domingo, 15 de setembro de 2013

Odin: uma análise dos mitos e crenças do rei dos deuses escandinavos

Esse texto é o primeiro de uma trilogia na qual irei falar um pouco sobre três importantes deuses escandinavos: Odin, Thor e Loki. A ideia para estes textos é apresentar tais deuses, indo além da realidade contemporânea que temos em histórias em quadrinhos, romances, filmes, desenhos e jogos. É contar o seu papel na sociedade na época e como as pessoas se relacionavam com estes, através das crenças e ritos. 

Geralmente pensamos que mitos são mentiras, mas o que pode ser visto como falso hoje, era verdade no passado. Os mitos eram formas de explicar o mundo, o universo, e tudo que havia neste. Em épocas e lugares onde não se havia ciência e filosofia, os mitos eram as explicações. Sendo assim, início essa trilogia, falando do rei dos deuses nórdicos ou escandinavos, Odin. 

Etimologia: 

O nome Odin ou Óðinn em nórdico antigo, deriva da palavra ódr, que significa "furor". Por sua vez, a versão do nome do deus em germânico antigo, chamado de Wöden significaria: embriaguez, excitação, gênio poético, movimento do mar/fogo e tempestade. Ao longo do texto veremos que Odin bebia muito, e estava associado a poesia, a inspiração. Tais condições estão relacionadas com a ideia de furor.

Alguns mitólogos sugeriram interpretações para o nome de Odin advir da palavra ódr

Régis Boyer propôs que o nome de Odin estaria associado ao êxtase, a guerra, a atributos sexuais, a poesia e a magia. De fato isso é bem verdade, pois Odin foi um deus ligado a guerra, a magia, a poesia e era mulherengo. Tudo isso está relacionado a ideia de furor. 

Rudolf Simek propôs que o nome de Odin estivesse associado a ideia de pai, deus da poesia, morte, guerra, vitória, runas e êxtase. Odin foi o descobridor das runas como será visto adiante, e o responsável por ensinar seus mistérios aos homens. No caso da morte, ele também estava associado a vida após a morte. A ideia de pai, reafirma sua posição como rei dos deuses.

Raimond Page o comparou como sendo um deus sinistro, ligado ao comércio/ventos, a infidelidade, a instabilidade e ao capricho. Como será visto, Odin as vezes é sarcástico e cruel, ele pode tanto fazer o bem, como também causar o mal. A ideia de comércio e ventos, ainda não é clara, não se sabe ao certo o porque dessa comparação proposta por Page. A infidelidade, a instabilidade e o capricho vem do caráter do deus como será visto adiante. 

Nascimento: 

Odin é um dos deuses mais antigos do panteão escandinavo, sendo neto do deus primordial Buri. Para entendermos a origem de Odin, farei um breve relato sobre a origem do universo para os antigos escandinavos. Na concepção deles no princípio de tudo, havia um grande vazio (Ginungagap), onde em lados opostos havia o grande calor de Musphelheim e no outro o profundo frio de Nilfheim, da junção de ambos surgiu o gigante de gelo primordial chamado Ymir

Certa noite enquanto ele dormia, do suor de seus braços e do acasalamento de suas pernas, nasceram outros gigantes de gelo. Alguns mitólogos consideram que Ymir fosse hermafrodita. A medida que o tempo ia passando, parte do gelo ia derretendo então surgiu uma grande vaca chamada Audumla. Ymir e os demais gigantes passaram a se alimentar do leite da mesma, a qual de acordo com a versão de Snorri Sturluson (1178-1241), das tetas da vaca jorravam quatro rios de leite. A vaca se alimentava lambendo o sal do gelo existente no Ginungagap, e a medida que fazia isso começou a surgiu um novo ser. 

"Ela lambia as salgadas pedras de gelo. Dessa sucção, ao anoitecer do primeiro dia, nasceram os cabelos de um homem; no segundo dia, a cabeça de um homem; e no terceiro dia, estava ali um homem completo. Ele foi chamado Buri; era belo, forte e alto". (STURLUSON, 1993, p. 54).


No quadro pode-se ver o gigante Ymir mamando na vaca Audumla, enquanto essa lambendo o gelo, faz surgir Buri. Quadro de Nicolai Abraham Albidgaard (1790). 
De acordo com Snorri, Buri foi o primeiro deus, o deus primordial. Posteriormente ele se casou com uma das gigantas de gelo, embora o autor não identifique o nome dela. No entanto, ele teve um filho chamado Bor, o qual se casou com a giganta Bestla, a qual era filha de Böltorn. Da união de Bor e Bestla nasceu Odin. Contudo, Bor já possuía dois filhos, chamados Vili e , embora se desconheça que foi a mãe deles. 

Um fato a ser mencionado é que nessa genealogia divina, os primeiros deuses casaram-se com gigantas, mas embora seus filhos fossem mestiços, eles não eram considerados semideuses, mas deuses por completo. No caso dos irmãos de Odin, Vili e Vé eles aparecem em outros mitos, mas são poucos mencionados. 

A origem do mundo: 

Odin e seus irmãos foram responsáveis por criarem o mundo. Nós entenderíamos como a criação do planeta Terra, mas os escandinavos concebiam o universo dividido em nove mundos. O conceito de universo aqui não é o que temos hoje, para eles o universo estaria conectado por uma imensa árvore chamada Yggdrasil, a qual seus galhos e raízes se ligariam aos nove mundos, e seu tronco seria visível em algum lugar no centro de Midgard.
  • Asgard: A terra dos Aesir, a principal família de deuses. A qual Odin pertence.  
  • Vanaheim: A terra dos Vanir, a segunda família de deuses.
  • Midgard: Conhecida como "Terra Média" ou "Terra do Meio", era o lar da humanidade. 
  • Jotunheim: Localizado no leste, era o lar dos gigantes da montanha (jotuns). 
  • Álfheim: Localizado no oeste, era o lar dos elfos. 
  • Svartalfheim: O lar dos elfos escuros. Ficava localizado no subterrâneo.
  • Nidavelir: O lar dos anões. Também ficava localizado no subterrâneo. 
  • Musphelheim: Localizado no sul, era a terra de fogo, governada pelo gigante de fogo, Surtur ou Surt. 
  • Niflheim: A terra das neblinas. Ficava localizado no norte, era o lar dos gigantes de gelo e outras criaturas. Era o local para onde ia parte dos mortos. 
Em algumas versões, Nidavelir é excluída, sendo associada a Svartalfheim, pois os anões seriam erroneamente confundidos com os elfos escuros. E no lugar de Nidavelir colocariam Helheim como um dos nove mundos, estando abaixo de Niflheim, onde Helheim estaria associado ao Inferno. Contudo, na Edda em prosa, o livro de Snorri Sturluson e na Edda poética (coletânea de poemas medievais de vários autores desconhecidos), nos conta que Helheim se encontrava dentro de Nilfheim e não fora. No entanto, outras interpretações sugerem o contrário, mas isso não vem ao caso para a proposta deste texto. 


Escultura de madeira retratando o freixo Yggdrasil e os animais a ele associado. Aqui o autor destacou apenas a árvore, sem opinar a localização dos nove mundos. 
Não se sabe ao certo o porque de Odin, Vili e Vé terem assassinado o gigante Ymir, mas sabe-se que com os pedaços de seu corpo, eles começaram a criar o mundo. Ou como na visão cosmogônica dos escandinavos, eles criaram sete dos nove mundos, lembrando que Nilfheim e Muspelheim já existiam.  

Ymir é assassinado por Odin e seus irmãos. Pintura de Lorenz Frolich.
Com a morte de Ymir, conta-se que o seu sangue jorrou como um dilúvio, afogando os gigantes de gelo, porém um gigante chamado Bergelmir e sua esposa conseguiram sobreviver, se alojando em seu caixão. Após tal fato, Bergelmir seria o novo progenitor da raça dos gigantes de gelo, os quais se tornariam inimigos mortais dos deuses (contudo haviam alguns gigantes que se mostravam amistosos aos deuses).

"Eles pegaram Ymir, levaram-no ao centro de Ginnungagap, e dele fizeram o mundo. De seu sangue criaram os mares e os lagos; de sua carna, a terra, de seus ossos, as montanhas; pedras e rochas foram criadas de suas mandíbulas, de seus dentes e de seus ossos partidos". (STURLUSON, 1994, p. 56).

"Eles também usaram seu crânio para criar o céu, colocando-o sobre a terra. Sob cada ponta puseram gnomos, que eram chamados Austri, Vestri, Nordri e Sudri. Pegaram, então, as chamas e as faíscas expelidas de Muspell e puseram-nas no topo de Ginnungagap para que iluminassem tanto os Céus como a Terra. Deram direção todas as estrelas, fixando algumas no céu, enquanto outras vagavam livremente no firmamento, sendo seus trajetos hoje conhecidos". (STURLUSON, 1994, p. 56).

Com a criação da terra e dos oceanos, os três deuses delimitaram que Jotunheim seria o lar dos gigantes da montanha, ficando longe da terra central, Midgard (chamada de "Terra Média" ou "Terra do homens"). No caso dos gigantes de gelo, estes passaram a habitar a fria Nilfheim, a terra das neblinas. Por sua vez os gigantes de fogo se mudaram para Musphelheim. Ambos mundos habitados pelos gigantes ficavam distantes do mundos dos homens, Midgard, embora que nem sempre as distâncias e as fronteiras são claras nos mitos. Por exemplo, é dito que Jotunheim ficava no leste, Nilfheim ficaria ou no norte ou nas profundezas da terra, e Musphelheim ficaria no sul. 

Em Midgard foi plantada árvore do mundo, Yggdrasil. Snorri nos conta que os deuses usaram as sobrancelhas de Ymir para criar muros que lhes protegeriam dos gigantes, pois devo ressalvar que os deuses nórdicos não eram imortais. Nesse primeiro momento, ele deixa entender através dos mitos que ele copilou para formar sua obra, que Asgard a terra dos deuses ainda não existia, e os deuses viveriam e Midgard, num período onde o ser humano ainda não existia. Não obstante, do cérebro de Ymir criou-se as nuvens. 

Por fim, enquanto o cadáver do gigante começava a se decompor, vermes o devoravam, então Odin, Vili e Vé decidiram transformar aqueles vermes e anões (alguns usam o termo gnomos). Eles deram forma humana e inteligência para tais criaturas, e os anões passaram a habitar Nidavedir, um reino subterrâneo. No poema Voluspá ("visões da advinha") conta-nos a origem desses anões e vários de seus nomes (os versos foram traduzidos por mim):


9.Todas as forças,                  os santos deuses,
se reuniram então               em alto conselho:
que criaria                          a raça dos anões
com o sangue de Brímir       e os ossos de Blain

Não se sabe ao certo porque o uso dos nomes Brímir e Blain, pois de acordo como alguns tradutores como Lerate [2004], tais nomes seriam referências a Ymir. Na Edda em prosa, livro escrito por Snorri, ele não menciona estes nomes, embora conte a mesma história com menos detalhes. Continuando o poema da Voluspá se diz o seguinte na estrofe 10 (os versos foram traduzidos por mim):


10. Motsógnir foi            da raça dos anões
o mais principal,             Durin o segundo;
com forma de homens     anões surgiram, 
muitos, da terra,             como Durin disse. 

Motsógnir e Durin foram os dois primeiros anões. No poema, Durin começa a contar o nome de vários outros anões, o que compreende mais de 30 nomes, indo da estrofe 11 a 16. 


Dois anões do Voluspá. Lorenz Frolich, 1895. Seriam Motsógnir e Durin?
Não possuímos detalhes sobre a criação dos animais, plantas e demais seres como os elfos, trolls, ogros, etc. Contudo passamos para conhecer a criação do homem, onde novamente os três deuses estiveram envolvidos.

A criação da humanidade: 

Enquanto andavam pelas praias de Midgard, Odin, Vili e Vé teriam vistos dois troncos trazidos pelo mar. Eles esculpiram esses troncos dando a um a forma de um homem, o qual foi chamado de Ask e ao outro tronco deram a forma de uma mulher, a qual foi chamada de Embla. Sobre a criação da humanidade, Snorri nos conta o seguinte:

"O primeiro [dos filhos de Bor] deu-lhes espírito e vida; o segundo, conhecimento e movimento; e o terceiro, forma, fala, audição e visão. Eles deram-lhes também nomes e vestimentas. O homem foi chamado Ask e a mulher, Embla. Deles proveio a raça dos homens, a qual fora dada Midgard como morada". (STURLUSON, 1994, p. 58).


Escultura de madeira retratando Embla e Ask. O rosto aos seus pés, possivelmente seja uma referência a deusa da terra Jörd, a qual era associada como guardiã de Midgard. 
Em algumas versões do mito da criação, Vili é chamado de Hoenir e Vé é chamado de Lodurr. Mas há versões que falam que os criadores foram Odin, Vili e Loki. Ask e Embla se reproduziram e proliferaram a raça humana. O deus Heimdal era associado a criação das classes sociais, e o poema Rigspula, conta-se a origem das três classes sociais que os escandinavos estavam divididos: Jarl (nobreza e aristocracia), Karl (plebe) e Thrall (escravos). 

A aparência e o caráter de um viajante de vários disfarces: 

Antes de continuar a contar mais alguns aspectos sobre o deus, é preciso falar sobre sua aparência, sua fisionomia. Nos mitos não há uma descrição clara da fisionomia de Odin, pois o mesmo costumava usar muitos disfarces. Contudo, ele era descrito como sendo um homem velho e alto, barbudo e sendo cego de um dos olhos. A partir daí os artistas começaram a conceber sua imagem, embora haja pinturas que o retratem sem barba e sendo mais novo, e em alguns casos nem retratam o fato dele ser caolho. 


Desenho representando Odin, seus dois corvos (Hugin e Munin) e os dois lobos (Geri e Freki). Nota-se que o autor da obra, o desenhou com os dois olhos bons. 
Na Edda poética e em outros poemas há relatos das várias viagens de Odin, e o uso de disfarces, contudo, talvez o seu disfarce mais famoso fosse o do velho andarilho, alto, cego de um olho e que usava trajes longos, cinzentos ou azuis, e um chapéu de abas largas. Ele de vez em quando aparecia misteriosamente entre as pessoas. O poema da Saga de Volsung, Odin aparece sob esse disfarce. Ela adentra o salão (hall) do rei Volsung, adentrando de forma misteriosa, que surpreende todos que estão ali. Um imponente homem velho, de traje azul da cor do céu, chapéu de abas largas, sacou sua espada e a fincara num tronco, dizendo que aquele que retira-se aquela espada, teria uma das melhores armas já criadas, a qual lhe traria sorte na batalha. Aqui vemos que Odin procura ajudar de alguma forma os guerreiros ou os pretensos heróis. Ele age de forma reservada e séria, e no momento seguinte desaparece. 


Odin, o viajante. Georg von Rosen, 1886. Tal imagem inspirou o escritor J.R.R. Tolkien a criar o personagem do mago Gandalf, o Cinzento. 
Em outras das viagens do deus, ele assume outros disfarces que mudam sua fisionomia e nem sempre tais disfarces são descritos. Por exemplo, no poema do Hárbardzljód, Odin se disfarça como um barqueiro de nome Hárbard, o qual tem um dialogo com o deus Thor, chegando a irritar o tempestuoso deus dos trovões. Aqui notamos um lado cínico do deus, o qual também se vê em outras ocasiões. 

No poema Vaftrúdnir, Odin conta para sua esposa Frigga, que estava interessado em conhecer o gigante Vaftrúdnir, o qual diziam ser muito sábio e inteligente. Frigga questiona o porque do marido querer procurar um velho gigante brutamontes, ela argumenta que o rei dos deuses deveria permanecer em casa tratando de assuntos mais importantes, do que ir viajar para Jotunheim, atrás de um gigante. Odin ignora sua esposa e viaja para a terra dos gigantes da montanha, chegando a casa de Vaftrúdnir, onde ele usa um disfarce e adota o nome de Gagnarad. Ao longo do poema, Odin testa a inteligência e a sabedoria do gigante lhe propondo várias perguntas. 


Odin conversando com Vaftrúdnir. Lorenz Frolich, 1895. 
No poema Grimnismál, Odin e Frigga se disfarçam como idosos e acolhem os filhos do rei Hráudung. Ágnar e Géirrod haviam se perdido, e residem na casa daquele casal de idosos durante o inverno, esperando a primavera, para poderem retornar para casa. Nessa história, Odin adota o nome de Grimnir, e de forma cínica persuade Géirrod a tomar o trono para si. De volta a sua terra, Géirrod engana o irmão e o deixa a deriva no mar; quando Géirrod é recebido em casa, fica sabendo que o seu pai havia morrido, logo com o desparecimento de Ágnar, Géirrod era o único herdeiro. 

Anos depois, Odin sob o disfarce de Grimnir, foi visitar o rei, o qual possuía um filho de dez anos chamado Ágnar. O rei não quis receber aquele velho e estranho homem que usava uma roupa azul escura. Porém, o jovem príncipe acolheu o ancião. Em meio a recepção, Odin pisou sobre a fogueira do salão e começou a contar várias histórias referentes aos deuses e ao mundo. Aqui nota-se que ele age de forma a se gabar de seus poderes e conhecimento. O rei começa a suspeitar que aquele velho homem fosse um bruxo, e a medida que o mesmo não para de falar, o rei começa a se irar, e saca sua espada para matar o homem, mas ele acaba tropeçando, e cai sobre a lâmina, a qual a perfura, e assim Ágnar se tornara o novo rei. Vemos aqui que Odin pode ser hora benevolente, mas também pode voltar atrás, e agir de forma cruel. 

Na segunda parte da Edda em prosa, chamada de Skáldskaparmál, Snorri nos narrara que Odin ficara interessado em conseguir uma excelente safra de hidromel, produzida pelos anões Fjalar e Gjalar os quais haviam matado o deus Ksavir, considerado um dos mais sábios dos deuses. Com o sangue do deus os anões o misturaram com mel e fizeram hidromel. Dizia-se que esse hidromel concederia o dom da poesia e da sabedoria. Posteriormente os traiçoeiros anões enganaram um casal de gigantes, matando Gilling


Os traiçoeiros anões Fjalar e Gjalar, coletando o sangue de Ksavir. 
O filho do casal, Suttung capturou os dois anões e os prenderam num rochedo na praia, aguardando a maré subir para afogá-los, os dois tentando salvar suas vidas, ofereceram o hidromel em troca da liberdade, Suttung aceitou e os libertou. O gigante escondeu os três cântaros do hidromel em uma caverna chamada Hnitbjörg, e pois sua irmã ou filha chamada Gunnlöd para guardar o local. 

Odin sabendo disso, disfarçou-se e tentou persuadir Suttung a lhe dá acesso a caverna Hnitbjörg. O gigante negou-se a lhe contar o local. Então Odin foi falar com o irmão de Suttung, Baugi. Ele pediu abrigo na casa do mesmo e emprego. Ele se apresentou como o nome de Bölverk. Ao longo do verão, Odin trabalhou nas plantações de Baugi, pedindo em troca o hidromel do irmão dele, chegado o inverno, ambos foram até Suttung cobrar o pagamento, mas este se recusou. Odin pediu que Baugi escava-se um pequeno buraco na montanha onde ficava Hnitbjörg. O deus se transformou numa cobra e adentrou o buraco, indo encontrar a tal caverna com a giganta Gunnlöd e os três cântaros. Por três dias e três noites ele teve um caso com a giganta, e aproveitava para beber todo o hidromel. Depois de consumir toda bebida, ele saiu da caverna, se transformou numa águia e fugiu para Asgard, sendo perseguido por Suttung que descobriu o ocorrido. 
Odin e Gunnlöd. Lorenz Frolich, 1895. 
Aqui nota-se que Odin novamente sobre interesses particulares, age sob disfarce para enganar os outros a fim de conseguir o que almeja. E no fim, de forma descarada foge com o tesouro de Suttung, ainda o fato de ter deixado a filha dele grávida. Embora agindo dessa forma, Odin não se equipara as trapaças e ardis de Loki como veremos em um futuro texto. Loki, embora causa-se problemas aos deuses, e vivia em Asgard, era considerado um protegido dos Aesir. 

Mais a frente tratarei do fato de porque Odin ter perdido um dos olhos, e também acerca do simbolismo associado a ele, como a referência aos trajes, sua lança, o trono, corvos, lobos e seu palácio, o Valhala

Esposa e filhos: 

Odin era casado com a deusa Frigga (Frigg, Frige, Frije, Frika, Friie, etc.) a rainha dos deuses. Ela era descrita como uma mulher bela e inteligente, voltada para os afazeres do lar. Alguns mitos a descrevem fiando nuvens. Embora que em geral contasse com servas para lhe auxiliar ou fazer serviços. Frigga era associada a proteção da família, do lar, do matrimônio, do amor maternal e da fertilidade, embora tais atributos façam confundi-la com a deusa Freyja (a qual era associada a beleza, a paixão, fertilidade, sensualidade e sexualidade). Em alguns mitos sugerem que ela possuía o dom da vidência, assim como seu marido. Ela é mencionada em várias histórias, embora nunca como uma deusa em destaque nestes acontecimentos. Snorri considerava Frigga a mais nobre de todas as deusas, a qual governava a mansão Fensalir em Asgard. 

Embora fosse casado com Frigga, Odin possuiu várias amantes: Jörd, Gunnlöd, Rind, Grid e até mesmo a própria deusa Freyja é dita em algumas histórias ser sua amante. Além disso, suspeita-se que a deusa Saga também fosse uma de suas amantes. 


Frigga fiando nuvens. John Charles Doniman, 1909.
Com Frigga, Odin teve alguns filhos: o deus Balder (Baldr ou Baldur), o deus cego Hödr, o mensageiro dos deuses, Hermodr. Alguns mitólogos sugerem que Hödr e Hermodr não fossem filhos de Frigga, além disso, é possível que o casal tivesse outros filhos e filhas, mas desconhecemos a exatidão dessa genealogia. Mas, se por um lado Frigga cuidava dos filhos que tinha com seu marido, ela também cuidava dos seus enteados, os filhos bastardos de seu marido: Thor (filho de Odin com Jörd, a deusa da terra), Bragi, o deus da poesia (filho de Odin com Gunnlöd), Vali (filho de Odin com Rind, talvez uma humana ou giganta), Vidar, o deus da vingança (filho de Odin com a giganta Grid), etc. 

Mas pelo fato de Frigga simbolizar o amor materno, ela adotava de bom grado seus enteados, algo que não vemos na mitologia grega com Hera e os filhos bastardos de Zeus, onde Hera procurava matá-los ou lhes arruinar a vida. 

Frigga possuia algumas deusas que lhe eram serviçais, dentre estas estavam Fulla, Hlyn, Gnaa, Snotra, Var, Lofn, Eir e Syn. Tais deusas menores são citadas por Snorri em seu livro, na Edda poética e em outros poemas. Tais deusas não possuem um papel de grande relevância nos mitos e provavelmente nas práticas religiosas. Além disso, devemos nos recordar que Frigga era a rainha, logo como sendo a soberana dos deuses, era comum ter servas, mesmo servas deusas. 

Fulla e Frigga. Ludwig Pietsch (1865). Fulla é uma das servas de maior confiança de Frigga. É descrita como sua principal confidente.
O dom da sabedoria, da vidência e o mistério das runas:

A história da perda do olho de Odin começa com a sua busca por sabedoria. O velho deus certa vez desceu ate a base da grande Yggdrasil, adentrando por um caminho, que descia as profundezas da terra, ele chegou a Fonte de Mimir ou Poço de Mimir. Mimir era um dos deuses mais antigos, surgido ainda nos primórdios do mundo, embora não se saiba suas origens exatamente, ele era considerado o mais sábio dos deuses. Sabedoria essa advinda da fonte que passou a levar seu nome.

Odin chegando até esse local, solicitou ao deus poder beber um pouco da fonte da sabedoria, Mimir concordou, desde que Odin oferecesse algo em troca. O velho rei arrancou um de seus olhos (não há uma exatidão se foi o direito ou o esquerdo) e o colocou na borda de pedra da fonte, então bebeu um trago daquelas águas. 

Odin bebendo as águas da sabedoria da Fonte de Mimir, enquanto o próprio lhe observa.
Robert Engels, 1903.
 
Posteriormente durante a guerra entre os Aesir e os Vanir, as duas famílias de deuses, Mimir acabou sendo assassinado e teve a cabeça decepada (o deus Ksvar já mencionado, foi criado a partir da trégua entre os Aesir e os Vanir, como sendo o simbolo desta trégua e aliança). Odin encontrou o deus, e conseguiu salvar sua cabeça. Odin conserva a cabeça de Mimir em Asgard, e quando necessita de conselhos ele conversa com a cabeça do deus.

A fonte do deus ficava próxima de outra importante fonte, a Fonte de Urd ou Poço de Urd, onde os deuses iam se reunir em conselho para deliberar sobre assuntos sérios. Snorri e o poema da Voluspá nos fala que os deuses desciam em seus cavalos pela ponte arco-íris chamada Bifrost, a qual ligava Asgard a Midgard. Chegando em Midgard, na base da Yggdrasil eles seguiam viagem até o tal poço, onde se localizavam as deusas do destino, as Nornas

A sabedoria conseguida pelo Allföd ("Pai de Todos") um dos epítetos de Odin, lhe desenvolveu o dom da vidência. Embora como foi mencionado, a deusa Frigga também possui esse dom da vidência, ambos não costumam predizer o futuro para ninguém, guardam para si o conhecimento do futuro, logo, as deusas Nornas é quem ditavam o destino de homens, gigantes, anões, elfos, deuses, etc. Esse fato é interessante, pois os deuses costumavam se reunir na Fonte de Urd, onde elas habitavam. A questão disso refere-se ao Ragnarök (uma espécie de Apocalipse), onde os deuses deliberavam constantemente quando essa data chegaria. Aqui ressalvo que eles eram mortais, logo de certa forma Odin sabia que um dia iria morrer. Tal fato será tratado adiante.

Outro aspecto que marca o poder da vidência do rei dos deuses advinha da magia das runas, onde as runas eram usadas para prever o futuro. Segundo os mitos, foi Odin quem criou ou descobriu os mistérios mágicos das runas, e para isso ele teve quase que morrer. 

No poema Havámal, conta como Odin conseguiu o conhecimento das runas. Conta-se que o velho rei foi enforcado a uma árvore a qual as raízes chegavam as profundezas da terra. O poema não específica a árvore, mas muitos mitólogos sugerem que se trate da grande Yggdrasil. Ele ficou nove dias e nove noites amarrado a árvore, sem comer e sem beber, mas para completar seu sacrifício, ele foi atingido por uma lança, que ficou cravada em sua barriga, durante este tempo. 


Gravura retratando o sacrifício de Odin para se descobrir o mistério das runas.
Odin nos conta que descobriu os mistérios rúnicos sob gemidos de dor, até que após esses nove dias de sofrimento, ele caiu na terra, tendo aprendido os nove cantos do filho de Bolthorn. Bolthorn era um gigante e foi o avô materno de Odin, porém, o deus refere-se a um misterioso filho desse gigante, o qual alguns mitólogos acreditam que fosse Mimir. Pois, mas a frente no poema, Odin disse que além desse sacrifício o que lhe ajudou também a descobrir as runas, foi ter bebido da fonte da sabedoria, ou seja a Fonte de Mimir, e ter bebido o hidromel da poesia de Suttung. 

Tendo se apossado dessas palavras mágicas, Odin começou a escrevê-las em certos lugares (ele escreveu runas em escudos, navios, nas patas e dentes de seu cavalo, na sua lança, sobre o ouro, a terra, pedras, ervas, etc.) e posteriormente ensinou a humanidade esse poder mágico de proteção, cura, invocação, ataque, vidência, etc. Embora Odin fosse associado a magia, eram o deuses Vanir que geralmente a utilizavam mais.

"As runas não são signos mágicos, são uma forma de escrita que serve tanto para fins utilitários quanto para intenções mágicas (Boyer, 1997: 223). A magia rúnica era especialmente importante onde cada runa ocupava um efeito especial de feitiço ou mágica. O especialista em runas era chamado de Rúna-meistari. A prática de gravar runas foi um grande privilégio da elite social, os membros da aristocracia (jarls)". (LANGER, 2005, p. 72).


Uma pedra rúnica em Skänninge, Suécia. 
"Um tema característico da religiosidade germano-nórdica é a recorrência da magia, especialmente de uma magia fatídica, porque suas funções, muito mais que defensivas ou ofensivas, são antes de tudo divinatórias e sacrificiais". (LANGER, 2005, p. 65). 

"Encantamentos rúnicos eram realizados para proteger armas, extinguir fogos e tempestades, curar, cicatrizar feridas, obter o amor da mulher amada e discorrer sobre o futuro: runas da vitória (sigrrúnar), esculpida sobre a espada; runas de cerveja (ölrúnar), para gravar sobre o corno de beber; runas de proteção (bjargrúnar), inscritas sobre a cabeça do assistente para partos; runas de ondas (brimrúnar), inscritas sobre o navio para proteção marinha; runas de ramos (limrúnar), feitas para favorecer curas, cinzeladas na madeira; runas de fala (málrúnar), para conferir eloquência em assembléias; runas de sentido (hugrúnar), para facilitar a compreensão". (LANGER, 2005. p. 72). pág. 18


Codex Runicus, escrito por volta do ano 1300, contendo textos sobre a lei escandinava. 
As runas também poderiam ser utilizadas para se transmitir informações consideradas secretas. Eram chamadas "runas suspensas" (tjaldrúnir) e "runas de ligadura" (kvistrúnir). Podiam ser utilizadas por questões militares, políticas, pessoais, etc. Lembrando, que grande parte da população não sabia ler e nem escrever, logo um pequeno grupo da sociedade escandinava é que possui conhecimento do uso da escrita, e no caso dessas escritas secretas elas iam codificadas. 

As runas sofreram variações ao longo da História assim como qualquer língua, logo alguns signos deixaram de ser utilizados, outros ganharam novos significados e outros foram criados. Sendo assim, em dados momentos, algumas runas poderiam significar apenas uma letra ou som, mas outra runa poderia simbolizar uma palavra ou ideia. 

Mas, além de Odin esta associado a sabedoria, a vidência, a magia e a poesia como vimos anteriormente na história do hidromel, Odin também estaria associado a narrativa, a história. Snorri nos fala brevemente da deusa Saga a qual morava no palácio Sokvabek, o qual ficava próximo ao mar. Já que na Edda poética, há a menção de que do palácio podia-se ouvir o marulhar das ondas. É dito que Odin de vez em quando ia para Sokvabek conversar e beber hidromel com Saga, onde pensavam sobre a vida, o mundo, o universo. 


Ilustração retratando Saga oferecendo bebida para Odin. Jenny Nyström, 1893. 
"Saga es la segunda de las diosas. Habita en Sokvabek, magnífica gran morada. El río de la história es grande, ancho y profundo. Saga viene da palabra que significa decir. En Grecia, Clio era una de las musas, pero en el País del Norte, Saga está sola, unida a Odín, padre de las acciones heroicas. Sus favores son la esperanza del joven y la felicidad del anciano". (NIEDNER, 1997, p. 87).

Algumas teorias como a proposta pelo especialista em mitologia escandinava John Lindow nos anos 70 sugeriu que Saga e Sokvabek fossem uma variação de Frigga e Fensalir, ou seja, que na realidade a deusa Saga seria a deusa Frigga sob outro nome. Stephan Grundy sugeriu algo parecido, apontando que a mudança do nome seria algo estético para a escrita da poesia, uma aliteração. Contudo, na Edda em prosa de Snorri, o mesmo considerava Saga sendo uma outra deusa e não um outro nome ou personificação para Frigga, embora ele não esclareça muito sobre a origem dessa deusa. Na própria Edda poética, não possuímos detalhes sobre a procedência dessa deusa.

Sleipnir e Gungnir: 

Sleipnir era o cavalo de Odin, o qual era dito ser o mais veloz de todos os cavalos, permitindo o deus voar pelo céu e atravessar facilmente os nove mundos. A grande particularidade de Sleipnir era o fato dele possuir oito patas. E ser o único cavalo dos mitos escandinavos e de vários mitos a possuir tal número de patas. 


Pintura retratando Odin montando em Sleipnir. Nota-se que o deus carrega um corno usado para se beber, e duas figuras se encontram diante deles. Alguns sugerem que se trata de valquírias. Outra interpretação sugere que não se trata de Odin, mas de algum homem chegando a Valhala.
Embora Sleipnir seja mencionado no Grimnismál, Sigrdrífumál, nos cantos de Balder e no Hyndlujód, é na Edda em prosa que se tem a melhor descrição sobre a origem desse icônico cavalo de oito patas. Sleipnir era filho de Loki, e a história contada nos narra que os deuses receberam a proposta de um gigante disfarçado de homem, o qual se ofereceu em construir uma imponente muralha ao redor de Asgard, mas em troca de seu árduo trabalho ele exigia o Sol, a Lua e a deusa Freya. Lembrando aqui que o Sol e a Lua também eram deuses. Os deuses não gostaram muito dessa ideia de oferecer três de seus entes em troca de uma muralha. 

Contudo, eles concordaram ressalvando que o homem teria apenas o prazo do inverno para terminar a muralha, senão, não iria receber o seu pagamento. E deveria fazer tudo sozinho, mas o homem pediu que pudesse usar seu cavalo Svaldifari, o qual o ajudaria a carregar as pedras. Enquanto os deuses pensavam nisso, Loki com sua língua ardilosa disse que não haveria problema, o homem satisfeito começou seu serviço.


Construtor com o cavalo Svaldifari, Robert Engels, 1919. 
O inverno foi passando e o gigante manteve-se no prazo estipulado, já estava quase terminando as muralhas antes da primavera começar. Os deuses temendo que teriam que entregar Freya, o Sol e a Lua, cobraram de Loki resolver aquilo, já que foi ele que permitiu que o homem usa-se o cavalo para ajudá-lo. Loki foi ameaçado de morte, então decidiu agir.

Ele se transformou em uma égua e começou a relinchar na floresta, Svaldifari ouvindo o som, correu para dentro da floresta. Seu dono foi atrás, mas acabou perdendo o dia inteiro de trabalho procurando por seu cavalo, isso o fez atrasar as obras, e quando a primavera chegou a muralha estava incompleta. O gigante revoltado começou a esmurrá-la, e isso revelou seu disfarce. Nessa ocasião Thor que estava em Jotunheim matando gigantes, havia retornado e vendo um gigante atacar as muralhas de Asgard, sem pensar duas vezes o confrontou, o matando com o seu martelo. Posteriormente, Loki retornou e deu a luz a um cavalo de oito patas, o qual foi chamado de Sleipnir e foi dado de presente a Odin. 


Desenho de Odin empunhando sua lança Gungnir, montando em Sleipnir e acompanhado de seus lobos, Geri e Freki.
Sobre a lança de Odin, chamada de Gungnir, dizia-se que essa lança jamais errava o alvo quando fosse arremessada, não importando a distância que ele estivesse. Além disso, acreditava que quando Odin apontasse Gungnir para um exército inimigo era certeza de derrota para estes. Foi com essa lança que o deus foi perfurado enquanto estava preso na Yggdrasil como visto anteriormente. 

A história da origem da lança começa quando Loki realizara uma travessura, ele foi até o palácio do deus Thor, chamado Bilskirnir e lá ele encontrara a esposa de Thor, a bela deusa Sif, conhecida pelos seus longos cabelos louros como o ouro. A deusa estava dormindo, então Loki aproveitou e cortou os cabelos dela, quando a mesma acordou e viu que estava com os cabelos curtos começou a chorar e se escondeu do marido. Thor achando aquilo estranho indagou a esposa de porque se esconder dele, e ela lhe contou que seus cabelos haviam sido cortados e suspeitava que fosse Loki. 

Thor foi ao encontro de Loki e o ameaçou de morte, como nos contara Snorri, o qual nos trás o melhor relato sobre essa história. Para salvar a própria pele, Loki decidiu procurar os anões, famosos por serem exímios ferreiros e artífices e lhes pediria para que fizessem cabelos de ouro para a deusa. 


Loki retratado em um livro islandês do século XVIII.
Loki procurou dois anões chamados Brokk e Eitri, conhecidos como filhos de Ívaldi. Os anões no primeiro momento se recusaram a aceitar o pedido de Loki, mas ele apostou sua vida naquilo, para que os dois fizessem três preciosos tesouros. Os anões disseram que fariam os tesouros que Loki pedira, mas também fariam seus próprios presentes para os deuses. Os dois irmãos aceitaram o trato e começaram a trabalhar, mas o ardiloso Loki se transformou num mosquito e começou a atrapalhar o trabalho de Brokk o qual era responsável por coordenar o fole que aquecia a forja, enquanto Eitri realizava o restante do trabalho. Loki não querendo que os anões o enganassem, fabricando tesouros ruins, começou a ameaçar o serviço de Brokk. A ideia de Loki era impedir que os presentes dos anões fossem melhor do que eles faziam para ele. 

Num primeiro momento eles criaram um javali com a crina de ouro, então continuaram a trabalhar enquanto Loki transformado em mosquito picava a mão, o pescoço e as pálpebras de Brokk. No final os anões criaram seis presentes, sendo que três foram dados por Loki e os outros três dados por eles dois.

Loki deu uma majestosa lança chamada Gungnir a qual dizia que jamais erraria o alvo, a presenteando a Odin. Para Thor ele deu os cabelos de ouro para sua esposa, e para o deus Freyr (irmão de Freya) representante dos deuses Vanir, este recebera o navio Skidbladnir o qual dizia-se que nunca faltaria vento para aquele navio, desde que as velas fossem içadas, e além disso o navio poderia ser encolhido, a ponto de ser guardado no bolso ou em uma bolsa. 

Por sua vez os anões deram a Odin um anel de ouro chamado Draupnir, o qual a cada nove noites, ele se multiplicava, criando anéis idênticos. Para Freyr eles deram o javali de crina dourada (Gullinbursti), o qual possuía o poder de correr pelos ares e sobre a água. Por fim, os anões deram para Thor um martelo de cabo curto, chamado Mjölnir o qual se tornou a principal arma e símbolo do deus dos trovões e raios. Os três deuses consideraram o martelo o mais precioso dos presentes.

O palácio de Valhala - o paraíso dos guerreiros: 

Um dos símbolos mais associados ao deus Odin era o seu imponente palácio chamado Valhala (ou Walhala, Valhöl, etc.), onde segundo as descrições no Grimnesmál e na Edda em prosa, o palácio possuía 540 portas, salas adornadas com escudos de ouro, armas cravejadas de joias, cotas de malha, tetos folheados em ouro e prata, etc., contendo 800 pessoas e animais como lobos, águias e corvos. Os jardins do palácio era chamado Glaser, onde havia árvores com folhas de ouro. 

Em Valhala vivia Odin, sua esposa Frigga, as deusas serviçais da rainha; possivelmente alguns outros deuses, embora que os principais deuses possuíssem seus próprios palácios. Além disso habitavam ali valquírias e os einherjar (os guerreiros de Odin).


Pintura retratando valquírias. As valquírias partiam para Midgard, a fim de escolher entre os mortos no campo de batalha, os guerreiros mais valorosos, os quais teriam a honra de irem para Asgard. 
"Parece que, originalmente, as Valquírias eram ferozes espíritos femininos servidores do deus da guerra, que se deliciavam com o sangue e a carnificina e devoravam os cadáveres no campo de batalha. Mais tarde, na era viking, tornaram-se figuras mais ou menos dignas, ocupando o lugar de princesas, envergando armaduras e montando cavalos que escoltavam para o Valhala os guerreiros mortos, e aí os acolhiam com chifres cheios de hidromel, como se observa frequentemente nas cenas gravadas nas pedras da Gotlândia". (DAVIDSON, 1987, p. 41). 

"As valquírias formam um dos mais importantes mitos para o imaginário nórdico, tanto para os guerreiros quanto para as mulheres em geral. São diretamente relacionadas aos cultos da morte e do destino, além de terem função como espírito tutelares. De um lado, são associadas com os heróis e a escatologia odínica, e de outro, são mulheres sobrenaturais que atendem no outro mundo. Em ambos os casos, as valquírias encarnam a fylgja, hamingja, dís – os espíritos femininos que guiam, revelam e tutelam os indivíduos e a coletividade (Boyer, 1995: 108; Langer, 2004: 52-69)". (LANGER, 2010, p. 18). 

Pintura retratando uma valquíria. 
Para entendermos o papel e a importância de Valhala como sendo além de uma moradia de deuses, para os antigos escandinavos, tal local seria uma espécie de "Paraíso", pois numa sociedade guerreira e masculina como era o caso dos vikings, por exemplo, para eles a maior glória era morrer como um guerreiro honrado, corajoso e forte, morrendo confrontando seus inimigos até suas últimas forças. Isso era visto como uma morte gloriosa, pois no entender das crenças deles como voltará a ser visto mais a frente, apenas o guerreiros valorosos eram dignos de ir para Asgard, onde viveriam ao lado dos deuses, bebendo, comendo e lutando. 


Pintura retratando o interior de Valhala, onde se pode ver a esquerda o deus Odin e um de seus lobos, assim como ver-se os einherjar e as valquírias ou outras mulheres. 
Como os deuses se preparavam para o dia da chegada do Ragnarok, onde se instauraria a grande batalha final, Odin necessitava de guerreiros para essa batalha, assim quando os mais valorosos guerreiros morriam, as valquírias iam buscar suas almas e levá-las para Asgard onde metade era conduzida para Valhala e a outra metade ia para o Palácio Folkvang, o lar da deusa Freya, pois a deusa havia feito um acordo com Odin para receber a metade dos guerreiros.

Em Valhala como nos conta alguns trechos das Eddas, os einherjar passavam os dias lutando nos pátios ou nos jardins, e durante a noite retornavam para o palácio a fim de se banquetearem em pomposos banquetes regados com bastante hidromel, carne de javali, e possivelmente música e dança. Odin e Frigga assistiam esses banquetes, embora que é dito que o deus não comesse nada, apenas bebia hidromel, dando a carne para seus lobos, chamados Geri e Freki

Pintura retratando a chegada de guerreiros em Valhala. As mulheres na imagem seriam as valquírias as quais recebiam os guerreiros lhes oferecendo cornos com hidromel. 
Os dois corvos do deus, chamados Hugin (Pensamento) e Munin (Memória) todos os dias bem cedo, eles voavam pelo mundo observando e ouvindo, para que no cair da noite, retornassem a Valhala e contasse a Odin o que eles viram e ouviram. Os dois corvos eram considerados os "olhos e ouvidos" do deus enquanto este estaca ocupado com outros afazeres. 

"Os fiéis de Odin consideravam o olhar do corvo como 'de bom agoiro', e há lendas que falam de amuletos com a imagem do corvo, que possuíam poderes mágicos e que atraíam a sorte e a vitória na batalha". (DAVIDSON, 1987, p. 40). 
Desenho ilustrando Hugin e Munin, os corvos de Odin.
Os lobos estavam associados a guerra e a força no combate. Por sua vez, as águias eram associadas a ideia de governo, de realeza. De fato, em algumas histórias Odin se transforma em águia. Mas, além de haver, lobos, corvos, águias, deuses, valquírias e einherjars, havia outros aspectos curiosos em Valhala, como principalmente nos atesta Snorri. 

"Há uma cabra chamada Heidrún que vive no Valhöll e masca o caule das folhas da muito famosa árvore conhecida como Laeradr. De suas tetas escorre o hidromel, com o qual, diariamente, enche-se um caldeirão tão grande que todos os einherjar podem se embriagar com ele". (STURLUSON, 1993, p. 95).


Ilustração de um manuscrito islandês do século XVII, retratando a cabra Heidrún e o cervo Eiktyrnir. Nota-se a árvore Laeradr aparecendo por sobre o telhado de Valhala. 
Havia também um cervo chamado Eiktyrnir o qual vivia em Valhala, onde ele também se alimentava da árvore Laeradr, e de seus chifres brotavam água que desaguava em Hvergelmir, uma espécie de nascente da qual partiam vários rios como Sid, Vid, Sekin, Ekin, Svöl, Gunntró, Fjörm, Fimbultul, Gipul, Göpul, Gomul e Geirvimul. Snorri diz que estes rios passavam pelos outros palácios dos deuses, além de mencionar outros rios como Tyn, Vin, Töll, Höll, Grád, Gunntraín, Nyt, Naut, Nön, Hrön, Vina, Vegsvin e Tjódnuma.

Anteriormente foi dito que os einherjar se alimentavam principalmente de carne de javali, a qual era o prato principal, nesse caso essa carne vinha do javali Saehrímnir, o qual era dito que este era abatido pela manhã, sua carne cortada e preparada pela tarde, para ser servido de noite, contudo o javali ressuscitava para que no dia seguinte volta-se a passar todo o mesmo procedimento. O cozinheiro dos deuses era Andhrímnir, sendo o responsável por servir o hidromel aos deuses e preparar as refeições. Ele cozinha Saehrímnir no caldeirão Eldhrímnir



Desenho retratando o cozinheiro Andhrímnir, o caldeirão Eldhrímnir, o javali Saehrímnir e a cabra Heidrún.  
O lobo Fenrir, o Ragnarök e a morte de Odin:

Os nórdicos interpretavam o Ragnarök como uma profecia de fim de mundo e de renovação, algo parecido com a ideia cristã de Apocalipse, mas com várias diferenças. Enquanto no Apocalipse cristão, a raça humana será exterminada pelos Quatro Cavaleiros do Apocalipse (Morte, Guerra, Fome e Peste), por monstros, pragas e desastres naturais, até que em fim seja exterminada, para que assim Jesus desça a terra, acompanhado de sua legião de anjos, para que inicie o Juízo Final. 

No caso do Ragnarök esse será marcado por nevascas e geadas, catástrofes naturais e uma grande guerra que se espalhará pelos nove mundos, matando muitos, inclusive alguns dos deuses. É dito que a raça humana seria quase aniquilada, pois dois seres humanos, um homem e uma mulher ainda conseguiriam sobreviver, além disso alguns deuses sobreviverão e voltarão a governar o universo e a raça humana continuará a existir. Em suma o Ragnarök não seria o fim derradeiro, assim como o Apocalipse bíblico não é o fim derradeiro, pois após este e o julgamento final, começarão os "anos de paz do Senhor na Terra". Sobre o prenúncio do Ragnarök Snorri dissera o seguinte: 

"Primeiro, chegará o inverno chamado Fimbulvetr. Neve cairá de todas as direções, haverá fortes geadas e ventos cortantes e o sol não terá mais valia. Três invernos como este haverá, sem que haja verões entre eles. Mas estes três outros invernos virão acompanhados de grandes guerras, ao redor de todo o mundo. Irmãos matarão irmãos por avareza e ninguém poupará pai ou filho de assassínio e incesto". (STURLUSON, 1993, p. 125-126). 

No poema Voluspá, há vários versos que se dedicam a falar do Ragnarok, onde nos conta que dois gigantescos lobos, Skoll e Hati irão devorar o Sól e a Mani (Lua), lembrando que os dois são deuses. Contudo, em meio a essas catástrofes, os gigantes da montanha e de gelo, liderados por Loki irão confrontar os deuses e os einherjar, enquanto isso, elfos, homens e anões se digladiarão, e vindo do sul, liderando os gigantes de fogo estará Surt, brandindo sua enorme espada flamejante. É em meio a esse cenário caótico e desolador que Odin vivenciará o seu confronto final, tendo que confrontar o gigantesco lobo Fenrir

Desenho retratando os lobos Skoll e Hati atrás da deusa Sól e do deus Mani. Os lobos irão devorar os dois deuses, banhando o céu com sangue e ofuscando o brilho do sol e das estrelas.
Fenrir era um dos filhos de Loki com a giganta Angrboda, a qual também dera a luz a gigantesca serpente Jormungandr, criatura essa banida por Odin a habitar o oceano que cerca Midgard, e a deusa dos mortos Hel. Descrita como uma mulher tendo metade do corpo normal, e a outra metade com aparência cadavérica. Lembrando também que Fenrir, Jormungandr e Hel eram meio-irmãos do cavalo Sleipnir. 

Embora Fenrir seja mencionado em alguns poemas que compõem a Edda poética, sua história é melhor descrita na Edda em prosa. Como foi visto, Odin baniu Hel para Nilfheim, onde a mesma construiu seu palácio e criou seu reino, chamado Helheim. A deusa passou a ser responsável por guardar os mortos que não seguiam para Asgard. No caso de Fenrir, não sabendo o que iriam fazer com aquele pequeno lobo, Odin decidiu levá-lo para Asgard. Contudo, com o passar do tempo, o pequeno filhote começou a crescer de forma rápida, logo se mostrava uma criatura imensa que punha medo nos deuses, apenas Tyr era corajoso o suficiente para alimentar a fera. 


Fenrir e Tyr. John Bauer, 1919. 
Odin preocupado que a criatura em breve pudesse atacá-los pediu que o deus Freyr enviasse seu mensageiro chamado Skírnir para procurar os anões, os quais foram incumbidos de fabricarem a mais resistente corrente que algum dia já havia sido feita. Os anões usaram seu conhecimento e sua magia para produzirem a corrente Gleipnir forjada a partir de seis estranhos elementos: o ruído de um gato andando, a barba de uma mulher, a raiz de uma montanha, os tendões de um urso, a respiração de um peixe e a saliva de um pássaro. 

Na Edda em prosa a corrente Gleipnir é descrita sendo fina, lisa e suave como um fio de seda, mas de resistência descomunal. Os deuses levaram Fenrir até a ilha Lyngvi, localizada no lago Ámsvartnir onde ficava uma caverna, lá eles propuseram o lobo aceitar ser amarrado com aquela estranha corrente, mas Fenrir negou-se a aceitar, pois não haveria fama para ele tentar arrebentar algo que parecia um fio de seda; aqui notamos que o lobo era orgulhoso, pois aceitou ser acorrentado para provar que era mais forte que qualquer um dos deuses ou o que eles poderiam criar. 

Fenrir acabou aceitando ser amarrado com a corrente Gleipnir desde que os deuses cumprissem com sua parte, em libertá-lo em caso dele fracasse. Os deuses não querendo manter o lobo livre, decidiram ouvir o que ele tinha a dizer. Fenrir disse que poderiam amarrar suas pernas, mas que um dos deuses colocasse um dos seus braços dentro de sua boca, como uma espécie de voto de confiança. Contudo as divindades se recusaram a aceitar isso, então Tyr se ofereceu e colocou sua mão direita na boca de Fenrir, a fera começou tentar se libertar, mas a medida que fazia esforço a corrente ficava mais apertado, vendo que havia sido enganado, arrancou a mão de Tyr. 

Os deuses amarraram uma das pontas da corrente, chamada Gelgya a uma pedra chamada Gjoll, e a enterraram bem fundo. Então pegaram outra ponta e a ataram numa pedra chamada Tviti, e a enterraram nas profundezas do mundo. Fenrir revoltou-se ainda mais e tentou atacar os deuses, mas estes pegaram uma espada e fechara a boca dele, cravando a arma de cima para baixo. A partir da baba que escorria de sua boca fechada e ferida, formou-se o rio Vón


Odin e os demais deuses poderiam ter matado o lobo, mas as profecias diziam que ele estaria ligado ao Ragnarok, e os deuses não gostavam de desafiar o destino, então pouparam a vida da grande besta. 

É dito que quando o Ragnarok chegar, Fenrir finalmente se libertará de suas amarras e partirá para rasgar o céu e confrontar Odin. A batalha será terrível, mas o lobo matará o rei dos deuses. 


Gravura retratando Odin confrontando Fenrir, numa luta onde o lobo será o vitorioso. 
Os mitos também contam que embora Odin acabe morrendo para a terrível fera, ele seria vingado por um de seus filhos, o deus da vingança Vidar, considerado depois de Thor o mais poderoso dos deuses. É dito que Vidar parte para confrontar o monstro então irá segurar a parte superior da sua boca, enquanto com a outra ele rasgaria a boca do animal com uma lâmina. 


Desenho retratando o deus Vidar atacando o lobo Fenrir. Vidar conseguirá matar o monstro, e assim vingará a morte de seu pai. 
O culto a Odin:

Durante a Era Viking (séc. VIII ao XI) Odin foi um dos deuses mais adorados pelos escandinavos, na época chamados de vikings. Possivelmente o culto a Odin só ficasse atrás do culto ao deus Thor, o qual era bem mais popular na poesia escalda. Embora Tyr fosse o deus da guerra, durante a Era Viking, Odin ganhou maior importância como senhor da guerra, e as pessoas passaram a lhe dá maior atenção, embora que Davidson [1987] nos conta que em alguns templos encontrados na Suécia e Dinamarca, podia-se ver a estátua de três deuses: Odin, Thor e Tyr. 

Davidson conta que de certa forma o culto a Odin era aristocrático, fato que o historiador Saxo Grammaticus (c. 1150-1220) conta em alguns de seus livros, falando que muitos reis se associavam a imagem de Odin, onde alguns até mesmo alegaram ser descendentes do próprio deus. Saxo também considerava que o deus além de ser o senhor da sabedoria, era o senhor da guerra e da morte. 

É uma característica importante, pois se recapitularmos, Odin era um dos deuses criadores (logo estava ligado a vida), estava relacionado a sabedoria, a magia, a guerra e a morte. Alguns mitólogos consideram Odin como um deus da morte ou deus dos mortos, assim como a deusa Hel e Freya. 

"Entre os adoradores de Odin encontramos os reis e os principais guerreiros do período das migrações e da Idade Viking. Muitas famílias reais, entre os Anglo-Saxões, proclamavam-se descendentes do deus e tinham orgulho nisso. Aos chefes que prometessem dedicar-lhe aqueles que matassem, Odin doava armas como a esplêndida espada Gram, dada a Sigmundo, o Volsung". (DAVIDSON, 1987, p. 31).

O historiador Saxo Grammaticus conta-nos relatos de reis que teriam feito pactos com Odin, para planejar guerras, complôs, revoltas, etc., ao mesmo tempo, poemas escaldos, contam que Odin disfarçado havia oferecido ajuda a reis em troca de sacrifícios, embora que algumas destas histórias apontam que o deus nem sempre cumpria com a palavra. Saxo conta que o rei Harald entrou em guerra contra o seu amigo o rei Hring, Harald havia pedido proteção e apoio de Odin, lhe prometendo a vitória e sacrifícios, mas Hring acabou matando Harald. Aqui notamos que Odin não cumpriu com sua palavra de ter ajudado o outro rei. 

"Há muitas histórias sobre reis que fizeram pactos com Odin oferecendo-lhe aqueles que tinham sido mortos na batalha, e aparecem frequentemente na literatura referências a sacrifícios a ele dedicados como deus da morte, que era". (DAVIDSON, 1987, p. 32).


Odin retratado num livro islandês do século XVIII. 
O historiador, orador e político romano Tácito (55-120) em seu famoso livro Germania, o qual descrevera aspectos culturais e sociais das tribos germanas, que na época eram inimigas de Roma, Tácito já nos contava que os germanos tinham o costume de jogar espólios de guerra em locais considerados sagrados, principalmente pântanos, charcos e bosques. Tácito dizia que tais oferendas eram dadas para alguns deuses como o deus Wotan (nome dado a Odin pelos germanos. 

Os saxões lhe chamavam de Ouvin, no antigo alemão era Wuodan, etc.). Tácito associou Wotan (Odin) ao deus romano Mércurio (Hermes para os gregos), nesse caso, associação que ele fizera é que dizia-se que Mércurio guiava a alma dos recém-mortos até o Hades (Inferno), logo, como Odin estava associado também a morte e aos mortos, Tácito fizera essa associação. 

A ideia de oferecer espólios de guerra para Odin, era uma forma de agradecer o deus pela vitória dada e a proteção lhe ofertada, ao mesmo tempo, as armas, escudos, armaduras, etc., eram oferecidas em honra do deus, já que Odin estava associado a guerra. Contudo, além dessas oferendas, os germanos e escandinavos faziam sacrifícios ao deus, neste caso, sacrifícios humanos.

Arqueólogos no século XX encontraram restos mortais de cavalos e até de pessoas, onde as vítimas haviam sido enforcadas e perfuradas com lanças, algo que lembra o auto-sacrifício de Odin na Yggdrasil. Os homens que eram sacrificados, eram enforcados em árvores, geralmente carvalhos, pois além de serem árvores abundantes no norte da Europa, era uma árvore associada ao deus Odin e Thor, como também tinha um papel religioso entre outros povos como os germanos, anglo-saxões e celtas. 

Estes homens que eram sacrificados como nos apontara o clérigo e historiador Adão de Bramen no século XI, geralmente eram prisioneiros de guerra, que eram oferecidos ao deus Odin. Contudo, vestígios arqueológicos nos revelaram também que mulheres e crianças também eram sacrificadas.

"Parece, na verdade, que as vítimas sacrificadas nem sempre eram cativas de guerra. Há horríveis contos de reis sacrificando os filhos para obterem a satisfação do que desejam. Aum, rei da Suécia, diz-se que oferecia um dos seus filhos, cada dez anos, para obter um maior tempo de vida". (DAVIDSON, 1987, p. 34).

"Os sacríficos a Odin deviam incluir também mulheres. Segundo se diz, na Idade Viking, as viúvas ou as mulheres escravas dos homens bem-nascidos ofereciam-se voluntariamente à morte quando o seu senhor morria. Este sacrifício comprava a sua honra e bem-aventurança no Outro Mundo". (DAVIDSON, 1987, p. 43). 

O embaixador e escritor árabe Ahmad ibn Fadlan no século X, foi enviado pelo califa abássida para entrar em contato com os búlgaros que viviam na região do rio Volga, hoje território da Rússia. Lá, ibn Fadlan encontrou alguns vikings e conviveu um breve período entre eles e relatou seus costumes o que incluiu um funeral de um senhor, que foi posto num navio com seus pertences, e o navio foi queimado. Ele também relatou o sacrifício de mulheres na ocasião, dizendo que uma das escravas foi envenenada, depois foi apunhalada com uma lança e colocada no navio de seu senhor, para que ambos ardessem nas chamas. 

"Nos relatos sobre rituais de sacrifício, em que a vítima era morta pelo fogo ou enforcada e trespassada. Snorri diz-nos que a cremação era praticada pelos adoradores de Odin, que acreditavam que quanto mais alto subisse o fumo sobre a pira fúnebre maior seria a honra no Valhala daqueles que eram recebidos pelo deus". (DAVIDSON, 1987, p. 44). 

"Em dois túmulos de chefes vikings nas ilhas Britânicas, uma na ilha de Man e outro em Orkney, descobriram-se provas arqueológicas do sacrifício de uma mulher durante o funeral. Foi encontrado, nos dois casos, o corpo de uma mulher deitado ao lado do do homem morto". (DAVIDSON, 1987, p. 45).

Os sacrifícios como visto, também poderiam ser voluntários, e isso era considerado uma grande honra para o indivíduo e para a sua família, e comunidade. Ao ser sacrificado, as pessoa iria direto para Valhala. Havia locais, onde as pessoas não eram assassinadas, mas cometiam suicídio, saltando de penhascos. 

A lança era um símbolo associado ao rei dos deuses, já que fazia referência a poderosa lança Gungnir. Além de lanças serem usadas em sacrifícios rituais, encontraram-se amuletos em forma de lança e até mesmo lanças entre os espólios no túmulo de um morto. O uso de lanças, seria uma forma de pedir proteção do deus das batalhas e dos mortos, para que talvez o morto tivesse uma viagem segura até Valhala. Enquanto em vida, o amuleto em forma de lança, seria um talismã de sorte e de proteção, assim como os amuletos em forma de martelo, que eram associados ao deus Thor. 

Outro objeto associado ao culto do deus era os anéis, algo que remete ao anel Draupnir. Tácito nos contara que guerreiros germanos que usavam uma espécie de colar, algo que também os celtas usavam, se diziam que estavam sob a proteção direta do deus, logo, batalhavam sem cotas de malha, sem camisa e até as vezes totalmente nu. No tesouro de alguns reis e nobres, encontrou-se vários anéis, pois algumas histórias diziam que Odin presenteava os mais valentes e honrados reis com anéis de ouro. 

"Tal facto talvez também se relacione com o símbolo dos três triângulos ou anéis entrelaçados, conhecido como o Valknut gravado nas pedras do período viking da Gotlândia, que estão por sua vez associados também com o culto de Odin". (DAVIDSON, 1987, p. 36).


Pintura em pedra. Os três triângulos são o Valknut, símbolo associado ao deus Odin. 
De acordo com Davidson [1987] o simbolismo dos anéis de Odin, indicavam a união entre o deus e os homens, mas também seria uma referência aos "grilhões do medo", ou seja, o fato do deus impor pânico e medo nos inimigos. Aqueles que oravam ao deus, rezavam para que tais "correntes" envolvessem seus oponentes, mas também poderiam orar para que o deus lhes desse força e coragem. 

Snorri contava que os bersekers eram guerreiros que lutariam sob a influência de Odin. Eles usavam peles de lobos ou de ursos, e até mesmo poderiam lutar nus. Dizia-se que lutavam em um estado frenético, impulsivo e bastante agressivo. Hoje os historiadores acreditam que os bersekers deveriam ingerir algum cogumelo alucinógeno que atiçassem a violência e adrenalina neles, ou realizariam alguma espécie de meditação para entrar num estado de transe. Lembrando também que os relatos muito bem podem ter sido exagerados com o tempo, ampliando a realidade destes guerreiros.  


Cópia de uma inscrição em prata para um elmo, datada do século VI. Os mitólogos acreditam que os dois homens sejam representações de bersekers
Histórias medievais diziam que tais guerreiros eram insanos, e até mesmo os comparavam a monstros. Saxo atesta que eles eram cruéis e implacáveis, e também dizia que não eram bem quistos na sociedade. Lendas contam que os bersekers poderiam até mesmo se transformar em lobos e ursos. 

O cavalo do deus, Sleipnir também estaria associado a algumas práticas religiosas, onde em algumas pedras fúnebres retratam o cavalo de oito patas, sendo montado por um homem. Alguns consideram aquela desenho uma representação do deus Odin, mas outros sugerem que seria algum nobre tendo sido representando montando no corcel, o qual lhe levaria para Valhala. 

Por fim, podemos ver que o culto a Odin estava associado em práticas onde se pedia a proteção do deus, principalmente em quesitos envolvendo bravura e questões bélicas, como também a cultos onde se pedia que a alma do nobre ou do valoroso guerreiro fosse guiada até Valhala, onde ele desfrutaria da companhia do deus e dos demais como visto anteriormente, até o dia do Ragnarok. Assim, podemos notar que o rei dos deuses possui uma forte presença na religiosidade dos escandinavos, principalmente durante a Era Viking, onde os indícios encontrados mostram essa preponderância. 


Ainda hoje em alguns cantos do mundo, Odin é lembrado, embora nem sempre as pessoas percebam isso. A palavra quarta-feira em língua inglesa e alemã fala-se wednesday, que traduzindo do alemão antigo significa "Wuodan Day", por sua vez como foi dito, Wuodan era o nome de Odin dado pelos alemãs, logo, wednesday significa "Dia de Odin". Tal fato ficou evidenciado, quando os escandinavos e os germanos adotaram o calendário juliano dos romanos, mas ao invés de chamarem os dias da semana pelo nome dos deuses romanos, eles puseram o nome de seus próprios deuses. Quando os vikings ocuparam parte da atual Inglaterra por mais de cem anos, mesmo com a expulsão destes, os ingleses mantiveram palavras do idioma escandinavo em seu vocabulário, logo desde a Idade Média, usa-se na Inglaterra a palavra wednesday para se referir ao dia que compreende o meio da semana. 

Os vários nomes de Odin:

Odin é o deus nórdico com o maior número de epítetos e nomes. Hoje os mitólogos já conseguiram identificar mais de 100 nomes atribuídos a esse deus. No entanto, eu não consegui identificar todos esses, mas listarei aqui os que encontrei. É importante conhecer alguns desses epítetos e nomes, pois nas Eddas e em outros poemas antigos, o deus é referido por alguns destes epítetos e nomes, e não pelo seu nome próprio. Todos os nomes aqui mencionados se encontram na Edda em prosa e principalmente no poema Grimnismál. Outros se encontram espalhados por outros poemas.
  • Allföd - "Pai de todos"
  • Rafnagud - "Deus dos corvos"
  • Heriaföd - "O pai dos exércitos"
  • Ygg - "O terrível"
  • Herran ou Herjam
  • Nikar, ou Hnikar - "O que golpeia com a lança"
  • Nikuz ou Hnikud - "O que golpeia com a lança"
  • Fjölnir - "O de muitas aparências"
  • Óski - "O desejoso"
  • Ómi
  • Biflidi ou Biflindi
  • Svidar ou Svídur
  • Svidrir
  • Vidrir
  • Jálg ou Jálk - "Matador de gigantes"
  • Gagnard 
  • Hárbard - "O de barba grisalha"
  • Grim ou Grimnir - "O disfarçado"
  • Gangleri - "O cansado de caminhar"
  • Herian - "O que manda nos exércitos"
  • Hialmberi - "O que anda com o elmo"
  • Tekk - "O oportuno"
  • Tridi - "O terceiro"
  • Tund 
  • Ud
  • Helblindi ou Herblindi - "O que cega o exército"
  • Har - "O alto" ou "O altíssimo"
  • Sad - "O que diz a verdade"
  • Svípal - "O mutável"
  • Sanngetal - "O que advinha certeiramente"
  • Hérteit - "O que tem renome entre os guerreiros"
  • Bíleyg - "O torto?" ou "O desleal?"
  • Báleyg - "O que tem o olhar fulminante"
  • Bólverk - "O que causa males"
  • Glápsvid - "O que sabe enganar"
  • Fiólsvid - "O de muitos saberes"
  • Sídhott - "O de chapéu largo"
  • Sídskegg - "O de longa barba"
  • Sígfod  - "O pai das vitórias"
  • Válfod - "O pai dos caídos por armas"
  • Átrid - "O que cavalga para batalha"
  • Farmatyr - "O deus do carregamento"
  • Kiálar 
  • Tror
  • Vídur
  • Jafnhar - "O que é alto"
  • Góndlir "O do cajado"
  • Sokkmímir
  • Midvítnir
  • Vak - "O atento"
  • Skílfing 
  • Váfud - "O viajante"
  • Hroptatyr - "O senhor dos deuses"
  • Gaut
  • Ofnir - "O homem"
  • Sváfnir

NOTA: O valknut também é conhecido como "coração de Hrungnir" (Hrungnishjarta), o qual segundo os mitos era o coração de um gigante que Thor matara, e se dizia que o coração dele tinha três pontas. Embora, estivesse ligado aos mitos de Thor, tal símbolo como apontou o historiador Johnni Langer, passou na Era Viking a ficar mais associado ao culto de Odin, especialmente aos ritos ligados a morte. 
NOTA 2: Alguns dos poemas da Edda poética, contam histórias de valquírias que passaram a viver entre os humanos e até mesmo a se casar com nobres. 
NOTA 3: Odin é um dos personagens principais das histórias em quadrinhos de Thor da Marvel Comics
NOTA 4: O personagem Beorn de O Hobbit, livro escrito por J.R.R. Tolkien, tal personagem se transforma num urso negro. Provavelmente a inspiração de Tolkien tenha vido dessas lendas sobre os bersekers

Referências Bibliográficas: 
Anônimo. Edda Mayor. Tradução e notas de Luis Lerate. Madrid, Alianza Editorial, S.A, 1984. 
STURLUSON, Snorri. Edda em prosa. Tradução, apresentação e notas de Marcelo Magalhães Lima. Rio de Janeiro, Numen, 1993. 
LANGER, Johnni. Religião e Magia entre os Vikings: Uma sistematização historiográfica. Revista Brathair, v. 5, n. 2, 2005, p. 55-82.  
LANGER, Johnni. Vikings. In: As Religiões que o Mundo esqueceu. FUNARI, Pedro Paulo (org.), São Paulo, Editora Contexto, 2009, p. 130-143. 

LANGER, Johnni. Símbolos religiosos dos Vikings: guia iconográficoRevista História, imagem e narrativas, n. 11, 2010.
DAVIDSON, Hilda. O mundo dos deuses. Escandinávia. Lisboa, Editorial Verbo, 1987, p. 109-114. 
DAVIDSON, Hilda. O culto de Odin. Escandinávia. Lisboa, Editorial Verbo, 1987, p. 31-49.
CANDIDO, Regina Maria (org.). Mitologia germano-escandinava: do caos ao apocalipse. Rio de Janeiro, NEA/UERJ, 2007. 
NIEDNER, Heinrich. Mitología Nórdica. Traducción de Gloria Peradejordi. Barcelona, Olimpo, 1997. 
LINDOW, John. Norse Mythology: A guide to the gods, heroes, rituals, and beliefs. New York, Oxford University Press, 2001.
FRANCHINI, A. S; SEGANFREDO, Carmen. As melhores histórias da mitologia nórdica. 5ª ed, Porto Alegre, Artes e Ofícios, 2006.

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