cidades e lugares que ficavam em outras direções as quais ele necessariamente não chegou a visitar. Sendo assim, tal segmento de agora corresponde mais a um desses "vai e vem" de seus relatos.

Na parte VIII do livro I, Marco faz menção a três províncias localizadas na Grande Turquia e a duas cidades localizadas em Tangut. Possivelmente tal capítulo, consista numa introdução aos temas do capítulo seguinte, o qual ele falará a respeito da antiga capital do império mongol e dos feitos de Gengis Khan. Mas antes de prosseguir para tal ponto, falarei acerca das três províncias e das duas cidades. 

Camul (território de Kamil, hoje cidade de Hami) é a primeira província que ele fala a respeito. Ele diz que a região no passado fora um pequeno reino posteriormente conquistado pelos mongóis, e fica localizada entre dois desertos. O povo dali é idólatra e possuem idioma próprio. Embora a região fique entre dois desertos o solo de Camul é fértil, logo há abundância de frutas, as quais são a principal fonte de alimentação dessas pessoas. 

Marco também diz que os homens dessa província eram muito hospitaleiros e cediam sua casa para abrigar os hóspedes e cediam comida, água e qualquer outra coisa que o hóspede necessitasse. Marco também fala que tal povo chegava até mesmo oferecer as próprias esposas aos hóspedes, mas isso fora proibido pelo imperador Mongke Khan (1208-1259), imperador que antecedeu Kublai. Mongke era neto de Gengis, e proibiu tal prática do povo e Camul, no entanto após a sua morte, eles ainda continuaram a seguir seus costumes. 

Deixando Camul, Marco fala a respeito de Chinchitala, a qual consiste numa província aos "pés" do deserto, onde há cristãos, muçulmanos e idólatras. Na região a minas de ferro, ônix e de salamandra (amianto). Acerca dessa região, Marco fala a respeito de um tal amigo chamado Zurficar, o qual explorava as minas de "salamandra" dessa região. Marco fala que fazia-se "tecidos" com esse metal.

A próxima província é Suciu, a qual se encontra nas fronteiras com o Deserto de Gobi, hoje na província de Kan-su. Marco diz que a província possui várias cidades e castelos e sua capital chama-se também Suciu. Nela há cristãos e idólatras, tal província fica ao sul de Tangut, e os habitantes de Suciu vão as montanhas colher grandes quantidades de ruibarbo, o qual é consumido por toda a população além de ser comercializado com outras regiões. A população vive predominantemente da agricultura, o comércio é mais para se conseguir alguns recursos que ali não se encontram.


Ruibarbo (Rheum rhabarbarum)

Campiciu e Ezina

Deixando Suciu ele parte para falar acerca da cidade de Campiciu a qual fica localizada em Tangut. Marco diz que Campiciu é a principal cidade da província de Tangut, nesse ponto ele retoma seu itinerário. Em Campiciu vivem idólatras e alguns poucos muçulmanos e cristãos. No caso dos cristãos ele diz que esses possuíam três grandes belas igrejas. Acerca dessa cidade, Marco não fala muito a respeito, ele tende a focar a atenção do relato nos sacerdotes idólatras, os quais eram homens honrados e devotos aos seus votos, em contra partida, Marco diz que o restante do povo eram mais "pecador", não ligando muito para as leis. Nessa cidade os homens tinham direito de ter até trinta esposas, desde que conseguisse sustentar todas e os filhos com essas. 

"Saindo de Campiciu, cavalga-se durante doze jornadas até chegar a uma cidade chamada Ezina, que é também vizinha do deserto de areia e pertence à província de Tangut. Os indígenas são idólatras; têm falcões e bichos raros; vivem da agricultura e não se dedicam ao comércio". (POLO, 2009, p. 95).

Ezina hoje é Ejinaqi nas proximidades do Deserto de Gobi próximo a fronteira com a Mongólia. A partir de Ezina, os Polo atravessaram o Gobi em direção ao norte adentrado a Mongólia até chegarem a Karakorum, outrora capital do império. Marco conta, que deve se abastercer bem com água e alimentos por quê a travessia do deserto é dificil e árdua, e não há poços d'água ou comida por ali. Segundo, Marco, de Ezina a Karakorum eles levaram 40 dias de viagem, no entanto, apenas parte do percurso é através do Gobi, saindo deste você adentra as estepes mongóis. 

Karakorum

"Terminado o caminho do dito deserto, chega-se à cidade de Karakorum, que tem três milhas de circunferências. Foi aqui que teve começo o império dos tártaros, que viviam nestas terras, onde então não havia cidades nem castelos, mas apenas pastagens". (POLO, 2009, p. 97).


Localização de algumas das principais cidades do país. Ao centro Karakorum.

Os Polos não foram os primeiros europeus a visitarem a capital dos mongóis, anos antes, o monge flamengo William de Rubruck foram enviado pelo papa afim de prestar saudações ao soberano mongol. Rubruck partiu de Lyon na França e levou cerca de 17 meses de viagem até chegar a Karakorum em 1254. Lá ele participou da coroação do imperador Mongka Cã, antecessor de Kublai. 

Marco em seu livro apenas cita a cidade e não chega a descrevê-la propriamente, mas pelos relatos trazidos por Rubruck e outros europeus, a cidade era relativamente grande, possuindo muitas tendas, palácios e templos, sendo que no caso dos templos, haviam templos pagãos, budistas, mesquitas e igrejas. A cidade fora erguida sobre as estepes as quais predominam na Mongólia, e floresceu até o século XIV, quando entrou em decadência.


Maquete retratando a cidade de Karakorum, antiga capital da Mongólia.

Em 1271 com a fundação da Dinastia chinesa de Yuan por Kublai Khan, o mesmo na época já sendo imperador dos mongóis, transferiu a capital do império de Karakorum para Pequim na China. Kublai por longos anos fora governador dessa província e estava mais familiarizado com o clima, paisagem, e a cultura e os costumes chineses do que a vida nômade nas estepes. Assim, ao longo de seu reinado e de seus sucessores Pequim fora a nova capital. 

Atualmente, Karakorum consiste numa cidade de ruínas, onde alguns palácios e templos podem ser ligeiramente vistos. Entretanto na área da cidade pode-se ver o complexo do mosteiro budista Erdene Zuu, algumas estátuas, como a famosa estátua da tartaruga de pedra. Hoje a cidade compreende o conjunto de Paisagem Cultural do Vale Orkhon, Patrimônio Mundial da UNESCO

Gengis Khan e Preste João

Marco de fato como fora dito fala quase nada acerca da antiga capital mongol, nesse caso ele prende-se nessa parte do livro a falar acerca da ascensão de Gengis Khan (1167-1227) como imperador mongol e das batalhas do mesmo contra a figura lendária do rei cristão Preste João. Novamente, Marco volta a inserir em seu relato uma lenda cristã na qual ele tenta comprovar sua veracidade. 


Estátua de Gengis Khan, em Ulaanbaatar, Mongólia.

Antes de Gengis Khan unificar a Mongólia em 1206, a região era governada por vários khans de várias tribos, as quais uma tentava subjugar a outra. Finalmente, Gengis consegui derrotar seus inimigos e unificou o povo mongol, sendo proclamado em 1206, imperador. No relato de Marco, a história é outra. Ele conta que os mongóis de fato não possuíam um rei e viviam em várias tribos, mas essas tribos eram obrigadas a pagarem tributos a um rei de um país vizinho, e tal rei era o Preste João. Porém, certo dia, os mongóis se rebelaram contra o domínio de Preste João e decidiram atacá-lo, aí começaram as guerras que levaram a ascensão de Gengis Khan e o fim do rei cristão. 


Pintura retratando o lendário rei Preste João.

Antes de continuar, devo falar um pouco desse lendário rei. Marco sabia que nessa região da Ásia havia cristãos, principalmente de vertente nestoriana, logo alguns povos turcos eram cristãos nestorianos, embora o nestorianismo seja desligado da Igreja de Roma. As histórias sobre esse rei começam a surgir por volta do século XII quando embaixadores, missionários, viajantes e mercadores retornaram da Ásia e começaram a difundir histórias sobre os cristãos daquele lugar, em meio a essas histórias, surgiu uma a respeito de um rei chamado Preste João, um poderoso, bondoso e rico rei, que governava um pequeno reino cristão encrustado em meio a reinos islâmicos. 

Assim tais histórias começaram a se difundirem pelo século seguinte, e quando Marco chegou a Mongólia, ouviu também tais histórias e decidiu dá seu próprio relato acerca dessas. No livro, ele associa a pessoa do lendário rei a figura de Ong Khan, rei dos oenguts, um povo de origem turca que vivia na parte oriental da Mongólia com a fronteira com a China. Tal povo era cristão nestoriano. De fato, Ong Khan realmente existiu, e fora combatido e derrotado por Gengis. 

Entretanto, por mais que Marco disse que o reino de Preste João ficasse localizado naquela parte da Ásia, até o século XVI ainda continuou-se a procurar pelo reino desse rei, muitos não acreditaram na versão de Marco e em outras versões dadas. 

No restante da parte IX, Marco continua a contar as supostas lutas de Gengis contra Preste João, e embora o mesmo tenha sido inspirado na pessoa de Ong Khan, seus relatos não correspondem necessariamente ao mesmo e até mesmo diferem em certas datas. Marco diz que Gengis fora coroado imperador em 1187, mas nessa época ele contava apenas com vinte anos e ainda era um khan de uma pequena tribo. 

Posteriormente, após relatar os supostos confrontos entre os dois, ele diz que Gengis derrotou os exércitos de Preste João em 1200, e em 1206 ele veio a falecer. Novamente ele comete equívocos cronológicos. Gengis morreu em 1227, tendo governado por cerca de 21 anos, período este que estendeu seu império da China a Pérsia. Marco diz que Gengis morreu de uma flechada disparada enquanto o mesmo visitava o castelo de Coaguin, tal local ainda não fora identificado, mas possivelmente trata-se do relato de algum acidente que ele sofreu ao longo da vida e não necessariamente a causa de sua morte a qual ainda contestada. 

Terminado esse relato sobre os grandes feitos do notório Gengis Khan, que por sinal Marco o idealiza demais, provavelmente como forma de agradar Kublai, neto do mesmo. Marco continua a fazer alguns relatos sobre os costumes dos mongóis e a falar um pouco da Mongólia antes de prosseguir viagem para a China. A respeito dos costumes mongóis, recomendo lerem minha postagem Os Mongóis, onde falo sobre a vida nas estepes e alguns desses costumes. Marco na realidade fala brevemente e sobre isso. 

Ele também fala a respeito da província de Bargu (região em volta do lago Baikal nas proximidades com a fronteira com a Rússia), então volta a falar de dois "reinos" localizados na China, Erguemul (hoje a cidade de Lianghzou em Kansou) e Cilingiu (atual Xining em Qinghai). Acerca disso nada de muita relevância, nessa parte da história embora ele diz que viu uns bois peludos, os quais correspondem aos iaques, e diz que o cumis, bebida feita com leite fermentado de égua é muito boa e embriague-ia um homem facilmente. 

A CHINA DE KUBLAI KHAN

Aqui começa a segunda parte desse trabalho, e corresponderá aos relatos de Marco acerca do imperador e das "maravilhas" da China e reinos vizinhos. 

Ao encontro do imperador

Retornando da Mongólia possivelmente os Polo fizeram o mesmo caminho de volta, de qualquer forma, eles se encontravam novamente na cidade de Erguemul e de lá seguiram por uma estrada rumo ao leste em direção a Pequim. 

"Partindo de Erguemul, na direção do Levante, caminhando oito jornadas, encontra-se uma região chamada Egregaia, onde há numerosas vilas e castelos e pertence também a província de Tangut. A cidade principal chama-se Galachã, os naturais são idólatras em grande parte, mas há também três igrejas de cristãos". (POLO, 2009, p. 109).

Egregaia equivale hoje a atual província de Ning-hia e a cidade de Galachã possivelmente seja a atual Yinchuan próxima a estrada da Rota da Seda que cruza o rio Amarelo. No entanto alguns historiadores sugerem que Galachã seja uma cidade mais localizada ao sul dessa província. 

"Nesta cidade fazem um pano de pêlo de camelo, branco e da melhor qualidade, a que chamam de chamelote. Dali o levam aos negociantes de todos os países, a Catai e a toda a parte. Desta província passaremos a outra, no Levante, à qual chamam de Tenduc, entrando agora nas terras do Prestes João". (POLO, 2009, p. 109).

Deixando Egregaia, eles seguiram viagem contornando o rio Amarelo em direção nordeste. Nesse caso, Tenduc corresponde a atual província da Mongólia Interior. Nesse caso, essa região era habitada pelos turcos oenguts, os quais Marco diz ser o povo de Preste João, e de fato ele volta a falar da história desse rei, dizendo que percorreu as terras de seu antigo reino. 

Marco diz que o povo se dedica a agricultura e ao comércio, além de naquelas terras haverem grande quantidade de lápis-lazúli. Ele também conta que há cristãos e alguns muçulmanos e naquela província se encontrava as cidades de Gog e Magog. Ambas as cidades são mencionadas na Bíblia e no Alcorão, mas ao longo dos séculos toda uma mitologia fora construída em torno delas e hoje não se sabe ao certo onde se localizavam. Nas histórias sobre essas cidades, dizia-se que ambas as lutavam entre si, então um rei ordenou que uma muralha fosse construída para separá-las. Algumas histórias creditam a construção dessa muralha a Alexandre, o Grande e o próprio Marco sugere isso, porém, Alexandre não chegou a China e possívelmente a tal muralha que Marco tenha se referido seja na realidade a Grande Muralha da China, a qual de fato fora erguida para manter a ameaça dos oenguts e dos mongóis longe das terras chinesas. 

Atravessando Tenduc eles chegaram a cidade de Findagui (atual cidade de Xuanhua na província de Hopeh) de lá eles seguiram por uma estrada vinda do norte em direção ao sul, e após três dias de viagem chegaram a cidade de Ciangamor (hoje Tchanghan-nor "lago azul", localizada ao norte de Pequim). Tal local era reduto do imperador durante o verão o qual gostava de caçar e pescar nesse lago. De Ciangamor eles partiram para a capital de verão do imperador a cidade de Ciandu (atual Duolun na Mongólia Interior).


 Mapa atual da China. O trajeto em preto corresponde possivelmente ao caminho que os Polo fizeram de Erguemul (Yinchuan) a Ciandu (Duolun) para se encontrarem com Kublai Khan. 

Ciandu, a capital de verão

Em 1275, após três anos e meio de viagem, os Polo finalmente se encontraram com o imperador Kublai Khan em Ciandu. A partir dessa parte do livro, Marco dedica vários subcapítulos a falar a respeito da pessoa do imperador e a descrever seus palácios, cidades e alguns feitos.

"Nesta cidade, há um palácio de mármore e de outras pedras, com corredores e salas completamente dourados. É lindíssimo e bem decorado. Desse palácio, parte um muro que tem cerca de dezesseis milhas e rodeia um recinto onde há fontes, rios e lindos prados. O Grã-Cã juntou ali toda a qualidade de animais: veados, corças, gamos, que servem para alimento dos gerifaltes e falcões, que são as vezes mais de quatro mil. E o rei em pessoa os visita todas as semanas; caça muitas vezes ali e leva consigo, na garupa do cavalo, um leopardo domesticado. E, quando caça algum animal, diverte-se muito a ver como os gerifaltes o devoram". (POLO, 2009, p. 111).


Pintura retratando uma caçada do imperador Kublai Khan.

Será recorrente a descrição e menção a caçadas, nesse caso não me prenderei a detalhá-las. No entanto, segundo Marco o imperador gostava muito de caçar, daí muda-se para Ciandu no verão afim de poder fazer isso. Não obstante, um fato curioso é que Marco relata alguns exageros numéricos a respeito das caçadas, ele chega a dizer que milhares de pessoas participavam de uma caçada, levando milhares de cavalos, falcões e cães, abatendo milhares de animais. Possivelmente tais exageros tenham sido intencionais, como forma de engrandecer ainda mais a pessoa do imperador no ocidente. 


Falcão-gerifalte (Falco rusticolus). Os gerifaltes eram os pássaros favoritos de Kublai ou qual segundo Marco, tinha milhares desses em seus jardins, florestas e prados. 

Marco diz que Kublai passava cerca de três meses do ano em Ciandu, mas especificamente entre os meses de junho, julho e agosto. Nessa região, o clima no verão é mais ameno, não sendo tão quente como em Pequim, além do mais, em Ciandu era mais tranquilo e reservado. Nessa época ainda não existia a Cidade Proibida e Pequim já possuía mais de um milhão de habitantes. No dia 28 de agosto, Kublai deixa Ciandu com sua corte e retoma para Pequim para o inicio das festividades de, a cada ano ele faz a mesma coisa, sempre deixando seu palácio de verão nesse dia. 

Kublai Khan

Pelo fato de ter servido ao imperador por dezesseis anos, Marco fala bastante do mesmo seu livro, especialmente no Livro II da obra. Ao mesmo tempo ele exalta figura de Kublai e chega a dizer que fora o maior rei que governava no mundo naquele momento e fora mais grandioso que seu próprio avô, Gengis Khan. 

"Vou relatar agora as grandes proezas e maravilhas do Grã-Cã que reina atualmente, chamado Cublai, o que no nosso idioma quer dizer o senhor dos senhores. E dão-lhe esse título com justiça, pois é sabido de todos que ele é o homens mais poderoso da Terra, em tesouros e em exércitos; nunca os houve maiores, desde Adão, nosso primeiro pai; e nunca os houve até nossos dias. E isto demonstrarei neste livro". (POLO, 2009, p. 117).


Retrato do imperador Kublai Khan. 

De fato, Kublai fora o último grande imperador mongol, após a sua morte em 1294 o império entrou em crise e assim continuou por quase um século antes de desaparecer. As grandes regiões mongóis, se digladiaram até se destruírem entre si, embora tais domínios acabaram se tornando reinos e ainda continuaram a existir pelo menos por mais três séculos. Mas, embora Kublai tenha sido um bom governante, evidentemente, Marco bajulou seu rei.

Marco começa a falar de Kublai contando a respeito de seus feitos, sendo que este participou de batalhas e liderou exércitos, ao lado de seu pai Tolui, de seus irmãos e até mesmo de seu avô Gengis. Marco diz que Kublai se tornou imperador em 1256, mas na realidade a data oficial é 1260, embora que Kublai entrou em guerra com seu irmão Ariq Böke, o qual tentou assumir o trono após a morte de Mongka Khan o qual era irmão de ambos. Nessa luta, Kublai confrontou Ariq e por pouco não teve que enfrentar seu outro irmão Hulagu, o qual acabou desistindo de disputar o trono devido a problemas com seu tio Berké Khan. Assim, em 1264, Kublai derrotou Ariq e consolidou-se como imperador mongol. 

Marco também chega a dizer que Kublai morreu em 1298, porém na realidade o mesmo morreu em 1294, nesse período os Polo se encontravam viajando pelo Oceano Índico como será visto mais a frente. Não obstante, em 1298, Marco estava na prisão, possivelmente ele deve ter ouvido uma falsa notícia acerca do imperador. 

A respeito dos feitos militares de Kublai, Marco narra a batalha que esse tivera com Naiã, bisneto de Gengis, sobrinho de Kublai. No entanto, no livro ele diz que Naiã era um tio de Kublai. Naiã era governador de uma província na Manchúria e teria se rebelado contra o tio, tal fato se deu entre 1287 e 1288, Kublai ordenou que suas tropas acabassem com as tropas e Naiã fora derrotado e executado. Marco se prende a relatar essa batalha a qual ele necessariamente não viu, mas ouviu falar, entretanto isso prolongaria ainda mais o texto, o importante a saber é que de fato, ele se encontrava na China no período desse confronto, embora estivesse em outro lugar. 

"Cublai Cã, Senhor dos Senhores, tem bela figura, não é alto nem baixo, é de estatura mediana: é bem proporcionado, nem gordo nem magro, é ágil de membros; tem a cara branca e corada como uma rosa, os olhos negros, o nariz direito e bem-feito". (POLO, 2009, p. 123).

Marco conta que o imperador possuía quatro esposas e centenas de concubinas, e se quisesse, poderia ter uma mulher diferente em sua cama a qualquer dia. Nesse caso, Kublai e vários outros imperadores chineses, não tinham o costume de dormir com suas esposas, cada esposa possuía seus próprios aposentos, e o imperador ia procurá-la quando quisesse ou a chamava para ir ao seu quarto, o mesmo valia para as concubinas. Em geral, ele dormia sozinho no quarto.

Ainda segundo seu relato, o imperador possuía 22 filhos com suas quatro esposas, fora algumas filhas e filhos bastardos. Entretanto, nos documentos oficiais só se reconhecem dez ou doze filhos. De qualquer forma, o herdeiro do trono era Djinkim, o segundo filho de Kublai, já que o primogênito havia falecido alguns anos antes da chegada de Marco a China. Djinkim assumiu o trono do império em 1294 e governou até 1307. 

Ainda continuarei a falar de Kublai ao longo do texto, mas passemos para o próximo ponto.

Cambaluc (Pequim)

Marco chama Pequim de Cambaluc e a China de Catai, possivelmente essas eram as formas em mongol como tais locais eram chamados. Marco aprendeu mongol, mandarim e algumas outras línguas como ele aponta em seu relato. 

"Cublai Cã vive na cidade principal de Catai, chamada Cambaluc, durante três meses do ano; dezembro, janeiro e fevereiro. Nesta cidade está o seu palácio". (POLO, 2009, p. 125).

O palácio construído por Kublai não existe mais, fora substituído posteriormente pela Cidade Proibida de onde os imperadores chineses passaram a governar até o final do império. Entretanto, Marco faz uma descrição bem detalhada de como era o palácio, porém pelo fato de ser extensa a ocultarei daqui. No entanto, ele diz que o palácio possuía vários prédios, adornados com colunas vermelhas com detalhes em dourado, possuía estábulos, ferrarias, depósitos e alojamentos em torno, e era cercado por um muro e um fosso. No palácio vivia tanto a família real como a corte, funcionários, empregados e a guarda real. Daí, Marco o compará-lo com uma pequena cidade ou um bairro. Ele também diz que próximo dali havia outro palácio semelhante que pertencia a Temur, o neto preferido do imperador. 

Sobre a cidade, ele diz que o palácio de Kublai na realidade ficava em Taidu, uma cidade vizinha a Cambaluc, já que os astrólogos do imperador lhe revelaram um mau presságio acerca daquela cidade, logo, Kublai mandou que construísse outra cidade no lado daquela e transferiu a população para lá. Tal história possa ser mais um fantasia de Marco como forma de engrandecer Kublai, dizendo que o mesmo ordenou a construção de uma nova capital. Ou ele manipulou o relato acerca da construção do palácio. Possivelmente, Taidu tratava-se de um distrito da cidade, escolhido para se construir o novo palácio. 

"Tem essa cidade 23 milhas de extensão, é quadrada e os seus quatro lado são perfeitamente iguais. Tem muros de tijolos e de terra amassada, que medem dez passos de espessura por vinte de altura. [...]. Estes muros são brancos com ameias. [...]. As ruas são largas e tão direitas, que estando nelas, vê-se uma de uma porta à outra que se está em frente. Na cidade há lindos palácios, casas bonitas e habitações confortáveis". (POLO, 2009, p. 127).

Marco fala que na cidade havia toque de recolher e depois que o sino tocasse três vezes, qualquer um que não tivesse autorização para andar de noite, seria multado. Ele também diz que a cidade era bem guarnecida havendo muitos guardas, logo não haviam ladrões por lá. Por sua vez, a guarda pessoal do imperador era formada por 12 mil soldados, chamados de Quesetim

A festa de aniversário do imperador e a festa branca

Marco diz que o aniversário de Kublai é no dia 28 de setembro, entretanto algumas fontes sugerem que ele teria nascido no dia 23. De qualquer forma, ele conta que a festa de aniversário do imperador é a segunda maior festa celebrada, ficando apenas atrás da festa branca. 

"No dia de aniversário do Grã-Cã veste-se este com um magnífico traje feito com pano de ouro. E mais de 12.000 barões e dignatários se vestem igualmente com tecido da mesma cor e muito semelhante ao do seu senhor". (POLO, 2009, p. 129).

Marco conta que as vestes eram bordadas com fios de ouro e portava-se jóias em ouro e pedras preciosas e que treze vezes ao ano, o imperador concedia aos seus 12 mil barões tais vestimentas, a cada ano, como forma de demonstrar a prosperidade do império. (A respeito dos barões, Marco utiliza a nobiliarquia europeia, assim ele fala de barões, condes e duques, porém a nobiliarquia chinesa era diferente e possuía outras estratificações, logo, necessariamente um barão não seria um barão para o entendimento do ocidente e isso para os de mais títulos). Ele também diz que os senhores de todos os cantos do império enviam presentes ao imperador, uns mais belos que o outro. 

Quanto a festa branca, ela é celebrada no primeiro dia do ano, o qual se inicia em fevereiro, já que Kublai passou adotar o calendário chinês o qual inicia o ano no mês de fevereiro no calendário gregoriano. Nesse caso, ele conta que o nome branco deve-se ao fato de que todos se vestem de branco, cor considerada a cor da alegria, e ao mesmo tempo acreditam que fazendo isso terão boa saúde, prosperidade e boa sorte pelo resto do ano. 

Marco, também diz que todos os governantes do império enviam presentes ao imperador nessa época do ano, ele conta que existe uma tradição onde se enviam 100 mil cavalos brancos e 5 mil elefantes adornados com brocados de ouro e tapeçarias encrustadas com diamantes, rubis, esmeraldas, etc. Além disso, envia-se outros tipos de objetos e presentes para celebrar o começo do ano e mais um ano de reinado. 

O papel-moeda

Uma das "maravilhas" que Marco viu na China fora o papel-moeda ou dinheiro em cédulas. Até então na Europa, Ásia e África, o dinheiro era cunhado em forma de moedas de prata ou ouro, ou em alguns casos, o comércio era feito a base de escambo (troca de mercadorias). No entanto, os chineses há alguns séculos já utilizavam o papel-moeda como dinheiro, algo que fascinou Marco. 

E sobre isso, ele também relata que o imperador possuía uma casa da moeda chamada de Zeca. Onde se produzia o dinheiro e ao mesmo tempo armazenava-se ouro, prata, jóias, etc. 

"Há em Cambaluc a Zeca do grande senhor. Ali faz o Grã-Cã cunhar moedas da seguinte forma: pegam na casca das árvores, geralmente das amoreiras, dessas de que o bicho-da-seda devora as folhas, e com a pele que há entre a muito escura, quase preta. Estes papéis ou tiras cortados de vários tamanhos, quase sempre compridos e estreitos; aos mais pequenos, dá-se valor de metade de um soldo; outros, maiores, valem um soldo, outros, meio ducado de Veneza, e outros dois ducados, cinco ou dez, outros valem um bizâncio, outros, três bizâncios, e assim, até dez bizâncios. Todos estes papéis e cartões tem o selo do Grã-Cã". (POLO, 2009, pp. 138-139).

Marco também conta que na China todos os mercadores eram obrigados a utilizaram o papel-moeda, no caso de se trouxessem ouro, prata, jóias, etc., eles deveriam ir a postos e trocar tais mercadorias pelas cédulas. E quando uma cédula ficava velha, suja e rasgada, podia-se ir até a Zeca e trocá-la por uma nova. 

Embora na China utiliza-se o papel-moeda, no restante do império ele não era utilizado, mesmo que houvessem boas estradas e o sistema de correio fosse eficiente, o fato do "banco central" ser em Pequim e único, dificultava a disseminação dessa prática no restante do vasto império. 

O carvão

Outra maravilha que Polo relata diz respeito ao carvão, até então desconhecido na Europa, embora que no continente ainda hoje existem escassas minas de carvão. De fato, o carvão mineral europeu, só começou a ser explorado em massa, durante a Revolução Industrial no final do século XVIII, mas de quinhentos anos depois de Marco Polo falar a respeito de sua utilização na China.

"Há em toda a província de Catai, umas pedras negras, que são arrancadas das montanhas, como os minerais, e queimadas como se fossem pedaços de madeira. E o fogo é mais intenso e resistente que o da madeira; e, se as ascenderem ao principio da noite, guardam o lume até de manhã. Em toda a província de Catai queimam essas pedras. Não faltam bosques que dêem madeira para queimar, mas essas pedras custam menos e duram mais". (POLO, 2009, p. 143).

Hoje a China é o maior produtor de carvão do mundo e o maior poluído ao mesmo tempo, já que muitas usinas de energia do país funcionam a base de carvão.

A serviço do imperador

Depois de dedicar-se a falar da benevolência do imperador, da casa da moeda, do carvão, dos correios, dos barões, das caçadas, das festas, das estradas, palácios, etc., Marco começa a narrar sua jornada pela China como embaixador do imperador. Assim, no restante do Livro II ele narrará essa sua longa jornada, que na realidade consistiu em várias jornadas, as quais ele narra como tendo sido uma única e grande viagem. 

"Misser Marco, em pessoa, foi enviado como embaixador do Grã-Cã às terras do Poente, e se ausentou de Cambaluc, tendo viajado pelo espaço de quatro meses. Referir-vos-ei o que viu na ida e no regresso". (POLO, 2009, p. 144).

Possivelmente essa primeira viagem tenha ocorrido entre 1277 e 1278, já que Marco não deixou datas acerca de suas viagens. Entretanto, as viagens que se seguem após essa, consistiram em várias expedições, já que nem sempre o caminho seguido por ele é linear assim como ele aponta em seu relato no livro.


Pintura retratando Marco Polo vestido como um mongol.

Marco deixou Cambaluc e partiu em direção ao rio que ele chama de Polisangio (tal palavra é de origem persa é significa "ponte de pedra". Nesse caso, o rio não se chamava dessa forma), o qual possui uma ponte de pedra com vinte e um arcos e vinte e um pilares. Tal rio deságua no mar, e é a rota de travessia de vários barcos. 

Atravessando a ponte, ele seguiu viagem por cerca de 30 milhas ainda para o Poente (oeste) até chegar a cidade de Guioguim (atualmente Zuoxhian no Hopeh ou Hebei). 

Marco diz que a população vive do comércio e da indústria, produzem brocados de ouro e de seda e possui muitas hospedarias. Ele diz que seus habitantes são idólatras e possuem muitos templos. Nesse caso, não se sabe dizer ao certo se ele estava se referindo aos budistas ou ao taoismo, religião comum da China. Ele diz que de Guioguim seguiu viagem para oeste em direção a província de Tainfu (hoje a província de Shanxi). No caminho ele descreve que existem muitas cidades, castelos, fábricas e campos de trigo. Nesse caso entenda-se fábrica como uma produção artesanal, e não como as fábricas a partir da Revolução Industrial. 

"Ao sair de Guioguim, após dez jornadas de marcha, encontra-se o reino de Tainfu, cuja capital é a cidade de Tainfu, grande e formosa; faz-se ali muito comércio e muita arte. Nesta cidade fabricam as armaduras necessárias ao exército do Grã-Cã. Há vinhedos e excelente vinho, que esta cidade fornece a toda a província. Há criação de bichos-da-seda, e muita indústria de brocados e sedas". (POLO, 2009, p. 146).

A cidade de Tainfu equivale hoje a capital da província de Shanxi, a cidade de Taiyuan. Ainda viajando por essa província, Marco visitou mais duas cidades, Pianfu (hoje Lin-fen) e Caitui (atual Chiensien).  Acerca de Pianfu ele diz que consiste numa cidade muito rica, na qual se produz muita seda. Daí ele pare para falar de Caitui.

Caitui e o castelo do Rei de Ouro

"A duas jornadas para Poente de Pianfu há um belo castelo chamado Caitui, que outrora um rei, chamado Rei de Ouro, mandou construir. Neste castelo há um grande palácio que, numa das suas grandes salas, exibe muitos retratos e pinturas de todos os reis que outrora reinaram nesta província". (POLO, 2009, p. 146).

O Rei de Ouro que marco se refere, correspondia a Dinastia Kin ou Jin, que em mandarim, a palavra Kin significa ouro, logo seus reis se proclamavam "reis de ouro". A segunda Dinastia Kin durou de 1115 a 1234, sendo conquistada definitivamente por Ogodei Khan, segundo imperador mongol, terceiro filho de Gengis. 

Nessa época a China estava dividida novamente em reinos, e os Kin governavam ao norte, estando diretamente em confronto com os oenguts e os mongóis. Nesse caso, Marco volta a falar a respeito de Preste João, dizendo que um dos "reis de ouro" o combateu. De fato, os Kin lutaram contra os oenguts, os quais Marco considera como o povo de Preste João.

O rio Caramorã (Rio Amarelo)

Deixando Caitui, ele partiu cerca de 20 milhas para o Poente em direção ao rio Caramorã (Karamurem em mongol "rio negro"). Marco diz que o rio é muito caudaloso e largo; ele nasce nas montanhas e deságua no mar. Ao longo de seu curso, existem muitas povoações e muito tráfico. Ao longo das margens se encontram muitas moitas de gengibre e muitos faisões. Seguindo o curso do rio, chega-se a uma cidade chamada Caciã-fu (hoje Tongguan), uma cidade comercial e grande produtora de brocados de seda. Deixando Caciã-fu, ele volta a seguir viagem indo em direção a grande cidade de Quengiã-fu


Vista aérea de um dos trechos do Rio Amarelo. Karamurem em mongol e Huang He em mandarim. 

Quengiã-fu

"Quando se deixa a cidade de Caciã-fu, cavalgam-se oito jornadas para o Poente, encontrando sempre amenos parados, povoações, cidades, aldeias e castelos, jardins e campos muito férteis; depara-se então com a cidade de Quengiã-fu. Toda a comarca está cheia de amoreiras, que servem para a criação dos bichos-da-seda. Os habitantes são idólatras. Há abundância de pássaros e toda a sorte de animais. É grande cidade no comércio e na indústria". (POLO, 2009, p. 148).

Quengiã-fu corresponde hoje a cidade de Xi'an, capital da atual província de Shaanxi. Marco conta também que em tal cidade era governada por um dos filhos de Kublai, chamado Mangalai. De fato, Mangalai realmente governou tal cidade, vindo a falecer em 1280. Por esse fato, essa viagem que Marco narra, aconteceu antes de 1280. 

Deixando Quengiã-fu, Marco parte um pouco para oeste, adentrando a região montanhosa do Vale de Wei, o qual é cortado pelo rio Wei. Através desse vale ele segue direção para o sul. Ele chama essa região de província de Cunchim.

Província de Cunchim e Arbalec Mangi

Partindo de Quengiã-fu, cavalga-se três dias para o oeste através de uma planície a qual ele diz ser bela e repleta de cidades, vilas e castelos. A região é rica em seda e frutas. No entanto, continuando para o sul chega-se ao Vale de Wei, o qual Marco chama de Cunchim. 

Marco diz que a região é montanhosa, há poucas vilas, mas muitas fortalezas. A população é idólatra, vive da agricultura. A região é perigosa, devido a ter-se muitos animais selvagens, como ursos, leões e lobos. Após vinte dias de viagem, chega-se a província de Arbalec Mangi (Agbalik Manzi "cidade branca". Corresponde ao autual distrito Hanzhong ainda em Shaanxi). 

Marco fala que em Arbalec Mangi produz uma grande quantidade de gengibre, trigo, arroz e outros cereais, que abastecem outras províncias. Na região, há muitas plantações, vilas e aldeias, além de haver leões, ursos, lobos e muitos gamos (tipo de veado), dos quais extraem-se o almíscar, para produzir-se perfumes. O almíscar pode ser extraído de algumas plantas e da glândula de alguns animais. 

Sindufu

"Percorridas vinte jornadas para o Poente, nos confins de Mangi, está a província de Sindufu. A capital chama-se também Sindufu, e tem grandes e poderosos reis. Mede 20 milhas de circunvalação; mas está dividida da seguinte maneira: ao morrer, o rei deixou três filhos, e assim a cidade dividiu-se em três partes; cada qual tem um muro de defesa, separando-a das outras; mas estes muros, por sua vez, estão dentro da muralha da cidade. O rei, que era muito rico e poderoso, deixou grande tesouros para os três filhos. Mas o Grã-Cã conquistou este reino e o destronou os três reis". (POLO, 2009, p. 150).

A província de Sindufu que Marco se refere, equivale hoje a província de Sichuan, logo a capital de Sindufu, corresponde a atual cidade de Chengdu, capital de Sichuan. Nessa etapa da viagem, Marco já atravessou o rio Amarelo, o qual ficou para trás e agora se encontrava próximo ao rio Azul (Yangtzé em mandarim). Marco chama esse rio de Quiansui, uma variação da tradução da pronúncia do rio. Na realidade, embora ele refira-se ao Yangtzé, na cidade de Chengdu o rio que a cruza, é um afluente do Yangtzé, chamado Min

Marco diz que o rio é longo e largo, havendo uma grande ponte que o atravessa, e centenas de barcos que navegam por suas águas. 


Mapa hidrográfico da China com alguns dos principais rios e seus afluentes. Em destaque o rio Azul (Yangtzé) e o rio Amarelo (Huang He).

Marco conta que a população é idólatra, vive da agricultura, a região possui boa terra para o cultivo e para pastos, produzem também muitos tipos de tecidos. Há muitos leões e leopardos por essas terras, daí as pessoas costumarem a andarem em grupo e armadas. 

Província do Tibet

Partindo de Sindufu, Marco chegou a uma província pouco habitada, chamada de Tibet. No entanto, o Tibet que ele se refere, não corresponde ao território do atual Tibet. Nesse caso, ele chama de Tibet, a região montanhosa da atual Sichuan, onde se encontrava. O Tibet em si, fica mais para cima a oeste. 

Marco conta que a região é pouco habitada por que o imperador Mongke Khan liderou várias guerras por essas terras, destruindo muitas vilas e cidades. Acerca da região, ele diz que, há muitas canas (bambu), de grande altura, sendo muito boas para usar como tocha a noite para se manter afastado ursos, leões, lobos e leopardos, os quais existem em abundância por essas terras. Ele também conta que o som dos bambus se batendo ao sopro do vento, assusta os cavalos e os viajantes medrosos, os quais acreditam que sejam feras espreitando ou espíritos maus. 

Ele também fala acerca do casamento nessa província como ele procede, diz também que os homens criam muitos cães de caça e de guarda, para se protegerem das feras. Há muitas cabras das quais se extraem almíscar; não usam o dinheiro de papel e nem de outro tipo, fazem comércio a base de escambo. Marco diz que essa província é pobre e extensa, possuindo oito "reinos". Produz se em grande quantidade canela, panos de ouro, brocados de seda e chamalotes, mesmo assim em grande parte a vasta província ainda é pobre. Marco diz também, que as mulheres usavam colares feitos de conchas e pedaços de coral, os quais eram bem apreciados entre este povo. E que os adivinhos eram na realidade bruxos diabólicos. 

Província de Caindu

Caindu corresponde hoje ao sul da atual província de Sichuan. Marco conta que nessa província havia muitas pérolas e turquesas, as quais só podiam ser coletadas em dada quantidade, já que o imperador proibia a exploração constante dessas jazidas. Ele também conta que os habitantes eram muito solidários e chegavam até mesmo a oferecerem as mulheres de sua casa aos hóspedes, enquanto eles residissem por lá.

Os habitantes dessa província não usavam o dinheiro de papel, mas fabricavam seu próprio dinheiro feito de sal cozido, o qual era colocado em pequenas formas, e aquecido no forno, assim cunhavam suas "moedas de sal". Na província havia muitas cabras das quais extraiam-se almíscar de boa qualidade, há gergelim e canela em abundância e faz-se um vinho feito de trigo, arroz e ervas aromáticas, o qual Marco diz de ser de bom gosto. 

Deixando Caindu ele partiu para o sul, cruzando o rio Brius (nome dado a um dos braços do rio Azul por ele), passando por prados, vilas e castelos, havendo caça e canela em abundância. Finalmente ele chegou a Caraiã (Karadjan "reino negro" em mongol). 

Província de Caraiã

Caraiã corresponde hoje a província de Yunnan, naquela época, tal região não fazia parte da China, era um pequeno reino o qual fora conquistado em 1253 por Kublai Khan, daí Marco dizer que se encontrava fora do Catai (China), embora que hoje faça parte da atual China. 

Marco diz que a província de Caraiã é dividida em "sete reinos" sendo muito extensa. O povo é idólatra e era governado por um dos netos de Kublai, Cogatim (no livro Marco o identifica como seu filho, mas possivelmente deve ter se confundido, já que o Cogatim assumiu após a morte de seu pai). 

Marco fala que na região criam-se bons cavalos e os homens são bons cavaleiros, e o povo vive basicamente da agricultura e da coleta de frutos. Possuem língua própria a qual ele diz ser de dificil aprendizado. Entretanto, seguindo mais para o sul, chega-se a cidade de Jazi (hoje Kunming, capital de Yunnan). Nessa cidade, há cristãos nestorianos e muçulmanos, o povo se alimenta basicamente de arroz, pôs o pão de trigo é muito ruim. Existem muitas salinas na região, e muitos vivem do comércio de sal. As pessoas dali usam conchas como dinheiro e até mesmo adornam as coleiras dos cães com conchas.

Ele também fala a respeito de um vasto lago que contêm os melhores peixes do mundo (entretanto ele não especifica que lago seria esse). Continuando a viagem para o sul, Marco diz que há muitas pepitas de ouro nas margens dos rios e dos lagos, e há muitas serpentes, cobras enormes (provavelmente ele deva está se referindo as pítons). Marco descreve como os nativos faziam para caçar essas serpentes, e quando mortas, extraia-se um "fel" com o qual fazia-se remédios. Ele diz que tal remédio era bem útil para vários tipos de problemas.

Deixando Caraiã ele partiu para a província de Zardandã.

Província de Zardandã

Nessa etapa da viagem, Marco cruzou o rio Mekong e se encontravam bem próximo das atuais fronteiras da China com a Birmânia (ou Myanmar). Ele diz que a província de Zardandã estava sob os domínios de Kublai, são idólatras, a sua capital chama-se Nociã (equivale ao atual cidade de Baoshan).

Os homens dessa província usam dentes de ouro, e as mulheres são proibidas de usá-los. Os homens dedicam-se a caça e usam falcões para fazê-la. As mulheres cuidam dos afazeres domésticos, mas possuem escravos para ajudá-las. Quando nasce um filho varão, por 40 dias o pai deve ficar em casa, cuidando do bebê, passado esse tempo, ele volta a sua rotina. Isso de acordo com Marco é um costume desse povo, a cada filho varão nascido é dever do pai acolhe-lo e cuidar dele nesses primeiros quarenta dias de vida. 

Marco fala que eles comem carne crua e cozida, e comem arroz com outros condimentos. Bebem um vinho de arroz com especiarias. Possuem moedas de ouro e de conchas, são idólatras, não possuem alfabeto e não sabem ler e escrever. Ele também diz que não há médicos por ali, são os magos que curam as pessoas com feitiçaria. 


Mapa atual da China, retratando as cidades que Marco Polo visitou e fez menção em sua jornada, seguindo seu itinerário de Cambaluc (Pequim) à Nociã (Baoshan). Mapa organizado por mim.

Ainda em Zardandã, Marco em seu livro narra a história da conquista dos reinos de Mien e Bengala realizada por Kublai Khan. Ele diz que tal façanha ocorreu em 1272, tendo o príncipe Nesradin sido o responsável pela vitória dos mongóis. Na realidade, tal conflito ocorreu e de fato, mas fora em 1277 e 1278. Provavelmente Marco deve ter estado nessa região bem depois dessa data, mas não se sabe porquê ele disse que aconteceu em 1272. 

O reino de Mien corresponde a atual Myanmar (Birmânia) e o reino de Bengala, compreenderia uma parte do atual território da Índia. Após relatar brevemente o desenrolar da batalha. Marco de fato deixou os domínios da China e adentrou no território de Mien continuando com sua viagem.

O Reino de Mien e os unicórnios

Deixando Nociã em Zardandã, Marco seguiu por uma estrada a qual descia por um vale. Por dois dias e meio de viagem ele seguiu por essa estrada, vendo poucas vilas e mercados, no entanto ele descreve a região sendo quente e de florestas densas e verdejantes, havendo muitos elefantes e unicórnios. Marco, conta em seu livro que o unicórnios não se pareciam com aquelas criaturas brancas, belas e parecidas com um cavalo, na realidade eram cinzas, atarracados e feios. Nesse caso, ele confundiu os rinocerontes-indianos (Rhinoceros unicornis) com a lenda do unicórnio.


Marco Polo confundiu os rinocerontes com os unicórnios. Para ele, essas estranhas criaturas deveriam ser o tal unicórnio de que as lendas falavam. 

Ainda sobre Mien, ele passa a contar a história da capital desse reino, na época Pagan ou Bagan (hoje na província de Mandalay). Onde ele fala a respeito da história de um rei que ordenou a construção de duas imponentes torres, uma coberta por folhas de ouro e a outra por folhas de prata. Não se sabe ao certo se isso é uma lenda, ou realmente existiram tais torres. De qualquer forma, Marco conta que as torres  eram tão belas, que Kublai evitou de destruí-las.


Mapa com a atual divisão administrativa de Myanmar. Marco chama a região, de Reino de Mien. Em destaque a cidade de Pagan, a qual Marco visitou e descreveu. Mapa organizado por mim.

"Nesta província há elefantes e bois selvagens, grandes e formosos; cervos, gazelas, cabritos, e toda a espécie de animais, em abundância". (POLO, 2009, p. 165).

Província de Bengala

"Bengala é uma província do Meio-Dia que, até o ano de 1290 da era de Cristo, em que Misser Marco estava na corte do Grã-Cã, não pertencia ainda a este; mas suas hostes preparavam-se, então para conquistá-la. Essa província tem um rei e língua própria. São os mais fanáticos idólatras. Confinam com a Índia. Há aqui muitos eunucos, e dali os levam os barões e senhores para as suas cortes". (POLO, 2009, p. 166).

De fato, Kublai nunca conseguiu conquistar a Índia. Nessa região da Ásia, seus exércitos subjugaram Myanmar, entretanto a Índia, o Laos e o Vietnã ficaram de fora dos domínios mongóis. 

"Os bois são quase tão grandes como os elefantes, mas não tão gordos. Os indígenas alimentam-se de carne, leite e arroz; são muito ricos, pois comerciam em especiarias, gengibre, açúcar e outras coisas variadas, todas de elevado preço. Os mercadores vêm aqui comprar eunucos e escravos para os venderem em outras terras". (POLO, 2009, p. 166). 

Província de Cangigui

Cangigui corresponde ao antigo Reino de Tonkin, localizado na parte norte do atual Vietnã. Entretanto, tal reino fazia fronteira com o Laos a oeste e a China ao Norte. Não se sabe ao certo se Marco chegou a visitar essa região propriamente. 


Mapa do expansionismo do Vietnã. A área em amarelo escuro correspondia ao território do antigo Reino de Tonkin. A partir de 900 os vietnamitas começaram a expandir seus domínios, indo cada vez mais para o sul. 


Marco conta que embora Cangigui seja livre do domínio mongol, o reino paga tributo a Kublai, em troca ele não é atacado pelos mongóis. Não obstante, Marco fala que tal reino o povo é idólatra, possuem língua própria. O rei possui 300 mulheres.

Nessa província segundo seu relato, a abundância de ouro, entretanto, não são bons navegantes, logo o comércio é feito por terra, o que o limita. A população come carne, arroz e leite, e produzem um vinho feito de arroz e especiarias.

Marco também conta que as pessoas dessa província pintam o corpo co agulha em brasa, desenhando leões, dragões, pássaros e outra imagens, tais desenhos não saem nem com água e nem se esfregando bem. Nesse caso, tais pinturas tratam de  tatuagens que os nativos faziam. Ele diz que quanto mais tatuagens essa pessoa possui, é sinal de status, significando que essa pessoa possui nobreza e ao mesmo tempo é vista como mais bela do que as de mais.

Província de Amu 

Amu equivale a região de Annan, localizada hoje na parte meridional do Vietnã. Entretanto a curta descrição que Marco faz dessa região, levou alguns historiadores a questionarem se realmente ele estava falando dessa região, ou apenas atribuiu o nome Amu para uma pequena província ainda na porção norte do Vietnã, já que as descrições possuem mais semelhança com a geografia do norte do que do centro. Isso também é um indicativo a mais para que Marco não tenha visitado essa região.

Sobre Amu, ele diz que tal província era tributária de Kublai, a população era idólatra e vivia do pastoril e da agricultura. Os homens e as mulheres usavam grossas argolas de ouro e prata como braceletes e tornozeleiras; criam búfalos, vacas e formosos cavalos. A região possui bons prados e pastos, logo a abundância de mantimentos. 

Deixando os relatos sobre Amu, Marco voltou a seguir para viagem para o norte, retornando para a China. Ele se dirigiu para a província de Tolomã.

De volta a China, a província de Tolomã 

Muitos historiadores apontam que Marco na realidade visitou apenas o Mien, hoje Myanmar, e os relatos que ele faz de Bengala e do Vietnã, fora baseados em histórias que ele ouviu, logo, nessa parte do texto ele fala de uma província chamada Tolomã, a qual se localiza em território chinês, o que indica que Marco deixou o Mien e voltou para o norte, seguindo outra estrada.

Nesse caso, os historiadores e geógrafos se divergem entre si. Uns dizem que Tolomã compreenda a porção nordeste da atual província de Yunnam, entretanto outros sugerem que Tolomã fique mais para o leste, compreendendo a atual província de Guangxi, a qual de fato fica ao norte do atual Vietnã e da província nomeada de Cangigui, como Marco fala.

De qualquer forma, acerca dessa província ele diz o seguinte:

"Tolomã é uma província do Levante. Os indígenas são idólatras, têm idioma próprio e pertencem ao Grã-Cã. São gente muito garrida, não muito branca, mas morena e bem aparentada. Têm aspecto de guerreiros. Têm cidades, mas sobre tudo fortalezas e castelos na montanha". (POLO, 2009, p. 167).

Marco fala que as pessoas quando morriam eram cremadas, e seus ossos e cinzas guardados em vasos e colocados em cavernas nas montanhas. Há também grande abundância em outro nessa província, no entanto a moeda que eles utilizavam é feita de porcelana. 

A próxima parada de Polo fora em Cingui.

Província de Cingui

De fato, provavelmente Marco não chegou também a visitar a província de Tolomã, já que se itinerário como é descrito parte da cidade de Jazi na província de Zardandã, onde ele segue viagem para ao norte, viajando pelo rio Min (afluente do rio Azul), até chegar a província de Cingui (hoje o distrito de Yibin em Sichuan). 

Marco diz que Cingui fica a doze dias de viagem de Tolomã seguindo para o norte, depois disso atravessa o rio, o qual é margeado por várias povoações, então ele seguiu viagem de barco por mais doze dias até chegar a nobre capital de Cingui, também chamada de Cingui (ainda em Yibin). 

"Os habitantes são idólatras e vassalos do Grã-Cã. Tecem das cascas das árvores uns panos magníficos, que suam durante o verão. São guerreiros; não conhecem outro dinheiro senão o papel do Grã-Cã, pois já entramos em terras de onde a moeda de papel de que vos falei". (POLO, 2009, p. 168).

Ele diz que há muitos leões por essas terras, logo as pessoas andam sempre armadas e com cães de guarda ao lado. Nessa região há seda em abundância, a qual é transportada através do rio, no qual existem muitas vilas, portos e pequenos mercados. 

De Cingui, Marco seguiu viagem por doze dias até chegar novamente a Sindufu, de lá ele pegou a estrada bifurcada pela qual veio anteriormente, mas ao invés de pegar o mesmo caminho de volta, ele seguiu pela direção nordeste. E após 70 dias de viagem, ele diz que chegou a cidade de Cacã-fu (hoje a cidade de Hejian, no distrito de Cangzhou na província de Hopeh ou Hebei). Ele não se prende a falar a respeito de Cacã-fu, diz apenas que o povo é idólatra, usa a moeda de papel, há muitos comerciantes, porém nessa cidade há muitos bons artistas. Partindo de Cacã-fu ele seguiu viagem por mais quatro dias para o sul até chegar a Cianglu. 

Cianglu e Ciangli

Cianglu (atual cidade de Cangzhou) fica localizada a oeste de Cacã-fu, Marco diz que consiste numa cidade grande e densamente povoada. Lá se fabricam sal em grande quantidade. Marco diz que não há mais nada de notável a se falar dessa cidade e partir para falar de Ciangli (atual Dezhou na província de Shandong).

Ciangli fica para o sul, seguindo cinco dias de viagem de Cianglu, passando por muitas aldeias, vilas e castelos. Marco diz que a cidade é cortada por um rio (o Grande Canal), pelo qual transportam todas as mercadorias produzidas e comercializadas na região. Nada mais ele relata acerca dessa cidade.

De Ciangli ele parte novamente para o sul, indo para a cidade de Candin-fu.

Candin-fu, Singuimatu e Lingui 

Continuando o relato de seu itinerário para o sul margeando o Grande Canal, Marco faz mais alguns breve relatos de algumas cidades que achou importante.

Candin-fu corresponde a atual cidade de Dongping no distrito de Tai'an em Shandong. Sobre essa cidade, Marco diz que a população é idólatra, vive do comércio e da indústria. Queimam seus mortos, usam dinheiro de papel e possuem abundância em alimentos, já que possuem muitos pomares. 

"Candin-fu era a capital dum grande reino; porém o Grã-Cã conquistou-a e tomou-a pela força das armas. Apesar de ter sofrido um rude cerco, é a mais nobre cidade da região. Seus habitantes são riquíssimos mercadores. Têm seda em abundância". (POLO, 2009, p. 171). 

Marco também fala de uma revolta que eclodiu na região, devido a opressão exercida pelo governado local Lin Tan, o qual governou a região e 1231 a 1262 ano que aconteceu a revolta. No entanto, Marco diz que tal revolta ocorreu em 1273.

De qualquer forma, Marco diz que Kublai enviou dois generais, Aguil (neto de Subotai, um dos grandes generais de Gengis) e Mongatar para controlarem a revolta de Lin Tan, no final esse fora derrotado e decapitado. 

Deixando Candin-fu e continuando viagem para o sul, após três dias, chega-se a cidade de Singuimatu, famosa por suas belas obras de arte. 

"A cidade está dividida em duas partes por um rio, e seus habitantes determinaram que, do lado em que as águas miram o Levante, levariam as suas mercadorias para ali, e na margem oposta fariam seu comércio com o Poente. De forma que uns levam os seus produtos para Mangi e os outros para Catai; e há inúmeros barcos e galeras que sulcam o rio". (POLO, 2009, p. 172).

Partindo de Singuimatu, percorre-se oito dias de viagem, passando por cidades, aldeias e povoações ricas em comércio e indústria, para se chegar a cidade de Lingui (atual Xuzhou na província de Jiangsu), capital do pequeno "reino" de Lingui. Nessa cidade a população é devota a arte da guerra, embora hajam muitos mercadores, agricultores e artesãos. Marco diz que a todo tipo de comida por ali.

Pingui e Singui

Deixando Lingui, Marco seguiu para Pingui (atual Peixiam, no entanto a cidade atual esta em uma zona diferente, já que fora reconstruída há alguns quilômetros devido a construção de uma represa na região que alagou a antiga área da cidade). 

Marco diz que os habitantes são idólatras, queimam seus mortos, usam papel moeda, e na região possui muita caça, que confere abundância de alimentos. Pingui também possui uma vasta produção de seda. Ele diz que essa cidade fica próxima a província de Mangi, a qual será relatada mais a frente.

De Pingui segue-se para Singui (atual Suqian). A cidade fica há dois dias de viagem, cruzando um vale formoso, segundo o relato de Marco. A população é rica, devido ao comércio e a indústria da seda. Ele conta que as terras são muito férteis e o clima é agradável, é um bom lugar para se viver. 

Deixando, Singui ele continua para o sul e chega novamente ao rio Amarelo, no qual descreve a enorme quantidade de barcos que o navegam, ele chega a dizer que avistou em um só dia, 15 mil embarcações ao longo do rio. Antes de prosseguir viagem, ele faz menção a duas cidades, Coigangui (atual Huaian) e Caigui (essa cidade não existe mais). A respeito de Coigangui, ele falará mais a respeito dessa adiante.

A província de Mangi

Nesse ponto do relato, Marco fala da fabulosa empreitada de Kublai Khan para se conquistar o Reino de Mangi (Mangi era o nome dado a porção sul da China, onde a Dinastia Song governava antigamente), o qual era governado por Fagfur (na realidade esse não é o nome próprio desse soberano, mas sim seu título, o que significa "filho do céu" em chinês, porém tal palavra advêm do persa Bagh-pour que significa "filho da divindade"). 


Mapa retratando os reinos de Jin, Song e Nanchao em 1142. Marco Polo, chama a região norte de Catai (Jin) e o sul de Mangi (Song).

Marco diz que o rei Fagfur eram muito rico, possuía muitas terras e a população de seu reino era vasta. O rei era muito apegado as mulheres, possuía várias esposas e concubinas, porém era gentil e caridoso com os pobres. Suas terras eram bem guarnecidas por fortalezas e muros, e havia muitos guerreiros, então no ano de 1268, segundo Marco, Kublai enviou o barão Baiã Chinsa para atacar a região. Chinsa é um apelido que significa "cem olhos" e de acordo com o relato de Marco, o rei Fagfur fora avisado pelos astrólogos, que um "homem de cem olhos" traria a guerra ao seu país. 

Embora de fato Baiã Chinsa empreendeu campanhas militares para conquistar Mangi (Dinastia Song), tais campanhas que ele liderou ocorreram em 1274 a 1276 e não em 1268, como Marco indica. Outro ponto a mencionar, é que ele confunde o relato histórico. Em 1274, quem governava o Mangi não era Fafgur, esse estava morto, mas havia deixado seu filho de 4 anos como herdeiro, porém era a sua avó que governava como rainha-regente a qual em 1276, após dois anos de conflitos contra Baiã, declarou rendição.

Coigangui, Pauchin, Caiu e Cingiu

Após falar da conquista do Mangi, Marco realiza breve relatos sobre algumas outras cidades. 

"Coigangui é uma grande cidade, nobre e rica, situada na entrada da província de Mangi. Os naturais são idólatras e queimam os cadáveres. Pertencem agora ao Grã-Cã. Nela, existem muitas embarcações, barcos e galeras, pois já sabeis que é atravessada pelo rio Coromorã. Ali chegam muitas mercadorias, porque todas as cidades as mandam para ali, a fim de seguirem para todas as partes do mundo". (POLO, 2009, p. 176). 

De Coigangui após uma semana de viagem chega-se a Pauchin (atual Baoying na prefeitura de Yangzhou). A qual é uma cidade localizada as margens do Grande Canal, sendo grande e formosa. Marco diz que na cidade a uma grande produção têxtil, produzindo tecidos de seda, de ouro e de vários outros tipos. Há também grande fartura de alimentos, principalmente devido a sua proximidade com a rota comercial do Grande Canal.

De Pauchin segue-se para o sudeste até chegar a uma cidade chamada Caiu (atual Gaoyou na prefeitura de Yangzhou). Tal cidade é grande e bela, possui abundância em alimentos, especialmente em caça e pesca. Marco diz que há faisões em grande quantidade nessas terras, e que três destes equivalem uma moeda de prata. 

Deixando Caiu, ele seguiu para Cingiu (atual Taizhou). Tal cidade fica a um dia de distância de Caiu, percorre-se uma planície de belos campos, até chegar essa cidade, a qual possui uma grande produção frutífera, além de contar com peixes e caça em abundância. O povo assim como nas cidades anteriores são idólatras, seguem as leis de Kublai e utilizam o papel-moeda.

A cidade possui muitos barcos, os quais em sua maioria são utilizados no transporte de mercadorias, na qual incluem-se o sal, já que como Marco descreve há muitas salinas naquela região, já que a mesma fica a três dias do mar. 

Marco Polo governador

Marco conta que por três anos fora governador da cidade de Iangiu (atual  cidade de Yangzhou). Ele diz que a cidade é tão grande que possui 27 povoações sobre sua juridisção, as quais são grandes vilas de comércio. Essa cidade é governada por um dos doze barões do imperador, mas nesse caso, Marco não especifica qual cargo ele exerceu em Iangiu.

Ele diz que a cidade é muito grande, bela e próspera. Os artesãos produzem couraças e arreios para cavalos de grande qualidade, e os cavaleiros daquelas terras se vestem de forma elegante e pomposa. Ele também fala que muitos senhores das povoações subordinadas vivem na capital Iangiu.

Deixando o breve relato de seu governo (é curioso ele não ter se prendido a não falar mais sobre esse fato, já que diz ter sido governador desta cidade), ele parte para falar acerca da província de Nanguin a qual fica para o oeste. 

Província de Nanguin

Nanguin equivale hoje a subprovíncia de Nanjing ou Nanking, no distrito de Xuanwu. Nas proximidades com o rio Amarelo. Marco diz que tal província é rica e nobre, o povo é idólatra, usam moeda de papel e obedecem ao imperador. Vivem do comércio e da indústria. Há grande fartura de trigo e caça.

Sianfu

Deixando o breve relato sobre Nanguin, Marco passa a falar a respeito da cidade de Sianfu (atual Xiangyang na província de Hubei, na margem direita do rio Han, acerca de 800 km de Iangiu). 

"Sianfu é uma cidade admirável, que tem sob o seu domínio grandes e ricas cidades. É muito industrial e o seu comércio próspero. Os habitantes são idólatras e têm moeda de papel. Queimam os seus mortos e são vassalos do Grã-Cã. Fabricam muito brocado de ouro e seda e toda a sorte de tapetes. Têm caça e tudo o mais que convém a uma nobre cidade". (POLO, 2009, p. 179).

Marco conta que tal cidade persistiu por cerca de três anos aos ataques dos exércitos de Kublai, após esse ter conquistado Mangi (nesse caso, o Mangi fora conquistado parcialmente em 1276 e totalmente em 1279. Entretanto, o cerco a Sianfu ocorreu entre 1268 a 1273, data na qual os Polo ainda não estavam na China). Ele diz que nessa época, ele seu pai e seu tio estavam na corte de Kublai e deram uma sugestão ao imperador a respeito do rumo da campanha para se conquistar Sianfu. 

Os Polo sugeriram a construção de armas de cerco, como catapultas para serem utilizadas no cerco a Sianfu. Marco conta como se tais armas fosse novidades para os chineses, nesse caso, ele em seu relato quis afirmar que os chineses só conseguiram conquistar Sianfu graças ao engenho dos europeus, já que Nicolau e Maffeo coordenaram a construção de tais armas.

O problema dessa versão de Marco é que, os chineses já conheciam essas armas de cerco, e nessa época, já até mesmo utilizavam bombas e canhões primitivos, a pólvora já estava sendo empregada na guerra. Por fim, além de "escorregar" nesse detalhe, o próprio Marco nem ao menos estava na China para ter sugerido essa ideia a Kublai. 

Singiu e o Rio Azul

Marco diz que Singiu (atual Yizeng) não era uma cidade muito grande, mas possuía muitas embarcações e muitas mercadorias. A cidade de Singiu fica a quinze milhas a sudeste de Sianfu, seu povo é idólatra e obedecem as leis do imperador.

Marco conta que a cidade fica as margens de um dos maiores rios do mundo o Quiã (rio Azul ou Yangtzé). Em seu relato ele diz, que o rio chega a ter dez, oito e até seis milhas de extensão, e possui um comprimento para mais de cem dias de viagem. A respeito dos valores dados, de fato, o rio em alguns trechos ele é bem extenso (6.500 km ou 3.915 mi) e realmente, viajando-se a pé, levam-se mais de cem dias, já que o mesmo nasce no Himalaia. 


Uma das três gargantas do rio Azul ou Yangtzé.

"Esse rio passa por tantos lugares e cidades e vai tão longe que é por ele que as maiores riquezas vêm, pois nas suas águas navegam mais barcos do que por todos os mares e rios da cristandade. Dou-vos fé de haver mais de 5.000 embarcações navegando ao mesmo tempo no rio". (POLO, 2009, p. 181).

Caigiu e Cinguianfu

Partindo de Singiu, Marco chegou a uma pequena cidade chamada Caigiu (hoje a cidade de Gazhou em Jiangsu. Nesse caso, ele voltou até o Grande Canal). A cidade, recolhe grande quantidade de arroz e trigo, fica as margens do rio Quiã, possui a população idólatra. Dali pode-se navegar até Cambaluc (Pequim).

Marco deixou Caigiu e seguiu para a outra margem do rio, chegando a cidade de Cinguianfu (atual Zhenjiang). A cidade vive do comércio e da arte, produzindo grande quantidade de obras de arte e as exportando para toda a China. Há abundância de seda, de tecidos de cetim, de ouro, etc., há muita caça e trigo e os mercadores são bem ricos.

Na cidade existem duas igrejas cristãs, edificadas por volta de 1278 por Marsarchis, o qual fora governador dessa província por três anos. Marsarchis era um cristão nestoriano de Samarcanda. 

Chinchigui, Sugiu, Vugui e Vuguin

Continuando para sudeste, Marco chegou a Chinchigui (atual Changzhou). Chinchingui faz parte das principais cidades produtoras de sal do Mangi, logo cogita-se que Marco tendo visitado tais cidades, possivelmente tivesse realizando algum trabalho como fiscal alfandegário ou comercial.

"Ao cabo das três jornadas está a nobre cidade de Chinchigui. São ali abundantes as sedas; os naturais fabricam panos de ouro, cetim e damasco. Há por ali muitos veados e caça miúda. Não carece de nada, pois a terra é rica". (POLO, 2009, p. 185).

A próxima para de Marco Polo fora na formosa cidade de Sugiu (atual Suzhou, uma das maiores cidades atualmente da província de Jiangsu, a oeste de Shangai). Produzem ricas sedas para vestuário, a população é idólatra. Ali vivem poderosos negociantes. Marco diz que a cidade mede mais de quarenta milhas de extensão, possuindo uma população enorme (possivelmente a população nessa época já fosse próximo ou superior a um milhão de habitantes).

Marco também diz que tais pessoas são versáteis na guerra, nas artes, nas filosofias e nas "ciências". Na cidade como Marco conta, havia mais de 6 mil pontes e gengibre em abundância. Sugiu possui 16 cidades sob seu controle, e próximo a ela fica a cidade de Vugui (atual Wujiang).

Marco conta que Sugiu significa "terra" e Vugui significa "céu". Vugui fica a um dia de viagem para o sul, sendo bela e muito industrial e comercial. Deixando essa cidade ele seguiu para Vuguin (a atual Jiaxing na província de Zhejiang). 

"Vuguin é outra bela cidade. Os seus habitantes são idólatras e súditos do Grã-Cã. Usam moeda de papel. Têm seda em grande quantidade e muitas outras mercadorias preciosas. São cultos, hábeis e industriosos mercadores". (POLO, 2009, p. 186). 

Quinsai

De Vuguin, Marco passou por Ciangã (cidade não localizada) e outras pequenas cidades, até chegar a Quinsai a qual ele diz ter sido a capital do Mangi (Dinastia Song). Após três dias de viagem, chega-se a Quinsai "Cidade do Céu". Marco diz que essa cidade é mais bela e nobre do que a própria Cambaluc (Pequim).

Marco baseia seu relato, em um documento entregue por Baiã a Kublai, uma espécie de relatório de guerra. De acordo com esse documento, Marco constrói seu relato preliminar e depois introduziu o que viu na cidade.

"Reza o documento que a cidade de Quinsai tem cerca de cem milhas de circunferência, 12.000 pontes de pedra, pelos arcos das quais passam as maiores embarcações; as de menores dimensões passam por baixo das pontes menores. [...]. Há ali doze misteres e ofícios, um em cada arte; e tem as correspondentes oficinas e armazéns. Para as vendas há 12.000 casas e 12.000 armazéns. As oficinas são dirigidas por um mestre, que tem sob as suas ordens dez, vinte, trinta e até quarenta oficias. Tão grande atividade é devida a que toda a província se fornece desta cidade, assim como as demais cidades do reino". (POLO, 2009, p. 187).

Marco diz que nas proximidades da cidade há um lago com 30 milhas de vastidão, rodeado por imponentes e belos palácios e grandes casas, todos pertencendo aos grandes senhores da região. Há também vários templos pagãos (provavelmente, templos taoistas).

Marco continua a dá outros relatos acerca de Quinsai, dedicando mais algumas páginas ao assunto, entretanto, para evitar delongas ainda maiores nesse texto, encerrarei por aqui acerca de Quinsai, e partirei para as próximas cidades. 

Tampigiu, Ugui, Gigui, Ciangiam e Cugiu

Aqui chegamos no final do itinerário descrito por Marco Polo acerca de algumas de suas viagens pela China. De Quinsai ele partiu para Tampigiu (atual Jiande), uma grande e bela cidade, abundante em muitas coisas. De Tampigiu, ele seguiu para sudoeste, em direção a cidade de Ugui (atual Lanxi), passando por prados verdejantes, castelos e vilas. Sobre Ugui ele não fala nada de importante, e parte para o relato de Gigui (atual Quxian).

No caminho para Gigui, Marco diz haver uma grande quantidade de canas (bambus), sendo os mais altos que já havia visto. Depois de dois dias de viagem de Ugui, chega-se a bela cidade de Gigui, onde a população vive do comércio e das artes. Há uma grande abundância de comidas.

Deixando Gigui ele seguiu viagem para o sudeste, passando por castelos e vilas, atravessando terras, ricas em caça de aves. Ele também diz haver leões e outras feras no interior, e uma grande quantidade de vacas, cabras e porcos, e ao cabo de quatro dias chega-se a cidade de Ciangiam (atual Jiangshan na prefeitura de Quzhou). 

"A quatro jornadas está a cidade de Ciangiam, que é muito grande e formosa; está na encosta dum monte e tem um rio que a divide ao meio, formando o lado alto e o baixo da cidade. Também pertence a jurisdição de Quinsai. Os habitantes são súditos do Grã-Cã e idólatras; vivem do comércio e das artes". (POLO, 2009, p. 193).

De Ciangian ele seguiu viagem para a cidade de Cugiu (hoje Shangrao na província de Jiangxi). Sobre essa cidade ele fala bem rapidamente, dizendo que era bela, que obedecia as leis de Kublai e a população era idólatra.

Fugiu, Quenlinfu, Unquem, Zeitom e Tiungiu

Deixando Cugiu partiu para o "reino" de Concha (corresponderia a atual província de Jiangxi e parte de Fujian), cuja capital era a cidade de Fugiu (atual Fuzhou em Jiangxi).  

A cidade fica a quatro jornadas para sudeste de Cugiu, percorrendo vales e montes, cobertos por cidades e castelos. A população é idólatra, obedecem as leis do imperador, vivem do comércio e das artes, possuindo caça em abundância. No entanto, ele diz que havia muitos leões pelos campos. Marco diz que há abundância de gengibre e uma planta parecida com açafrão, no entanto ele diz que as pessoas nessa terra chegavam a praticar o canibalismo. 

Continuando com sua viagem pelo "reino de Concha", ele chegou a cidade de Quenlinfu (atual Jianou em Fujian), a qual diz possuir três grandes pontes que são muito belas e foram bem construídas. Na cidade há muitos teares para se tecer fios de seda. Há gengibre e galanga (um tipo de gengibre) em abundância, onde se os colhem nas margens do rio. Marco também diz que nessa terra a galinhas sem penas, e possuem a pele negra, no entanto sua carne é deliciosa.

Deixando Quenlinfu e seguindo por três dias de viagem por uma paisagem encantadora, segua-se a cidade de Unquem (atual Nanping, capital de Nanping), a quinze milhas de distância. Lá, Marco apenas fala que a cidade é uma importante produtora de açúcar. Então volta a falar da cidade de Fugiu, para finalmente chegar ao relato da cidade de Zeitom. 

Zeitom era o nome árabe dado a atual cidade de Jinjiang na prefeitura de Quanzhou na província de Fujian. Pelo fato de ser um dos mais importantes portos da China, Marco fala que havia uma grande quantidade de mercadorias de todos os tipos naquela cidade, algumas vindas das Índias e da Arábia. Marco diz que Zeitom é o maior porto de toda a China, vindo mercadorias e pessoas de até mesmo de Alexandria no Egito. 

Ainda nessa região, Marco fala a respeito da cidade de Tiungiu (atual Longquan "Fonte do Dragão", em Lishui na província de Zhejiang). Ele diz que nessa cidade se fazem os mais belos pratos de porcelana do mundo. A terra é muito produtiva, logo há uma grande variedade de cereais e frutas que ali são cultivados e exportados para outros dos "nove reinos" que formavam o Mangi. 


Mapa da atual China com o itinerário descrito por Marco Polo, de Jazi (Kunming) a Tiungiu (Longquan). Na realidade esse itinerário consiste num conjunto de viagens que Marco fez e não e uma única viagem como ele sugere ter sido. Mapa organizado por mim.

Nessa parte do relato, Marco encerra suas histórias acerca da China na cidade de Tiungiu, daqui para frente ele falará de sua viagem de regresso pelas Índias. 

O REGRESSO

A princesa

Entre 1293 e 1294, os Polo iniciaram sua viagem de volta para Veneza, entretanto tal viagem se deu através de uma nobre missão, a qual lhes fora incumbida pessoalmente pelo próprio Kublai Khan. Por volta dessa época, Marco diz que um parente do imperador, chamado Arghun Khan (1258-1291) na época senhor do Ilkhanato, perdeu sua esposa Buluqhan Khatun, uma das exigências que a esposa havia feito era que a próxima esposa que seu marido deveria escolher, teria que ser da mesmo tribo que ela, logo, tal mulher deveria vim da Mongólia.

Assim, Arghun enviou uma embaixada para Kublai, solicitando o envio de uma nova pretendente. O imperador consentiu ao pedido de seu parente, e mandou trazer a mais bela mulher daquela tribo, tal mulher se chamavam Cogatim. A embaixada de Arghun voltaria por mar para casa, entretanto, Kublai decidiu enviar também sua embaixada para saudar Arghun, e dentre os membros da comitiva estavam os três Polo. 

Porém, Arghun morreu em 1291, de fato, Marco diz que quando eles chegaram, souberam que o khan havia falecido e agora seu irmão Gaykhatu o sucedera e esse por sua vez se casou com Cogatim. Pelo fato de ele ter chegado nos domínios agora pertencentes a GayKhatu por volta de 1294, logo é estranho eles terem esperado três anos para partirem. 

De qualquer forma a jornada que ele descreve como sendo a missão de levar a princesa Cogatim, acaba se misturando a vários relatos de histórias que Marco ouviu pelo caminho e até mesmo de relatos de outras viagens que ele teria feito anteriormente. Hoje, alguns historiadores consideram que Marco tenha visitado a Índia, o Sri Lanka e a Indonésia entre 1284 e 1288, logo, algumas ilhas que ele menciona não teriam sido visitadas nessa terceira viagem, de qualquer forma, seguirei o itinerário descrito por ele.

Cipango (Japão)

De fato Marco Polo não visitou o Japão, mas ele fala acerca desta rica ilha como ele diz em seu relato. Marco chama o Japão de Cipango variação da palavra chinesa Je-pen Kuou ("país do sol levante), que originou a palavra Japão. 

"Cipango é uma ilha do Levante, que está afastada da terra 1.500 milhas. É uma ilha muito grande. Os indígenas são brancos, de boa maneiras e formosos. São idólatras e livres, têm um rei próprio, que não é tributário de nenhum outro. Têm ouro em abundância, mas o rei não deixa levar, e por essa razão há lá poucos mercadores e poucas vezes vão ali as naus". (POLO, 2009, p. 200).

Quando Marco falou que os japoneses eram idólatras é porquê eles eram pagãos, o cristianismo só seria introduzido no país no século XVI por missionários portugueses. Até lá, as religiões predominantes eram e ainda são o xintoísmo e o zen budismo. Quanto ao rei que ele se refere, esse de fato é o imperador japonês, entretanto na época que Marco viveu, o Japão se encontrava em seu período feudal, logo o imperador não detinha grande autoridade sobre o país. O feudalismo no Japão durou do século XI ao XIX.

A respeito do ouro, provavelmente isso sejam histórias fantasiosas que Marco ouviu, o Japão não possui minas de ouro e possui poucas minas em seu território, entretanto, Marco descreve luxuosos palácios que se encontravam nessa ilha, e grande abundância de outras jóias, como grande pérolas cor-de-rosa que ele diz haver naquelas terras. 

Tais riquezas teriam levado o imperador Kublai a empreender suas duas tentativas de conquistas, sendo a primeira ocorrida em 1269. Porém, Marco de fato ele está certo em dizer que Kublai tentou conquistar o Japão duas vezes, mas erra em dizer a data. A primeira investida ocorreu em 1274 e a segunda em 1281. Na primeira, dissidências entre os generais sino-mongóis, levaram a derrotas nas campanhas, e na segunda tentativa, um forte tufão, posteriormente chamado Kamikaze destruiu grande parte da frota mongol, levando a se desistir da guerra. 

Não obstante, os relatos de um Japão rico e próspero, levou em 1492. Cristóvão Colombo a acreditar realmente que tal país fosse realmente rico assim. De fato, Colombo em sua viagem, levava consigo uma cópia do livro de Marco Polo. 

Reino de Ciamba

Aqui começa o itinerário da viagem de regresso dos Polo, os quais partiram do porto de Zeitom em direção ao sul, no caminho Marco cita várias ilhas, mas provavelmente ele não as visitou durante essa viagem, mas as teria visitado anteriormente, de qualquer forma, ele diz que uma frota de 14 navios deixou Zeitom e cruzou o Mar da China formado por 7.448 ilhas conhecidas, de lá eles seguiram para o sul e depois de percorrerem 1.500 milhas de viagem, chegaram ao Reino de Ciamba ou Champa (pequeno reino que existiu no sul do atual Vietnã entre os séculos II ao XV). 


Mapa com a localização do Reino de Ciamba ou Champa no século XI, dois séculos antes de Marco visitar a região. 

Marco diz que o reino é muito rico e a terra muito boa. Possuem um rei, idioma próprio e são idólatras (entre as religiões desse reino estavam o hinduísmo e o budismo). Marco também fala que Kublai tentou conquistar essa região e no ano de 1272 enviou seu general Sogatu para liderar seus exércitos.

De fato Sogatu liderou realmente os exércitos de Kublai, mas isso fora em 1282, dez anos depois da data dada por Marco. Entre 1282 e 1285, Sogatu combateu os exércitos do rei Indravarman VI, mas no fim os mongóis acabaram sendo derrotados e Sogatu morreu em combate em 1285. Em 1288, Kublai enviou uma comitiva afim de realizar um acordo de não-agressão com o rei Indravarman VI, nessa comitiva seguiu Marco Polo, como o próprio diz em seu relato.

Marco conta que nesse reino havia elefantes em grande quantidade, havia também muitas aloés e ébanos, madeiras de grande qualidade. Ele também conta que o rei possuía 472 filhos e tomava qualquer mulher que quisesse para si. O acordo proposto, era que a cada ano, o rei deveria enviar um número x de elefantes para Kublai, se o acordo não fosse cumprido, o imperador enviaria seus exércitos novamente.

A ilha de Java Maior

"Quando saí de Ciamba, entre o Meio-Dia e o Sudoeste, a umas 1.500 milhas de percurso, chega-se à ilha de Java. Segundo navegantes, é a maior ilha do mundo, e tem mais de três mil milhas de costa. Pertence a um grande rei, e os habitantes são idólatras e não pagam tributo a ninguém". (POLO, 2009, p. 206).

Marco chegou a visitar a ilha de Java (hoje compreende território da Indonésia), no entanto ele erra em estipular suas dimensões. Nessa época, a ilha ainda era desconhecida em parte para os árabes e até para os próprios mongóis, assim, ele deve ter ouvido de alguém ou suposto o tamanho da ilha. Tudo indica que ele tenha visitado apenas a porção ocidental de Java. 

"Essa ilha tem grandes riquezas. Tem pimenta, noz-moscadas, galanga, açofeifa, cravo e as especiarias mais raras. Ali vêm de toda parte barcos e mercadores, que compram toda a espécie de mercadorias e fazem grandes negócios. Há ali grandes tesouros. Digo que o Grã-Cã não pôde tomá-los, por ser perigosa a travessia e longo o caminho para alcança-lá". (POLO, 2009, p. 206).

Quando Marco diz que Kublai tentou conquistar essa ilha, realmente isso é verdade. Entre 1292 e 1293, o imperador enviou uma expedição para esse fim, mas seu exército acabou sendo derrotado.

A respeito da grande quantidade de especiarias, esse também é um relato verdadeiro. Nos séculos XVII e XVIII, os holandeses colonizaram Java e ali instalaram colônias de exploração dessas especiarias e de outras que eles introduziram o cultivo nessas terras, como fora o caso do café. 

As ilhas de Tendur e Condur

"Partindo da ilha de Java e navegando entre o Meio-Dia e o Sudoeste, encontram-se, a 700 milhas, duas ilhas, uma grande e a outra pequena, que se chamam Tendur e Condur". (POLO, 2009, p. 206).

Aqui Marco não identifica seu paradeiro, apenas diz que navegando-se para sudoeste, logo, ele não poderia ter saído de Java e ido para Tendur e Condur, já que as duas ilhas ficam a norte de Java, e correspondem ao arquipélago de Con Son no Vietnã, próximo ao delta do Mekong. Isso indica que a referência que Marco faz a localização dessa ilha, advenha de outra viagem que ele fizera e não desse itinerário que ele relata.

Marco diz que a 50 milhas dessa ilha, se encontra uma província chamada Loachim (provavelmente o antigo reino de Langkasuka na parte sul da atual Tailândia e norte da Malásia). Ele diz que essa província é muito grande e rica e sua população é idólatra, possuem rei e língua própria e não são tributários de ninguém.


O reino de Langkasuka, chamado de Loachim por Marco. Compreendia parte do território sul da atual Tailândia e do norte da atual Malásia.

Marco fala que o rei dessa província é muito desconfiado dos estrangeiros, pois acredita que estes queiram roubar seus tesouros os quais existem em abundância. Ele diz que há muitos elefantes, caça e ouro além de bisso (fios produzidos por alguns moluscos, como o mexilhão). 

A ilha de Pentã e o reino de Malaiur

"Partindo de Loachim, e a 500 milhas para o Meio-Dia, encontra-se a ilha, chamada Pentã, que é muito rochosa. Está coberta de florestas, com plantas aromáticas, árvores de madeiras odoríferas e de grande utilidade". (POLO, 2009, p. 207).

Pentã corresponde a atual ilha de Bintan no sul da península malaica, pertencendo ao território de Cingapura. Marco diz que dessa ilha segue-se cerca de 60 milhas até a ilha de Malaiur, isso corresponde a distância de Bintan  a Batam, ambas as ilhas se encontram no Estreito de Cingapura.

Entretanto o reino de Malauir a qual ele se refere, não fica localizada nessa região, tal "reino" corresponde a porção oriental da ilha de Sumatra, localizada a sudeste dali. Marco curiosamente em seu relato irá posteriormente falar de Sumatra, porém ele não cita novamente Malauir como sendo um dos "reinos" existentes nessa ilha. De qualquer forma, ele diz que Malauir era próspera no comércio de especiarias. 

A ilha de Java Menor (Sumatra)

Java Menor refere-se a ilha de Sumatra, e nesse caso, Sumatra é bem maior do que Java. Entretanto, como Marco desconhecia o verdadeiro tamanho dessas ilhas e só visitou algumas partes delas, logo ele tenha se confundido com suas proporções. Segundo seu relato, ele passou cerca de cinco meses nessa ilha. 

Sobre Sumatra, ele diz alguns fatos curiosos e legendários. Primeiro, de acordo com seu relato, de Pentã ele teria seguido para Java Menor, onde existem oito reinos com oito reis (nesse caso ele não inclui o reino de Malauir). A população dessa ilha é idólatra e possuem língua própria. Há abundância de madeira aloé (aqui no Brasil tal planta é conhecida como babosa), nardos e outras especiarias. 

Existe um reino chamado de Ferlec (corresponde ao território da atual cidade de Peureulak na província de Aceh), tal reino fora fundado por sarracenos onde fora introduzido o islamismo, assim como Marco conta. De fato, a Indonésia é o país com o maior número de muçulmanos no mundo. 

Ele conta que a população das cidades aceitaram a "Lei de Maomé", no entanto a população que vive nas montanhas e nas florestas são um monte de "bárbaros canibais".

Partindo de Ferlec, Marco seguiu para o reino de Basmã (correspondia ao antigo Reino de Pasei, hoje localizado nos domínios da cidade de Lhokseumawe, ainda na mesma província de Aceh), onde a população  era idólatra e selvagem, vivendo quase como animais. Ele conta também que há muitos elefantes, búfalos, unicórnios (rinocerontes), cisnes de todas os tipos e grandes gaviões negros como o carvão. Ele também diz que os pigmeus dessa ilha na realidade não eram anões em si, mas macacos capturados pelos homens, os quais raspavam seus pelos, deixando apenas uma espécie de barba, e assim os vendiam aos mercadores, dizendo serem pigmeus de Java. 

Deixando Basmã ele seguiu para o reino de Sumatra (localizado ainda na província de Aceh), o qual deu o nome para toda essa ilha posteriormente. 

"Nas proximidades de Basmã encontra-se o reino de Sumatra que pertence a mesma ilha, e onde eu próprio, Marco Polo, vivi cinco meses, na época em que nos não deixaram continuar nossa viagem". (POLO, 2009, p. 209).

Não se sabe ao certo quando aconteceu tal fato que Marco elucida, já que o mesmo visitou essa região entre 1284 e 1288 e depois a partir de 1294. Não obstante, ele também não diz os motivos por que ficou preso naquela ilha por cinco meses. Sabe-se que ele estava em companhia de sua tripulação e outros homens da embaixada. Marco conta que o rei desse reino era muito rico e poderoso e se dizia ser súdito de Kublai Khan, entretanto os mongóis não possuiam domínios naquela região da Ásia. Não obstante, ele diz que o povo vive basicamente do arroz e da carne, e são muito selvagens e arrogantes. 

Dragoiam é outro reino que se localiza em Java Menor, como Marco diz. Tal reino não fora localizado precisamente, mas pela descrição que ele faz ele deveria ficar ao sul dos três reinos anteriores, possivelmente nas montanhas localizadas na atual província de Sumatra do Norte

Sobre esse reino, Marco fala a respeito do seu estranho ritual funerário. Ele conta que quando uma pessoa adoecia, chamava-se os feiticeiros para tratá-la, e quando não havia forma de se salvar a pessoa, ela era morta para lhe poupar sofrimento. No entanto, o falecido não era enterrado, mas sim era cozinhado e comido por seus parentes. Tratava-se de um ritual antropófago, algo realizado por outros povos e outros cantos do mundo, mas abominável para os cristãos. 

O próximo reino a ser descrito era o de Lambri (localizado no noroeste de Aceh), o qual dizia ser súdito de Kublai. Os seus habitantes eram idólatras, havia bisso, cânfora e ervas finas em abundância naquelas terras. Marco também diz que nesse reino existem uns homens selvagens que vivem nas montanhas os quais possuíam caudas. No entanto devo lembrar, que ele de fato não chegou a visitar toda a ilha, e isso deve tratar de alguma lenda local, já que ele não descreve mais nada desses misteriosos homens com cauda.

O reino seguinte a ser descrito é o de Fanfur (localizado na costa noroeste da ilha no território da cidade de Barus). Ele fala que o reino é independente, tem seu próprio rei e seus habitantes são idólatras e se dizem ser vassalos do Grã-Cã. Ele diz que nessa região cresce a melhor cânfora do mundo, chamada cânfora-fanfuri. Nessa terra não há trigo e nem outros cereais, o povo se alimenta de arroz e leite. Entretanto, ele diz que os nativos extraem um tipo de  substância de uma certa árvore a qual ele não identifica, e dessa substância se faz uma farinha muito agradável de se comer. 


Mapa com as atuais divisões de Sumatra na Indonésia. Em destaque os "reinos da ilha de Java Menor" mencionados por Marco Polo. Mapa organizado por mim.

Marco não chega a relatar os ditos "oito reinos", ele menciona apenas seis, e possivelmente só tenha conhecido três destes. Daqui ele diz ter partido para a ilha de Gavenispola (atual ilhota de We na costa noroeste de Sumatra) e de lá continuou a navegar para o oeste em direção ao Ceilão. 

As ilhas de Neucrã e Angamã

Em seu trajeto para o Ceilão (atual Sri Lanka), ele passou por duas ilhas, Neucrã (atual ilhas Nicobar), na qual ele diz que a população andam nus, tanto homens e mulheres, que não tem nada a se temer. Nessa ilha também crescem gigantescas árvores, e possui sândalo vermelho, nozes da Índia, cravo, bisso e outras especiarias em grande quantidade. Dessa ilha ele continuou seguindo viagem e passou perto de Angamã (atuais ilhas Andaman).

Ele diz que Angamã é uma grande ilha, sem lei e nem rei. Os habitantes são pagãos e selvagens, e curiosamente nessa ilha existem uma raça de "homens-cães".

"Nessa ilha, os homens têm a cabeça e dentes de cão, e a sua cara parece-se com a dos mastins. São muito cruéis e comem quantos homens possam apanhar e que não sejam da sua tribo". (POLO, 2009, p. 212).


Mapa com os atuais países do sudeste Asiático. No mapa pode-se ver os locais mencionados por Marco Polo. Mapa organizado por mim.

Ceilão (Sri Lanka)

Nessa parte do livro, Marco narra como se tivesse partido de Java Menor e chegado ao Ceilão, entretanto, de fato ele deve ter passado por essa ilha novamente, mas por algumas das histórias que ele conta, sugere que ele tenha viajado para essa ilha em 1284, quando Kublai enviou uma embaixada para lá. 

Marco conta que a ilha fica a 1.000 milhas de distância de Angamã, é uma ilha grande e bela, possuindo cerca de 2.500 milhas de extensão. Nela vivia um poderoso e rico rei chamado Sandemai (na realidade seu nome era Parakhama-bahou IV, o qual governou de 1291 a 1326). 

Ele diz que a população é idólatra e esse é um reino livro, não sendo vassalo de ninguém. Andam quase nus, cobrindo apenas o sexo, as nádegas e no caso da mulheres, os seios também. Não há cultivo de trigo, mas cultivam em grande escala o arroz. Há abundância de gergelim do qual extraem óleo deste. Possuem bisso de qualidade, bebem vinho de palma, comem carne e leite.

No entanto, Marco diz que na ilha os reis ao longo da história, juntaram um grande tesouro, formado por muitos rubis, topázios, ametistas, ágatas e outras pedras finas. Ele conta que o rei possui o maior rubi que ele viu em vida, era do tamanho de uma mão fechada de um homem gordo. Tal joia teria atraído a cobiça de Kublai o qual lhe ofereceu imensas riquezas por aquele rubi, mas o rei negou a todas. 

Ele voltará mais a frente do livro a falar novamente do Ceilão, mas a parte interessante se encerra por aqui. Ele também conta que os homens dessa ilha não são chegados a arte da guerra, logo quando tem que guerrear contra outro povo, contratam mercenários. 

Do Ceilão, Marco em seu itinerário narrado, diz ter partido para a Índia de onde ele se dedica a narrar os vários "reinos" que ali existiam.

Província de Maabar

Do Ceilão Marco partiu para a província de Maabar (atual costa de Coromandel no sudeste da Índia), a qual ele diz também ser chamada de "Grande Índia". Nessa província ele diz governar cinco reis, sendo ambos irmãos carnais. O primeiro rei a quem ele se refere se chamava Sondar Bandi Devar (Maravarman Koulaçhekara fora o rei dessa região entre 1268 e 1308, no entanto não se sabe ao certo quem fora o rei que Marco se referia). 

Ele conta que esse rei governava na capital da província juntamente com outro irmão. Nessa província há uma grande quantidade de pérolas, as quais atraem mercadores de vários cantos do mundo. Ele diz que um dos principais locais onde se coletam essas pérolas é em Beletar (atual cidade de Puttalam no Sri Lanka). Ele se prende a narrar um pouco de como eles faziam para coletar essas pérolas e pescar.

A respeito do rei, ele conta que esse andava seminu como todo o seu povo, no entanto o rei se adornava com ricas joias, como um colar de pérolas, braceletes, anéis, com rubis, safiras, esmeraldas, e outras pedras preciosas, além de ouro em si. De fato, a Índia possuía abundantes minas dessas pedras preciosas, e muitos monarcas realmente usavam muitas joias. 


Localização da costa de Coromandel, chamada pelos árabes de Maabar.

O rei podia tomar qualquer mulher para si, e ninguém tinha o direito de contrariá-lo. Quando um rei morria, este era cremado em uma enorme pira fúnebre. Porém Marco conta que os mais fieis súditos do rei, também eram cremados junto com o mesmo, se jogavam vivos naquelas chamas, para poder acompanhá-lo no Além. 

Marco também diz que as vacas e bois ali não são mortos para serem comidos, apenas os "gavi" (um tipo de sacerdote) é que possuíam o direito de comerem carne de vaca. Não obstante, eles comiam arroz e uma variedade de plantas e frutos, além de peixe. Os mesmos também não usavam cadeiras, se sentavam no chão, as vezes sem tapete ou esteira. Tinham o costume de tomar banho todos os dias, pelo menos duas vezes ao dia. Antes de realizarem qualquer refeição, o povo faz suas preces aos deuses para agradecer o alimento, e assim o comem posteriormente. 

Marco diz que a população anda seminua ou nua, devido as florestas serem muito densas e se fazer muito calor ali. Porém diferente de outros povos, ele diz que os indianos não conheciam a luxúria, já que estavam acostumados em se verem daquele jeito. 

Ele diz que existem homens muito sábios por aquelas terras, e muitos são videntes ou astrólogos, e quando nasce um menino ou uma menina é lhe feito um mapa astral. Tal povo tem o costume de ir muito ao seus templos e adorar as estátuas de seus estranhos deuses, e em muitas casas há estátuas de desses deuses e deusas com vários braços. 

O reino de Murfili

Marco diz que Murfili fica ao norte de Maabar e era governado por uma rainha, a qual governou por quarenta anos após a morte do marido (na realidade a rainha que ali governou não fora a esposa, mas sim a filha desse rei. Tal reino de Murfili corresponde ao antigo reino de Telingana). 


Localização do antigo Reino de Telingana, chamado por Marco de Murfili.

Sobre esse reino, Marco além de dizer que a rainha fora uma boa governanta para o seu povo, lhe proporcionando prosperidade, ele diz que nessas terras havia muitas minas de diamantes, as quais homens de vários lugares das Índias iam para lá explorar essas pedras. 

A tumba de São Tomé

Antes de continuar com o relato de sua visita pela Índia, Marco falara de uma lenda cristã envolvendo o apóstolo São Tomé, o qual teria ido pregar o cristianismo na Índia, mas acabou sendo assassinado. 

De acordo com o documento Atos de Tomé, escrito por volta dos idos do século III, tal história diz que o apóstolo Tomé assim como os outros onze apóstolos, partiram para pregar a palavra de Cristo, nesse caso, Tomé se dirigiu ao oriente, passando pela Pérsia, Bacteriana e finalmente chegando a Índia. 

Marco diz que o corpo do santo estava sepultado em uma cidade na província de Maabar, que corresponde atualmente a cidade de Malaipuram (outrora também chamada de São Tomé pelos portugueses). Entretanto hoje existem outras cidades que disputam a localização da tumba do santo. De qualquer forma, Marco conta que tanto cristãos como muçulmanos faziam peregrinações até essa cidade, de onde coletavam terra e com essa dava-se para se beber misturada com água para os enfermos, e dizia-se que tal terra fazia curar os enfermos.

Marco continua a falar de supostos milagres que o santo fizera pela Índia, e conta que o mesmo fora morto acidentalmente por uma flechada, já que segundo o seu relato, Tomé passeava por um bosque, e um caçador disparou uma flecha contra um pavão, mas o animal conseguiu se esquivar e a flecha acertou as costas do santo o matando.  

No entanto, ainda não fora comprovado historicamente se realmente Tomé viajou para a Índia, e se de fato ele ou fez, não se sabe quando e onde ele faleceu.

A província de Lar e os brâmanes

Voltando ao seu relato de suas viagens, ele fala acerca da província de Lar (nesse caso, realmente existe uma região chamada de Lar, mas essa fica no noroeste do país, próximo a fronteira com o Paquistão. Mas, a Lar que Marco se refere, corresponderia a região sul de Coromandel). 

Ele conta que nessa província nasceram todos os brâmanes (a casta mais elevada dos sacerdotes). Marco fala que tais homens são leais a sua palavra, são honrados, são exímios mercadores (na realidade os brâmanes não praticam o comércio, não se sabe o por que dessa qualificação) e bons homens. 

"Não comem carne e nem bebem vinho. Levam uma vida honesta, segundo seus costumes. Não dormem com mulher que não seja a sua e são incapazes de roubar. Nem os animais matam, e não fariam qualquer coisa que considerassem pecaminosa". (POLO, 2009, p. 227).


Um brâmane

Marco continuara falando mais a respeito dos brâmanes, de como se vestiam e seus modos e suas práticas, entre as quais o yôga e a meditação. Daí ele voltará a falar do Ceilão, contado uma história sobre o budismo naquela ilha, antes de voltar a falar de seu itinerário. A respeito dessa província, ele não falará nada a respeito, apenas sobre os brâmanes. 

Cail

"Cail é uma nobre e grande cidade. Pertence a Asciar, o mais velho dos cinco reis. Sabei, na verdade que a ela aportam todas as naus que vêm do Poente, quer dizer, de Ormuz, de Quisi, de Adém e de toda a Arábia, repletas de mercadorias e de cavalos". (POLO, 2009, p. 234).

Cail ou Kail, hoje em dia é uma simples vila, chamada Palayakayal, localizada no distrito de Tirunelveli no sul da Índia. Quanto ao rei Asciar, não se sabe ao certo que fora esse homem, acredita-se que na realidade fosse um governador e não um rei propriamente. 

O Reino de Coilum

"Coilum é um reino que se encontra a umas quinhentas milhas de Maabar, para Sudoeste. Os seus habitantes são idólatras. Mas, entre a população, há também cristãos e judeus. Tem idioma próprio. O rei não paga tributo a ninguém". (POLO, 2009, p. 235).

Coilum corresponde hoje ao território da cidade de Quilon no estado de Kerala. Acerca desse reino, Marco diz que o bisso e os cominhos (tipo de planta, apreciada como ingrediente de algumas comidas) são excelentes. Lá também se planta muita pimenta, a qual se colhe nos meses de maio, junho e julho. Há também grande quantidade de anil, sendo este de boa qualidade. Há leões negros, aves de todos os tipos e de todas as cores, os periquitos são muito engraçados e os pavões são os mais belos que ele já viu em vida. 

Marco diz que eles plantam muito arroz e fazem vinho de cana-de-açúcar, nesse caso seria na realidade aguardente e não vinho em si. Ele diz que tal bebida embriaga facilmente um homem. Marco também conta, que os astrólogos são muito hábeis no que fazem e os médicos são muito eficientes nas artes de cura, possuindo tratamentos para diversas doenças e males. 

O Reino de Heli

Em direção a Heli mais ao norte, Marco passou pela cidade de Comari, entretanto, Comari fica ao sul e não ao norte como ele sugere, nesse caso, ele pode ter se confundido em seu relato. Comari, hoje corresponde a região do Cabo Comorim ou Kanyakumari, no sul da Índia. 

De qualquer forma, deixando o engano de lado, falarei a respeito do reino de Heli, o qual correspondia a cidade de Hili, assim como os muçulmanos a chamavam na época. Entretanto, tal cidade não existe mais. Porém, seu território se encontra no atual estado de Kerala, ao norte de Quilon. 

Marco conta que nesse reino existe um rei próprio, desassociado dos cinco reis anteriormente mencionados por ele. Eles possuem um idioma próprio. A cidade fica diante de um vasto rio com ligação ao mar, logo as embarcações percorrem esse rio, o qual ele não cita nome.

Lá existem pimentas, gengibres, baunilhas e alcaçuz em abundância. O rei é muito rico, no entanto ele diz que o reino possui poucos guerreiros, mas devido a ser de difícil acesso, por ficar longe da costa, ele é difícil de se conquistar. Marco também conta que ali em Heli, chegam navios mercantis da China.

Os Reino de Melibar e Cuzarate

Marco diz que esse reino era grande, possuía rei próprio e idioma próprios. Ficava próximo ao reino de Cuzurate. No entanto, o nome Melibar provavelmente seja uma variação do nome Malabar, nome dado a costa ocidental da Índia, onde esse reino ficava localizado. Nessa época, tal reino estava em guerra contra o Sultanato de Deli ao norte. Posteriormente, ele fora conquistado pelo muçulmanos de Deli. 

"Este reino tem grande quantidade de pimenta e de gengibre, muita canela e baunilha, nozes da Índia, bocaxim muito fino e do melhor; tudo o que daqui se leva é de grande valor. De outros países vêm, em troca, panos de seda, tecidos de ouro, sândalo, ouro e prata". (POLO, 2009, p. 238).


As costa de Malabar e Coromandel. Marco Polo, visitou algumas cidades ao longo dessas costas. 

Acerca de Cuzurate (atual região de Gujarat no oeste da Índia), inicialmente ele diz que dali partiam muitos piratas que saqueavam os navios desses mares. Tais homens eram muito cruéis. Entretanto, ele conta que tal reino é grande, idólatra e possui idioma próprio.

"No país há pimenta, bastante gengibre e anil em abundância. Tem também algodão, porque há muito algodoeiros altos de seis passos e com mais de vinte anos. [...]. Neste reino se preparam e curtem muitas peles e couros de boi, de búfalo, de rinoceronte e outros animais. Curtem em tal quantidade que carregam naus inteiras que os levam para a Arábia e outras partes e aqui surtem todos os reinos e províncias". (POLO, 2009, p. 239).

Embora, parte da população se dedique a pirataria, Marco diz que em Cuzurate existem muitos tecelãs, os quais produzem belos tecidos de couro vermelho, de fios de ouro; colchas, estopas, coxins, bordados, etc. 

O Reino de Tana

Tana corresponde a região nos arredores da atual Mumbai ou Bombaim. Como os outros três reinos anteriormente citados, Marco diz que Tana é um grande reino independente e idólatra. 

Nessas terras não há variedades de especiarias, entretanto existem benjoim (tipo de abelha) em abundância, do qual exportam mel e cera. Os produtos que faltam nessa terra são comprados ou roubados, já que como Cuzurate, havia muitos piratas em Tana. No reino também se produzem tecidos de algodão.

Os reinos de Cambarete, Semanate e Rosmochoram

Cambarete corresponde a atual cidade de Cambay no Golfo de Cambay a leste da península de Kathiawar, onde se localiza a Cuzurate citada por Marco. Nesse reino há grande plantação de algodão e se produzem muitos tecidos com este. Marco diz que Cambarete é conhecida por produzir um bom vinho, o qual é exportado para muitos lugares. Diferente de sua vizinha Cuzurate, o povo dali era bom e pacífico, e não era ligado a pirataria. Em 1297, o sultão de Deli conquistou esta região. 

Semanate era uma antiga cidade localizada hoje na costa sudoeste da península de Kathiawar, posteriormente fora conquistada por Deli. Marco fala que esse povo vive do comércio e da indústria e não possuem piratas. Comercializam com vários povos vindos de várias partes do mundo. 

Rosmochoram é o último reino mencionado por Marco Polo em sua visita pela Índia, daqui pela frente, ele volta a citar outros locais que visitou ou ouviu falar em sua viagem de 1294, enquanto seguia em missão de levar a princesa Cogatim. 

Rosmochoram corresponderia a atual região de Mekran ou Makran, ao sul do atual Paquistão, na época, tal região era chamada de Balochistão, e ficava entre a fronteira dos ilknides da Pérsia e o Sultanato de Deli. 

"Rosmochoram é um reino que tem soberano e língua próprios; vivem do comércio e da indústria. Tem arroz; os habitantes se alimentam-se de carne, arroz e leite. Também o tráfico aqui é muito". (POLO, 2009, p. 241).

Mapa com os atuais países do sul da Ásia. Em vermelho os locais visitados e mencionados por Marco Polo e sua visita a Índia. Mapa organizado por mim.

A ilha de Escoréia

Em sua viagem para a Arábia, os Polos passaram por Rosmochoram e de lá continuaram seguindo ao longo da costa, passando por duas ilhas lendárias, nas quais Marco identificou como sendo a ilha das amazonas, e uma ilha vizinha onde só haveria homens. Entretanto não se sabe ao certo que ilhas seriam essas que ele se refere, já que há várias possibilidades por ali, mas de qualquer forma, a ilha importante é a de Escoréia, hoje Socotra, ao sul do atual Iêmen, próximo ao Chifre da África. 

Localização da ilha de Socotra ou Socotorá, chamada de Escoréia por Marco Polo.

"Partindo dessas duas ilhas, a 500 milhas mais ou menos de distância na direção do Meio-dia, encontra-se a ilha de Escoréia. Há ali magníficos tecidos de algodão. Grandes e excelentes peixes, que os habitantes salgam. Vivem de arroz, carne e leite, pois não têm trigo. Andam completamente nus, segundo os costumes dos índios idólatras. 

Marco também diz que há grande quantidade de âmbar nessa ilha, e muitos navios que vão em direção a Adém (uma cidade no atual Iêmen) ou em direção ao Mar Vermelho, passam por essa ilha para se abastecer e vender produtos. Ele também fala que a população dessa ilha é cristã, embora andassem nus como ele aponta. Porém o cristianismo dali estava desvinculado com o de Roma. No entanto, hoje Socotra é muçulmana, o cristianismo fora abolido no século XVIII. 

África

Marco não chegou a visitar Escoréia e tão pouco fora para a África, mas nessa parte do livro, ele faz descrições de dois lugares do continente africano. Tais descrições são baseadas em histórias de marinheiros que ele ouviu pelo caminho, daí haver alguns aspectos lendários e ficcionais. 

Primeiramente ele fala de uma tal "ilha" chamada Madeigastar, o qual se parece muito com o nome Madagáscar. Entretanto, nessa época, a ilha de Madagáscar era desconhecida pelos europeus e não era chamado assim, fora um equivoco cometido pelo portugueses quando esses no século XV chegaram a costa oriental da África, e acharam que a ilha hoje localizada diante de Moçambique fosse a mencionada por Marco Polo. Porém, a descrição que Marco faz acerca de Madeigastar não tem nada de semelhante com Madagáscar, ele cita animais que não existem lá, e de fato, se ele estivesse realmente se referindo a Madagáscar, porque ele não citou os lêmures, já que a ilha é o único local no mundo que existem esses animais? E nem ao menos nos relatos de Marco ele fala de "estranhos macacos".

Sendo assim, Madeigastar na realidade não era uma ilha em si, mas parte do continente, como Marco não viajou para lá, baseou-se na "veracidade" do que ouvira. Madeigastar consiste na cidade de Mogadixo ou Mogadíscio, atual capital da Somália


Localização de Mogadíscio, capital da Somália. Marco chama a cidade de Madeigastar.


Marco diz que a população era muçulmana e que "quatro bispos" (no islamismo não existe um cargo semelhante ao bispo, como marco desconhecia esse fato, ele chama tais indivíduos de bispos) governavam a região. Há grande abundância de elefantes por aquelas terras, logo existe um grande mercado de marfim. A população vive do comércio e das artes.

Ele também fala, que se criam muitos camelos, dos quais comem a sua carne. Há também muitos sândalos vermelhos dos quais usam sua madeira como lenha. Há leões, leopardos, linces, gamos e veados. Muita caça, muito âmbar e muitas aves, incluindo avestruzes e grifos, os quais os habitantes chamam de rute (provavelmente a palavra deriva da palavra persa rukh, o qual é o nome de um gigantesco pássaro lendário, parecido com uma águia). 

De acordo com o relato de Marco, nessas terras existiam grifos, os quais eram diferentes do que descreviam as lendas. Se anteriormente, Marco confundiu os rinocerontes com os unicórnios, aqui ele diz que os grifos não eram metade águia e metade leão, mas sim grandes pássaros parecidos com águias. Para se comprovar isso, ele diz que alguns homens lhe mostraram um esqueleto o qual disseram ser de um grifo. Marco não descreve o esqueleto em si, mas diz ser de um grifo. 

A outra região que ele cita é o arquipélago de Zanzibar o qual ele chama de Zanguibar. Hoje tal arquipélago pertence ao território da Tanzânia


Localização de Zanzibar e outras ilhas na costa da Tanzânia. Marco chama a ilha de Zanguibar.


"Zanguibar é uma ilha grande e bela. Tem 1.000 milhas de redondeza. Os seus habitantes obedecem a um rei e têm língua própria. Não dependem de ninguém e não pagam tributos. São fortes, mas mais atarracados do que altos, tendo braços e pernas grossos que parecem dos gigantes. São negros e andam nus". (POLO, 2009, p. 247).

Marco diz que esse povo é feio, pelo fato de serem atarracados, já que em outros locais como a Índia, a população é negra, e ele diz que as pessoas eram belas lá. Entretanto, como ele não chegou a visitar a ilha, sua opinião baseia-se no que ouviu.

Ele também conta que na ilha há elefantes, leões, tigres, leopardos, linces, girafas, carneiros brancos com cabeça preta. Porém, nenhum desses animais existiam nativamente na ilha. Sendo assim, com exceção dos tigres e linces que não existem na África, os de mais animais, foram levados a ilha. 

Sobre os elefantes ele diz que existia um grande comércio de marfim, e isso era bem verdade. Comerciantes ia ao continente caçar tais animais para trazer suas presas e comercializar na ilha. 

Marco diz que o povo de lá vive de arroz, carne e tâmaras, pescam e comem outros frutos que não existem em outros cantos do mundo. Seus homens são guerreiros bravos, embora usem armas primitivas, mas ele diz que eles usavam elefantes de guerra, algo pouco provável. Ele também fala que há muitas baleias nessas águas, de onde as caçam e vendem sua carne, âmbar e óleo.

Abastia e a Índia Central

Deixando o relato sobre a África, Marco parte para falar sobre a província de Abastia, na qual ele diz ficar na Índia Central. Ele divide o sul da Ásia em três "Índias", sendo a Índia Maior, compreendendo de Maabar a Rosmochoram, a Índia Menor, de Ciamba a Murfili. Confira os mapas a respeito da Índia para ter noção dessa classificação. 

Acerca da Abastia, essa na realidade não fica localizada propriamente na Ásia em si, mas sim a África. Abastia, corresponde a atual Etiópia, a qual Marco diz ficar na Índia Central. Daí devemos nos lembrar que no período das Grandes Navegações, era comum referir-se a essa parte do mundo como Índias. 

Atual território da Etiópia. Marco chama essa região de Abastia, palavra derivada do árabe Habash, que designa os etíopes. 

Nesse caso, pelo fato de ficar na África, Marco Polo não chegou a visitar a Etiópia, logo o que ele fala acerca dessa "província" advêm de fontes secundárias e terciárias. 

"Sabei que Abastia é uma grande província da Índia Central. O mais poderoso de todos os reis desta província é cristão, estando os demais debaixo da sua jurisdição, e estes são em número de seis: três cristãos e três sarracenos". (POLO, 2009, p. 249).

Não se sabe, quem era o rei que Marco faz referência, entretanto, a Etiópia era uma das poucas regiões da África onde havia cristãos naquela época, porém o cristianismo que imperava ali, era o chamado cristianismo copta, o qual possuía algumas diferenças do catolicismo romano e do protestantismo, se aproximando mais do catolicismo ortodoxo. Hoje o cristianismo etíope é desassociado da Igreja Copta e das de mais igrejas ortodoxas, consistindo em sua própria vertente. 

Logo, de fato, haviam cristãos e muçulmanos nessas terras. E Marco diz que havia também alguns judeus. E a diferença entre eles, era uma marca que carregavam na face. Segundo seu relato, os cristão desenhavam três traços no rosto, os muçulmanos dois e os judeus um, logo sabia-se distinguir cada um por aqueles traços. 

Segundo o seu relato, fora São Tomé que pregou o cristianismo nessas terras, antes de partir para a Índia. Porém como ainda não fora validado a veracidade total dos Atos de Tomé, logo, provavelmente Tomé não tenha vindo para a África. 

"Nesta província de Abastia há bons homens de armas e excelentes cavaleiros. Têm bastantes cavalos. E é mister que assim seja, porque estão continuamente em guerra com o sultão de Adém e com a Núbia". (POLO, 2009, p. 249).

De fato, os etíopes na época lutavam contra os árabes de Adém e os núbios (a Núbia compreende uma região entre o sul do Egito e o norte do Sudão). Marco continua a falar dessa província, contando uma história que um tal rei vivenciou.

Província de Adém

A Adém que Marco cita como já fora dito corresponde a atual Áden no Iêmen. Logo, nessa parte do livro, voltamos a Ásia em si, porém Marco pelo o que indica seu itinerário não chegou a visitar essa província, já que a frota adentrou o Golfo Pérsico, a leste dali. 


"Nesta província, a um senhor chamado o sultão de Adém; todos os sarracenos adoram ali a Maomé e detestam furiosamente os cristãos. Há muitas cidades, castelos e praças fortes". (POLO, 2009, p. 252).

Marco diz que navios de vários locais das Índias chegam e em Adém para venderem e comprarem as mais diversas mercadorias. Algumas dessas mercadorias são levadas por estradas de terra até a Alexandria como ele aponta em seu relato, embora que o mais provável fosse que elas seguissem por via marítima, cruzando o Mar Vermelho. 

Ele também conta que todos os navios que atracam no porto o passam pelo Golfo de Áden, devem pagar pedágio, logo como o trânsito de navios é intenso, então o sultão ganha muito dinheiro com aquilo. 

No século XVI os portugueses conquistaram essa cidade e por ali permaneceram vários anos. 

Esterim

Esterim consiste hoje na cidade costeira de Ash Shihr, no estado de Hadhraumat, no Iêmen, ficando a leste de Áden. 

"Esterim é uma grande cidade, situada a quarenta milhas para Noroeste do porto de Adém. Esta cidade presta obediência a um conde, que administra as suas terras com muita justiça. Tem, além disso, castelos e cidades debaixo da sua jurisdição, mas é, por sua vez, vassalo do sultão de Adém. A população é sarracena e adora Maomé. Esta cidade também tem um magnífico porto e ela vêm e vão as naus das Índias buscar, como a Adém, cavalos dos melhores e mais apreciados". (POLO, 2009, p. 253).

Marco fala que nessa cidade se produz muito incenso e existem muitas plantações de tâmaras e de arroz. O trigo é importado. A abundância de pescado, especialmente de toninhas (parente do golfinho). Ele diz que a carne é muito saborosa e apreciada. 

Eles fazem vinho de arroz, de palmeira e cana-de-açúcar, e existem pequenos carneiros que segundo ele não possuem orelhas. Um fato curioso que ele conta é que os bois, carneiros, camelos e cavalos, não se alimentariam de grama, já que essa não existe nessas terras, mas comeriam peixe. Evidentemente isso não passa de uma lorota contada para Marco. 

Dufar, Calatu e Ormuz

Essa cidade não existe mais, mas ficava localizada no território de Dufar, hoje localizado entre as fronteiras do Iêmen e de Omã. 

Marco diz que a população de lá era moura e muçulmana e que seu líder era um "conde" vassalo do sultão de Adém. Devo lembrar que a atribuição do título de conde para esse governante não implica em dizer que de fato o mesmo fosse um conde, já que a nobiliarquia dos árabes era diferente. 

Ele diz que Dufar é uma cidade bela e nobre e possui um importante porto na região, onde passam muitos navios e mercadorias. Nessa cidade também se produz muito incenso, como ele aponta. 

"Calatu é uma formosa cidade, edificada numa grande baía, no golfo do mesmo nome. Dista 600 milhas de Dufar, sempre na direção do mistral. Os seus habitantes são sarracenos e adoram a Maomé". (POLO, 2009, p. 255).

Calatu era uma antiga cidade, hoje englobada ao território de Sur, a sudeste de Mascate, atual capital de Omã. Marco fala que Calatu era dependente do governador de Ormuz, logo esta prestava tributo e serviços para esse senhor. O porto da cidade era enorme e belo, lá chegavam muitas mercadorias e partiam tantas outras, incluindo cavalos que eram levados para a Índia Maior. 

Ele diz que o povo come muito arroz, tâmaras e peixe, porém os mais ricos possuem uma variedade de alimentos a sua disposição. Em Calatu, cobra-se pedágio dos navios que ali aportam e que cruzam seu golfo. Provavelmente por sua localização, os Polo devem ter passado por essa cidade. 

De Calatu, Marco diz terem seguido até Ormuz antiga cidade na Ilha de Ormuz, já visitada pelos Polo em sua viagem de ida para a China. Nessa parte do livro, ele encerra seu itinerário e o relato de suas viagens, já que daqui eles deixaram a princesa Cogatim e seguiram viagem própria de volta a Veneza. 


Mapa da Península Arábica e parte da África com os atuais países. Em destaque as cidades mencionadas por Marco Polo. Mapa organizado por mim.

Daqui em diante, Marco ainda continua seu livro por vários capítulos, falando da Rússia e de várias batalhas e histórias ocorridas na Grande Turquia. Entretanto não me prenderei a falar dos relatos de batalhas ocorridas entre 1253 a 1299, as quais ele foca os embates entre os khans do Ilkhanato, do Canato de Djagathai e da Horda de Ouro, ambas regiões compreendiam o que era chamado de Grande Turquia. No entanto falarei da Rússia, um lugar não visitado por Marco mas parcialmente visitado por seu pai e seu tio. 

Canci o rei do Norte

Marco não chegou a visitar o norte da Ásia o mais próximo que ele chegou disso fora quando esteve na Mongólia, porém seu pai e tio, visitaram os domínios da Horda de Ouro, que compreendia o sul da atual Rússia, e os atuais Cazaquistão, e partes da Romênia, Ucrânia e o norte do Usbequistão.

O chamado rei Canci na realidade era Konitchi, da linhagem de Djotchi, segundo filho de Gengis Khan.  Marco diz que eles obedecem as leis mongóis e adoram um deus chamado Vatigai o qual possui uma esposa. São nômades, não possuem cidades ou fortalezas, vivem nas planícies e nas montanhas. Vivem principalmente de carne e de leite. 

De fato, os mongóis da Horda de Ouro, em grande parte preservaram o hábito nômade e seminômade, diferente dos mongóis que passaram a viver na Pérsia e na China, os quais se habituaram a vida sedentária nas cidades. 

Marco diz que esse povo possui grande quantidade de camelos, vacas, cavalos, cabras, etc. Que naquelas terras há grandes ursos brancos, raposas negras e zibelinas, as quais são muito apreciadas por suas peles.


Uma zibelina. Tais animais são uma espécie de marta, 
e são muito apreciados por suas peles. 
Marco fala que essas terras são muito frias, lodosas e alagadas, logo fica difícil se movimentar com carroças. Ele fala que o povo de lá cria grandes mastins (raça de cachorro), e que durante o inverno usam um carro sem rodas, nesse caso, trenós. 

"Os homens que vivem nestas planícies e vales são grandes caçadores. Caçam animais de grande preço, de que tiram grande proveito, e que são: zibelinas, arminhos, martas e outros, que lhes fornecem peles preciosas de grande estimação e valor". (POLO, 2009, p. 274).

A província da escuridão

Continuando sua descrição do norte asiático, Marco fala de uma terra sombria, onde a escuridão prevalece a maior parte do ano. Tal região corresponde a Sibéria na Rússia. Grande parte da Sibéria nessa época ainda era desconhecida, os mongóis haviam adentrado pouco em suas terras, logo o que havia além do que era conhecido, tornou-se lendário.

Ele diz que a população dali não possui Estado ou leis, e vivem como selvagens naquele clima frio, desolador e cercado por feras. Ele também fala que os mongóis vão ali de vez em quando para caçar, já que na primavera e verão se encontram muitas zibelinas, raposas negras, martas e arminhos. 

Ele conta que o povo dali, embora selvagem, são altos e brancos, sendo grandes caçadores, não apenas por serem exímio no que fazem, mas por sobreviverem ao frio e as feras. A Sibéria é uma das regiões mais frias do mundo, chegando no inverno em alguns locais a alcançar temperaturas de -40 C. 

A região da Sibéria na Rússia. Marco Polo chama esse lugar de "terra da escuridão". 

Província da Rossia

Sobre a Rossia, a qual corresponde a Rússia, Marco diz que ela fica a oeste das "terras da escuridão", nesse caso, os Montes Urais são um marco entre o território da Sibéria e o restante da Rússia, como se pode ver no mapa anterior.

"A Rossia é uma grande província do Norte. Os seus habitantes são cristãos e observam a lei dos gregos. Têm vários reis e idiomas próprios. É gente muito simples; são formosos os homens e belas as mulheres, brancas e loiras. Têm desfiladeiros estreitos e fortificados. Não pagam tributo a ninguém, a não ser um rei tártaro do Poente que se chama Toctai". (POLO, 2009, p. 275).

De fato, apenas o sul da Rússia fora conquistado, as cidades mais ao norte chegaram a ser atacadas como o caso de Moscovo (atual Moscou), mas devido ao clima e a região, os mongóis desistiram de prosseguir adiante, porém algumas dessas cidades se tornaram tributárias do império mongol, e assim permaneceram mesmo após o fim do império, ainda dependentes da Horda de Ouro até o século XVI. A Rússia nessa época não era uma nação unificada, mas sim um conjunto de principados. O Toctai que Marco cita fora Toktagha, soberano da Horda de Ouro de 1290 a 1312. 

Marco diz que nessa terra se produz as mais belas e preciosas peles do mundo e existem muitas minas de prata. As cidades dali fazem comércio através do Mar Negro e do Mar Cáspio, especialmente comercializando peles de animais e outros produtos minerais e naturais, em troca compram o que faltam. 

"Ouvistes todos os feitos dos tártaros e dos sarracenos, dos seus costumes e dos de outros países do mundo, tudo quando deles se pode dizer e saber. E se Misser Nicolau Polo, seu irmão Mafeu e eu, Marco Polo, não tivéssemos sido encarregados pelo Gra-Cã de escoltar a bela princesa Cogatim, não teríamos podido contar as coisas maravilhosas que vimos. Mas tal fora a vontade de Deus. E jamais a homem cristão, tártaro ou pagão foi dado ver o que Misser Marco, filho do nobre Nicolau Polo de Veneza, viu pelo mundo. DEO, GRATIAS. AMEN. AMEN. AMEN". 
Rusticiano de Pisa


NOTA: Marco faleceu em 1323 aos 69 anos, deixando esposa e três filhas. Morreu como um rico comerciante de Veneza.
NOTA 2: Embora ele mencione uma variedade de cidades, províncias, regiões etc., é provável que ele tenha conhecido muito mais do que é citado aqui.
NOTA 3: Marco em suas viagens percorreu os territórios de pelo menos 19 países, sendo estes atualmente: Turquia, Síria, Armênia, Geórgia, Iraque, Irã, Afeganistão, Paquistão, China, Mongólia, Myanmar, Vietnã, Tailândia, Malásia, Cingapura, Indonésia, Sri Lanka, Índia e Omã. 
NOTA 4: Ele cita também cidades e lugares de outros países que não visitou como: Uzbequistão, Japão, Iêmen, Somália, Tanzânia, Etiópia, Rússia e Ucrânia.
NOTA 5: Aconselho a quem tiver interesse a respeito das viagens de Marco Polo, lerem o livro integralmente, já que tive que omitir algumas partes onde ele descreve costumes e hábitos de alguns povos, principalmente dos chineses, devido a vastidão de assuntos abordados. 
NOTA 6: Rusticiano também pode ser grafado como Rustichello. Possivelmente o mesmo tenha conhecido Marco Polo em 1298, quando ambos foram feitos prisioneiros pelos genoveses. Além de ter escrito o Livro das Maravilhas, Rusticiano também escreveu alguns contos sobre o Rei Arthur
NOTA 7: Nas versões mais antigas do livro, o nome de Kublai é escrito como Koubilai, Cublai, Cubilai. Assim como o título Khan pode ser visto escrito como: Can, Kan ou Cão.
NOTA 8: Marco Polo é uma série original da Netflix, lançada em dezembro de 2014. A trama mistura acontecimentos históricos com ficção, com a proposta de contar como foi os primeiros anos de Marco a serviço de Kublai Khan.

Referências Bibliográficas:
POLO, Marco. O livro das maravilhas: a descrição do mundo. Tradução de Elói Braga Júnior, Porto Alegre, L&PM, 2009.
CONRAD, Phillipe. As civilizações das Estepes. Rio de Janeiro, Editions Ferni, 1976. (Coleção: Grandes Civilizações Desaparecidas).
WELLS, H. G. História Universal, vol. 3. São Paulo, Editora Egéria S. A, 1966. (Capitulo XXXII: O grande império de Genghis Cã e seus sucessores). 
Grande Enciclopédia Larousse Cultural, v. 18, São Paulo, Nova Cultural, 1998.

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8 comentários:

  1. Respostas
    1. Que bom que gostou. Foi trabalhoso escrever esse texto, demorei mais de um mês apenas para preparar os mapas, pois tive que consultar vários mapas para saber localizar as cidades e regiões atuais pelos seus nomes antigos.

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  2. Excelente texto, muito bem elaborado. Duas observações: Os manuscritos que contém o livro de Marco Polo são cerca 130; o título italiano ¨Milione ¨não exatamente se refere às muitas riquezas de Marco Polo, mas é uma aférese do nome Ëmilione¨ que era o apelido da família de Marco para diferenciá-los de uma outra famíla com o mesmo sobrenome, o apelido é anterior à viagem de Matteo, Nicollo e Marco Polo.

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  3. Agradeço pelo comentário. Irei atualizar o texto com tais dados.

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  4. Ótimo texto parabens 👏🏻👏🏻👏🏻

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