quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

A triste história de ESTÓRIA


 Cláudio Moreno*
Perdi a conta dos leitores que me perguntam sobre a famigerada estória. Uns querem saber se realmente existe essa distinção entre estória e história. Outros teriam ouvido que a palavra existiu outrora, mas hoje seria considerada arcaica. Há quem especule que estória tenha nascido de um erro de tradução. Quase todos perguntam se é uma distinção útil e necessária, ou se não passa de supérfluo balangandã. Peço perdão àqueles que fiz esperar, mas aqui vai minha resposta a todos.
Foi João Ribeiro, forte conhecedor de nosso idioma, quem propôs a adoção do termo estória, em 1919, para designar, no campo do Folclore, a narrativa popular, o conto tradicional, objeto de estudo dos especialistas daquela área. E não se tratava de inventar, mas sim de reabilitar (hoje usariam o horrendo "resgatar"...) uma forma arcaica, comum nos manuscritos medievais de Portugal. Era uma ingênua proposta, paroquial, nascida da inveja compreensível que causa a distinção story — history do Inglês; sem ela, alega o próprio Luís da Câmara Cascudo — para mim, um dos escritores que mais contribuíram para nossa língua —, não se pode entender frases como "Stories are not History", ou títulos como "The History of a Folk Story". Que o mestre Cascudo me perdoe: a intenção era boa, mas sem nenhum fundamento linguístico.
Em primeiro lugar, a estória medieval não era um vocábulo diferente de história; era apenas uma das muitas variantes que se encontram nos textos manuscritos de nossos copistas, naquele tempo heroico em que a estrutura de nossa ortografia ainda lutava para sedimentar. Ali aparecem história, hestória, estória, istória, estórea (ainda não se usavam os acentos, que são de nosso século, mas não pude resistir). Da mesma forma, vamos encontrar homem, omem, omee (algumas vezes com til no primeiro e) e até ome. Nota-se que o emprego do H e das vogais ainda não estava estabilizado na escrita. Entretanto, já no séc. XVI — em Camões, por exemplo — a grafia de homem e história era a que é usada até hoje. Outras línguas da família latina, como o Espanhol e o Francês, também experimentaram essa variedade de formas parahistória, mas terminou prevalecendo a forma única (historia e histoire, respectivamente).
Em segundo lugar: grande coisa se o Inglês pode fazer a distinção entre story e history! E daí? Como o folclórico Napoleão Mendes de Almeida nos lembra, eles também distinguem entre can (poder, conseguir) emay (poder, no sentido legal e ético): "You can, but you may not" é uma rica frase em Inglês que só poderíamos traduzir com um aproximado "Você pode, mas não deve". Esse autor, que abominava estória, pergunta ironicamente: "Se curtos de inteligência foram nossos pais em não terem descoberto essa história de "estória", curtos de inteligência continuamos todos nós em não forjarmos distinção gráfica e fonética para poder, para educação, para raio, para oficial e para outros vocábulos de formas diferentes em Inglês, como curtos de inteligência são todos os outros idiomas que têm palavras com mais de uma significação".
Dessa vez Napoleão bateu no prego e não na tábua. Uma olhada no meu Oxford e me dou conta que para nosso raio, por exemplo, o Inglês tem (1) ray (onde temos "raio de luz", "pistola de raios"), (2) radius (o "raio de um círculo") e (3) lightning (a "descarga elétrica"). É mais do que comum o fato de uma língua fazer distinções vocabulares que outras não fazem. Como tive a oportunidade de mencionar em outro artigo (Atravessando o Canal da Manga), o Espanhol designa com um único vocábulo (celo, celos) o que nós distribuímos por três: zelo, cio e ciúme. Invejamos o story do Inglês? Eles então devem ficar verdes diante de nosso ser e estar, distinção fundamental na vida e na Filosofia, que eles simplesmente desconhecem. Assim são as línguas humanas, na sua (im)perfeição.
Além disso, os amáveis folcloristas que defendiam estória pensavam apenas em distinguir "a História do Brasil" das "Histórias da Carochinha". Do ponto de vista linguístico, erraram por todos os lados. Primeiro, erraram porque essa não é uma distinção útil, que justifique sua defesa. O português José Neves Henriques, o severo e consciencioso JNH do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, condena essa invenção "brasileira" (ele tem razão: é coisa nossa), tachando-a de "uma palermice, porque, até agora, nunca confundimos os vários significados de história. O contexto e a situação têm sido mais que suficientes para distinguirmos os vários significados". Certo o professor Henriques, errados os folcloristas: ninguém vai confundir a história de um país com a história do bicho-papão.
Segundo, erraram porque enxergavam apenas dois polos bem definidos: a história que se refere ao passado e ao seu estudo, e a estória da narrativa, da fábula. A experiência nos diz que essas invasões de searas alheias geralmente pecam por um raciocínio simplista, reducionista. Quem mexe no que não entende, termina fazendo bobagem... e não deu outra. Nossos estudiosos não perceberam que a distinção sugerida, apetecível do ponto de vista deles, acabaria criando incertezas e hesitações em frases corriqueiras como "Deixa de histórias!"; "Essa já é outra história"; "Que história é essa?"; "Eu e ela temos uma velha história". Qual das duas formas usar? Por tão pouco benefício, por que assombrar ainda mais os que escrevem em Português? Faço questão de frisar "os que escrevem" — porque aqui, também, reside outra falha da proposta de João Ribeiro: as duas formas não seriam distinguíveis na fala, já que a realização da vogal inicial de estória é geralmente /i/ (como em espada, esperto, etc.). Ambas seriam pronunciadas da mesma maneira: /istória/. E quantas outras palavras, derivadas de história, deveriam ser alteradas?HistorieiroHistoriento? As historietas passariam a ser estorietas? Os aficionados em quadrinhos passariam a usar EQ em vez do consagrado HQ? Como se vê, "muito trabalho por nada", como reza a comédia de Shakespeare.
De qualquer forma, o uso de estória poderia ter ficado confinado ao mundo do Folclore, onde talvez fosse de alguma utilidade. Afinal, não é incomum que certas áreas do pensamento postulem, para uso exclusivo, vocábulos novos ou variações fonológicas ou ortográficas de vocábulos antigos, no afã de obter maior precisão em seus conceitos. Isso se verifica, por exemplo, na Filosofia, na Lógica, na Linguística, na Psicanálise (onde me chama a atenção a impressionante inquietação linguística dos lacanianos). Como é natural, essas variantes vão fazer parte de um código específico, cujo emprego passa a ser indispensável para os especialistas dessa área, mas não entram no grande caudal da língua comum. A criação, a utilização e, muito seguidamente, a agonia e morte dessas formas são registradas em discretos dicionários especializados, convenientemente isolados do grande rebanho representado pelos dicionários de uso.
Infelizmente, como nos piores pesadelos dos ecologistas, estória rompeu as cercas de segurança, saiu do pequeno rincão do Folclore e invadiu nossas vidas. O responsável por isso foi João Guimarães Rosa (pudera não!). Como escreve meu mestre Celso Pedro Luft, com uma ponta de inesperada ironia, Rosa decidiu "glorificar, imortalizar a ausência do agá: Primeiras Estórias. Corriam os anos de 1962. Primeiras estórias ... todos os fãs do mineiro imortal ficaram absolutamente alucinados. E foi estória para cá, estóriapara lá, estória para todos os lados. Uma epidemia. Perdão, uma glória". Depois, em 1967 veio Tutaméia, com o subtítulo "Terceiras Estórias", e o póstumo Estas Estórias, publicado em 1969. Muito tem sido escrito sobre a inovação da linguagem rosiana; a sintaxe de seu narrador é, a meu ver, a criação literária do século. No entanto, sou obrigado a observar que, em termos não-literários, essa inovação é zero. Nenhuma das palavras montadas, deformadas ou inventadas por ele jamais será usada, a não ser por imitadores (que já andam escasseando...). É uma linguagem só dele; funciona admiravelmente no universo de sua obra, mas é seu instrumento pessoal, e nunca será nosso. Ouso dizer que a única influência rosiana no Português foi a divulgação desse equívoco que é estória. Tenho certeza de que Guimarães Rosa, místico de quatro costados, entenderia: deve ser vingança dos deuses da Língua. 
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*Cláudio Moreno é Doutor em Letras, escritor, professor, colunista e ensaísta brasileiro. 
Fonte: http://wp.clicrbs.com.br/sualingua/2009/05/06/a-triste-historia-de-estoria/

sábado, 26 de janeiro de 2013

A importância dos arquivos públicos na construção da memória da sociedade

Maria Amélia Teixeira da Silva*
Adêmia Silva da Cruz**
Fabíola Mota Campos**
Guilherme Ataíde Dias***

Resumo: Destaca a importância das Instituições Arquivísticas como fonte de pesquisa e de preservação do patrimônio documental seja na esfera da administração pública municipal ou da administração pública federal. Para a realização desse estudo, a metodologia utilizada foi desenvolvida mediante amostras probabilísticas casuais simples, com a aplicação de questionários contendo perguntas abertas e levantamento bibliográfico. A revisão de literatura compreendeu pesquisas nos periódicos científicos nacionais da área de Arquivologia e Ciência da Informação, disponíveis no Portal de Periódicos da Capes e no Portal SEER/IBICT, além de livros e websites. Após a coleta de dados, estes foram categorizados para facilitar possíveis análises e discussões acerca do tema. Mediante os resultados apresentados, concluiu-se que a necessidade de organização dos arquivos públicos e o valor administrativo, fiscal, legal e histórico do acervo documental, devem ser de fundamental importância para o cotidiano das instituições e pessoas que podem utilizá-los para pesquisas que constroem a memória histórica, a identidade e a cultura do cidadão e da sociedade.

Palavras-chave: Arquivos. Arquivos Públicos. Memória. Preservação Documental.

1 INTRODUÇÃO

No Brasil, a Lei nº. 8.159, de 08 de janeiro de 1991 dispõe sobre a Política Nacional de Arquivos Públicos e Privados considerando-os em seu Art. 2º, como:

“Os conjuntos de documentos produzidos e recebidos por órgãos públicos, instituições de caráter público e entidades privadas, em decorrência do exercício de atividades específicas, bem como por pessoa física, qualquer seja o suporte da informação ou a natureza dos documentos”.

No entanto, é importante considerar outras definições para arquivo a exemplo do Dicionário Internacional de Terminologia Arquivística, publicado pelo Conselho Internacional de Arquivos e citado por Jardim e Fonseca (1998, p. 369), onde arquivo é definido como: “O conjunto de documentos, quaisquer que sejam suas datas, suas formas ou seus suportes materiais, produzidos ou recebidos por pessoas físicas e jurídicas, de direito público ou privado, no desempenho de suas atividades”.

O surgimento dos arquivos se deu por volta dos séculos IV e V a.C., estes surgiram como guardiões dos registros do Estado e para prestar apoio administrativo ao governo quando devido à necessidade de se recorrer a documentos, a civilização grega passou a preocupar-se em guardar, junto à Corte de Justiça na Praça Pública de Atenas, leis, tratados, minutas de assembleia e documentos oficiais (CÔRTES, 1996).

Em meados do ano de 1789 essa preocupação passou a atingir também a França, que com o objetivo de assegurar, guardar e preservar tanto o patrimônio documental do passado como também, os novos documentos produzidos daquela época em diante passou a criar seus arquivos. Vale ressaltar que na mesma época, os documentos dos Arquivos Nacionais (arquivos governamentais, administrativos, judiciais e eclesiásticos) passaram a ser considerados propriedade pública, com livre acesso e à disposição de qualquer cidadão que os solicitasse. Apesar de toda essa preocupação com a documentação arquivística, só a partir do século XIX o Arquivo, como instituição ganhou espaço.

Tal fato ocorreu quando este passou a ser considerado como base de pesquisa histórica, levando os Estados a mantê-los acessíveis a todos os cidadãos. Segundo Ohira (2000?), após a Segunda Guerra Mundial, a inclusão do direito à informação na Declaração dos Direitos Humanos de 1948, transforma o acesso aos arquivos em direito democrático de todos os cidadãos e não mais uma reivindicação da pesquisa científica ou histórica.

Em decorrência do processo de democratização dos arquivos, surgem os arquivos públicos que segundo a Lei do Arquivo nº 8.159 de 08 de janeiro de 1991 em seu Art. 7º, são: Os conjuntos de documentos produzidos e recebidos no exercício de suas atividades, por órgãos públicos de âmbito federal, estadual, do Distrito Federal e Municipal em decorrência de suas funções administrativas, legislativas e judiciárias.

Este artigo tem por objetivo apresentar a situação dos arquivos públicos em especial um de âmbito municipal e outro federal, a fim de tornar explícitas as vantagens e dificuldades existentes nesses órgãos, e tendo como foco principal demonstrar a atual situação dos referidos arquivos, em relação a recursos humanos especializados, recursos tecnológicos, organização e conservação dos documentos. O artigo tem por objetivo ainda conscientizar os gestores das referidas unidades de informação acerca da importância destas instituições para a construção e preservação da identidade histórica e cultural da sociedade.

Sendo assim é importante destacar o conceito de Patrimônio histórico cultural definido por Yamashita e Paletta (2006, p.175) como “O acervo de uma nação ou povo e não apenas como construções e pertences antigos”. Um exemplo claro da importância da preservação do acervo documental de uma nação é tido mais uma vez nas palavras de Yamashita e Paletta (2006, p.175) quando as autoras afirmam que:

“O Brasil de Quinhentos Anos é jovem e seu acervo bibliográfico é escasso. Grande parte da história do País se perdeu ora por estar registrada apenas no intelecto dos que já se foram ora por constar de documentos em precário estado de conservação”.

Frente ao exemplo anteriormente citado percebe-se que quando não há preservação documental de um patrimônio histórico cultural ocorrem perdas insubstituíveis. Então só a partir de situações como esta percebe-se a importância da manutenção e conservação dos acervos, para construção e preservação da memória do patrimônio histórico e cultural de uma nação.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

Analisando os trabalhos mais recentes sobre arquivos públicos, percebe-se que vários estudos vêm sendo elaborados com o objetivo de diagnosticar a atual situação dos mesmos. Essa afirmação pode ser comprovada na fala de Jardim (1999, p. 4) quando afirma que: “Saiu-se de uma fase impressionista, na qual as mazelas que atingem os arquivos eram enunciadas a partir de casos específicos para uma etapa em que a complexidade do problema foi identificada com maior precisão, quantitativa e qualitativa.

Grande parte destes estudos relatam a impossibilidade do exercício do direito à informação pelo cidadão, bem como um elevado numero de documentos sem identificação e descrição, além da falta de recursos humanos, financeiros e materiais para a eficiente gestão da massa documental (OHIRA; MARTINEZ, 2001). Fonseca (1996) desenvolveu um estudo que teve por objetivo analisar a situação dos arquivos públicos das prefeituras das capitais dos Estados brasileiros. Para tanto, foram enviados 27 questionários às prefeituras das capitais, porém, do total apenas onze possuem arquivos públicos municipais, e somente oito prefeituras devolveram o questionário preenchido. Para a pesquisadora (p. 105):

“O baixo índice de respostas denota, no mínimo, a falta de atenção dada pelas prefeituras à questão do tratamento adequado de seus arquivos. [...] descomprometimento dos responsáveis pelo aprofundamento dos estudos sobre arquivos públicos no Brasil, ou ainda, uma total falta de controle técnico administrativo, impossibilitando o fornecimento dos dados solicitados”.

Através dos dados obtidos na pesquisa, foi possível identificar que nenhum destes órgãos possui orçamento próprio, dependendo totalmente das decisões superiores para obtenção de recursos; os arquivos possuem deficiência de recursos humanos especializados, como também, dificuldade de acesso por parte do público ao acervo, o que contrapõe o direito de acesso à informação. Outro estudo, realizado por Bojanoski (1999), como parte do Programa de Conservação Preventiva em Bibliotecas e Arquivos, avaliou as condições de preservação dos acervos documentais brasileiros, identificando como deficiência mais grave a falta de conhecimento dos “profissionais” habilitados para atuar na área de preservação do acervo em bibliotecas, arquivos e museus.

Apesar das dificuldades financeiras que estas instituições enfrentam, o estudo relata que até mesmo as ações de preservação que não implicam necessariamente em altos custos, não são realizadas por total desconhecimento do assunto por parte do pessoal que trabalha nos arquivos. No que remete a aspectos técnicos, a preocupação com a climatização, visando à preservação dos acervos documentais foi bastante enfatizada.

Outro problema relatado foi em relação à utilização da microfilmagem, já que esta se apresenta no Brasil como uma solução de preservação para os acervos documentais, e que, aparentemente, tem sido “esquecida” devido ao pequeno número de instituições que ainda utilizam esse procedimento. É importante destacar que o principal motivo pelo qual esse meio de preservação vem sendo esquecido, está diretamente relacionado à inserção das tecnologias de informação em arquivos, ocasionando a substituição da microfilmagem pela digitalização.

Em síntese, as respostas obtidas demonstram tanto a carência de recursos financeiros e humanos, quanto de informações. A Mesa Redonda Nacional de Arquivos realizada no Rio de Janeiro em 1999 envolveu representantes de diversas instituições ligadas aos Arquivos Públicos Brasileiros.

Durante o evento, diversos problemas enfrentados pelas instituições arquivísticas brasileiras foram apresentados, destacando-se como principais: a perda de parcelas do patrimônio documental público; a quase inexistência de instituições arquivísticas públicas municipais; o baixo índice de integração informacional das instituições detentoras de acervo; a inexistência de uma norma nacional de descrição arquivística; deficiência na formação do arquivista e a necessidade de investimento na capacitação dos profissionais que atuam nos serviços arquivísticos governamentais como também, o pouco reconhecimento da importância dos arquivos, pelo cidadão, pelos governantes e pela sociedade em geral (CONSELHO NACIONAL DE ARQUIVOS, 1999).

3 METODOLOGIA

A metodologia adotada para esta pesquisa foi desenvolvida mediante amostras probabilísticas casuais simples e aplicação de questionários contendo perguntas abertas, onde cada indivíduo dos referidos arquivos teve oportunidade igual de ser incluído na amostra. Optamos pela utilização de perguntas abertas por concordarmos com Richardson (2008, p.195) quando observa que “[...] uma das grandes vantagens das perguntas abertas é a possibilidade de o entrevistado responder com mais liberdade, não estando restrito a marcar uma ou outra alternativa”.

Para tanto, foram enviados 22 questionários para o arquivo de cunho federal e oito questionários para o arquivo municipal. A amostra foi composta por 30 indivíduos sendo, um bibliotecário, um historiador, oito técnicos em arquivo, seis estagiários de Biblioteconomia, seis de História, um agente administrativo e sete estagiários de ensino fundamental e médio.

Do total de questionários enviados, obtivemos um retorno de 66,7%. Outro procedimento adotado foi à revisão de literatura realizada em periódicos nacionais das áreas de Arquivologia, Biblioteconomia e Ciência da Informação, compreendendo os seguintes títulos: Informação & Sociedade: Estudos, Ponto de Acesso, Biblionline, Em Questão, Perspectivas em Ciência da Informação, Revista ACB e Arquivística.net, todos disponíveis no Portal Capes e no Portal SEER/IBICT. Livros e websites, complementaram a revisão de literatura.

Os termos utilizados como estratégia de busca foram: arquivos; arquivos públicos; arquivos governamentais e conservação e preservação de documentos. Estes termos foram divididos em duas categorias: 1. arquivos (englobando arquivos de modo geral, significado, origem...); 2. arquivos públicos (em abordagem a situação em que se encontram os arquivos públicos no Brasil atualmente).

4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

Os resultados obtidos com a revisão de literatura e a aplicação dos questionários, apontam que os arquivos analisados ainda estão muito aquém dos padrões desejáveis pela arquivística. Tais deficiências refletem de forma significativa no processo de preservação do arquivo enquanto fator essencial para assegurar a conservação da memória histórico-cultural da sociedade, entre outros pontos.

A revisão de literatura possibilitou conhecer de forma sucinta alguns dos problemas enfrentados por arquivos municipais e federais localizados em outras cidades. Já o resultado dos questionários tornou ainda mais explícito o descaso com a conservação dos documentos, tendo em vista que devido à ausência de recursos financeiros, estas instituições não realizam se quer as mais simples atividades de preservação documental, a exemplo da extração de grampos, clipes e prendedores metálicos que pode ser feita utilizando-se um simples extrator; substituição de caixas arquivo do tipo papelão por caixas arquivo em material polionda; utilização de trinchas para eliminação de poeira e desumidificador para redução do índice de umidade.

Mediante a análise dos dados foi possível constatar ainda que os arquivos avaliados apresentam deficiência em relação ao apoio administrativo, métodos de conservação e preservação de documentos, bem como ausência de recursos profissionais qualificados para atuação arquivística. Diante desse contexto torna-se importante considerar que o profissional amplamente qualificado e capacitado para o tratamento documental arquivísitco é o profissional arquivista já que segundo Erthal (2008, p.110):

“Diferente do perfil profissional tradicional, o arquivista pensa em atuar com a sua ciência a partir da criação do documento. Na medida em que esse profissional atua nas especialidades e especificidades de cada instituição, de cada arquivo, ou documento, a pesquisa permeia todo o seu fazer. Isto acontece, porque sua técnica precisa ser aplicada de maneira muito própria em cada situação na medida em que as empresas são administradas conforme os fins que se destinam e por isso também se organizam e se dinamizam em função desse fazer. Em função disso, é necessário perceber que o arquivista integral realiza seu trabalho de forma orgânica, na medida em que as realidades se apresentam. E para desenvolver a sua técnica e trazer o seu conhecimento inovador e criativo das instâncias finais de tratamento da informação bruta em fontes primárias, será necessário que haja uma conscientização unânime entre administradores e gestores para a abertura de espaço para o arquivista desde o início do processo de registro das informações orgânicas, em seu nicho de formação, também na gestão e avaliação dos registros em meio eletrônico, para garantir esse patrimônio informacional desde a sua origem adaptado às novas tendências da conjuntura atual”.

Em relação à conservação dos documentos, foram avaliados os processos de desinfestação e higienização, acondicionamento, climatização, vistoria sistemática do acervo e cuidados em relação ao manuseio deste. Face a descrição feita no parágrafo anterior, pode-se inferir que o primeiro passo para uma boa conservação do acervo é a higienização pois, segundo Yamashita e Paletta (2006, p. ):

“A higienização de um acervo é um dos procedimentos mais significativos que há no processo de conservação de materiais bibliográficos. A poeira é a grande inimiga da conservação dos documentos, pois contém partículas de areia que cortam e arranham. [...] fuligem, mofo e inúmeras outras impurezas, atraem umidade e degradam papéis”.

O processo de higienização deve ser realizado em períodos regulares, no entanto, isto não ocorre nos arquivos avaliados, que armazenam uma quantidade considerável de documentos de grande valor a exemplo de atas, memorandos, ofícios, atestados, portarias, protocolos, resoluções, licitações etc. de forma errônea, uma vez que não dispõem de profissionais habilitados nem como também recursos para desempenhar tal atividade. O uso de técnicas de mecânica a seco com pincel, trincha ou brocha é uma das mais eficientes e seguras formas de higienizar os documentos. Além disso, outros cuidados importantes devem ser tomados durante a higienização do acervo, a exemplo do cuidado com o manuseio, já que é comum acontecer situações em que devido à fragilidade os documentos não resistem às técnicas utilizadas para limpá-los. Outro fator importante para a conservação dos documentos está relacionado ás condições adequadas de temperatura e de umidade relativa do ar, que são elementos essenciais para prolongar a vida útil do acervo. Segundo Gomes (2006, p.35):

“Para manter-se em uma boa climatização, o acervo deve estar acondicionado em umidade relativa do ar entre 40% e 65%, sem incidência solar direta e sob temperatura entre 18 graus Celsius e 25 graus Celsius, jamais em temperaturas superiores a 40 graus Celsius. Caso isto não seja respeitado, os mesmos sofrerão processo irreversível de descoloração e terão adesivos, bem como suas demais características físico-químicas, alteradas em prejuízo do seu desempenho normal”.

A análise do resultado dos questionários constatou. que o maior problema enfretando pelos arquivos em relação a climatização, se dá devido aos custos para inseir e manter tal sistema, já que o ar condicionado deve funcionar durante as 24 horas do dia e essas instituições não possuem recursos financeiros suficientes para arcar com as despesas resultantes do elevado gasto de energia. O uso da informação em arquivos públicos se dá ou não por diversos motivos. É imprescindível acima de tudo avaliar a questão do acesso à informação disponível e solicitada pelos usuários. Segundo (OHIRA, 2000?) as pesquisas de Fonseca (1996), Côrtes (1996), Ohira e Martinez (2001) verificam que:

“Os usuários mais frequentes são os cidadãos em busca de documentos probatórios, os estudantes universitários e pesquisadores acadêmicos, como também os estudantes do ensino fundamental e médio. Por outro lado, as autoridades municipais, os funcionários da administração pública e a imprensa local apresentam índices inferiores de frequência. É bastante alarmante o fato de que, grande parcela dos arquivos públicos brasileiros apresenta uma média muito pequena de usuários/dia”.

Como mencionado no parágrafo anterior, o maior índice de pesquisas é registrado por estudantes universitários, de ensino fundamental e de ensino médio, mas, será que isso acontece de fato? Será que esse público tem acesso à informação que tanto deseja? Talvez sim, talvez não. Para realizar a aplicação de questionário no arquivo municipal e federal aqui referidos, houve uma certa "burocracia" por parte dos seus respectivos coordenadores. No arquivo municipal, por exemplo, foi necessário encaminhar uma solicitação de autorização para a Secretária de Administração da Prefeitura Municipal, pois, só assim, seria possível aplicá-lo. Frente a situação exposta, surge uma indagação, se para pesquisadores universitários e acadêmicos as dificuldades se fazem presentes, que abertura para acesso terão os "usuários comuns"?. A Lei nº 8.159 no seu Art 4º, diz que:

“Todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular ou de interesse coletivo ou geral, contidas em documentos de arquivos, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujos sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado, bem como à inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas”.

Apesar disso, é perceptível a necessidade de se adotar uma política de acesso ainda mais consolidada, porém, levando em consideração suas limitações e tendo por base que o acesso também depende da restrição estabelecida a cada tipo de documento existente no arquivo.

No Brasil o órgão responsável pela identificação, documentação, restauração, conservação, preservação, fiscalização e difusão do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional é o IPHAN, criado em 13 de janeiro de 1937 pela Lei Nº. 378 e promulgado pelo Decreto-lei nº. 25 em 30 de novembro de 1937 no governo de Getúlio Vargas. 

Tal decreto foi fator determinante para instituir o IPHAN definindo oficialmente o "Patrimônio Histórico e Artístico Nacional", como instituto que trabalha com um universo de bens culturais. Suas ações estão calcadas em legislação específica sobre cada um dos temas pertinentes ao seu universo de atuação, incluindo na categoria como bens móveis que compõe um Patrimônio Cultural: coleções: arqueológicas; acervos museológicos; documentais; arquivísticos; bibliográficos; videográficos; fotográficos e cinematográficos. Há muito tempo várias discussões vêm sendo realizadas, entre pesquisadores, profissionais e acadêmicos, acerca do valor representativo dos documentos para as instituições e para o resgate da memória histórico-cultural da sociedade. Sichmann (2003) explana que:

Atualmente há um despertar da nossa sociedade pela busca de soluções e medidas simples para salvaguardar adequadamente os nossos bens culturais. A era da informação valorizou ainda mais os dados vitais e estratégicos que precisam ser preservados, divulgados e acessados rapidamente para uso presente e futuro. É provável que essa valorização seja um dos atuais motivos pelo qual a sociedade busca resgatar o original, o mais antigo, a primeira versão. Então, nos deparamos com danos ou perdas irreparáveis dos acervos bibliográficos e documentais. Somente a partir daí percebemos a importância da manutenção dessas coleções para a continuidade da memória do patrimônio histórico e cultural da nação.

As principais dificuldades encontradas em relação à formação do pessoal que atua nos arquivos avaliados foram: a falta de uma política de valorização do profissional; ausência de concursos públicos para seleção e ingresso de pessoal especializado; falta de uma política salarial que atraia profissionais experientes e qualificados para o mercado de trabalho, além da ausência de um programa permanente de capacitação e aperfeiçoamento de recursos humanos. De acordo com o Relatório da FHT (1999-2000, p. 16):

“A análise dos recursos humanos é um dos aspectos essenciais na relação para preservação e acessibilidade dos arquivos de um país, porque, em última análise, são as pessoas que concebem e desenvolvem ações concretas neste tipo de instituição. Este fato é especialmente importante no mundo dos arquivos, uma vez que em muitos casos, o trabalho a ser desenvolvido nestas instituições são possíveis graças a iniciativas pessoais dos responsáveis”.

Fonseca (199?) e Souza (2002), descrevem a formação dos arquivistas brasileiros, que teve inicio em 1911 através dos programas de aprimoramento do Arquivo Nacional. Segundo os autores, o surgimento dos primeiros cursos de graduação em Arquivologia se deu a partir da década de 70, e atualmente o país possui oito cursos superiores, estando a maior parte deles localizados na região Sul e Sudeste. Afirmam ainda que os cursos de mestrado e doutorado em sua maioria não são relacionados especificamente para os temas arquivísticos, porém, abordam linhas de pesquisa que estão relacionadas aos temas da área.

Diante do contexto da formação arquivística, o impacto das novas tecnologias da informação não pode deixar de ser considerado, já que elas estão conquistando cada vez mais, um espaço permanente no desenvolvimento de toda e qualquer atividade arquivística, seja no âmbito administrativo, jurídico, fiscal e histórico e segundo Lopes (1997, p. 129) “A reflexão arquivística terá que enfrentar, sob pena de completa deterioração, a informática como meio e como fim, isto é, a informática como um problema teórico e prático a ser analisado”. Esta nova visão requer uma conscientização dos arquivistas para utilizar essas tecnologias como ferramentas auxiliares ao seu trabalho, sem desmerecer evidentemente outros suportes e meios de preservação e disseminação da informação.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Mediante a pesquisa realizada nas referidas instituições federal e municipal, foi possível perceber que os arquivos ainda são vistos como órgãos básicos da administração pública. Essa postura dificulta à implantação de uma política efetiva de arquivos públicos, uma vez que sem o apoio dos gestores destas unidades de informação, se torna ainda mais difícil consolidar e elevar o nível de importância dos arquivos enquanto instituições de pesquisa e preservação do patrimônio documental, seja de interesse apenas institucional ou de interesse da sociedade como um todo.

Dentre os inúmeros problemas levantados estão as condições de instalação que são mínimas, além das dificuldades de conservação e disseminação da informação, e valorização enquanto resgate ao patrimônio histórico documental. Devido à deficiência em relação aos recursos tecnológicos, os documentos contidos nestes arquivos dificultam o rápido acesso por parte dos pesquisadores, restringindo o número de usuários que visitam o arquivo.

A carência de recursos humanos foi outro ponto avaliado, aqui justificadas pela dificuldade de formação e de capacitação dos arquivistas, não existência de concursos públicos federais e municipais, bem como ausência de cursos de capacitação profissional. Para que haja preservação do Patrimônio Documental é extremamente necessário elucidar conceitos e aprimorar a educação de nosso povo sobre a importância e o valor desses documentos para a nossa sociedade.

NOTAS: 
1 Pesquisa desenvolvida em dois arquivos da cidade de João Pessoa – PB e apresentado com modificações durante o I Fórum Internacional de Arquivologia.
*Bolsista de Iniciação Científica – CNPq/UFPB. Aluna do Curso de Graduação em Biblioteconomia da Universidade Federal da Paraíba. melteixeira_mel@hotmail.com **Aluna do Curso de Graduação em Biblioteconomia da Universidade Federal da Paraíba.
ademiacruz@hotmail.com
**Aluna do Curso de Graduação em Biblioteconomia da Universidade Federal da Paraíba. bibulamota@gmail.com
***Doutor em Ciência da Comunicação (Ciência da Informação) pela USP; Mestre em Administração pela Central Connecticut State University, USA; Graduado em Ciência da Computação pela UFPB Campus II e Professor vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da UFPB. Orientador da pesquisa. guilhermeataide@gmail.com

Referências Bibliográficas:
BOJANOSKI, S. Estudo sobre as condições de preservação dos acervos documentais brasileiros. Arquivo & Administração, Rio de Janeiro, v. 2, n. ½, p. 35-78, jan./dez. 1999. 
BRASIL. Lei. Nº. 8.159 de 8 de janeiro de 1991. Dispõe sobre a política nacional de arquivos públicos e privados e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em: 20 set. 2008. 
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Fonte: http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/biblio/article/view/3951/3114.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

O Tenentismo

O Tenentismo foi uma série de movimentos que ocorreram entre 1922 a 1935 propriamente falando, consistindo em movimentos de caráter político e social manifestados e organizados pelas Forças Armadas, principalmente o Exército, embora que contou também em alguns casos com o apoio de civis. Os movimentos que marcaram o Tenentismo podem ser considerados em duas categorias: levantes e revoluções, sendo que ambos os casos chegaram haver conflitos armados, vitimando militares e civis.

Nesse texto devido a brevidade das fontes que tive acesso, me limitarei a realizar um apanhado geral do que fora esse movimento e ideologia como apontam os historiadores Edgard Carone, Maria Forjaz, Antônio Resende entre outros, os quais sugerem que o período de 1922-1927 fora a "fase heroica" marcada por vários pequenos movimentos e três grandes movimentos. Já o período de 1927-1935, consiste na fase da trama política, onde a ideologia imperou em detrimento de conflitos armados, pelo menos após 1930, quando Getúlio Vargas assumiu o poder. 

Origem do termo

A expressão tenentismo adveio do fato de que no ano de 1922, tenentes do Forte de Copacabana, no Rio de Janeiro, iniciaram uma revolta interna em protesto a prisão do ex-presidente da república o marechal Hermes da Fonseca, na ocasião o marechal era presidente do Clube Militar. No entanto, embora tenham sido tenentes que inciaram essa sublevação, em outras localidades do país, revoltas similares foram iniciadas não apenas por tenentes, mas por sargentos e até mesmo por capitães, chegando a contar com o apoio de soldados, cabos e em alguns casos, coronéis e generais. Porém, convencionou-se chamar tais movimentos de tenentismo, não pelo fato propriamente de seus líderes serem tenentes, mas pelas propostas parecidas que tais levantes e revoluções defendiam, que em geral diziam respeito à mudanças na política nacional, além de questões sociais e de direito civil. Todavia, em geral o tenentismo fora um movimento elitista, ou seja, esteve mais preocupado com os anseios da classe média oprimida pelas oligarquias dominantes. E em tal aspecto, a revolta dos manifestantes era contra as oligarquias que dominavam o governo e o corrompiam. 

O termo "tenentismo" como aponta a historiadora Vavy Pacheco Borges, surgiu no cenário político do ano de 1931, pois durante os anos 20 não existem relatos acerca do emprego desse termo, pois os militares que ali promoveram os levantes, eram chamados de "rebeldes", "insurgentes", revolucionários", "revoltosos", etc. O termo surge em meio as disputas políticas que percorriam o país após o Golpe de 30, logo, os militares que participaram dos movimentos na década anterior, ainda continuavam com ideais similares naquele tempo, daí passaram a ser chamados de "tenentistas", logo, surgiu "tenentismo", como forma de caracterizar aquele grupo.

"Para a autora, portanto, a palavra 'tenentismo' surgiu como resultado da luta político-partidária, expressando conflitos entre grupos. Na época de sua formulação, 1931, o termo assumiu, sobretudo, um caráter pejorativo, referindo-se principalmente a uma situação de 'anarquia militar'". (LANNA JR, 2008, p. 345). 

Contexto histórico

O tenentismo eclodiu no final do período da República Velha (1889-1930), como resposta de membros das Forças Armadas aos problemas políticos, econômicos e sociais do país, pois nessa época desde 1898 imperava a chamada "política do café com leite" onde os candidatos à presidência eram eleitos de partidos de São Paulo e Minas Gerais. São Paulo já na época se mostrava o maior centro econômico do país devido a produção cafeeira; por sua vez, Minas embora fosse a maior produtora de leite do país, sua real serventia advinha do fato de conter na época a maior população eleitoral do país.

A política e a economia na República Velha giravam em torno dos interesses dos grandes latifundiários, pois, mais de 60% da economia brasileira na época provinha da agricultura e da pecuária, já que as indústrias ainda estavam se estabelecendo pelo restante do país e em geral eram indústrias têxteis. A industrialização só se intensificaria propriamente primeiro no governo de Vargas, depois com Juscelino (1956-1960), depois com a Ditadura Militar, especialmente no governo de Médici (1970-1974) e posteriormente na década de 90 para cá.

Outro fato importante a mencionar era que grande parte da população era analfabeta e com baixa instrução escolar. Praticamente apenas a classe média e a alta possuíam acesso a uma boa educação e ao sistema de saúde o qual ainda estava se desenvolvendo. Mas mesmo as pessoas que votavam, em alguns casos essas eram semianalfabetas.

Não obstante, a respeito da questão legal, os direitos trabalhistas como nós conhecemos hoje no Brasil só vieram a surgir de fato na década de 40, além disso, o direito ao voto era algo bem limitado nessa época. Soares [1973] apresenta uma estimativa de que pelo menos até o ano de 1930, apenas 5% da população brasileira votava, sendo que esses 5% era formado por indivíduos masculinos (pois as mulheres não possuíam direito ao voto) maiores de idade, que estivessem trabalhando e que soubessem pelo menos assinar o próprio nome. Logo, pelo fato de constar com essa mínima parcela eleitoral, Minas Gerais era um terreno bem disputado na época, especialmente nas eleições presidenciais.

O voto não era secreto, algo que facilitava a manipulação eleitoral e a compra de votos, processo esse que ficou conhecido como "voto de cabresto" onde candidatos obrigavam os eleitores, geralmente pessoas que trabalhavam para ele, a votarem nele ou no candidato que ele apoia-se. No Nordeste tal modalidade recebeu um termo complementar, chamado "curral eleitoral", referência ao controle e a manipulação das eleições realizadas pelos coronéis. 

No âmbito político da antiga república, fora marcante o domínio das oligarquias locais, pois o federalismo defendido e legalizado na Constituição de 1891 garantia certas autonomias aos estados, como: constituir sua própria força armada; organizar os processos eleitorais; administrar as próprias finanças; organizar uma constituição própria, algo que ainda hoje existe, etc. Tais aspectos levaram ao presidente da república Campos Sales a conceber o termo "política de Estados", pois praticamente cada estado possuía grande liberdade de atuação, e não existiam na época partidos políticos de caráter nacional, mas apenas local, sendo esses liderados por tradicionais clãs paternalistas, originários dos grandes latifundiários. 

"A política dos Estados consistia, fundamentalmente, em outorgar uma dominação total a todos os executivos estaduais e federal, incluindo o respeito, pelo governo federal, às decisões dos executivos estaduais. Esta política teve como consequência fundamental no âmbito estadual a redução das oposições a um status simbólico". (SOARES, 1973, p. 18).

Além desses aspectos oligárquicos, a política da República Velha fora marcada também por um alto índice de empreguismo, nepotismo, compra de voto, fraude eleitoral, desvio de verbas, etc. Tais fatores, foram alguns dos motivos pelos quais as revoltas tenentistas se instauraram.

"A extensão da corrupção eleitoral na República Velha era, pois, incrível. As eleições não eram uma questão eleitoral, mas sim uma questão de poder". (SOARES, 1973, p. 24). 


O movimento tenentista

A Revolta dos 18 do Forte de Copacabana (1922)

Hermes da Fonseca
No ano de 1922 vieram a público supostas cartas escritas por Arthur Bernardes então candidato a presidência da república, insultando o ex-presidente da república Hermes da Fonseca (o qual governou de 1910 a 1914), na época presidente do Clube Militar. Bernardes era candidato por São Paulo e representante das oligarquias cafeicultoras, por sua vez seu principal oponente era o fluminense Nilo Peçanha o qual, acabou perdendo a eleição. Mas, se por um lado a vitória de Arthur fora desgostosa para a oposição, a gota d'água veio com a prisão do marechal Hermes decretada pelo então presidente da república Epitácio Pessoa. Hermes irritado com as falsas cartas publicadas, decidiu reagir e apoiou Nilo nas eleições daquele ano, porém ao mesmo tempo, mostrou-se crítico do governo de Pessoa, aliado de Bernardes, assim o presidente Epitácio declarou sua prisão por motivos contestáveis, e tal fato fora um estopim para a deflagração da revolta no Forte de Copacabana e em outras localidades do Rio de Janeiro. A Vila Militar, a Escola Militar do Realengo e o 1o Batalhão de Engenharia se mobilizaram para dá início ao que fora chamada na época "revolução". O intuito era libertar o marechal Hermes e tomar o controle da presidência, promovendo um golpe de Estado.

Os membros do Forte de Copacabana foram os mais radicais, chegando a cometerem ataques a locais estratégicos, disparando contra esses locais, os quais foram: a ilha de Cotunduba, o Forte do Vigia, o Quartel-general, a ilha das Cobras, o Depósito Naval e o Túnel Novo.  

O presidente Epitácio Pessoa ordenou a rendição dos revoltosos no forte, mas como esses se negaram a obedecer argumentando que apenas obedeceriam ordens diretas do marechal Hermes, fora ordenado que o forte fosse atacado. Os navios de guerra, São Paulo e Minas Gerais e a Fortaleza de Santa Cruz no Leme, bombardearam o forte por quase dos dias.


Vista aérea atual do Forte de Copacabana no Rio de Janeiro. 
"Acuados pelo ataque das tropas legalistas por terra, mar e ar, eles desobrigaram seus comandos, nas palavras do líder rebelde tenente Siqueira Campos: "O governo vai iniciar as hostilidades contra o Forte com elementos os mais terríveis; a hora tocou. Quem quiser partir, o governo garante a vida; quem quiser ficar fique, mas posso prevenir que nada de bom nos espera"". (SOARES, 1973, p. 317 apud CARONE, 1975, p. 39). 

Dos 301 aquartelados no Forte, apenas 18 ficaram, pois o capitão Euclides Hermes da Fonseca aconselhou que fosse melhor os demais abandonarem o forte. Ainda no dia 5, Euclides tentou negociar a rendição pacífica, porém acabou sendo preso enquanto negociava a rendição fora do forte. Mesmo assim os demais não desistiram da causa. O tenente Siqueira Campos assumiu a liderança e no mesmo dia decidiu deixar o forte e marchar de encontro as tropas legalistas. Os 17 restantes caminharam pela Avenida Atlântica, e em sua frenética marcha, um civil de nome Otávio Correia se uniu aos militares. 

Da esquerda para direita, tenentes Eduardo GomesSiqueira CamposNewton Prado e o civil Otávio Correia.
Na altura do atual Posto 3 em Copacabana próximo ao Leme, os 18 revoltosos foram recebidos à bala pelas tropas legalistas, que depois em dada altura partiram para o ataque corpo a corpo. Dos dezoito, 12 foram mortos naquele dia, incluindo o civil Otávio. Outros quatro vieram a falecer no dia seguinte devido aos ferimentos não tratados, o que incluiu o tenente Newton Prado. Por fim, sobreviveram apenas os tenentes Siqueira Campos e Eduardo Gomes, os quais foram presos, mas posteriormente libertos.  

Mesmo tendo fracassado, a Revolta dos 18 do Forte de Copacabana influenciou outras revoltas militares ainda no ano de 1922 e se tornou um marco para a luta que estava por começar no Brasil, o Tenentismo. 

Outras revoltas ocorridas em 1922

No 1o Batalhão de Engenharia do Rio de Janeiro, o capitão Luiz Gonzaga Borges cogitou iniciar um levante, no entanto, a tentativa fora abortada antes mesmo de se iniciar, pois acabou-se descobrindo suas intenções e imediatamente tratou-se de se impedir a revolta.

Na Vila Militar do Rio de Janeiro um levante organizado pelo tenente Frederico Buys, auxiliado pelos sargentos Waldomiro Pessoa Barbosa e Galdino Hardman, deram voz de prisão a partidários do governo e iniciaram um conflito armado, chegando a disparar no prédio onde os legalistas se encontravam. No entanto, a tropa de Buys quando deram conta que estavam participando de uma traição ao governo, abaixaram as armas e decretaram rendição. Buys e os sargentos sem chance de continuar a revolta, acabaram por se render. 

Na Escola Militar do Realengo, importante centro formador de oficiais do Exército no Rio de Janeiro também contou com uma revolta. O coronel Xavier de Brito, influenciado pela revolta em Copacabana e pelo levante na Vila Militar, reuniu suas tropas e partiu em marcha para auxiliar a revolta iniciada por Buys, no entanto, no caminho suas tropas foram confrontadas por forças dos batalhões de engenharia, artilharia e infantaria, que no fim prevaleceram e a marcha fora interrompida. 


Antiga foto da Escola Militar do Realengo, operante de 1913 a 1941.
Em Niterói, o comandante da Marinha, Álvaro de Vasconcelos conseguiu tomar as repartições federais e estaduais da cidade, inclusive ocupando a Companhia Telefônica da cidade. No entanto, a conquista fora efêmera e em pouco tempo o chefe de polícia local conseguiu contornar a situação e pôs abaixo o levante. 

No Mato Grosso ocorreu uma revolta liderada pelo general Clodoaldo da Fonseca, comandante da 1a Circunscrição Militar. A meta era invadir e tomar São Paulo. As tropas organizadas em Campo Grande e Três Lagoas, tinha como principal rota, cruzar o rio Paraná, para assim adentrar no estado de São Paulo, entretanto o governo conseguiu agir mais rápido e cortou a comunicação entre as tropas rebeldes o que forçou em 8 de julho de 1922, o general Clodoaldo abortar a revolta e se render. 

"Todos esses movimentos não partiram de uma ação conjunta sistemática, mas comungavam da mesma motivação, denominada por eles de 'revolução'. Todas as revoltas, que ocorreram no período de 5 a 8 de julho, foram prontamente reprimidas, o que mostra a energia do governo e sua capacidade de coesão. Epitácio conseguiu agrupar toda a classe política civil contra o movimento rebelde. Ao contrário de enfraquecer as oligarquias, o tenentismo agiu como inimigo comum e atuou como agente estranho no corpo político brasileiro. A reação consistiu na união e no fortalecimento das oligarquias". (LANNA JR, , p. 319). 
Em um ano, o presidente Epitácio Pessoa teve que tratar de impedir seis revoltas tenentistas, ocorridas em julho de 1922.
A Revolta Paulista (1924)

No dia 5 de julho de 1924, aniversário de dois anos da Revolta dos 18 do Forte de Copacabana, eclodiu no estado de São Paulo um novo levante tenentista com  planos de fazer eclodir uma revolução. 

"Iniciou-se na madrugada de 5 de julho, nos quartéis militares de São Paulo, em Pinheiros e em Quintaúna. A estratégia era reunir as tropas rebeladas no Campo de Marte para atacar e ocupar os principais prédios públicos da cidade. No fim do primeiro dia de combate, eles haviam ocupado as estações da Luz, Sorocabana, do Brás e da Cantareira; o Hotel Terminus, o 4o Batalhão de Caçadores, a estação transformadora da Light, o Corpo-Escola e os quartéis do 1o e do 2o batalhões de polícia, no bairro da Luz". (LANNA JR, 2008, p. 320).


General Isidoro Dias Lopes
O principal líder da Revolta Paulista não fora um tenente, mas sim, o general Isidoro Dias Lopes, o qual graças a sua posição e influência no Exército conseguiu ganhar muitos aliados para sua causa rebelde. Outro nome importante na liderança fora o chefe de polícia Miguel Costa, o qual teria um papel importante posteriormente na causa tenentista. O primeiro dia de revolta fora frutífero e com poucos confrontos, os quais ocorreram principalmente no bairro da Luz, nas imediações do Palácio dos Campos Elísios e em alguns locais no centro da cidade, onde os revoltosos confrontaram a polícia e as tropas legalistas. No terceiro dia, a situação começou a se acirrar, o general Eduardo Sócrates fora enviado para por fim a revolta tenentista. No entanto, dias depois, tropas da Marinha chegaram ao porto de Santos e partiram para São Paulo, a fim de apoiar as tropas do governo contra os rebeldes. O tenente João Cabanas (1895-1974) se tornou um "herói" entre os revoltosos, pois havia conseguido coordenar vários ataques com grande exito. De certa forma, as vitórias de Cabanas contribuíram para que a revolução se estende-se por quase um mês na maior cidade do Brasil. 

Em 12 de julho fora dada a ordem de se disparar e bombardear os refúgios dos rebeldes no bairro da Luz. O confronto em si diferente dos outros movimentos de 1922 que duraram apenas poucas horas ou dias, no caso de São Paulo a briga fora levada até o máximo em que os rebeldes conseguiram manter, pois um dos problemas que levou ao fracasso a revolta que planejava iniciar uma revolução nacional para derrubar o presidente Arthur Bernardes, fora a falta de organização e comunicação entre os setores que formavam a revolta. Em muitos casos, o general Isidoro não possuía informações sobre o que estava acontecendo nas outras bases rebeldes, e o mesmo acontecia com Miguel Costa e outros chefes. Em um curioso caso, Miguel Costa quase declarou total rendição pois não recebia mais informações do comando de Isidoro, e logo, e ele cogitou que Isidoro havia desistido ou tinha sido capturado. 
Presidente Arthur Bernardes

Outro problema visto, fora que a população paulistana se viu dividida durante essa ocupação na cidade, pois o governador de São Paulo, Carlos de Campos havia deixado a capital com seu gabinete. Ou seja, a não ser o prefeito e alguns vereadores e deputados, a cidade de São Paulo estava quase que nas mãos dos rebeldes, mas esses não souberam o que fazer. Parte da população era contra essa revolta, por outro lado haviam aqueles que davam apoio aos rebeldes e numa terceira perspectiva havia aqueles que preferiram não apoiar nenhum lado e aproveitaram a confusão para cometerem crimes. Carone [1975] lembra que foram registrados vários atos de roubo e furto por parte dos civis e até mesmo por soldados.

"O apoio ao tenentismo partiu principalmente os estudantes, das classes populares e do operariado organizado. Os estudantes criaram a Brigada Acadêmica, que atendia a população civil". (LANNA, 2008, p. 323). 

Nos dias que se seguiram o confronto, parte da população da cidade a deixava e aqueles que haviam decidido ficar, evitavam de sair nas ruas, pois uma pequena "guerra" acontecia em cantos da cidade, embora necessariamente não se saiba o número de vítimas do confronto. À 26 de julho, um avião sobrevoou São Paulo despejando panfletos no qual convocava a população da cidade dizendo o seguinte: "á nobre e laboriosa população de São Paulo... para que abandone a cidade, deixando os rebeldes entregues à sua própria sorte". (LANNA JR, 2008, p. 321 apud CARONE, 1975, p. 68).

Depois de mais de dez dias de tiroteios, os rebeldes decidiram firmar um acordo prevendo o fim da revolta. A Associação Comercial fora escolhida para ser a intermediária entre os rebeldes e o governo e a proposta por ela encaminhada ao governo era que em troca de cessarem o conflito, o Estado deveria conceder a anistia para os militantes da revolta de 1924 e da de 1922. Entretanto, o governo recusou a proposta. 

"Os militares rebeldes iriam vender caro a derrota. Como o objetivo não era conquistar São Paulo, mas o governo federal, retirar-se da frente de batalha naquele momento seria a atitude mais coerente que poderiam assumir". (LANNA JR, 2008, p. 322) 

Na madrugada de 27 para 28, parte das tropas que ainda mantinham sua convicção se retiraram de São Paulo de trem, seguindo para Bauru. Nessa ocasião, Miguel Costa estava a frente do comando, pois sua meta era se reagrupar e se reorganizar no interior de São Paulo e continuar com a causa revolucionária. O general Isidoro posteriormente exilou-se na Argentina.

"A importância do movimento de 1924 em São Paulo é semelhante à Marcha dos Dezoito do Forte em 1922 no Distrito Federal, quando os jovens oficiais haviam sublevado unidades militares, bombardeando pontos estratégicos da capital e feito muitos mortos em luta heroica. Em 1924, expulsaram o governo estadual da cidade de São Paulo, principal centro urbano e econômico do país. Tal façanha atingiu mais diretamente um número maior de pessoas, classes e organizações, além de ter imposto uma política agressiva, que foi entendida de diferentes formas por esses atores políticos da época". (LANNA JR, 2008, p. 322). 

A Coluna Paulista (1924)


"O destino do movimento estava em discussão quando se retiraram de São Paulo. Eram três as propostas: a primeira, derrotada, pregava a permanência na cidade; a segunda sugeria uma concentração de forças em Campinas; e a terceira propunha seguir ao encontro das tropas revoltadas no Mato Grosso. A escolha de ir para Bauru era resultado dessa discussão. A cidade era reduto oposicionista, portanto potencialmente simpática ao movimento, além de ser a confluência de três estradas de ferro que levavam ao Mato Grosso. A Coluna Paulista não tinha rumo certo". (LANNA JR, 2008, p. 324).

Bauru se tornou o quartel-general da Coluna Paulista de onde os militares contaram com o apoio dos civis, inclusive o fato de que alguns civis se tornaram líderes de operações realizadas pela coluna no estado de São Paulo. A meta era seguir para o sul, em direção ao Paraná. Mas enquanto isso não acontecia, novos postos eram conquistados em São Paulo, as cidades de Agudos, Dois Córregos, Jaú, Bocaina, Mineiros, Bica da Pedra e a Estrada e Ferro Douradense foram ocupadas. Embora que Carone [1975] lembre que Araras, Pirassununga e Descalvado chegaram também a sofrer influência dessas ocupações e passagem das tropas. 

A Coluna Paulista na realidade consistiu em um bloco de tropas independentes que possuíam em comum a mesma causa. A chamada Coluna da Morte, liderada pelo tenente João Cabanas agiu principalmente no estado de São Paulo, embora que houveram expedições para Mato Grosso, para a cidade de Três Lagos, ataque liderado pelo coronel Juarez Távora

Embora tenha ocorrido algumas vitórias significativas, as ocupações feitas as cidades mencionadas e outras mais foram efêmeras, pois o Estado continuava a pressionar os rebeldes e isso levou Miguel Costa a decidir abandonar São Paulo e conseguir refúgio no sul. Próximo ao final de 1924 a Coluna montava base em Foz do Iguaçu, onde fora atacada pelas forças legalistas de janeiro a março de 1925, quando veio a ser socorrida pela Coluna Prestes, essa vinda do Rio Grande do Sul. 

Outras revoltas tenentistas de 1924

No bairro do Engenho Novo no Rio de Janeiro fora orquestrado um levante pelo capitão Carlos da Costa Leite, o major Martins Garcia Feijó, o tenente Rocha Lima e o estudante Uchoa Cavalcante, além de ter contando com a participação de vários outros. Porém, o plano fora denunciado e a revolta que estava por eclodir no 3o Regimento de Infantaria do Rio de Janeiro não chegou a ocorrer. 

No 10o Regimento de Cavalaria Independente, em Bela Vista no Mato Grosso, os tenentes Pedro Martins da Rocha e Riograndino Kruel lideraram uma rebelião em 12 de julho a fim de aderirem a revolta paulista, porém devido a falta de apoio, o levante acabou fracassando. 

Em Sergipe, tropas que seriam enviadas para combater os rebeldes em São Paulo se recusaram a partir, e deram início numa revolta que durou até agosto, onde chegaram a ocupar a capital Aracaju e a cidade de Itaporderada. O Estado enviou tropas da Bahia para confrontar os rebeldes sergipanos que chegaram a contar com o apoio civil. 

Algo similar aconteceu em Belém no Pará, onde no dia 26 de julho no 26o Batalhão de Caçadores, o capitão Assis Vasconcelos liderou uma revolta que durou poucos dias. Na ocasião, o capitão Vasconcelos recusou-se a viajar para São Paulo a fim de apoiar as tropas legalistas.

Em 4 de novembro fora iniciado um motim no navio São Paulo, liderado por Hercolino Cascardo. Parte da população fora rendida e aprisionada. A ideia era se bombardear o Palácio do Catete, sede da presidência na época. Porém, pelo fato de se encontrarem na baía de Guanabara seriam um alvo fácil para outros navios de guerra, a solução fora deixar a baía e seguir para o sul do país, a fim de se reunir com a Coluna Paulista no Paraná, mas devido a problemas climáticos e no próprio navio a operação fora abortada, e os rebeldes conseguiram deixar o navio e se exilaram em Montevidéu no Uruguai. 

A Comuna de Manaus (1924)

No dia 23 de julho eclodiu em Manaus, capital do Amazonas uma revolta tenentista que chegou a controlar a cidade e cercanias por cerca de um mês. Mas diferente das posições políticas visadas em São Paulo no intuito de se promover um golpe de Estado, em Manuas, os rebeldes estavam mais preocupados com causas sociais. 

"O movimento no Amazonas apresentava uma roupagem social que o identificava com questões concretas, como a corrupção na administração pública. Importava-se mais com problemas locais, chegando a criar a Comuna de Manaus. Também ao contrário de São Paulo, os militares amazonenses rebelados tinham uma postura menos elitista e isolacionista em relação às classes populares". (LANNA JR, 2008, p. 326).

Os rebeldes tentaram expandir seus domínios levando a confrontos com as tropas legalistas, mas de fato fora apenas em Manaus que a Comuna mostrou eficiência antes de sucumbir as forças do Estado. 

Revoltas tenentistas no Rio Grande do Sul (1924)

"Os movimentos ocorridos na Marinha, nos estados do Amazonas, Mato Grosso, Sergipe, Pará e no Distrito Federal, vinculavam-se ao tenentismo paulista. Por ideologia, tinham o mesmo objetivo revolucionário e foram liderados por oficiais de baixas patente. Não foram movimentos planejados e pensados simultaneamente; surgiram por contágio e apresentavam peculiaridades, como o nacionalismo popular amazonense e a maior participação de civis nos movimentos em geral". (LANNA JR, 2008, p. 327 apud FORJAZ, 1977, p. 82). 

De certa forma o movimento tenentista no Rio Grande do Sul também começou assim, fora influenciado pela Revolta Paulista, desenvolveu-se em uma Coluna com pretensões de viajar pelo país para incitar uma revolução nacional. 


Tenente Juarez Távora
Na madrugada do dia 29 de julho de 1924 era iniciado os levantes tenentistas nos Rio Grande do Sul. Na cidade de Santo Ângelo fora liderado pelo capitão Luís Carlos Prestes; em Uruguaiana e São Borja, se encontrava o capitão Juarez Távora, o qual havia participado em 1922 da revolta na Escola Militar do Realengo. Na cidade de São Luís, a liderança estava com o tenente João Pedro Gay. Por trás de toda a movimentação rebelde, estavam como principais líderes do movimento naquele estado, o capitão Rui Zabaran e o tenente Siqueira Campos, sobrevivente da Marcha dos 18 do Forte de Copacabana em 1922. Tais movimentos iniciais consistiram em quarteladas que visaram ocupar pontos estratégicos de cada uma dessas cidades; no caso de Santo Ângelo ocupou-se a estações da Estrada de Ferro e do Telégrafo Nacional como forma de controlar a entrada e a saída de pessoas da cidade e possivelmente a vinda de tropas legalistas pela ferrovia. Além disso, armazéns e quartéis foram invadidos de onde subtraiu-se armas, munição, veículos, combustível, assim como alimentos, água e medicamentos. No caso dos governos municipais, os mesmos eram tomados e civis eram colocados no lugar em governo provisórios. No caso de Uruguaiana, o civil Lúcio Magalhães como aponta Carone [1975] fora colocado no posto do prefeito da cidade pelos rebeldes. 


Antiga estação ferroviária de Santo Ângelo, RS. Hoje consiste no Memorial Coluna Prestes.
"Essas primeiras conquistas representaram pouco diante da diferença de forças e das seguidas derrotas sofridas. Na de Cachoeira, em 29 de outubro de 1924, 'atacados pelos elementos do mesmo batalhão, que conservaram fiéis, e por um corpo auxiliar ali estacionado'". (LANNA JR, 2008, p. 328).

A solução fora criar destacamentos móveis formados por poucas dezenas ou centenas de homens, que facilita-se a locomoção das tropas rebeldes em caso de serem encurralados ou não disporem de força para combater as tropas do governo. Tais destacamentos dariam origem as chamadas colunas relâmpagos que continuaram a operar no estado entre 1925 e 1927, mesmo sem o apoio da Coluna Prestes. 

Os capitães João Alberto, Juarez Távora e Honório Lemos, chegaram a criar seus destacamentos móveis. Mas mesmo com a criação de tais destacamentos para facilitar a mobilização das tropas rebeldes isso não conseguiu salvá-los de grandes derrotas.

Em 8 de novembro em Guaçu-Boi a Coluna Honório Lemos fora duramente derrotada. A munição havia acabado, e os rebeldes fugiam sob uma chuva de balas dadas pelas tropas legalistas. Carone [1975] diz que o próprio Honório montando em seu cavalo gritava para as tropas não fugirem e se reunirem, mas isso fora em vão. 

"As seguidas derrotas sofridas pelos jovens oficiais obrigaram-nos a concentrar suas forças em São Luís. 'Esteve, portanto, esta cidade ocupada pelos revolucionários durante o período que decorre de 29 de outubro a 27 de dezembro, quando a mesma foi abandonada para ser iniciada a grande marcha para o norte.' Formava-se em São Luís a Coluna Prestes ou Coluna Gaúcha. Liderada pelo capitão Luís Carlos Prestes, marchou em direção a Foz do Iguaçu com o objetivo de juntar forças com os militares paulistas ali estacionados". (LANNA JR, 2008, p. 329 apud CARONE, 1975, p. 92).

A Coluna Prestes (1925-1927)


Luís Carlos Prestes
A marcha de São Luís para Foz do Iguaçu marcou o início da Coluna Prestes, a mais famosa coluna do movimento tenentista, mas embora tenha conquistado a fama de "Coluna Invicta", sua organização não fora uma das melhores. A Coluna era formada por militares insubordinados, por militares convictos a causa, por civis interessados em causas próprias, etc. Em suma, a maior parte do contingente da Coluna era formada por civis, daí ter sido o único dos movimentos tenentistas da época a contar com uma superioridade na participação de civis na causa. Mas, mesmo contando com esse grande número de civis, os mesmos se mostraram aptos para a luta armada, nesse caso fora estabelecido uma nova estratégia, ao invés de se preparar para grandes batalhas como vinha ocorrendo, a nova tática fora se utilizar guerrilhas, algo que se mostrou bem proveitoso, embora tenha se pagado um preço caro por isso.

Na violenta batalha de Ramada, a Coluna por um momento vislumbrou seu fim. Muitos dos rebeldes morreram naquele confronto, mas devido a bravura e a determinação, a Coluna conseguiu vencer a batalha, mas isso não significou uma grande vitória, mas sim o prenúncio de momentos difíceis. Após a difícil vitória em Ramada fora decidido que a Coluna partiria para Santa Catarina e na ocasião da viagem grande parte dos integrantes desertaram; muitos abandonaram a causa por medo e outros por que não vinham chances de sucesso nessa empreitada. Do total de milhares de integrantes, apenas 800 chegaram à cidade de Porto Feliz em Santa Catarina. 

Depois de alguns dias de descanso, a Coluna deixou Porto Feliz e se dirigiu para o Paraná, o objetivo era se reunir com a Coluna Paulista em Foz do Iguaçu, porém após terem passado da cidade de Barracão no Paraná, os paulistas que deveriam encontrá-los para guiá-los não apareceram, logo, a Coluna tivera que abrir caminho próprio e fora nessa ocasião que Prestes organizou pequenos grupos de guerrilhas para sondar a área e ocupar posições estratégicas, pois as tropas legalistas estavam na região tanto atrás dos paulistas e agora dos gaúchos. 
Miguel Costa

Finalmente quando chegaram a Foz do Iguaçu as duas Colunas se uniram, formando a Coluna Miguel Costa-Prestes. Miguel Costa fora nomeado comandante-general da coluna; já o major Coriolano de Almeida Júnior, ficou responsável pelo comando do estado-maior; Juarez Távora fora escolhido para liderar o comando da brigada de São Paulo, e o tenente-coronel Carlos Prestes, se tornou comandante da brigada do Rio Grande do Sul. No entanto, embora as duas Colunas tenham se unido, suas forças constavam por volta dos 1200 homens. Com esse baixo contingente militar e a ameaça crescente de serem encurralados pelas tropas do governo, fora decidido abandonar-se Foz do Iguaçu e partir para o norte do país, o caminho escolhido fora adentrar pelo Paraguai, por onde percorreram cerca de 150 km no país vizinho e voltaram a entrar no Brasil pelo estado do Mato Grosso (hoje Mato Grosso do Sul), onde firmaram base nas cidades de Patrimônio da União e Ponta Porã

"No Mato Grosso, a coluna foi duramente combatida pelas forças legais e muito mal recebidas pela população em geral. Nesse estado, eles foram tratados como inimigos, 'recebidos a bala pelos habitantes dos lugares'". (LANNA JR, 2008, p. 333 apud CARONE, 1975, p. 127). 

Após a péssima recepção e passagem por Mato Grosso, a Coluna seguiu viagem  e junho para Goiás onde evitou conflitos desnecessários contra as tropas legalistas e contra os civis, apenas atacando para conseguir alimento, água, medicamentos, combustível entre outros bens necessários. A cidade de Anápolis fora uma das cidades invadidas durante a passagem da Coluna por Goiás. 

"Em Goiás, como no Mato Groso, 'a Coluna era repelida pela população, que ou fugia à sua passagem ou incorporava-se aos Batalhões Patrióticos para combatê-la. Esses batalhões eram milícias mercenárias arregimentadas pelos oligarcas regionais, que auxiliavam as forças regulares legais no combate à Coluna'". (grifos meus) (LANNA JR, 2008, p. 334 apud FORJAZ, 1977, p. 99). 

Fora em Goiás que a Coluna se dividira para atender questões opostas. Miguel Costa cogitava se dirigir para Minas Gerais e depois tentar invadir o Rio e Janeiro e tomar o governo, porém Luís Carlos Prestes achava tal ideia muito ousada e preferia continuar com a marcha e conseguir mais aliados e ao mesmo tempo mobilizar outros estados a entrarem na causa tenentista. Assim em agosto e 1925 a Coluna recebeu uma nova divisão.

"A coluna foi dividida em quatro destacamentos, comandados por Osvaldo Cordeiro de Farias, João Alberto Lins de Barros, Antônio Siqueira Campos e Djalma Dutra. 'Essa nova organização da Coluna, que se tornou definitiva, veio institucionalizar a liderança de Prestes, que a partir daí enfeixou em suas mãos a direção da guerra e passou a controlar completamente o comando-em-chefe'". (grifos meus) (LANNA JR, 2008, p. 335 apud FORJAZ, 1977, p. 98). 

Com Prestes na liderança da Coluna as ordens era continuar a seguir para o Norte e Nordeste a fim de encontrar paragens mais amigáveis. No percurso da viagem, os rebeldes viajavam por estradas secundárias e por zonas rurais para evitar chamar a atenção das tropas legalistas e da população que em grande parte se mostrava contra eles. Forjaz [1977] diz que em sua primeira estadia na Bahia, a Coluna passou por dificuldades devido a falta de comida, algo que quase arruinou os planos de vez de se continuar em frente com o plano. A solução fora retornar para Goiás, onde conseguiram encontrar alimento. 

No entanto no retorno a Goiás uma revolta interna abalou a Coluna, o major Mário Geri desgosto com os problemas que a Coluna vivenciava e descrente do rumo do que aquilo tudo tomaria, planejou uma revolta interna, mas acabou sendo preso. O major representava parte da ala descontente com a realidade que a revolta estava tomando, cogitou-se a procurar-se o governo e tentar a anistia, mas o governo negou a conceder a anistia, então a coluna em novembro chegou ao Maranhão onde permaneceriam até dezembro. 

Fora no Maranhão que a Coluna foi bem mais recebida ganhando apoio local, com a adesão de 250 homens, além de mantimentos e equipamentos. Os fazendeiros Manoel Bernadino, vulgo "Lenine da Mata" e Euclides Neiva, foram os principais apoiadores da Coluna Prestes em terras maranhenses, algo que repercutiu ao fato de que planejou-se invadir e tomar São Luís, capital do estado, mas tal plano acabou fracassando, e a Coluna para evitar maiores problemas retirou-se para o estado vizinho do Piauí, onde conquistou importantes vitórias ainda em dezembro de 1925, o que levou inclusive a um cerco de três dias à capital do estado, Teresina. O cerco não se prolongou devido a desvantagem numérica das tropas da Coluna contra o governo e a escassez de munição que os rebeldes vivenciavam, embora que pelo Piauí, Siqueira Campos tenha conseguido importantes vitórias com seu destacamento, mesmo assim isso não segurou a possibilidade de vitória para a Coluna, ficar parado seria muito perigoso, a melhor solução era se manter em movimento e esperar que mais aliados se unissem a causa. 

"Depois de Teresina, a coluna seguiu para o Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco, entre janeiro e fevereiro de 1926. Aqui termina a fase ascendente da coluna e inicia-se o período desfavorável. 'A partir da Paraíba a resistência da Coluna tornou-se muito difícil, pois agora, além das tropas regulares, uma série de 'coronéis' do sertão nordestino empreenderam com suas tropas sertanejas a perseguição da Coluna'". (LANNA JR, 2008, p. 339 apud FORJAZ, 1977, p. 103). 

Voltando a Bahia, contando com cerca de um pouco mais de mil homens a coluna fora duramente perseguida por coronéis e até cangaceiros, pois fora oferecido recompensas para quem captura-se os rebeldes ou informassem sua localização. O coronel Horácio de Mattos fora o pior inimigo dos rebeldes na Bahia, seguindo até mesmo a persegui-los dentro de Minas Gerais, para onde eles fugiram. Porém a astúcia de Prestes dera certa e a Coluna conseguiu despistar seus perseguidores e retornaram para a Bahia, cruzando o rio São Francisco em busca de local mais calmo no sertão baiano. 

"Nesse momento 'a Coluna tinha um aspecto desolador: exaustos, maltrapilhos, famintos pela escassez de recursos, acometidos de impaludismo, os homens da Coluna iam vencendo penosamente a pé os atoleiros em que as estradas se convertido'". (LANNA JR, 2008, p. 339 apud FORJAZ, 1977, p. 107). 

A Coluna ainda continuaria a viajar por Pernambuco, Piauí, retornando para o Mato Grosso onde Prestes enviou Djalma Dutra e Lourenço Moreira Lima para se encontrarem com o general Isidoro Dias, o qual estava exilado na Argentina desde 1924. Enquanto os dois tenentes não retornavam, a Coluna abrigou-se no Mato Grosso, próximo a fronteira da Bolívia. 



Isidoro enviou a resposta para que Prestes aguarda-se  o resultado das colunas relâmpagos no Rio Grande do Sul organizadas pelo marechal Assis Brasil, se as mesma obtivessem vitória, a Coluna Prestes poderia voltar para casa, porém as tentativas do marechal fracassaram, e Prestes e Costa decidiram pela dissolução da Coluna, e em fevereiro de 1927 seus membros restantes se exilaram na Bolívia. 

O tenentismo nos anos 30

A Coluna Miguel Costa-Prestes findou-se em 1927, encerrando o período mais ativo do movimento, pois como fora dito inicialmente, nos idos dos anos 30 o tenentismo retorna mais sob uma prerrogativa ideológica do que como organizacional, pois o Golpe de 30, a Revolução Constitucionalista de 1932 em São Paulo e a Intentona Comunista de 1935, não operaram ou se organizaram da mesma forma do que as revoltas vistas entre 1922 e 1927, porém mantiveram ideologias similares, como a oposição as oligarquias paulistas e mineiras, a corrupção, o descaso do governo, reivindicações sociais e legais, etc. 

Para Boris Fausto [1976] uma das diferenças que marcaram o tenentismo dos anos 20, do visto durante o Golpe de 30, fora a aproximação maior das altas hierarquias do Exército a causa oposicionista e um maior interesse das classes altas e da classe média alta, em detrimento da classe média baixa, marcada anteriormente. De fato, Getúlio Vargas ganhou apoio de generais em sua empreitada para tomar o poder no Rio de Janeiro, onde o presidente Washington Luís fora deposto e uma junta tripla militar assumiu provisoriamente o governo até nomearem Vargas como presidente provisório. 

Outro aspecto diferente fora que nos anos 30, o movimento tenentista não ocorreu com levantes ou quarteladas, mas foram planos mais bem organizados, orquestrados com o apoio de várias frentes, incluindo o meio político, pois Vargas contou com o apoio dos governadores de Minas e da Paraíba, sendo que João Pessoa, governador da Paraíba, chegou a ser seu candidato a vice-presidência, mas fora assassinado em julho de 1930. 

O que incluiu também o apoio direto ou indireto de membros tenentistas como Miguel Costa, Carlos Prestes, Assis Brasil, Siqueira Campos entre outros, participaram desses movimentos no começo do ano 30, embora alguns mantiveram-se em seus exílios, passando apenas informações e conselhos. 

"o tenentismo é, antes de tudo, um movimento revolucionário. Como salvador da pátria, denunciava a desmoralização dos costumes políticos pelas oligarquias, que deveriam ser banidas da política, por corromperem as instituições, em específico as forças armadas". (LANNA JR, 2008, p. 347".

Também não podemos esquecer que alguns dos levantes vistos nos anos 20 tinham como meta reivindicar melhorias nas carreiras militares ou apoiar levantes maiores como o e São Paulo e a Coluna Prestes por causas políticas nacionais, no entanto, a base do tenentismo era voltado para a classe média, embora que um ou outro levante cogitou lutar por questões ditas populares. O próprio golpe de 30, tinha como meta mudar aqueles que estavam no poder, pois Vargas só veio mostrar realmente interesse para a nação a partir de 1934 quando promulgou a nova constituição brasileira, motivo da revolução paulistana de 1932, os quais cobravam do presidente provisório essa "promessa de campanha". Embora que a revolta comunista de 1935, liderada por Carlos Prestes criticava a nova constituição e a permanência de Vargas no poder, além de outras questões políticas e sociais. 

Mas em si o tenentismo fora um movimento civil-militar de caráter político e social que procuraram reivindicar questões militares, ao mesmo tempo criticou as oligarquias da política do café-com-leite, e cogitou tomar o poder nacional ou constituir uma "revolução" para mudar a política brasileira como fora considerado na época.

NOTA: No seriado Um só Coração (2004) há referências tanto a Semana de Arte Moderna de 1922 como a Revolução Paulista de 1924, a Coluna Paulista, a Coluna Prestes e a Revolução Constitucionalista de 1932. 
NOTA 2: Luís Carlos Prestes fora casado como a militante comunista alemã Olga Benário Prestes, da sua união nascera Anita Leocádio Prestes, a qual hoje é historiadora e professora da UFRJ, tendo escrito alguns livros sobre a carreira de seu pai e o movimento tenentista e comunista no Brasil. Tive a oportunidade de assistir uma palestra da mesma. 
NOTA 3: Embora Getúlio Vargas tenha alegado ter feito um bem ao país ao realizar o golpe de 30, ele governou pelos quinze anos seguintes quase como um ditador, onde durante a Segunda Guerra Mundial, Vargas chegou a se aproximar do governo fascista e nazista, embora que tenha enviado tropas para apoiar os Aliados contra os alemãs e italianos. Sua renúncia em 1945 dera-se principalmente pela baixa popularidade de seu governo e a ameaça de um golpe de Estado para derrubá-lo.   
NOTA 4: Uma das estações de metrô em Copacabana chama-se Siqueira Campos. 

Referências Bibliográficas:
LANNA JR, Mário C. Martins. Tenentismo e crises políticas na Primeira República. In: O Brasil Republicano - vol. 1. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2008. 
SOARES, Gláucio Ary Dillon. Sociedade e política no Brasil: desenvolvimento, classe e política durante a Segunda República. São Paulo, Difusão Europeia do Livro, 1973. p. 11-31. 
FAUSTO, Boris. A Revolução de 1930. In: Brasil em Perspectiva. 19a ed, Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1992.