Mesmo quando dormia, Irena não conseguia
esquecer. Em sonhos, ela se via tirando uma criança, que chorava
desesperadamente, dos braços da mãe que lhe perguntava: "jura que meu
filho se salvará?" Responsável por salvar 2.500 crianças do gueto de
Varsóvia, Irena jamais esqueceu aqueles terríveis momentos em que era obrigada
a separar os filhos de seus pais.
O
Instituto Yad Vashem reconheceu o valor dessa mulher extraordinária, em 1965,
concedendo-lhe o título de "Justo entre as Nações", mas poucos
conheciam sua história até menos de uma década atrás. Em 2000, o silêncio que
se formara em volta de seu nome foi quebrado, quase por acaso, graças ao
empenho das alunas de uma escola secundária de Uniontown, Kansas, nos Estados
Unidos: Megan Stewart, Elizabeth Cambers, Jessica Shelton, de 14 anos, e Sabrina
Coons, de 16.
No
início do ano letivo de 1999, as quatro jovens, estimuladas por seu professor, Norm
Conard, se inscreveram no Concurso Nacional de História de seu país para alunos
do ensino médio. Na hora de escolher o tema, Conard mostrou-lhes um recorte de
1994, do News and World Report, onde havia uma nota sobre Irena Sendler,
polonesa que salvara ao menos 2.500 crianças judias do Gueto de Varsóvia. Mas,
alertara o professor, era provável que houvesse um erro tipográfico naquele
número, pois jamais ouvira falar da tal senhora. As jovens não tardaram a
descobrir que os números eram exatos, mas que não faziam jus à coragem e valor
de Irena.
Nos
primeiros meses de 2000, decidiram escrever uma peça teatral baseada em sua
vida, intitulada "Life in a Jar", Vida dentro de uma garrafa. E, para
grande surpresa, descobriram que Irena ainda estava viva e bem de saúde, apesar
de presa a uma cadeira de rodas, há anos, por lesões provocadas pelas torturas
que sofreu nas mãos da Gestapo. As jovens entraram em contato com Irena e, a
partir dali, mudaram sua vida.
A
peça teve grande aceitação e foi representada centenas de vezes através dos
Estados Unidos e Canadá, até finalmente chegar aos palcos da Polônia, além de
ser transmitida pelo rádio e televisão.
Cena da peça Life in a Jar, baseada na vida de Irena Sendler. |
Os
primeiros anos
Irena
nasceu em 15 de fevereiro de 1910, em Otwock, cidade próxima a Varsóvia, filha
única do casal Krzyzanowski. A família sempre manteve estreitas relações com a
comunidade judaica da cidade. O pai, Stanislaw, era médico e entre seus
pacientes havia vários judeus, muito dos quais sem recursos. Ardente
socialista, Stanislaw não cansava de ensinar à pequena Irena que o ato de
ajudar devia ser para todo ser humano uma necessidade que emanasse do coração,
não importando se o indivíduo a ser ajudado era rico ou pobre, nem a que
religião ou nacionalidade pertencia. Em 1917, Otwock foi tomada por uma
epidemia de tifo. Stanislaw, fiel aos seus ideais, não deixou a cidade e
continuou socorrendo os doentes. Ele mesmo contraiu tifo, mas antes de morrer
fez uma última recomendação à filha: "Se vires alguém se afogando, deves
pular na água e tentar ajudar, mesmo se não souberes nadar".
Na
juventude, Irena estudou literatura polonesa e se filiou ao Partido Socialista.
Na década de 1930, quando o endêmico anti-semitismo polonês aumentava sua
virulência, Irena foi expulsa da Universidade de Varsóvia por enfrentar um
professor que obrigara os alunos judeus a se sentar em local separado, na
classe. A jovem foi para o "setor judaico" da sala e quando o
professor lhe disse para mudar de lugar, respondeu: "Hoje sou judia".
Casou
com Mieczyslaw Sendler, com o qual não teve filhos e passou a trabalhar como
assistente social. Quando os alemães invadiram a Polônia, em setembro de 1939,
ela trabalhava no Departamento de Bem-estar Social de Varsóvia, única
organização oficial polonesa autorizada a atuar no país, além da Cruz Vermelha.
Irena era responsável pela administração dos refeitórios comunitários
localizados em cada distrito da cidade, que, graças a ela, distribuíam, além de
alimento, roupas, medicamentos e algum dinheiro. E, quando se tornou proibido
atender os judeus, ela registrou aqueles que iam pedir ajuda com nomes
cristãos, fictícios. Para evitar visitas de inspeção, colocava nas fichas que
na família havia doença infecciosa, como tifo ou tuberculose.
Atuando
dentro do Gueto de Varsóvia
Na
Polônia, a perseguição nazista aos judeus iniciara-se imediatamente após a
invasão. Os alemães sabiam que o profundo anti-semitismo que permeava a
sociedade polonesa facilitaria a execução de seus planos para a comunidade
judaica. Em outubro de 1940, a Gestapo decretou a transferência imediata de
todos os judeus de Varsóvia para um antigo bairro que, em poucos meses, se
tornou um gueto no sentido mais nefasto da palavra. Rapidamente, levantou-se um
alto muro isolando seus habitantes da "Varsóvia ariana". O gueto, com
apenas 4 km2, com capacidade, em condições normais, para 60 mil pessoas, passou
a abrigar 380 mil judeus. Nos meses seguintes, outros 100 mil para lá foram
levados. Em menos de um ano, meio milhão de judeus estavam isolados e vigiados
de perto pelos nazistas, para impedir contatos com a parte 'ariana' da cidade.
Delimitação do Gueto de Varsóvia. |
Dentro
do gueto, as condições de vida eram subumanas. As cotas de alimentos eram
mínimas, produtos sanitários e farmacêuticos em quantidade insuficiente. Grande
parte da população sequer tinha abrigo; quem conseguia algum cômodo o
partilhava, com mais 10 pessoas. Além das execuções sumárias, os nazistas
queriam matar os judeus de fome, frio e doenças. Entre o início de 1940 e
meados de 1942, uns 83 mil morreram.
Os
números só não foram maiores porque os judeus conseguiam contrabandear para
dentro dos muros alimentos e remédios. Instituições judaicas atuavam dentro do
gueto tentando aliviar o sofrimento de seus irmãos. Entre elas, a Sociedade
Judaica de Ajuda Mútua, a Federação Judaica das Associações de Orfanatos e
Lares para Crianças e a Organização de Reabilitação através do Trabalho (ORT).
Até o final de 1941, quando os Estados Unidos entraram na guerra e passou a ser
proibido aos americanos remeter fundos a países sob ocupação inimiga, as
organizações recebiam recursos principalmente do American Jewish Joint
Distribution Committee.
Quando,
em novembro de 1940, os portões do gueto se fecharam, Irena se deu conta que
90% dos 3 mil judeus a quem prestava auxílio ficaram fora de seu alcance. Mas
não se deu por vencida. Em depoimento ao Yad Vashem, conta: "Consegui,
para mim e minha amiga Irena Schultz, identificações do Gabinete Sanitário, que
tinha como tarefa, entre outras, lutar contra as doenças contagiosas. Aleguei
que não íamos ajudar judeus, mas apenas fazer um levantamento diário das
condições sanitárias. Mais tarde, consegui passes para outras
colaboradoras". Irena Schultz também foi agraciada em 1965 pelo Yad Vashem
com o título de "Justa entre as Nações".
Com
esse estratagema, as duas Irenas poderiam entrar no gueto quando quisessem. Uma
vez dentro, as jovens imediatamente reataram seus antigos contatos. Diariamente
- e mais de uma vez em um único dia - cruzavam os portões levando escondido em
suas roupas, alimentos, roupas, remédios e dinheiro que obtinham do próprio
Departamento de Bem-Estar Social, apresentando documentos que elas mesmas
falsificavam. Para não despertar a suspeita dos guardas alemães, entravam
sempre por portões diferentes e, uma vez dentro do gueto, Irena usava no braço
a Estrela de David. Além de ser uma forma de mostrar sua solidariedade, ela se
confundia entre a população e "ninguém me pedia documentos ou questionava
o que eu fazia".
Com
o passar dos meses, as condições de vida no gueto se tornaram ainda mais
terríveis. Sabe-se que a partir de junho de 1941 o número mensal de mortes
chegou a 5 mil. Irena estava definitivamente convencida de que a única forma de
salvar alguém daquele inferno era ajudando-o a fugir. Passa, então, a trabalhar
na organização das fugas. Os primeiros a serem retirados foram as crianças
órfãs.
Duas crianças judias no Gueto de Varsóvia durante a Segunda Guerra Mundial. |
Em
julho de 1942, os nazistas iniciaram a deportação em massa para o campo de
Treblinka. Tornara-se ainda mais premente remover do gueto o maior número
possível de pessoas. Irena já estava de posse de uma lista de endereços onde os
judeus poderiam ficar, principalmente as crianças, até conseguir documentos de
identidade "arianos" e encontrar um lugar onde viver em relativa
segurança. Sendler e Schultz conseguiram 3 mil documentos falsos.
Como
as deportações continuavam sem tréguas, Irena decidiu procurar ajuda e se
filiou à Zegota, movimento clandestino com a infra-estrutura e o dinheiro
necessários. Esta organização, que contava com o apoio financeiro de judeus
britânicos, foi criada naquele fatídico mês de julho por poloneses católicos,
muitos, entre eles, membros da resistência, que se opunham ao extermínio em
massa de judeus. O objetivo era ajudar os judeus a sobreviver em meio à
população local. Infelizmente quando começou a operar, no final de 1942, já era
tarde para a maioria dos judeus de Varsóvia. Mais de 280 mil já haviam sido
mortos em Treblinka. No entanto, ainda havia milhares dentro do gueto e outros
tantos vivendo escondidos em Varsóvia e outras cidades.
Usando
o codinome Jolanta, Irena se tornou uma das principais ativistas da Zegota.
Comandava uma equipe de 25 pessoas incumbidas de tirar crianças do gueto, obter
documentos falsos e encontrar uma família ou local onde as abrigar - algo não
tão fácil de conseguir.
O
resgate de uma criança judia requeria a ajuda de no mínimo dez pessoas. O
primeiro passo era fazer contato com as famílias dentro do gueto. Persuadir
pais a se separarem dos filhos era uma tarefa dolorosa. "Eu ouvia sempre a
mesma pergunta: 'Jura que o meu filho viverá?' Mas o que podia prometer? Sequer
sabia se conseguiria tirá-los com vida...", lembrava Irena. "A única
certeza era que se lá permanecessem, a probabilidade de sobreviver era
praticamente nula. Eu sabia que os primeiros a serem mortos pelos nazistas eram
as crianças. Às vezes, o pai aceitava a idéia, mas a pobre mãe relutava; era
como rasgar sua carne. Em outras ocasiões, era o contrário. Eu entendia a dor
deles, mas a indecisão foi fatal, em muitos casos. Quando voltava para tentar
fazê-los mudar de idéia, já não mais os encontrava... Haviam sido levados para
os campos da morte".
Durante
os últimos três meses antes da liquidação do gueto, lutando contra o tempo,
Sendler e Schultz retiraram 2.500 crianças. As duas jovens levavam-nas, às
vezes, por corredores subterrâneos do edifício do Tribunal, localizado entre o
gueto e o lado ariano; outras vezes, através de uma igreja que tinha acesso
pelos dois lados; ou mesmo pelos esgotos. Alguns eram escondidos dentro de
ambulâncias. Crianças pequenas eram sedadas para não fazer barulho. Nas mãos de
Irena qualquer coisa se transformava em instrumento de fuga: sacolas, latas de
lixo, sacos de batatas, caixões. Chegou a esconder algumas dentro de seu
casaco! Já fora dos muros, as crianças eram levadas para locais onde iam ficar
até serem entregues a famílias ou instituições religiosas confiáveis.
No
entanto, escapar do gueto era mais fácil do que sobreviver no lado
"ariano". Irena conseguira recrutar pelo menos uma pessoa em cada um
dos centros do Departamento de Bem-estar Social, que a ajudaram a forjar
centenas de documentos. Para escondê-las, contou com o auxílio de várias
instituições religiosas. Entre estas, o Convento da Família de Maria, dirigido
pela madre superiora Matylda Getter, e o de Turkowice, dirigido pela madre
superiora Stanislawa. Neste último, Irena contava ainda com a ajuda das Irmãs
Irena e Hermana, que sempre que recebiam uma mensagem codificada corriam a
Varsóvia para buscar as crianças. As quatro freiras foram também agraciadas
pelo Yad Vashem, em 1965, com o título de "Justos entre as Nações".
Em
seus relatos depois da guerra, Irena deu os nomes de várias pessoas que a
ajudaram, entre estas, Jan Dobraczynski. Membro de um partido cristão de
extrema direita, com uma plataforma anti-semita, Jan era diretor do
Departamento de Bem-estar Social de Varsóvia. Graças à sua função, ele
conseguia documentos para as crianças, nos quais atestava serem cristãs, órfãs
ou carentes, para que as instituições cristãs as admitissem. Salvou assim mais
de 300. Jan Dobraczynski também foi reconhecido pelo Yad Vashem com o título de
"Justo entre as Nações".
Uma criança abandonada em uma das ruas do Gueto de Varsóvia, 1941. O número de pessoas mortas era tamanho, que a população se tornou apática, ao ver um cadáver na rua. |
No
entanto, de todos os seus colaboradores dentro do Zegota, Irena tinha mais
afinidade com Julian Grobelny, de codinome Trojan. Um homem de grande coração,
completamente devotado a salvar os que estavam em perigo. Irena contou que,
certa vez, ele a chamou para juntos buscarem uma menina judia que estava em
estado de choque havia vários dias. Assistira sua mãe ser morta de forma
bestial. "Quase fomos presos durante a viagem", lembrou Irena,
"e como ele era pessoa vital para a resistência, sugeri prosseguir sozinha,
mas Grobelny recusou indignado. Ao encontrar a menina, ele a pegou no colo e,
falando devagar, carinhosamente, conseguiu fazê-la sair do torpor, até que ela
conseguiu balbuciar: 'Não quero ficar aqui, me leva daqui'. Trojan, então, me
pediu que encontrasse um lar onde aquela inocente encontrasse afeto".
Irena
e todos os demais sabiam que, se fossem presos, seriam fuzilados. Cartazes por
toda Varsóvia alertavam que a pena para quem escondia judeus era a morte e não
faltavam pessoas dispostas a ganhar com a tragédia, chantageando os judeus e,
em seguida, ganhando ainda mais ao entregá-los aos alemães, em troca de alguma
recompensa.
Cartaz nazista escrito em alemão e polonês avisando sobre a pena de morte para aqueles que ajudassem os judeus a fugir. Varsóvia, 1942. |
Irena
Sendler se preocupava com o futuro das crianças. Vejam como ela mesma descreve
os cuidados que tinha para, um dia, poder recuperar suas identidade:
"Escrevia em papel de seda os nomes das crianças salvas. Havia duas listas
idênticas, que eu guardava em duas garrafas distintas. Por razões de segurança
não deixava as listas em casa, as enterrava em locais distintos. À medida que
aumentava o número de crianças salvas, as garrafas onde eu guardava as listas
eram desenterradas e novos nomes incluídos".
Ela
tinha a esperança de, no final da guerra, localizar as crianças e informá-las
acerca de sua verdadeira origem. Queria que um dia pudessem recuperar seus
nomes, identidade, suas famílias e, principalmente, voltar à sua fé. Irena
fazia as famílias envolvidas no salvamento dos menores prometerem que os
devolveriam a qualquer parente que sobrevivesse à guerra. Infelizmente, nem
todos mantiveram sua palavra. Terminada a guerra, Irena passou anos com as
listas nas mãos, tentando localizar crianças desaparecidas e as reaproximar de
sua verdadeira família.
Sendler
e Schultz também ajudaram adultos a fugir do gueto. A fuga era organizada para
quando deixavam o gueto para ir trabalhar. Os guardas eram subornados para
omiti-los em sua contagem diária dos empregados. Os judeus ficavam escondidos
do lado ariano e o Zegota se incumbia de ajudá-los. Parte das despesas das
famílias que davam abrigo a judeus eram pagas por esta organização que lhes
entregava também roupas, alimentos e cupons para leite. Geralmente, Irena colocava
jovens judias para trabalhar como governantas ou babás. Adotavam um novo nome
e, sendo a Polônia um país profundamente católico, elas deviam aprender pelos
menos o básico de sua suposta fé.
Centenas de judeus em uma rua do Gueto de Varsóvia. 1941. |
A
prisão de Pawiak
No
dia 20 de outubro de 1943, Irena foi à casa de sua mãe para uma reunião de
amigos. No final da tarde, a Gestapo invadiu o local. Por sorte, ajudada por
uma amiga, ela conseguira esconder documentos que a incriminavam e uma grande
quantia do Zegota destinada à ajuda aos judeus. A busca durou três horas. Não
encontraram nada, mas Irena foi presa e levada à terrível prisão de Pawiak. Uma
de suas colaboradoras havia sido presa e, sob tortura, revelara seu nome.
O
alemão que a interrogou era jovem, com boas maneiras e falava perfeitamente o
polonês. Queria os nomes da liderança do Zegota, endereços e a relação de todos
os envolvidos. Apesar de brutalmente torturada - quebraram-lhe as duas pernas -
ela não cedeu. Sua vontade foi mais forte que a dor. Recusou-se a trair
colaboradores ou crianças. Passou três meses nessa prisão até ser julgada e
condenada à morte. "Todos os dias, ao amanhecer, as portas das celas eram
abertas e eram chamados nomes de pessoas que nunca mais voltavam. Um dia, meu
nome foi chamado"; lembrou Irena em seus depoimentos.
Irena
estava sendo levada para o local onde devia ser fuzilada quando um agente da
Gestapo surgiu com a ordem de conduzi-la a outro interrogatório. O Zegota
conseguira subornar o agente minutos antes da execução; após conduzi-la a um
canto, o nazista mandou-a desaparecer. Estava livre. Na mesma noite, Irena viu
cartazes, nos muros de Varsóvia, com o nome das pessoas executadas. Entre eles,
constava o seu.
A
Gestapo não tardou a descobrir o que ocorrera; isto forçou Irena a viver
escondida, sob falsa identidade, até a libertação da Polônia pelos exércitos
russos - exatamente como tantos outros a quem salvara. Mas, mesmo perseguida
pela Gestapo, continuou a atuar.
Fim
da guerra
Em
1945, ao término da guerra, sua primeira providência foi desenterrar as
garrafas onde havia guardado as listas com os nomes das crianças que ajudara a
salvar. Passou então a procurá-las para as reunir com pais ou outros membros de
suas famílias. Poucos, porém, estavam vivos. Adolph Berman, um dirigente do
Zegota, decidiu levar 400 crianças para Israel. Apesar de todos os esforços,
até hoje não se tem informações sobre o paradeiro de 500. Talvez muitas não
tenham sobrevivido ou estejam vivendo na Polônia ou em outros países, sem
consciência de sua identidade judaica.
No
fim da guerra, os comunistas tomaram conta da Polônia. A política do novo
regime, de forte anti-semitismo oficial, fez com que a história do Zegota, de
Irena Sendler e de tantos outros fosse apagada dos livros de história do país.
A própria Irena foi tachada de fascista por seu trabalho com o Zegota, durante
a guerra, e por ter salvo judeus.
Voltou
a trabalhar como assistente social. Levava uma vida simples e discreta e não
falava de seu passado. Seu casamento com Mieczyslaw Sendler acabara logo após a
guerra. Divorciada, casou-se com Stefan Zgrzembski, com quem teve dois filhos, Janka
e Adam. Quando, em 1965, o Instituto Yad Vashem concedeu a Irena o título de
"Justa entre as Nações", os líderes comunistas não permitiram que ela
saísse da Polônia para receber o prêmio. Só mais tarde, em 1983, pôde receber o
título, ocasião em que foi plantada uma árvore em seu nome.
O
ano de 1994 é marcado pela queda do comunismo, na Polônia. Mas a vida de Irena
só iria mudar seis anos mais tarde, quando as 4 jovens americanas de Uniontown,
no Kansas, contataram-na. Irena vivia, à época, em um lar de idosos, em
Varsóvia, presa a uma cadeira de rodas, seu souvenir da Gestapo. Nos últimos
anos, Elzbieta Ficowska, menina a quem salvara aos 5 meses de idade, ajudava a
cuidar dela.
Irena
rememora o momento em que soube do projeto das jovens: "Fiquei boquiaberta
e fascinada, a um só tempo; interessada, muito feliz". Em uma das
primeiras cartas de Irena às jovens, escreveu: "Minha emoção está sendo
ofuscada pelo fato de que ninguém do meu círculo de colaboradores, que viviam
arriscando suas vidas, pôde viver o bastante para desfrutar todas as honras que
hoje recaem sobre minha pessoa... Não encontro palavras para lhes agradecer,
minhas queridas meninas... Antes de vocês escreverem a peça "Life in a Jar",
ninguém em meu próprio país e em todo o mundo se havia preocupado com minha
pessoa ou com o trabalho que desempenhei durante a guerra...".
Irena Sendler em 2005, em companhia de algumas pessoas que ajudou a salvar durante a guerra. |
Em
maio de 2001, as 4 jovens, acompanhadas do professor Conrad, viajaram a
Varsóvia para se encontrar com Irena. Na mesma época, a mídia internacional
começa a divulgar sua história. Emocionada, Irena diz às jovens que elas eram
"as resgatadoras da história de Irena perante o mundo".
Ao
publicar a história, vários jornais colocaram uma antiga foto dela. De repente,
diversas pessoas a contataram: "Lembro-me de seu rosto... sou uma daquelas
crianças, devo-lhe a minha vida e meu futuro, preciso vê-la!".
No
ano de 2003, Irena Sendler recebeu uma carta do papa João Paulo II. Em março
daquele ano foi a vez da Polônia fazer reparações oficiais. Irena é agraciada
com a Ordem da Águia Branca, a mais importante distinção concedida pelo governo
daquele país. Devido ao seu delicado estado de saúde, ela não participou da
cerimônia em sua homenagem, mas enviou Elzbieta Ficowska para ler uma carta em
seu nome. Entre outros, a carta dizia:
"Nós e as gerações futuras
precisamos recordar a crueldade e o ódio humano que dominava aqueles que
'entregaram' seus vizinhos ao inimigo; o ódio que lhes ordenou cometerem
assassinato e a indiferença pela tragédia daqueles que pereceram. Meu sonho é
que esta recordação se torne um alerta ao mundo - para que a humanidade jamais
volte a vivenciar uma tragédia de igual proporção".
No
ano seguinte foi publicado um livro sobre sua vida escrito por Anna Mieszkowska: Mother
of the Children of the Holocaust: The Irena Sendler Story.
Em
março de 2007 a Polônia prestou-lhe uma homenagem, em sessão solene na Câmara
Superior do Parlamento, tendo seu nome sido indicado para o Prêmio Nobel da Paz.
Neste ano de 2008, em fevereiro, quando celebrou 98 anos, recebeu das jovens de
Kansas a notícia de que a peça sobre sua vida fora representada pela 254ª vez,
em Toronto, Canadá. Irena partiu deste mundo no dia 12 de maio de 2008, em
Varsóvia. Centenas de pessoas acompanharam seu corpo até sua última morada, no
cemitério de Varsóvia. Na ocasião, o Rabino-chefe ortodoxo da Polônia, Rabi
Michael Schudrich, recitou o Kadish por aquele ser humano tão nobre.
O
Rabino lembrou-a dizendo que esperava que a vida de Irena servisse de inspiração
a outros: "Fomos abençoados com tantos anos em que a tivemos como exemplo
vivo... Ela não apenas salvou crianças judias; salvou também a alma da
Europa... seu exemplo pode ajudar-nos a mudar o mundo... Bastará que cada
pessoa que ouça a sua história tente fazer um ato de bondade por outro ser
humano, dia após dia".
NOTA: Embora tenha sido indicada para o Prêmio Nobel da Paz em 2007, Irene não chegou a vencer. Na ocasião Al Gore venceu o prêmio pelo seu documentário Uma Verdade Inconveniente (An Incovenient Truth), o qual tratava sobre o aquecimento global e outros problemas naturais.
NOTA 2: Antes do final da Segunda Guerra Mundial, Adolf Hitler dera a ordem para que vários vestígios e provas sobre os crimes nazistas fossem destruídos. O gueto de Varsóvia foi demolido na ocasião.
NOTA 3: Em 2003 a emissora PBS lançou um documentário sobre a vida de Irena, intitulado Irena Sendler: In the Name of Their Mothers. Que contou com uma entrevista com ela na época.
NOTA 4: Em 2009 foi lançado o filme O Coração Corajoso de Irena Sendler (The Courageous Heart of Irena Sendler) baseado em suas ações de resgatar crianças durante a guerra.
NOTA 5: A peça Life in a Jar ainda hoje é apresentada.
Bibliografia:
PALDIEL,
Mordecai. The Rightheous Among The Nations, Rescuers of Jews During The
Holocaust, Yad Vashem, The Holocaust Martyrs' and Heroes' Remembrance Authority.
Life
in a jar, The Irena Sendler project, www.irenasendler.org
Artigo
do International Herald tribune, Poland holds memorial service for Irena
Sendler, 15 maio de 2008.
LINKS:
FONTE: Matéria extraída da Revista Morashá, ed. 61, julho de 2008: http://www.morasha.com.br/conteudo/artigos/artigos_view.asp?a=741&p=1
Nossa fiquei até sem fôlego.
ResponderExcluirParabéns, não somente pela história linda e exemplo de amor ao próximo que foi. Mas, tbm, pela abordagem e escrita, superou minhas expectativas, com tanto conteúdo. Muito obrigada por compartilharem, estou mt satisfeita e feliz por ter lido tal artigo. Parabéns!!
Obrigado por ter apreciado Jeh. Mas a matéria não é de minha autoria, mas sim da Revista Morashá, como indico no final da postagem.
ResponderExcluirDe qualquer forma, compartilho contigo a mesma reação. Realmente é uma história bela, emocionante e motivadora. Ainda não assisti o filme, mas vou procurar conferi-lo.
Muito lindo esse documentario, Deve estar descansando com Deus. Pessoa de bom coração.
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