O “crioulo Dudu”: participação política
e identidade negra
nas histórias de um músico cantor
(1890-1920)
Martha Abreu
OBS: Os grifos e imagens foram escolhidos por mim.
Há alguns anos venho acompanhando de perto as questões que
envolvem (e envolveram) a produção de uma história da música popular no Brasil.
Todo pesquisador interessado nessa temática constantemente se vê desafiado por
determinadas versões já cansativamente divulgadas sobre a música popular ser o
traço mais forte e mais belo da identidade brasileira, ou o samba ser a marca
do que temos de mais original desde os tempos da colonização.1 Música popular e
samba, apesar de costumeiramente receberem atributos e origens coloniais, só
afirmam-se mesmo como gêneros e negócios entre o final do século XIX e as
primeiras décadas do XX.
Se olharmos para esses marcos temporais musicais numa
perspectiva mais ampla, dentro do que Paul
Gilroy denominou de Atlântico Negro,
é fácil verificar que essa discussão não cabe nos limites nacionais, apesar de
estar diretamente ligada à construção das nações. As músicas populares nos EUA,
no multicultural Caribe e na Colômbia, por exemplo, emergem nessa mesma conjuntura
e envolvem-se, de forma semelhante, com as discussões intelectuais sobre o
papel da presença africana nas respectivas identidades nacionais e culturais.
Jazz, rumba, calipso, porro e samba possuem ainda muitos pontos de afinidade, pois,
além da questão nacional, se entrelaçam com a História e ação dos descendentes
de escravos e africanos na diáspora, com as lutas pela cidadania e visibilidade
dos músicos negros no pós-abolição e com a emergência da nascente indústria
fonográfica, que tornou viável a ampla difusão de variados gêneros musicais pelas
Américas. Como afirmou Matthias Assunção, gêneros musicais até então
identificados com a população negra e pobre ganharam outras dimensões nas
Américas a partir do final do século XIX.2
Não pretendo aprofundar, no momento, essa rica questão
comparada, mas ela é fundamental para situar e entender os significados da
trajetória do músico, cantor e compositor Eduardo Sebastião das Neves, o
crioulo Dudu, exatamente entre o final do século XIX e início do XX. A ascensão
de músicos negros nesta conjuntura não pode ser negligenciada ou pensada apenas
a partir da existência de áreas mais flexíveis para a visibilidade e mobilidade
social dos descendentes de escravos. Precisa ser encaminhada numa dimensão
atlântica, articulada ao intercâmbio propiciado pela instalação da indústria
fonográfica em várias cidades das Américas e ao movimento cultural e político
dos músicos negros. Essa última dimensão já foi sinalizada e aprofundada por
Paul Gilroy para o mundo anglo-saxão.
Em O Atlântico negro, Gilroy demonstrou o quanto a música expressou um elemento
fundamental da cultura política negra desde o período escravista. A música teria
sido para Gilroy o principal canal de manifestação da consciência humana dos
escravos e seus descendentes. Com esse olhar, não foi mero acaso, no início do
século XX, a eleição, por parte das próprias lideranças negras norte-americanas
e caribenhas, da música negra como o maior símbolo de uma luta política contra
a opressão racial e pela pretendida autenticidade cultural.3
Para uma das mais destacadas lideranças do movimento negro nos
Estados Unidos, W. E. B. Du Bois, por exemplo, em livro publicado em 1903, a
música negra era a mensagem articulada do escravo para o mundo. Era a mais bela
expressão da experiência humana nascida deste lado dos mares. Se ainda era
“desprezada, continuava sendo a excepcional herança espiritual da nação e a
maior dádiva do povo negro”.4 Du Bois situava a música negra, que denominou sorrow songs (canções
de dor), como
signo central do valor, retidão moral, integridade e autonomia, num vocabulário
profundamente expresso em temáticas religiosas cristãs. Através das sorrow songs,
concluiu Du Bois, perpassava “uma esperança – a fé na justiça final”.5
Em sentido próximo, mesmo que em outro contexto religioso,
um dos grandes líderes da campanha abolicionista no Brasil, André Rebouças,
também havia percebido a importância da música para “a esperança e justiça
final” dos africanos e seus descendentes. Em 4 de fevereiro de 1893, nas
páginas do jornal Cidade do Rio, fundado por José do Patrocínio, ao procurar explicações
para o riso, o canto e a dança do “negro africano”, destacava os vários
martírios e humilhações, que lembravam os primeiros cristãos mortos nos circos
romanos:
“É por isso que o negro africano ri, canta e dança sempre:
olhando para o céu, vendo sempre Jesus, a fé
e a esperança dos infelizes e dos desgraçados, dos que têm fome e sede
de justiça, como Ele mesmo disse em sua frase de Super humana eloquência”.
A resposta de Rebouças, em meio ao seu exílio e descoberta
da África,6 ainda valorizava, além do canto, a importância do riso e da dança
como expressões de esperança e justiça. E é exatamente a procura dos
significados políticos do riso para os afrodescendentes, ao longo da escravidão
e no pós-abolição, que vem despertando a atenção e esforços de pesquisa de
especialistas atuais. Não são poucos os trabalhos acadêmicos que destacaram a
presença de sátiras, ironias e ridicularizações nas produções artísticas de
afro-americanos nos Estados Unidos e Caribe como um canal fundamental para a
luta contra a opressão e dominação racial.7
Nos Estados Unidos, os senhores teriam sido os alvos
prediletos dessas sátiras que revelavam uma sofisticada habilidade de
improvisar e avaliar as relações de poder e os conflitos raciais. Essa
estratégia foi localizada em cantos de trabalho, contos e em paródias sobre a
própria condição dos escravos e negros, frente aos mulatos e homens brancos. No
Brasil, essas temáticas e possibilidades são encontradas nos lundus, versos e
contos recolhidos por folcloristas, entre o final do século XIX e primeiras
décadas do XX, em áreas de forte presença da população de descendentes de
africanos e escravos.8 A obra de Dudu – suas canções e seu repertório –
publicada em livros e gravada em discos, nesse mesmo período, pode ser vista
como mais uma evidência dessa articulação entre música, riso e ação política no
Atlântico Negro, agora também ao sul do equador.
Acompanhar essa possibilidade de articulação no Brasil abre
caminhos para se pensar que a ascensão de negros no mundo musical no período
pós-abolição, com lundus e sambas, não foi apenas um fenômeno local ou
naturalmente determinado, como gostavam de acreditar muitos ex-senhores e as
plateias brancas norte-americanas sedentas pela comicidade dos menestréis que,
pintados de preto, ridicularizavam a pretensa ingenuidade e alegria dos
escravos e seus descendentes. Pode ter sido uma eficaz estratégia de luta dessa
população no Brasil e forte indício de que o campo musical abria possibilidades
de escolha e expressão para os artistas que dialogavam com a realidade social e
política de seu tempo.
Deve-se levar em consideração que o campo musical em várias
cidades nas Américas, entre o final do século XIX e início do XX, afirmava-se
como um local privilegiado de entretenimento, sociabilidade e negócio, tanto
para editoras de livros e partituras9 como para a nascente indústria
fonográfica. O perfil deste mercado fonográfico, no início do século XX, ainda
não estava definido. Encontrava-se aberto a muitos produtos culturais, já que
era difícil prever e garantir o que era possível gravar e o que efetivamente
seria um bom negócio. Nos primeiros tempos, percebe-se uma grande variedade de
gêneros gravados: do erudito ao popular, do estrangeiro ao nacional, das bandas
e instrumentais aos artistas com vozes poderosas, dos hinos patrióticos aos
discursos políticos, passando pelos duetos, gargalhadas e narrativas de
destacados acontecimentos políticos e do cotidiano!10 Mesmo indefinido, os
empresários estrangeiros da indústria fonográfica descobriram rapidamente o
sucesso das músicas populares e identificadas com a população negra de várias
cidades das Américas. De fato a música popular gravada tornou- se um bom
negócio e ganhou novas e inusitadas dimensões.11
As canções de Dudu, sem dúvida, pertencem a marcos estéticos
e políticos compartilhados pelas populações urbanas e pelos produtores do campo
musical. Eduardo das Neves, como outros músicos, gravou valsas, modinhas e
lundus; fez da música campanha patriótica republicana e política do cotidiano. Mas
também teve a oportunidade – e a escolha – de articular conteúdos e versos específicos,
diretamente ligados à população negra. Em meio a celebrações da pátria
brasileira, há uma dimensão identitária e de luta por reconhecimento e
valorização racial na sua produção musical que precisa ser reconhecida.
A obra de Dudu, seus versos, canções e repertório, afirmava
uma valorização dos não brancos, das coisas crioulas, mulatas e morenas.
Através do humor e da irreverência (no tratamento a antigas sinhás e patroas), os lundus de Dudu expõem o conflito racial em meio
a possibilidades reais de inserção profissional de negros no mercado cultural e
de diversões carioca; em meio a trocas culturais intensas numa cidade cosmopolita,
como a cidade do Rio de Janeiro, que acompanhava de perto todas as novidades
musicais europeias e norte-americanas. Suas canções, ao lado das de outros
músicos negros contemporâneos,12 indicam alguns possíveis caminhos construídos
pelos afrodescendentes para projetarem os seus sonhos e para criticarem
desigualdades sociais e raciais, que pareciam perpetuar-se após o fim da
escravidão.
A politização das relações raciais na obra e trajetória de
Dudu está profundamente articulada com a politização das relações de gênero.
Essa perspectiva de gênero no pós-abolição é ainda pouco discutida na
historiografia brasileira, para além das denúncias sobre o papel subordinado
das mulheres negras e mulatas. Em relação ao homem negro, as dificuldades
aumentam, e, mais uma vez, Eduardo das Neves abre uma promissora janela de
investigação.
Pensar as relações de gênero no pós-abolição exige, seguindo
Scully e Patton, que se perceba como o processo de abolição produz, recria e
naturaliza categorias e identidades de gênero.13 Nas músicas do repertório de
Dudu isso pode ser bem observado através dos personagens que protagonizam suas
canções. Figuras como Pai João, crioulos e crioulas, mulatas, morenas e iaiás
tornam-se musas da poesia e canções populares, instrumentos de disputas e
criação de papéis e identidades. Parecem ocupar o próprio palco – ou um palco
privilegiado – dos conflitos raciais e nacionais, onde eles estão acontecendo e
podem ser revertidos. Mesmo que alguns versos possam reforçar ou naturalizar as
desigualdades, eles também oferecem um oportuno canal de crítica e denúncia,
através da ironia e do riso. No caso do homem negro estavam em jogo a reversão
de sua (histórica) falta de poder sobre as mulheres brancas e negras e a
discussão das divulgadas versões sobre sua inferioridade no concorrido mercado
de trabalho, ou sua pretensa disposição ao crime e à vadiagem.
Eduardo das Neves representou em sua trajetória e obra
poética e musical todas essas possibilidades de atuação e expressão de um homem
negro no pós-abolição.
A trajetória do
Crioulo Dudu
Eduardo Sebastião das Neves teria nascido na cidade do Rio de Janeiro, no bairro de São Cristóvão, em 1874,
e falecido nesta mesma cidade, em 1919,
com apenas 45 anos.14 Apesar de minhas buscas, nunca consegui localizar dados
mais concretos sobre a origem familiar de Dudu. Através de seus versos e
histórias foi possível aproximá-lo do mundo dos libertos e do passado
escravista.
Eduardo Sebastião das Neves "Crioulo Dudu". Foto do Arquivo Nirez, pelo Blog Estrelas que Nunca se Apagam. |
Famoso cantor, tocador de choros ao violão, autor e
divulgador de lundus, modinhas, serestas e chulas, organizador de livros e
protagonista da indústria fonográfica no Brasil, Eduardo das Neves morreu pobre,
como indicam seus memorialistas, em 1919, um pouco depois de o samba estourar
como o novo estilo popular de dança e música.15 Na sua carreira artística,
apresentou-se em circos, casas de chopp, nos palcos dos cine-teatros, nos cafés-cantantes e nos
palcos de teatros, como o Maison Moderne,
de Paschoal Segreto, o Parque Rio Branco e o Apolo, onde se apresentava como “crioulo Dudu” e exibia, com elegância,
segundo seus simpatizantes, um smoking azul e chapéu alto.16 Destacou-se ainda
como exímio tocador de pandeiro, chocalho, cuíca e cavaquinho.
Teatro Apolo, Rio de Janeiro capital. |
Uma de suas principais atividades, entretanto, era a de
palhaço. Dudu trabalhou em reconhecidos circos da capital e do Brasil, como o Grande Circo François e o Circo Pavilhão Internacional. Há
registros de que no Passeio Público,
em uma espécie de café-concerto ao relento, costumava apresentar se, na
primeira década do século XX, com uma de suas mais famosas canções, em
homenagem a Santos Dumont.17 Ao
longo de sua carreira, Eduardo das Neves apresentou-se em várias cidades do
Brasil.
Hilária Batista de Almeida (Tia Cita) |
Chegou a ser empresário de um deles, tendo-lhe dado o
sugestivo nome de Circo Brasil. Em
meio a um negócio-diversão muito frequentado por estrangeiros e denominações internacionais,
a escolha do nome revelava uma de suas grandes temáticas musicais – a Pátria.
Em 1910, o Circo Brasil realizou uma grande apresentação na Rua de Santana, na Praça Onze, onde se reunia o seleto grupo musical dos amigos da Tia Ciata. Segundo o Correio
da Manhã de 13 de outubro, o sucesso era certo: “a
Cidade Nova iria se curvar perante a bilheteria”. O “popular Eduardo das
Neves”, como caracterizou o jornal, “arrebatando as multidões com os seus
choros ao violão”, foi aplaudido no centro da capital republicana pelos seus
próprios contemporâneos.
José Barbosa da Silva (Sinhô) |
Tenho algumas indicações que os futuros astros do samba nos anos
1920, como Sinhô e João da Baiana, começaram, ainda bem
jovens, a carreira artística com Dudu. Sinhô acompanhou Eduardo das Neves
portando a bandeira brasileira numa famosa homenagem a Santos Dumont, em 1903.
Eduardo das Neves teria gravado três sambas atribuídos a Sinhô, inclusive sua última
gravação, em 10 de abril de 1919, “Só
por amizade”.18 José Barbosa da
Silva, o “Sinhô”, também residia na Cidade Nova e conviveu com os choros e
atabaques das rodas de samba e candomblés da vizinhança próxima à casa de Tia Ciata.
João da Bahiana (1887-1974), por sua
vez, em entrevista ao Museu da Imagem do
Som, declarou que havia trabalhado no circo de Dudu, comandando os garotos
que animavam as cenas de Eduardo das Neves. Quantos outros futuros sambistas
não teriam feito o mesmo? João da Bahiana era morador das redondezas do porto,
trabalhador da estiva e filho de Tia
Perciliana, da famosa confraria das Tias
Baianas lideradas por Ciata.
Eduardo das Neves ainda vivia, quando a famosa música “Pelo telefone”, atribuída a Donga e Mário de Almeida, fez sucesso, em 1916, mas não chegou a acompanhar
a explosão do samba em ritmo nacional na década seguinte, quando Sinhô sairia consagrado.
Dudu foi mesmo o rei do lundu e das canções de humor.
João da Bahiana |
Até o final da vida Eduardo das Neves esteve ligado ao mundo
do circo. A morte, em 11 de novembro de 1919, teria ocorrido logo depois de uma
apresentação – provavelmente de lundu ao violão – no Pavilhão Fluminense, de propriedade de um empresário norte-americano.
Os obituários do Jornal do Brasil e Correio da Manhã
do dia 12 de novembro daquele ano dão uma boa ideia do reconhecimento do cantor para além do Rio de Janeiro.
Nominalmente são citados os seus sucessos como cantor e ator dramático em circos, teatros, cinemas
e cabarés dos estados do Norte, de São Paulo e Rio Grande do Sul. Em suas andanças teria conhecido
uma considerável variedade de canções e estilos musicais, que foram incorporados ao seu repertório
nas temáticas regionais. O escritor do obituário do Jornal
do Brasil também reconhecia o sucesso das
canções, modinhas e lundus de Dudu, tanto as de cunho sério, patriótico e
amoroso, como as de humor. Entretanto, talvez por se tratar de uma homenagem
póstuma, ou por Dudu ter mesmo investido nesta imagem, ao menos no final da
vida, atribuía o sucesso ao fato de o cantor sempre ter observado “a maior
moralidade”. Considerava também que o cantor teria contribuído muito para a
qualidade das gravações na Casa Edison, pois o timbre de sua voz era insubstituível.
É no mínimo curioso que os jornais não tenham comentado o sucesso de seus
livros publicados.
Outro bom motivo para a investigação da trajetória musical
de Eduardo das Neves são as publicações de seu repertório em livros. Antes de
se destacar no mundo fonográfico, a partir de 1902, Dudu já fazia sucesso, como
demonstram as diversas edições de alguns livros que eram identificados como de sua
autoria e traziam seu nome em letras bem visíveis. Publicou, pelo que eu tenha
registro, cinco livros, reunindo canções, muitas delas de sua autoria, outras
de domínio público, cantadas em teatros, trazidas de várias partes do Brasil e
do passado escravista.
Pela popular Editora
Quaresma do Rio de Janeiro, publicou O cantor das modinhas brasileiras (1927/1937, sem referência ao número da
edição), provavelmente o primeiro a divulgar suas canções,19 Trovador
da malandragem (1926,
2a edição, com canções registradas entre 1889 e 1902) e Mistérios
do violão (1905).
Na capa deste último, além do nome do autor em evidência, é valorizado, no
subtítulo, o
“grandioso e extraordinário repertório de Modinhas Brasileiras de Eduardo das
Neves” e a sua autoria em
publicações anteriores, como O
cantor das modinhas brasileiras, o Trovador da malandragem e
a marcha
de Santos Dumont. No livro Trovador da
malandragem, publicado provavelmente entre 1903 e 1904, também há destaque para sua
publicação anterior, O cantor das modinhas brasileiras, e para o que o livro trazia: uma “nova coleção de modinhas brasileiras,
lundus, recitativos, monólogos, cançonetas,
tremeliques e choros da Cidade Nova;
casos passados com os mais célebres e famigerados representantes do invencível povo da Lyra, etc”.
Pela também popular editora
C. Teixeira, de São Paulo, localizei O cancioneiro popular moderno (10ª edição de 1921) e O
trovador popular moderno (16ª edição de 1925). Esses dois livros publicados pela C.
Teixeira indicavam na capa que o repertório das “extraordinárias modinhas” era
também de outro famoso trovador, contemporâneo e, segundo alguns memorialistas,
concorrente de Dudu na Casa Edison, Baiano. Todos os livros citados possuem
mais de 120 páginas!
No livro em que se autoproclamou “Trovador da Malandragem”, identificou-se também como “O Crioulo Dudu das Neves”, título de
uma de suas composições.20 Através da formidável letra de “O crioulo”, que não chegou a ser gravada em disco, tomamos
conhecimento de uma espécie de autobiografia e podemos perceber como um
“crioulo” tinha em grande conta a sua autoestima. Aliás, segundo os seus poucos
biógrafos, gostava de vestir-se com muita elegância, de fraque e cartola.
Das Neves declara ter escrito a letra, em 1900, no bairro do Engenho Novo (Estação de Piedade/Méier), onde
provavelmente residia com sua mulher e filho pequeno (o futuro tipógrafo e reconhecido
cantor Cândido das Neves). Esse bairro, entre 1890 e 1906, era já o segundo
mais populoso da cidade, depois do Engenho Velho, em função da grande procura
da população por moradias mais baratas.21
Logo no início da canção afirmava que, desde “molecote”, já
tinha “jeitinho para tocar violão”; foi “crescendo”, “aprendendo e se metendo
na malandragem”. O sucesso parece ter sido considerável, pois afirmou que,
“quando colocava a mão na lira”, “as moreninhas ficavam gostando de ver o
crioulo preludiar”. Depois de revelar que trabalhara na Estrada de Ferro e no
Corpo de Bombeiros, e de ambos os lugares ter sido afastado por “mau”
comportamento, afirmou que não se agastava de ser “crioulo”. Não tinha “mau
resultado”. “Crioulo sendo dengoso” trazia “as mulatas de canto chorado”.22 Para
reforçar sua positiva imagem de “crioulo dengoso” – em contraposição aos
fracassos como trabalhador – contava que havia ido a “certo casamento”. Lá,
depois de ter “puxado ciência no violão”, a noiva, encantada, teria declarado
para a madrinha:
“Este crioulo é a minha perdição”...
“Como se chama?”
“Sou o crioulo Dudu das Neves”.
Eduardo das Neves realmente fez parte do Corpo de Bombeiros, na 4ª. Companhia, como vários outros
homens negros de sua condição e habilidade musical, entre o final de 1892 e o
início de 1893. Na canção “O Crioulo” forneceu uma explicação para o fato: como
“um filho” de seu pai era do “Grupo dos
Estradeiros”, ele foi para a 4ª Companhia. Mas lá não ficou muito tempo,
como reconheceu.
Dificilmente o Corpo de Bombeiros poderia aceitar, como ele
mesmo cantou, que preludiasse ao violão, enquanto “esperava equipado e de
prontidão”. De fato, conforme o memorialista Jota Efegê, que conseguiu ter acesso ao seu prontuário, Dudu foi
mesmo expulso do Corpo de Bombeiros, após prisões sucessivas por não largar o
seu violão. Segundo consta, depois de ingressar em dezembro de 1892, frequentou fardado as rodas de
boêmios e chorões, nas noitadas em plena rua; ridicularizou superiores,
portou-se inconvenientemente em um bonde e fugiu mais de uma vez para tocar
violão. O praça n. 398 parecia não
melhorar de comportamento. Em 19 de
abril de 1893 foi preso mais uma vez por ter sido encontrado fardado,
“tocando violão em uma venda”. Finalmente, a ordem do dia n. 132 de 12 de maio de 1893 determinava a sua exclusão “por
incorrigível e indigna de pertencer às fileiras do Corpo de Bombeiros”.23
Eduardo das Neves devia ter então 19 anos.
Saindo do Corpo de Bombeiros, empregou-se, como guarda-freios, na Estrada de Ferro Central do Brasil. Na letra de “O crioulo”
declarava ter sido “guarda-freio destemido”, mas, depois “daquela grande greve”,
acabou sendo “demitido”. Pela sua própria explicação, havia um “chefe” que o
“trazia sempre na pista”, “não gostava da sua ginga” e apontou-o “como
grevista”. Apesar de não ter encontrado registros dessa “grande greve”, a
pesquisa de Teresa Meade indica que
houve muitas delas na primeira década republicana, principalmente no setor de
serviços públicos, como transportes urbanos e ferroviários. Uma das mais
poderosas uniões de trabalhadores, justificando tais mobilizações, era
exatamente a dos funcionários da Central do Brasil, grande empresa no
transporte do café e pessoas no final do século XIX.24
Após sua “demissão”, Eduardo das Neves finalmente teria
conseguido dedicar-se completamente ao violão e aos espetáculos. Não precisaria
mais conciliar suas atividades de músico com as de trabalhador regular, apesar
de nunca ter conseguido juntar muito dinheiro.
Xisto de Paula Bahia |
Sua apresentação aos palcos teatrais, na última década do
século XIX – no Apolo – teria sido pelas mãos do também artista, identificado
algumas vezes como negro, Xisto Bahia
(1841-1894). Xisto mereceu de Dudu diversas referências em seus livros e
gravações, além da presença constante em seu repertório. Em 1895, Eduardo das
Neves já conhecia Catulo da Paixão
Cearense e o seu primeiro livro pela Quaresma,
O cantor das modinhas brasileiras, havia sido publicado. Um anúncio do Circo-Pavilhão Internacional, armado em Botafogo, em fins de 1897,
demonstrava que o cantor já era um sucesso nos picadeiros: “O primeiro palhaço brasileiro fará as delícias da noite com suas
magníficas canções e lundus acompanhado com seu choroso violão”.25 Logo
depois viriam os livros e os discos com a indústria fonográfica a partir de
1902.
Entre o serviço no Corpo de Bombeiros e o trabalho na
Central, provavelmente, Eduardo das Neves participou da Guarda Nacional, onde ganhou
o título de capitão, pois teria combatido “valentemente”, ao lado de Floriano Peixoto, na Revolta da Armada, no período de setembro de 1893 a março 1894. Pela
fotografia publicada por Jota Efegê em O
Jornal de 3 de julho de 1966, e os comentários
de memorialistas, Das Neves, de vez em quando, ostentava o seu uniforme de
capitão, com muito orgulho, demonstrando conhecer os significados políticos que
tal vestimenta trazia.
Um dos mais ricos informantes de Eduardo das Neves foi, sem
dúvida, Vagalume, Francisco Guimarães (1877–1947).26
Famoso repórter de polícia e cronista de carnaval do Jornal do Brasil, Vagalume
teria conhecido o “Diamante Negro”
(título que conferiu a Dudu) no início do século XX e o teria ajudado a
escrever e revisar algumas letras de canções, como “Pega na chaleira”, segundo suas observações.27 De acordo com
Vagalume, uma das duas maiores aspirações de Eduardo das Neves era ser oficial da
Guarda Nacional. A outra, era ser proprietário de um circo.28 Sem dúvida, pelo
olhar de intelectuais de prestígio, como veremos com João do Rio, essas duas aspirações pareciam pretensiosas demais
para um “crioulo malandro”, na virada do século XIX para o XX: servir à pátria
e tornar-se empresário.
Mas Dudu ainda pode ostentar na vida outras pretensões:
publicou livros e fez um contrato com a Casa Edison, em 1902. A partir daí
passou a fazer parte, até o final da vida, do primeiro grupo de músicos profissionais
dessa importante empresa de venda de
partituras e discos, ao lado de Baiano,
Cadete, Nozinho, Mário Pinheiro e
Geraldo Magalhães.29
Apesar do sucesso, a vida artística não foi fácil. Problemas
financeiros e situações de preconceito racial são registradas pelos
memorialistas e pela imprensa no momento de sua morte. Vagalume assinala que o
seu Circo Brasil lhe trouxe muitos aborrecimentos e enormes sacrifícios, pois o
“sócio espertalhão [...] esperava o momento em que Eduardo estava em cena, para
arrecadar todo o dinheiro entrado na bilheteria”.30 Para confirmar essa
história, o jornalista afirma que um dos maiores juristas do período, o Dr. Evaristo de Moraes, seu grande
amigo, tinha sido testemunha do que aconteceu.31
Para Vagalume, demonstrando partilhar uma identidade negra
com o cantor, Eduardo das Neves havia honrado a “raça” a que se orgulhava de
pertencer. Na sua avaliação, não teria existido plateia, “por mais exigente que
fosse, que não o recebesse com delirantes ovações”, mesmo com o preconceito que
existia contra os artistas que também se destacavam nos circos. Valorizando a
identidade racial de Dudu, é interessante notar que o jornalista Vagalume só
tenha mencionado o possível preconceito da plateia com artistas de circo!
Almirante,
Henrique Domingues (1908-1980), outro importante memorialista
da música popular, é quem relata mais diretamente situações de preconceito
racial sofridas por Dudu. Em 1915, no
Rio Grande do Sul, em uma excursão, Eduardo das Neves teria tido problemas
com o dono de um bilhar, que não queria atendê-lo, presumidamente, por ser
negro. Eduardo, então, teria procurado o delegado de polícia local que obrigou
o proprietário a servi-lo. O cantor, com euforia, jogara a partida até o final.
Depois de pagar a conta, teria bradado um forte ‘viva o Brasil’, “que ecoou no
salão como um veemente grito de protesto”.32
Ainda uma outra vez, e não só no Rio Grande do Sul,
encontrei registros sobre preconceito racial. Quanto foi fundada a Casa dos Artistas, em 24 de agosto de 1918, Eduardo das
Neves, segundo Almirante, logo teria procurado, “com entusiasmo”, ingressar
naquela instituição. Mas sua pretensão teria esbarrado “na má vontade do então
presidente da Casa”. Só conseguiria fazer parte da Casa depois da intervenção
de outras “pessoas sensatas”. No dia em que recebeu o seu diploma de sócio,
teria ficado dominado por uma alegria, quase infantil, procurando mostrar o
diploma a todos os seus íntimos...”.33
Mesmo sem ter conseguido localizar a vitoriosa inscrição de
Eduardo das Neves na referida Casa, depois de muitas tentativas, o obituário do
jornal Correio da Manhã confirmou toda a história, pois salientou que, por ter
trabalhado dois anos antes de sua morte em uma companhia de revista no Teatro São Paulo, havia pleiteado a
admissão como sócio. Entretanto, sem comentar explicitamente os motivos, o
jornal declarava que só havia sido aceito há menos de um mês, em função da
“oposição” – presumidamente por sua cor – que um grupo de associados lhe moveu.
A certidão de óbito de Eduardo das Neves reconheceria definitivamente a sua
reivindicação: a profissão declarada por seu filho, em 10 de novembro de 1919,
dia de sua morte, era a de artista. Das Neves procurou reconhecimento como
artista, e como artista negro.
Apesar das palavras elogiosas em seus livros e nos
obituários dos jornais, e da variedade dos relacionamentos de Eduardo das
Neves, desde músicos populares e capoeiras a prestigiosos intelectuais, como Mello Moraes Filho, Afonso Arinos, Evaristo de Moares e o jovem Heitor
Villa-Lobos, o trovador não era uma unanimidade. Pela leitura dos
memorialistas, fica evidente que Eduardo das Neves participava de um meio
artístico de menor prestígio, pois havia uma nítida estratificação da sociabilidade
e do mercado culturais na cidade do Rio de Janeiro. Eduardo das Neves e seus
amigos violeiros, segundo Luiz Edmundo,
reuniam-se na Livraria Quaresma, e
não na charmosa e poderosa Livraria
Garnier, grande editora de literatura, onde podiam ser encontrados Machado de Assis, João Ribeiro, Duque Estrada
e Mário Pederneiras.
A Livraria Quaresma era uma “casa editora que outrora
explorava, com sucesso e proveito, o pitoresco do folclore nacional”.34 Para
Luiz Edmundo, editava “baixas letras” e tinha como objetivo abrasileirar o
comércio de livros. Lançava discursos, manual dos namorados, dicas para o jogo
do bicho, livros sobre feitiçarias, melhores maneiras de se discursar em tom
elevado, novelas populares e exóticas brochuras, com títulos apavorantes, tais
como Elzira,
a morta virgem, e Maria, a desgraçada. Uma boa parte de sua produção era de modinhas para
trovadores, como as de Dudu. A freguesia dessa livraria, formada por interessados
no gênero, seria bem mais diversificada, pela avaliação do memorialista, já que
composta de negros e brancos.35 Nas memórias preconceituosas de Brito Broca, os sucessos da editora
Quaresma dependiam muito de Dudu, da “inventiva daquele preto de cara
achatada”.36
No meio musical e artístico, apesar do trânsito dos músicos
populares em ambientes requintados, os conflitos em torno da valorização, ou
não, de determinados gêneros musicais e do reconhecimento social dos artistas
não eram pequenos. Existiam palcos variados e hierarquizados, como os
“music-hall”.37
A produção musical
Pelas publicações de
Eduardo das Neves e pelos discos da Casa Edison, hoje guardados no Instituto Moreira Sales, no Rio de
Janeiro, fica evidente que sua produção musical foi grande e variada, destacando-se
lundus, modinhas, serestas, choros, marchas, cançonetas, sambas, valsas,
chulas, cateretês, maxixes e cenas cômicas.38 Trovador, cantor e compositor,
uma das tarefas mais difíceis é determinar o que realmente era de sua autoria
ou o que cantava dos outros, divulgando músicas e letras de diferentes procedências.
Nessa época a questão da autoria estava apenas começando a ser discutida.39
Eduardo das Neves e uma das poucas fotos conhecidas onde ele aparece de corpo inteiro. |
Dudu das Neves percebeu o
problema e brigou pelo reconhecimento de sua autoria em algumas delas.40 Na
avaliação do reconhecido escritor João do Rio, mesmo que em tom pejorativo, o
cantor demonstrava uma “convicção definitiva” sobre o que era de sua autoria,
diferentemente de outros, como o também famoso cantor, Baiano, contratado pela
Casa Edison.41 Aliás, para o jornalista, Dudu era um homem de convicções, como
a que havia exposto em uma canção (certamente a do “crioulo”), quando, depois
de contar intimidades de sua vida, deixou claro que uma senhora estava
loucamente apaixonada pela sua voz. Na visão de Dudu, como vimos, não era
apenas pela sua voz.
O problema da autoria foi
diretamente enfrentado por Eduardo das Neves no Prefácio do livro O trovador da malandragem, onde, mais uma vez,
demonstrou um grande convencimento pelo seu valor e capacidade. Essa postura
o teria motivado a reclamar com o Sr.
Fred Figner, então proprietário da Casa Edison do Rio de Janeiro e representante
da Talking Machine Odeon, depois de
ter ouvido uma composição sua – “O 5 de novembro” – tão adulterada, que
nada se entendia. Ao cantar algumas modinhas em um dos fonógrafos do estabelecimento
comercial de Figner, o empresário o teria contratado para cantar todas as suas
produções nos aparelhos que colocava à venda. Em seguida, deve ter vindo o convite para as gravações.
Com uma linguagem simples e
direta, Eduardo das Neves, no livro O trovador da malandragem, se perguntava por que
motivo não se acreditava na sua autoria de certas composições – choros, ele
menciona – do gosto do público, “cantadas por toda a gente e em toda parte – desde nobres salões, até pelas esquinas,
em horas mortas da noite”.
Foi isso que sucedeu com minhas hoje popularíssimas
modinhas: “O Aumento das passagens”,
“O bombardeiro”, “O 5 de novembro” ou o “Marechal”, “A Guerra de Canudos”, “A
carne fresca”, “O cólera”, “A gargalhada hispano-americana”, “Uma entrevista com Fegoli” e dezenas
de outras modinhas que o Zé do Povo aprecia e canta.
Sim! Por que razão duvidais que sejam minhas, exclusivamente
minhas? Nem tão boas, nem tão notáveis são elas para que não possam ser de
minha lavra.
O muito merecimento que têm (e é por isso que tanto sucesso
fazem) é que eu as faço segundo a oportunidade, à proporção que os fatos vão
ocorrendo, enquanto a coisa é nova e está no domínio público). É o que se chama
bater o malho, enquanto o ferro está quente...
E, no entanto, apesar das minhas pobres composições nada
prestarem, há por aí uns tipos ainda mais ignorantes do que eu, que se
intitulam pais de meus filhos, autores de minhas obras, como se dá com o
“Aumento das passagens”, “O 5 de novembro”, “A gargalhada do Biela”.
Como porém, não entendem do riscado, estropiam tudo
horrorosamente.
Faço essa declaração... para evitar dúvidas...
O seu, a seu dono.
Sinto muito ter que passar-vos este sabonete, mas... chorar
não posso. Não quero que se diga por aí que sou um idiota, um trovador que escreve
e canta cousas sem sentido, modinhas sem pé, nem cabeça.
Essa definição sobre o seu estilo – “bater o malho, enquanto
o ferro está quente” – transforma a produção musical de Eduardo das Neves em
uma espécie de crônica da cidade e do país na época. Se essa característica
talvez explique o desinteresse dos músicos de hoje pela sua obra, por outro
lado confere a ela uma riqueza extraordinária sob o ponto de vista do
historiador. Mais ainda, situa o artista trovador numa forma musical e
artística muito difundida nos meios urbanos, desde o último quarto do século XIX,
os teatros de revista e as revistas do ano, que discutiam os problemas da
cidade, assim como os seus políticos e projetos de modernização.
Mesmo apresentando lundus, muito humor e crítica social,
além das belas mulatas, essa linguagem artística das revistas era comandada por
intelectuais de peso, como Artur Azevedo, por exemplo, e atraía um público
urbano amplo e diversificado.42 Dialogando com esse mundo, inclusive fazendo
parte dele, Eduardo das Neves lhe conferiu novos sentidos e dimensões, pois
também levava para diferentes palcos, picadeiros, rodas de samba, serenatas,
préstitos carnavalescos, outras linguagens musicais e poéticas, assim como
divulgava para amplos setores sociais novos gêneros e estilos, envolvidos, como
ele mesmo afirma, na “oportunidade, à proporção que os fatos vão ocorrendo,
enquanto a coisa é nova e está no domínio público”.
O próprio reconhecimento de que suas canções “não eram tão
boas, nem tão notáveis” nos faz pensar que Dudu tinha a certeza de que não era
um literato de grande estirpe, mas tinha orgulho da produção de um crioulo
“popularíssimo”, capaz de ter público e sucesso próprios. Parecia prezar a
opinião que teriam sobre ele: “não quero que se diga por aí que sou um idiota, um
trovador que escreve e canta cousas sem sentido, modinhas sem pé, nem cabeça”.
Existiriam “tipos ainda mais ignorantes” que andavam se intitulando pais de
seus filhos, ou melhor, autores de suas obras.
É digno de nota que os exemplos escolhidos para afirmar sua
autoria tenham sido títulos ligados a questões políticas nacionais, como “A
Guerra de Canudos”, “O 5 de Novembro”, o “Bombardeiro”, e problemas urbanos
importantes do momento, como “O aumento das passagens”, a “Carne fresca” e o “Cólera”.
Essas escolhas parecem indicar que Dudu tinha indiscutível consciência dos
temas de importância nacional, que poderiam valorizar sua obra. Por outro lado,
suas declarações também revelam uma razoável indignação pelo não reconhecimento
de que um “crioulo” pudesse falar de políticos, eleições, costumes nacionais,
problemas urbanos e política externa, como a “Gargalhada hispano-americana”.
Entender os significados das escolhas do repertório de
Eduardo das Neves não é tarefa fácil. Sem dúvida, em grande parte,
relacionavam-se com as decisões pessoais do artista, como ele mesmo fez questão
de demonstrar. Mas não podemos afastar completamente a influência do próprio
público e dos proprietários dos negócios de livros e discos. Grande parte das
canções publicadas em seus livros, ou gravadas pelo cantor, não possui
indicação de autor ou é considerada como de autoria desconhecida. As escolhas de
Dudu, além das que ele reconhecia como de sua autoria, recaíam sobre canções e
motivos que já circulavam em “domínio público”, como ele mesmo admitia.
Entre os temas das canções publicadas em livros e gravadas
em disco há, pelo que apurei até o momento, mais aproximações do que
diferenças, o que fortalece a ideia de que a indústria fonográfica, nos seus
primeiros tempos, seguia de perto o perfil dos livros e publicações de canções
populares. Destacam-se em ambos os suportes culturais, com vantagem, as canções
que falam de amor. Desfilam, entre centenas de versos, ingratidões, juras,
saudades, romances frustrados e dezenas de musas, alvas e sinhás, francesas e
espanholas, morenas e mulatas.
Temas sociais
também estão bem representados nos dois veículos de divulgação. Em geral, através do humor, ironia e irreverência,
encontramos canções com apreciações
sobre a modernidade urbana (os automóveis, o bonde, uma quermesse, a
passagem de um cometa, uma confusão em um bonde, um clube de regatas); com
narrativas sobre os problemas da cidade
(como as reformas urbanas, o aumento das passagens, a exposição, o malandro, os
paladinos da cidade nova, uma casa de pasto, a vacina obrigatória, a carne
fresca, a vacina e os ratos da peste bubônica, a festa da Penha); com comentários de assuntos políticos
cotidianos (como a lei do selo, o desvio de dinheiro, a reforma da higiene,
os aluguéis, as eleições, o voluntário, os malandros, a capoeira e o “pega na
chaleira” – a clássica bajulação aos políticos diretamente ligada aos costumes
do político gaúcho Pinheiro Machado)
–, e com sátiras a respeito de certos personagens e situações cotidianas (como
um barão, um padre e um bispo; uma romaria, uma casa de pasto, um baile no céu,
um maxixe e os chapéus).
Temas regionais
e folclóricos, em tom mais sério,
muito em voga entre setores intelectualizados no início do século XX, como, por
exemplo, “Canção da cabocla”, “Flor do Norte”, “Gaúcho”, “Pernambuco é
minha terra”, “Cateretê paulista”,
“Luar do Sertão”, “Cabocla do Caxangá”, também despontam nos
dois tipos de produção de Eduardo das Neves. Da mesma forma, há canções com
temas patrióticos e políticos mais amplos, como veremos.
A partir de sua variada produção, privilegiei três temáticas
presentes na obra de Eduardo das Neves articuladas ao trabalho de revisão de
algumas teses muito difundidas sobre o primeiro período republicano: o
patriotismo, as relações raciais e a identidade do homem negro.
Sobre o patriotismo
Em meio a
canções cheias de comicidade, emergem algumas em tom sério e musicalmente
próximas aos hinos oficiais. Nelas
encontramos uma grande valorização e idealização da pátria, dos brasileiros, de
suas regiões, e, em última instância, da própria República, ao menos a que ele
defendia. Assim, localizei versos sobre a revolução
no Paraná, os feitos de Santos Dumont, o naufrágio do Aquidaban e a chegada dos “gigantes do mar” para a
“defesa do nosso Brasil”, como os navios
“Minas Gerais” e “São Paulo”; homenagens poéticas à força dos militares
Floriano Peixoto, Marechal Bittencourt
e Plácido de Castro (defensor do
Acre), assim como à importância do Barão
do Rio Branco. Tornaram-se canções na obra de Eduardo das Neves até mesmo
problemas internacionais, como os conflitos anglo-boer e hispano-americano, e
um apelo para a “Volta à Pátria” do Imperador.
As homenagens aos heróis nacionais dialogam, pelo tom
patriótico e por várias expressões – tais como “guerreiro”, “brado que ecoa”,
“local viril”, “peito que inflama” e “mãe pátria” – com os versos do hino
nacional de Osório Duque Estrada,43
compostos em época próxima às canções patrióticas de Dudu.
Percebe-se nos versos de Dudu a valorização da República e
dos feitos individuais dos filhos da “pátria mãe”. Pelo que indica a obra de
Eduardo das Neves, a atmosfera de patriotismo na recém-proclamada República não estava só nas palavras de eruditos
republicanos, como Estrada. A Pátria era palavra de ordem nas canções populares
da Primeira República.
Com exceção de Santos Dumont, os líderes são homenageados
após a morte. No caso dos militares, os três foram líderes da Guerra do
Paraguai. Eduardo das Neves sabia escolher, nas primeiras décadas republicanas, os heróis a serem cantados: líderes populares,
militares e com grandes feitos. A Guerra
do Paraguai teria sido um grande celeiro dos heróis da nação.44
Marechal Floriano Peixoto |
Na canção denominada “O
Marechal de Ferro”, o subtítulo indica a homenagem à “saudosa memória do
marechal Floriano Peixoto,45 falecido em 29
de junho de 1895.46 Para quem fez parte do apoio militar ao Marechal, Dudu
relembra, com emoção, seus feitos e glórias. Valoriza a força de Alagoas frente à própria Europa, relembra a
traição dos que se levantaram contra o herói e ainda faz referência a um outro
militar, o Marquês de Herval, que também teve destacada atuação na Guerra do
Paraguai. Os versos para Floriano foram publicados no Trovador da malandragem,
mas não foram registrados pela indústria fonográfica.
Quando ele apareceu, altivo e sobranceiro,
Valente como as armas, beijando o pavilhão,
A pátria suspirou, dizendo: Ele é guerreiro,
É marechal de ferro, escudo da nação!
O brado fluminense ecoou por toda a
parte...
Rompem-se os astros nublados; somem-se turvas garoas;
Ele empunhando a espada, qual valente Bonaparte,
Pergunta ao Mundo: – Conhecem-me... Sou filho de Alagoas!
Sim sou filho de Alagoas, esse estado do Brasil,
Que é pequenino, é verdade, mas poderoso e viril;
Jogarei de espada e capa, e hei de mostrar como a Europa.
Não me ganha nem centil.
E avante Brasileiros! Em prol da pátria co’ardor,
A bem de vosso direito, aniquilar o traidor!
Vamos! A Pátria, reclama... Quem seu peito não inflama
Para dar à mãe vigor?
Deusa que o gênio idolatra, pois dela é que ele nasceu
Essa mãe que se diz Pátria, que por ela Herval morreu
Partamos nesse momento! Eu vos darei elemento!
Quem tem o poder sou eu!
Na homenagem ao Marechal Bittencourt, assassinado em 5 de novembro de 1897, a data torna-se o
próprio título da canção, que ainda era publicada na década de 1920.47 Eduardo
das Neves, nos versos que reivindica, com ênfase, como de sua autoria,
expressa, além do pranto e a mágoa de todo o Brasil, o choro do “bravo exército
pelo audaz guerreiro”. Preocupa-se também com o futuro da República após tal
crise.
O minha República
prevê tais perigos!!
Paralisa o braço
de teus inimigos!!
Ó manto sagrado
cobre esse caixão!
Não te mancha o sangue,
que é do nosso irmão.
Venho dar meus pêsames
como brasileiro,
ao valente exército!
ao Brasil inteiro!
A família em prantos
queria os receber
pela nobre vítima,
filha do dever.
Marechal Bittencourt |
O Marechal Bittencourt, destacado militar na Batalha do
Tuiuti, em 1866, havia sido assassinado, em 5 de novembro, num atentado
destinado ao Presidente Prudente de Morais. Sua morte teria mesmo consternado o
país e ameaçado o clima de segurança que se iniciava após os agitados anos do
Marechal Floriano Peixoto. A homenagem de Eduardo das Neves não mencionava uma
das últimas façanhas do então marechal: a derrota de Canudos, em 1897, dois
meses depois de sua chegada ao território baiano. Sem dúvida, não é fácil explicar completamente a lógica de
escolha dos heróis cantados por das Neves. Se a participação na Guerra do
Paraguai parece unir os militares, sua ação política posterior não justificaria
as homenagens. O Marechal Bittencourt, por exemplo, nunca aderiu ao círculo do
Marechal de Ferro, tão estimado por Dudu. Mas seguindo a lógica de valorização
dos acontecimentos do momento, a morte de Bittencourt parece realmente ter tido
grande repercussão. A canção tornou-se um dos maiores sucessos de Dudu, como
indicam seus obituários.
Alberto Santos Dumont |
A homenagem a Santos Dumont é mais justificável, pois foi
recebido como herói por toda a cidade e por vários políticos importantes,
depois de seus feitos na França com um balão dirigível. Para Dudu, Santos
Dumont era a glória maior do século XX! Era um brasileiro, da “terra amada do índio
audaz guerreiro”.48 O Barão do Rio Branco, por sua vez, “grande diplomata
brasileiro”, era o “sentinela do pavilhão brasileiro”; a “pátria amada” chorava
seu luto. Santos Dumont foi publicado em livros e discos. O Barão foi cantado
apenas em discos. Outros heróis pátrios contemporâneos, entretanto, com perfil
político e biográfico próximos, não chegaram a ser cantados e homenageados após
suas mortes, como Joaquim Nabuco e Rui Barbosa, pelo que eu tenha notícia.
Sempre é bom considerar a hipótese de que Eduardo das Neves não estivesse no
Rio de Janeiro em alguns períodos, em função de suas excursões pelo Brasil em
companhias de teatro e circo.
Como entender todas as escolhas de Dudu? Sem dúvida há
limites evidentes na análise de suas canções. Por ora, o que interessa – ou o
que é possível saber – é que um crioulo podia – e queria – posar de patriota e
cantar a República, contribuindo para a divulgação de heróis e de símbolos
nacionais.49 Seus versos patrióticos eram muito vendidos, tanto em livros como
em discos. Sua produção indica que havia um público interessado nessas
temáticas para desespero de certos importantes intelectuais da época, como João
do Rio.
João do Rio |
João do Rio (1881-1921), badalado intelectual da chamada Belle Époque carioca, membro da Academia
Brasileira de Letras, jornalista e cronista sensível da cidade, percebeu e
registrou, numa crônica da revista Kosmos,50 em agosto de 1905, a popularidade dos “poetas das calçadas”.
Sensível cronista, ainda que preconceituoso, o autor reparou que nas “quadras
mancas” viviam o patriotismo, a fé, a pilhéria e o desejo da “populaça”. Dos
“versos falhos, com um milhão de erros de gramática e metrificação”, fazia-se a
“sinfonia da cidade, proteiforme e sentimental”. Para a sorte deste trabalho, João do Rio considerou que a
“musa das ruas” tinha seus preferidos, estetas e críticos. Dentre outros, como
o Geraldo e o já conhecido Catulo da Paixão Cearense, destacava-se
Eduardo das Neves. Na avaliação de João do Rio, entre os poetas das ruas,
Eduardo das Neves era o que havia levado mais longe a sua fantasia. Pelo que
sabia, por testemunho próprio, Das Neves tornara-se membro do “music-hall”,
andava de smoking azul e chapéu de seda e, sobretudo, chegara a publicar um
livro intitulado Trovador da malandragem. E o digno membro da ABL só conhecia um livro! Devia mesmo
ser muita pretensão de um poeta e músico negro das ruas.
Em 1905, a editora que publicara o referido livro – a
Quaresma – também reconhecia que Eduardo das Neves era um “poeta popular, bardo
do povo”, mas não demonstrou o mesmo preconceito de João do Rio a respeito da
avaliação de que o cantor das ruas teria levado muito longe a sua fantasia.
Certamente mais preocupada com a vendagem e ampla circulação da terceira obra
do poeta, Mistérios do violão
(as anteriores foram Cantor de modinhas e Trovador da malandragem), apostava num estupendo sucesso. Nas palavras do editor,
“ninguém lhe pode imitar. Como os
artistas populares de Montmartre, Eduardo se apresenta nos circos de cavalinhos,
nos cafés-cantantes, no Parque Rio Branco em todas as casas de diversão... Suas
canções não eram só tocadas pelos violões dos “cafajestes e do Povo da Lira”,
mas em muitas casas de família, nos aristocráticos salões de Petrópolis,
Botafogo, Laranjeiras, Tijuca etc..., senhoritas distintíssimas, e virtuoses
conhecidos fazem-se ouvir em noites de recepção, nas cançonetas de Eduardo das
Neves”.
Apesar do trânsito em diferentes ambientes, a Editora
Quaresma categoricamente afirmava que o artista era um verdadeiro trovador
popular:
“não será um poeta impecável, um Bilac,
um Medeiros de Albuquerque, um Raimundo Correia, um Luiz Delfino, um Artur
Azevedo, um Murat, um Figueiredo Pimentel, mas é com certeza um poeta, na
legítima acepção do termo, como o público os aprecia, os lê, os decora, e os
traz constantemente na imaginação”.
A estratégia de comparar os “poetas impecáveis” e os poetas
do povo, procurando valorizar as qualidades dos últimos, não estava apenas na
mente do esperto editor Quaresma. João do Rio também estabelecia comparações,
mas em sentido bem diferente. Lamentava que os primeiros não estavam mais conseguindo
agradar, já que não faziam “versos para toda gente”. Os poetas do povo, em
compensação, ao brotarem “na calçada, como cogumelos, tinham uma só preocupação
séria – cantar. Cantavam como as cigarras e o canto dava-lhes “para viver no
eterno verão desta terra abundante”. Quando não havia dinheiro, inventavam
versos para uma música conhecida, mandavam imprimir e vendiam tudo por dois
tostões. Com uma certa dose de inveja, João do Rio reconhecia que ninguém
poderia ficar surpreso com o fato de que imprimiam e esgotavam edições,
milheiros e milheiros de exemplares. Imprimiam como qualquer poeta, mas apenas
eles vendiam. A maioria dos outros poetas (presumidamente os “grandes poetas”)
acabava oferecendo seus poemas gratuitamente aos amigos. João do Rio estava, no
fundo, reconhecendo e criticando a existência de um novo mercado editorial,
muito bem representado pela Editora Quaresma: pujante, mas muito pouco seletivo
em seu público.
João do Rio não perdoava os versos irônicos dos “poetas das
calçadas”. Desqualificava completamente o seu patriotismo. Para o erudito
escritor, os poetas sem nome, diferentemente dos jornalistas, não exibiam a
infâmia dos políticos e as fraquezas dos partidos. “A musa urbana enaltece
sempre os seus homens e quando odeia, oculta o ódio para não o mostrar aos de
fora”. Na avaliação de João do Rio, poetas, como Eduardo das Neves, expunham um
“patriotismo bizarro”, cheio de elogios aos presidentes: o bom Prudente, o bom
Floriano, o bom Campos Sales.51
Sem dúvida, as críticas de João do Rio fazem parte das
disputas políticas e artísticas daquele tempo. Podem conter certa verdade, mas
não toda a verdade. Já dei vários exemplos de canções divulgadas por Dudu que
traziam ásperas críticas aos costumes, aos problemas da cidade e dos políticos.
Nas letras e músicas de Dudu é possível também ouvir as lutas políticas do momento
ou os “Ecos da Política”, como diria Marcelo Magalhães, os ecos do “fazer
política” na cidade do Rio de Janeiro entre o final do século XIX e início do
XX.52 Suas músicas expressavam percepções da vida cotidiana, do direito, da pátria,
do pertencimento ao Brasil, das glórias da República, da cidadania, enfim.
Eduardo das Neves não tinha vergonha de expor um patriotismo tido como
“bizarro”, na preconceituosa avaliação do famoso jornalista João do Rio.
Segundo Vagalume, de uma forma oposta a de João do Rio, “o povo
se habituou a ouvir Eduardo das Neves cantar ao violão os acontecimentos de
maior divulgação, ocorridos no cenário político da nossa Pátria”. Quando a
Marinha de Guerra foi aumentada com os poderosos couraçados São Paulo e Minas
Gerais, “o incomensurável artista” obteve um grande sucesso. Da mesma forma,
quando criticara a Revolta de 6 de setembro de 1893, contra Floriano, ou o
assassinato do grande Marechal Bittencourt.53 Seu estilo de compor, não fazendo
separação entre as cenas, também ajudava esse estilo contador de histórias.
No obituário de Eduardo das Neves, no Correio da Manhã de
12 de novembro de 1919, apesar do reconhecimento de um certa extravagância em
suas letras patriotas sobre o Marechal Bittencout e Santos Dumont, consideradas
as mais vendidas dentre todas, respeitava a popularidade que alcançavam, pois
“passaram logo ao domínio das ruas”.
Eduardo das Neves era na verdade um contador e divulgador
das histórias que todos os dias alimentavam a vida da cidade. Participava das
novidades e das discussões políticas e republicanas de seu tempo através de seus versos publicados pela Editora Quaresma ou
gravados pela Casa Edison. Parecia identificar com desenvoltura o poder e a
abrangência dos novos veículos de comunicação. Se o “5 de novembro” e o
“Marechal de Ferro” não ganharam divulgação em disco, até porque eram fatos que
já tinham ocorrido há algum tempo, Santos Dumont, os novos navios brasileiros e
a homenagem a Rio Branco foram divulgadas em disco pela Casa Edison, mantendo o
estilo e o tom patriótico das canções publicadas nos livros.54
Se eu estiver certa, temos mais uma indicação de que a
indústria fonográfica manteve, ao menos nos primeiros tempos, a lógica da
produção dos poetas de rua, que cantavam em versos os assuntos da ocasião.55 Manteve o estilo que Dudu comentou na introdução
do seu livro Trovador da malandragem: “eu as faço (as modinhas) segundo a oportunidade, à
proporção que os fatos vão ocorrendo, enquanto a coisa é nova e está no domínio
público”.
O “crioulo” Eduardo das Neves soube utilizar esse canal de
expressão, ao mesmo tempo que dele foi resultante (talvez o melhor resultado).
Certamente não estava sozinho. Além da Quaresma e da Casa Edison, os
folcloristas do final do século XIX e início do XX registraram um número
significativo de músicos e cantadores que, representantes de uma prática
cultural popular disseminada por todos os cantos do país, discutiam o cotidiano
através de versos e músicas, nas ruas, festas, circos populares, em edições
simples e até mesmo na indústria fonográfica. A cultura das ruas invadia a
indústria fonográfica com suas temáticas, estilos e pretensões.
De certo, o mundo da política transbordava nas canções
populares e não só no sentido da pilhéria e do tribofe da política e do
cotidiano. As canções valorizaram certos políticos, festejavam a pátria
republicana, com a exaltação de seus heróis e certas datas nacionais, e integravam
as regiões do Brasil por meio do folclore musical. Eduardo das Neves fazia
escolhas políticas e projetava-se como brasileiro e patriota na Primeira
República.56
Sobre a história
das relações raciais e amorosas
O patriota Eduardo das Neves era também um homem negro na jovem
República. Se seus vínculos pessoais com o mundo da escravidão não estão
claros, Dudu fez questão de não esquecer muitas conquistas dos escravos e a
própria luta pela liberdade, em seus livros e discos. Para além dos heróis
nacionais republicanos, para além das canções sobre a cidade, a política e o
cotidiano, Das Neves também contava e cantava, em versos e em música, a
presença e a história dos afrodescendentes. A alforria, as relações amorosas, as
desigualdades raciais e a abolição estão presentes na maioria das vezes com
muita ironia e humor.
Há uma série de sinais na obra de Dudu que também evidenciam
a valorização da presença do negro na formação cultural brasileira, indicando
que nem só de cânones literários, artísticos e musicais europeus teria vivido a
chamada Belle Époque republicana. Nem só visões pessimistas sobre o Brasil e os produtos
da mestiçagem estavam presentes no mercado editorial e cultural na capital da
República.57
Ao acompanharmos suas músicas nas gravações da Casa Edison não
é incomum ouvirmos ao fundo das gravações, em tom alegre e divertido, suas
vivas a crioulos e crioulas, e brincadeiras com os “baianos” ou o “baiano de
guerra”, como costumava chamar seu companheiro de gravações. No final da música
gravada sobre “o preto forro alegre”, quando vão sendo cantadas de uma forma
irônica as diferenças entre brancos e negros, é possível ouvir a expressão: “o
crioulo mal chegou, já tá enrolando o Brasil, hein?”.
Não devemos perder de vista que o estilo cômico e irônico de
Dudu pode ter sido a forma possível e permitida de se falar de identidade negra
e criticar as desigualdades raciais naquele período. Aliás, essa era a sua arte
mais aplaudida. Entretanto, mesmo nas canções sérias e com temáticas
reconhecidas nos jornais como de grande importância, Eduardo das Neves não
escondia sua cor, nem a história dos descendentes de escravos. Tenho alguns
indícios para pensar isso, para além de suas próprias canções. Na publicação
impressa do “hino” a Santos Dumont, a capa da partitura trazia, além da bela e
parisiense Torre Eifel, uma pequena
imagem de Dudu no canto alto esquerdo. Dudu parecia fazer questão de se mostrar
como homem negro, elegante e vistoso.
Capa da música A Conquista do Ar, por Eduardo das Neves, uma homenagem a Santos Dumont, 1902. |
Tenho notícias de que comparecia, ao lado de outros
destacados artistas e homens públicos, às comemorações pela Abolição da
escravidão que aconteciam na cidade do Rio de Janeiro. No Jornal do Brasil de 1908, por
exemplo, noticiava-se a presença de Das Neves, com canções, muitas delas
“aplaudidíssimas”, de seu repertório, nas programações de maio daquele ano.58
Em 1909, a Gazeta de Notícias
registrava que Monteiro Lopes, reconhecido político negro, e Eduardo
das Neves participaram juntos da programação oficiosa dos grandes festejos de
maio. No enterro de José do Patrocínio,
em janeiro de 1905, também
organizado por Monteiro Lopes, Eduardo se apresentara, ao lado de Lopes Trovão, com suas modinhas ao
violão e com uma poesia de Castro Alves
(“Lúcia, a escrava”).59
No mundo musical, podem ser identificadas canções, de
autoria de Dudu ou de seu repertório, que valorizavam as heranças africanas
(como os jongos) e as conquistas dos escravos (as amorosas e a própria liberdade).
Com temas que abordavam as relações raciais e desafiavam as teorias racistas,
que insistiam na inferiorização da população negra e mestiça, encontrei versos
onde são cantadas as alforrias, as relações amorosas com iaiás e morenas, os
encantos da mulata, a faceirice do crioulo, a valorização da cor preta frente
às demais, as espertezas e ironias de Pai
João, assim como um hino popular à própria Abolição.60
Nos livros Mistérios
do violão e Trovador
da malandragem as musas mulatas e morenas despontam em
“Carmem” e “Albertina”.61 “Roda Yáyá”
é outra canção onde a mulata aparece cheia de feitiços e ligada ao diabo,
deixando o cantor, provavelmente o próprio Dudu, “preso e morto”, quase
morrendo de sede. Chamando-se de “turuna”, que significa um homem forte, poderoso
e valente, provavelmente um capoeira, sentencia que “caindo na minha rede, das
malhas [a mulata] não sairá”.62 A tipologia da mulata sedutora, comum nos
lundus mais eruditos, como já discuti em outro trabalho,63 mantém-se como referência
de beleza e sensualidade nas composições de Dudu. Mas, nos versos de sua
autoria, a bela mulata caía mesmo na rede dos convencidos crioulos – e não na
dos senhores brancos.
O orgulho do crioulo torna-se ainda mais desconcertante nos
versos destinados às sinhazinhas. Considerando a hipótese da autoria ser sua, é
significativo que um músico negro pudesse ser representado como podendo dirigir
versos de encantamento a uma sinhazinha. Talvez aí residisse o centro da situação
engraçada: a impossibilidade ou improbabilidade da relação podia produzir o
riso. Ao mesmo tempo, contudo, a inversão sexual e racial da clássica relação
de dominação (homem branco e mulher negra) cantada por Dudu agregava ao riso um
inegável significado político.
Nesse encantamento pela Sinhá, Dudu destacava os seus belos
olhos e o perfume. De tanto amor, pedia-lhe um beijo e chamava-a de “minha
candonguinha”. Em outra canção, “Sempre
chorando”, Dudu faz referência a uma suposta rivalidade entre “branquinhas
e mulatinhas”. Se pensarmos no Dudu das Neves como intérprete ou mesmo autor
destes versos fica reforçada a imagem valorizada do crioulo, já bastante
presente na sua música autobiográfica, balançando (ou se achando capazes de
balançar) o coração das “branquinhas”, e o quanto não descartava o amor das
“mulatinhas”.64 Entre outras coletâneas de lundus e modinhas publicadas, ou
mesmo entre registros de folcloristas do final do século XIX, localizei muitas
canções envolvendo sinhazinhas, embora não fique muito evidente ser negro o
sedutor. As sinhás, presumidamente bem comportadas, parecem ter sido fontes
importantes de inspiração para a canção popular em várias situações e grandes
concorrentes das mulatas como musas da música popular do período.
No repertório gravado em discos por Eduardo das Neves, no
período registrado pela Casa Edison entre 1907 e 1912, a temática do
envolvimento entre negros e a sinhazinha reaparece também em alguns lundus, considerados
pela gravadora de autoria desconhecida. No “Lundu
gostoso”, Das Neves cantava que iria “para a Bahia ver sua sinhá” e “comer
o seu dendê”.65 No lundu “Pai João”,
Eduardo das Neves trazia do passado escravista um figura literária muito
cantada e contada: o preto velho que não fugiu, mas nem por isso perdeu sua
força e audácia. Na canção gravada, Pai João não abria a porta de sua casa, por
ordem de ninguém (nem do delegado, nem do inspetor), já que Caterina, sua
esposa, já estava deitada. O cantor, pelo que ouvimos da gravação, também
parecia rir e se divertir com o verso sobre o “dia de domingo” que, “quando o
senhor” ia “passear”, ficava “tomando conta de sua bela iaiá”.66
Canções em que o protagonista era Pai João (ou algum outro
Pai) não aparecem apenas nas gravações de Dudu, foram registradas por muitos
folcloristas no período do pós-abolição e devem ter circulado em variados
ambientes artísticos e sociais.67 Também engraçadas e irônicas, essas canções
permitem perceber que, mesmo em situações por vezes desfavoráveis (e
ridículas), eram projetados, como num jogo de forças, a extensão do desejo dos
escravos (e também das sinhás?), por um lado, e os limites ao respeito à
autoridade dos senhores e futuros patrões, por outro. A partir desse tipo de verso
é possível propor que poetas como Dudu tematizavam a luta em torno da
redefinição das relações e das identidades raciais no período da Abolição e da
pós-emancipação.
Na canção “Iaiazinha”,
Dudu parece levar mais longe a discussão do poder do homem negro. A solenidade da
música gravada, quase uma declamação, ajuda a dar o tom provocador e
irreverente, com palavras de duplo sentido, para revelar as intimidades entre
um presumido escravo de confiança e sua senhora, através do cafuné. Em seus
versos, Eduardo das Neves deixava evidente que não pretendia esquecer esses
casos. Pelo contrário, parecia querer dar continuidade a essas relações, além
de ajudar a divulgarsuas possibilidades de uma forma bem ampla.
Eu
tenho uma iaiazinha
Que
quando está de maré
Me
chama sempre em segredo
Pra
me dar seu cafuné
Não
sei que jeitinho tem
Por
revirar dos dedinhos...
Ontem
zangou-se toda
Por
me ver cheirando a rapé...
Ficou
deveras com raiva
E
não me deu mais cafuné
Mas
depois passado o momento
Serenado
a raivazinha
Ela
mesmo é quem me deu
O
rapé, uma gaitinha...
Ai
que gaitinha mimosa...
Descobri o melhor meio de ganhar meu cafuné...68
Através de uma direta linguagem sobre as desigualdades
raciais, Eduardo das Neves gravou um dos maiores clássicos da poesia popular do
período das lutas pela Abolição, ao menos pelos registros de vários folcloristas.
Sob a forma de lundu, período em que o gênero só era menos gravado que a
modinha, a canção recebeu o título de “Preto
forro alegre”, cujo nome é “Pai
Francisco”.69 Nesta gravação Eduardo das Neves reuniu versos de diferentes
lundus que fazem parte do que Artur Ramos chamou de “folclore do Pai João”. Sem
dúvida, comparando-se como os versos publicados pelos folcloristas, a versão de
Dudu veiculava críticas e ironias bem mais picantes.
Pelos versos gravados, incluindo as duas últimas frases,
fica evidente o quanto estes lundus podiam falar da situação dos negros, que,
através da música e da sátira, como em outras locais do “Atlântico Negro”, desafiavam
as ideologias, as hierarquias e as desigualdades raciais, reconstruídas depois
da Abolição. Eduardo cantava as alegrias da conquista da alforria e as
diferenças entre negros e brancos. Cantava vivas e “ulhas” à “minha crioula” e
à “minha negra”: “vem cá crioula assanhada”! Entre os versos sérios e solenes,
cantados em “língua de preto”, apresentava alguns em tom galhofeiro e
engraçado, em ritmo de lundu bem rápido:
Quando eu vim da minha terra (estrofe recitada em forma solene)
Não comia qual peru
Chegando na terra de branco
Carne seca com angu
Branco disse que negro fruta (estrofe recitada em forma solene)
Negro fruta com razão
Mas o branco também fruta
Com ar de capitão
Branco disse que não bebe (estrofe recitada em forma solene)
Nem vinho, nem bebe cana
Mas ai vê a garrafinha
Está em baixo da cama
E eu fico (estrofe-refrão cantada em ritmo de lundu)
Como um sarapatalho
Como um gambá
Quando cai em muro errado
O crioulo mal chegou (frase recitada no final da canção)
Já ta enrolando o Brasil, hein?
Na década da Abolição, ao lado de outros gêneros musicais e
teatrais, o lundu, marcou a produção dos versos populares com suas desafiantes
ironias, maliciosas críticas e letras de variados sentidos. Como definiu o
paulista Rossini Tavares de Lima, um
estudioso do lundu na década de 1940, este gênero era a canção satírica por
excelência, “a única que censura ou ridiculariza pessoas, fatos, classes e
demais aspectos da sociedade em que vivemos ou viveram nossos avós”.70 Através
das canções e interpretações de Dudu, esse tipo de lundu estava nos salões, nos
teatros, nas ruas, nos livros e na indústria fonográfica do início do século
XX.
Palavras finais
Afonso
Arinos, em
elegante palestra feita em Petrópolis,
em 26 de março de 1905, no salão do Club dos Diários, e publicada
na revista Kosmos
do mês seguinte,
com o título de “A música popular”
(portanto um pouco antes da publicação de João do Rio já comentada), deu
destaque a Eduardo das Neves. Para um dos mais expressivos intelectuais
brasileiros do período, Das Neves era um “trovador moderno” que, enquanto
houvesse “alma sensível e acordes arrancados ao coração”, continuaria a entoar as
modinhas famosas.71
Como o editor Quaresma, Arinos tinha
Eduardo das Neves em alta consideração. Além de um anônimo “bardo do povo” e um
“moderno trovador”, o cantor era visto como um instrumento de divulgação da
“música democrática das modinhas, dos lundus, dos fandangos e tiranas”. Mais
ainda, para o ilustre escritor, era a “expressão espontânea de gênio de nosso
povo”, formado pelos principais povoadores de nosso solo, o português e o
africano. A “toada brasileira [...] desde o tempo de Gregório de Mattos, no
século XVII [...], já teria mostrado o seu cunho particular: misturava os tons
nostálgicos da musa peninsular com os acentos bárbaros e cheios de desesperança
dos cantares africanos e punha-lhes em cima um sainete todo seu: o langor, o
requebro e os momos da mestiça petulante”.72
Afonso Arinos era um exemplo de
intelectual que, como tantos outros, procurava, já no início do século XX,
despertar nas plateias o “amor pelos cantares brasileiros” para melhor se
conhecer o Brasil.73 Avaliava, muito antes dos chamados
modernistas dos anos de 1920 e dos intelectuais ligados à política cultural do
Estado Novo, que o riquíssimo “tesouro das tradições nacionais” estava à espera
de uma lapidação, evidentemente a cargo de ilustres poetas e compositores.74
Claro, entretanto, que todo essa
valorização das “tradições musicais nacionais” exigiria uma separação entre o
que havia de trigo e de joio – uma espécie de censura – nas “canções triviais”.
Afinal, “no desvario das orgias” poderiam estar acompanhadas de refrões ou
coplas brutais e grosseiras. Para o
autor, se a “musa popular era essencialmente ignorante, não deixava de ser
profundamente genial”. Eduardo das Neves, o “crioulo Dudu”, foi colocado como
peça-chave da campanha de valorização da música popular lançada por Afonso
Arinos.
Entre intelectuais, editores, representantes da indústria
fonográfica, empresários dos divertimentos e muitos artistas populares, as poesias
e as canções populares ocupavam locais cada vez mais amplos e ganhavam novos e
variados significados. Estavam nas ruas e atingiam um grande público. Eram ao
mesmo tempo local de sociabilidade, bom negócio, oportunidade de trabalho,
projeção social e objeto de disputa sobre as definições da nação. Ao lado de
Afonso Arinos, João do Rio, Quaresma, Fred Figner, Catulo da Paixão Cearense e
muitos outros, Eduardo das Neves foi protagonista da história da construção da
música popular no Brasil contemporâneo.
Mas, lhe deu um sentido especial, ao procurar inserir-se,
como homem negro, na Pátria republicana e ao registrar para a posteridade,
através do verso e da música, as experiências e expressões da população negra e
descendente de escravos. Eduardo das Neves, ao lado de outros músicos negros,
representou, com sua trajetória e obra musical, um importante caminho de valorização
dos artistas negros e combate ao racismo na Primeira República. Representou
ainda, de uma forma próxima a de outros músicos dos Estados Unidos e do Caribe,
algumas possibilidades de movimento e atuação política de homens negros no
pós-abolição.
Notas
1 Sobre essas versões ver ABREU,
M. e DANTAS, C. V. Música
popular, folclore e nação no Brasil, 1890-1920. In: CARVALHO, J. M. Nação
e cidadania no Império: novos horizontes. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2007.
2 ASSUNÇÃO,
Matthias R. From Slave to Popular Culture: The formation of Afro-Brazilian Art
Forms in nineteen century Bahia and Rio de Janeiro. Ibero Americana,
III, 12, p. 159-176, 2003. Ver também WADE,
Peter. Music, Race and Nation, Musica Tropical in Colombia. Chicago:
Chicago Press, 2000; MOORE, Robin D.
Nationalizing Blackness.
Afrocubanismo and Artistic
Revolution in Havana, 1920-1940. Pittisburgh: University of Pittisburghe
Press, 1997.
3 GILROY, Paul. O Atlântico Negro, modernidade e dupla consciência. Rio de Janeiro: UCAM/Editora 34, 2001,
p. 189 e 245.
4 DU BOIS, W. E.
B. As
almas da gente negra. Rio de Janeiro: Lacerda Ed., 1999, p. 299 (Tradução de
Heloisa Toller Gomes).
5 Idem,
p. 308.
6 Hebe Mattos desenvolve atualmente pesquisa sobre a
“descoberta” da África por André
Rebouças.
7 Ver, por exemplo, ROBERTS, John W. From Trickster
to Badman, The black folk hero in slavery and freedom, Philadelphia:
University of Pennsylvania Press, 1990; BASCON,
William. African folktales in the New World. Bloomington:
Indiana University Press, 1992; CAPONI,
G. The case for an African American
Aesthetic. In: CAPONI, G. A reader in African American expressive
culture.
Massachusetts: The University of Massachusetts Press, 1999.
8 Ver ABREU, M. Outras
histórias de Pai João: conflitos raciais, protesto escravo e irreverência
sexual na poesia popular, 1880-1950. Afro-Ásia,
n. 31, 2004, p. 235-276. Em pesquisa
recente, ao lado de Hebe Mattos, produzimos um DVD, sobre “Jongos, Calangos e
Folias, música negra, memória e poesia”, onde também os versos ocupam lugar de
destaque na construção da identidade negra. Ver
http://www.historia.uff.br/jongos.
9 Sobre a produção editorial de música nesse período, ver LEME, Mônica. E
saíram à luz as novas polcas, modinhas, lundus e etc.: música popular e
impressão musical no Rio de Janeiro (1820 – 1920). Tese de doutorado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em História Social da UFF. Niterói, 2006.
10 Segundo Franceschi, as letras podiam variar, mas as
melodias eram muito semelhantes nas gravações do início do século. O que mais
importava era o assunto do momento. Quanto mais conhecida a melodia, maiores
eram as chances de sucesso e venda. As publicações musicais em livro também
demonstram que as melodias eram amplamente conhecidas, pois só eram publicadas
as canções com as letras, sem as indicações musicais. Ver FRANCESCHI, Humberto. A Casa Edison e seu tempo. Rio de Janeiro: Sarapuí, 2002, p. 98.
Há poucos estudos sobre as primeiras gravações no Brasil, mas pode ser
destacada a pesquisa de Martha Tupinambá Ulhoa sobre os lundus gravados no
início do século. Ver ULHÔA, M. T. Perdão
Emilia! Transmissão oral e aural na canção popular. In: MATOS, C.;
TRAVASSOS, E.; Medeiros, F. (Org.). Palavra cantada: ensaios sobre poesia, música e voz. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2008, p. 249-267.
11 A indústria do disco no Brasil foi dominada, nos primeiros
tempos, por Fred Figner, proprietário da Casa Edison. Esse empresário tinha
parcerias com firmas do ramo sediadas nos Estados Unidos, Inglaterra e
Alemanha. No início do século XX a maior empresa ligada a Fred Figner era a
Talking Machine Odeon, que também tinha parcerias com empresários de várias
cidades da América Latina. FRANCESCHI, op. cit., p. 94; COWLEY,
John. Carnival, Canboulay and Calypso. Traditions
in the making. New York, Cambridge University Press, 1996.
12 Ainda são poucos os estudos sobre a trajetória de artistas
negros ou mestiços no Brasil, entre o final do século XIX e início do XX, como Anacleto de Medeiros, Xisto Baia e Joaquim Calado. Mas já podem ser destacados, os trabalhos sobre o
ator Vasques (MARZANO, Andrea Barbosa. Cidade em cena: o ator Vasques, o teatro
e o Rio de Janeiro, 1839-1892. Rio de Janeiro: Ed. Folha Seca, 2008), e sobre Patápio Silva (OLIVEIRA, Maurício de Lima. Patápio Silva, o sopro da arte.
Trajetória de um flautista mulato no início do século XX. 2007. Dissertação (Mestrado em
História) – Universidade Federal de Santa Catarina). Sobre Catulo da Paixão
Cearense, destaco duas dissertações de mestrado: FERLIN, Uliana Dias Campos
(Mestrado em História, Unicamp,
2006) e CARVALHO, Marcio G. (Mestrado em História, UFF, 2006).
13 SCULLY,
Pamela e PATTON, Diana. Gender and Slave Emancipation in the Atlantic World. Durham and
London: Duke University, 2005, p.1-34. Ver também CAULFIELD, Sueann. Em defesa da honra. Moralidade, modernidade e nação no Rio de Janeiro (1918-1940). Campinas: Ed. Unicamp, 2000.
14 Esses dados estão na certidão de óbito, localizada no
Arquivo da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro. Entre os memorialistas
há divergências. Jota Efegê afirma que Dudu era paulista e teria nascido em
1871. Baseia-se em informações do prontuário de Eduardo das Neves no Corpo de
Bombeiros. EFEGÊ, J., pseud. de João Ferreira Gomes. Figuras e coisas da música popular brasileira. Rio de Janeiro: Mec/Funarte, 1978, vol. 1, p. 178.
15 Segundo Franceschi, que consultou os arquivos da Casa
Edison, o cantor constava da folha de pagamento dos funcionários da Casa como
um dos três da Seção de Gravação, recebendo Rs 100$000 mensais. Os outros eram
Baiano, com Rs 150$000 e João Baptista Gonzaga com Rs 400$000. Em uma carta do
próprio Eduardo, escrita, em março de 1915, de Pelotas, onde estaria para uma
excursão, o cantor refere-se a Figner como “digno patrão e amigo”. Declarava
ainda estar remetendo a quantia de 500$000 (quinhentos mil réis) para depósito
nas mãos do empresário, produto das economias conseguidas nesta viagem e que se
destinavam a comprar a “casinha”, e a do lado, onde morava em Piedade. Em 1915
Eduardo das Neves ainda não tinha tido recursos suficientes para comprar uma
“casinha”. Outra fonte de renda do autor era a venda das canções para Fred
Figner. FRANCESCHI, op. cit., p.64.
16 Além das referências citadas no texto, as principais
referências sobre a biografia de Eduardo das Neves encontram-se em MARCONDES, Marcos. Enciclopédia
da música brasileira. 2ª ed., São Paulo: Art. Editora, 1998; MAIS, Pedro Luís. Antologia da serenata. Rio de Janeiro: Simões editora, 1957; TINHORÃO, J. R. Circo
brasileiro, local do universal. In: Cultura popular,
temas e questões. São Paulo: Ed. 34, 2001; VASCONCELOS, Ari. Panorama da música popular brasileira. Rio de Janeiro: Martins, 1964.
17 GERSON, Brasil. História
das ruas do Rio. 5a. ed. Rio de Janeiro: Lacerda Ed., 2000, p. 232.
18 FRANCESCHI, op.
cit., p. 67.
19 Esse livro, quase de bolso, possui 96 páginas e anuncia na
capa que os versos foram revistos por Catulo da Paixão Cearense. Catulo
escreveu o Prefácio. Como só localizei esse livro recentemente, adio para uma próxima
oportunidade uma análise mais detalhada.
20 NEVES, Eduardo
das, O
trovador da malandragem. Rio de Janeiro: Livraria Quaresma Editores, 1926, p. 64.
21 MEADE,
Teresa. “Civilizing” Rio, reform and
resistance in a brazilian city, 1889-1930. Pennsylvania:
The Pennsylvania State University Press, 1997, p. 70-74.
22 Em Mistérios do violão, Dudu apresenta outra canção com o título “crioulo faceiro”, agora em homenagem
ao “simpático clow Benjamin de
Oliveira”. Benjamin foi um famoso palhaço negro.
23 Jota Efegê, “O Jornal” de 3 de julho de 1966.
24 MEADE, op. cit., p. 82 e 98.
25 EFEGÊ, Jota. Figuras
e coisas da música popular brasileira.
Rio de Janeiro: Funarte, 1978, p. 178.
26 GUIMARÃES, Francisco (O Vagalume). Na roda de samba. Rio de Janeiro: Funarte, 1978 (publicado em 1933), p. 65-75.
Mesmo que sempre identificado com o lundu, Vagalume conferiu local de destaque
para Eduardo das Neves em um livro fundador da história do samba no Brasil,
publicado em 1933. Preocupado em definir um local “verdadeiro” e mítico do samba,
– “A roda de samba” – o cronista foi enfático em afirmar que o cantor ali
“sempre foi catedrático, desde os tempos de guarda-freio e daqueles bambas,
daqueles que se garantiam e cujas pernas eram respeitadas numa batucada”. É
importante registrar que Vagalume faz parte de uma primeira geração de
memorialistas que estava preocupada em construir as raízes do samba. Nessa
operação, os memorialistas escolhiam os precursores e disputavam versões sobre
a “verdadeira” origem do samba. Ver NAPOLITANO,
M. e WASSERMAN, M. C. Desde
que o samba é samba: a questão das origens no debate historiográfico sobre a
música popular brasileira. Revista
Brasileira de História, São Paulo: v.
20, n. 39, p. 167-189, 2000. Apesar da “lembrança” de Vagalume, Eduardo das
Neves foi em grande parte esquecido pelas histórias da música popular. Não pretendo
aprofundar essa discussão no momento, mas disputas entre o lundu (gênero de Dudu)
e o samba, ou disputas em torno da construção da autoria podem, num primeiro
momento, ajudar a pensar esses esquecimentos.
27 No carnaval de 1917, em 21 de fevereiro, quando Vagalume trabalhava
na redação, o Jornal do Brasil registra a visita de Eduardo das Neves com o Bloco da Casa
Edison. Na despedida, versejava: “Com este punho na mão, me sinto forte e
viril! Erguendo uma saudação, ao Jornal
do Brasil. Amigos, por estar cantando, não
fiques com ciúme. Aqui venho para saudar, ao Jornal e ao Vagalume”. Ver Jota
Efegê, O
Jornal, 28 de novembro de 1963.
As visitas de blocos e cordões aos jornais, em busca de legitimidade, eram
muito comuns na época do carnaval (CUNHA,
Clementina P. Ecos da folia, uma história social do
carnaval carioca (1890-1920). São Paulo: Cia das Letras, 2001).
28 Idem,
p. 73.
29 Franceschi reproduziu um cartão de visitas de Eduardo das
Neves: “Cantor oficial da casa Edison, Rio de Janeiro. Aceita contratos para
teatros, parques, cinemas, cafés concertos, bares etc. Guarda-roupa a caráter”.
FRANCESCHI, op. cit., p. 66.
30 GUIMARÃES (O Vagalume), op.
cit., p. 73, (publicado em 1933).
31 A possível amizade com o famoso criminalista Evaristo de
Moraes, apesar das evidentes diferenças entre eles, reforça a perspectiva que
defendo sobre as preocupações de Dudu com as lutas contra o racismo na Primeira
República. Na biografia de Evaristo de Moraes, Joseli Mendonça aponta para a
atuação de Moraes na mesma direção. MENDONÇA,
J. M. N. Evaristo de Moraes, Tribuno da República. Campinas: Ed. Unicamp. 2007, parte II.
32 Arquivo Almirante, Museu da Imagem e do Som, 1965, Pasta
Eduardo das Neves.
33 Idem.
34 EDMUNDO, Luiz. De um livro de Memórias, Rio de Janeiro: Departamento de
Imprensa Nacional, 1958, p. 644. Ver também BESSONE, Tânia. Palácio dos destinos cruzados: bibliotecas, homens e livros
no Rio de Janeiro, 1870-1920. Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, 1997; AL FAR, Alessandra. Páginas de sensação: Literatura popular e pornográfica no Rio
de Janeiro (1870-1924). 1a
ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
35 EDMUNDO, op.
cit., p. 733-735.
36 BROCA, Brito. A
vida literária no Brasil, 1900.
Rio de Janeiro: José Olympio, 1976. Segundo Brito Broca, a editora havia sido
fundada por Pedro da Silva Quaresma, que se dedicou a publicar livros amenos,
de interesse prático e ao alcance de qualquer um. As brochuras eram vendidas
por preços módicos. Para Broca, escritores de terceira categoria lhe forneciam
o material. Suas publicações espalharam-se por todo o Brasil, nos sertões da
Bahia e Minas Gerais.
37 EDMUNDO, op.
cit., p. 407.
38 As gravações da Casa Edison podem ser acessadas on-line pelo site do Instituto Moreira Sales. Fazem parte dos Acervos José Ramos Tinhorão e Humberto Franceschi.
39 A Casa Edison comprava as canções de cada compositor e
poderia dispor delas como bem entendesse.
40 Nas suas publicações, algumas vezes assume a autoria das
canções. Outras vezes, sem declarar o autor, apenas comenta ser de seu
repertório. Nas gravações da Casa Edison, a maior parte das canções cantadas
por Eduardo das Neves está sem autoria. Localizei 165 canções gravadas por
Eduardo das Neves no arquivo musical do Instituto Moreira Sales.
41 RIO, João do. A
alma encantadora das ruas.
Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, Dep. Geral de Documentação e
Informação Cultural, 1987, p. 173-186.
42 Sobre o teatro de revistas, ver, dentre outros, GOMES, Tiago de M. Um
espelho no palco, identidades sociais e massificação da cultura no teatro de
revista dos anos 1920. Campinas: Ed. Unicamp, 2004.
43 MORAIS, Renata Figueiredo. Os 13 de maio: A abolição na escrita de
Duque Estrada. Dissertação
de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Social da
Universidade Federal Fluminense. Niterói, 2007.
44 José Murilo já defendeu essa ideia no livro Cidadania no
Brasil, ao comentar que a Guerra havia trazido um esboço de sentimento de
identidade nacional. CARVALHO, J. M.
Cidadania
no Brasil, o longo caminho. 8a ed., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006, p. 38.
45 NEVES, Trovador, op. cit., p. 33.
46 Não é meu objetivo aprofundar as já longas discussões
historiográficas sobre os significados do governo de Floriano, apenas registrar
a sua popularidade. De acordo com o memorialista Luiz Edmundo, que também era
um admirador, havia um certo fanatismo popular por Floriano (o Perfeito, o
Prodigioso, Insubstituível). Na sua morte, um terço ou mais da população da
cidade teria comparecido ao funeral. EDMUNDO,
Luiz. De
um livro de memórias. Vol 2. Rio de Janeiro: Dep. Imprensa Nacional, 1958, p.
353-407.
47 Trovador popular moderno, extraordinária e completa coleção
de modinhas brasileiras, do repertório dos aplaudidos trovadores Eduardo das
Neves e Baiano e outros conhecidos artistas. 16ª Edição, São Paulo: C. Teixeira e cia., 1926, p. 31 e
32.
48 Essa canção foi analisada de uma forma mais detalhada em ABREU, M. e MARZANO, A. Entre palcos e
músicas, caminhos da cidadania no início da República. In: CARVALHO, J. M.
e NEVES, L. M. B. P. (Org.). Repensando o Brasil dos oitocentos. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2008.
49 A análise do repertório de Eduardo das Neves contribui
efetivamente, ao lado de outras pesquisas próximas, para a revisão da ideia de
uma República Velha no Brasil. Seu patriotismo cantado em versos talvez possa
ser apontado como um forte motivo para ele ter sido esquecido a partir de 1930.
Para uma discussão sobre as memórias construídas sobre a Primeira República,
ver GOMES, Ângela de Castro e ABREU, M. Apresentação do Dossiê “A nova ‘velha’ República”. Revista Tempo, vol.
13, N. 26, 2009, p. 11-24.
50 Essa crônica também foi publicada, em 1908, no livro de RIO, João do. A
alma encantadora das ruas.
Rio de Janeiro: Secretaria
Municipal de Cultura, Dep. Geral de Documentação e
Informação Cultural, 1987, p. 173-186.
51 Evidentemente, esse patriotismo “bizarro” estava presente
também entre os setores eruditos. Como exemplo, ver os inúmeros poemas
publicados por PINHEIRO, XAVIER (Org.), A
Música Cívica, Antologia brasileira destinada às escolas primárias da
República. Rio
de Janeiro: Livraria Editora de Leite Ribeiro & Maurillo, 1920 (664
páginas). Sobre Floriano Peixoto, por
exemplo, são registradas 35 homenagens em poesia. Os versos de Eduardo das
Neves não foram citados. Agradeço a
Marcos Luiz Bretas pela indicação desse livro.
52 MAGALHÃES,
Marcelo. Ecos da Política: A capital federal, 1892-1902. Tese de Doutorado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em História Social da UFF. Niterói, 2004.
53 GUIMARÃES (O Vagalume), op.
cit. p. 70 (publicado em 1933).
54 Deve-se observar que o número de canções gravadas que tinham
sido publicadas em livro é pequeno. Não é ainda possível explicar completamente
essa constatação. Sem dúvida, pode-se levar em consideração que quando a
indústria fonográfica se expande, na primeira década do século XX, os versos
teriam que ter outras temáticas, pois as canções publicadas no final do século
XIX se referiam a assuntos que, em grande parte, já tinham passado.
55 A circulação de linguagens e temáticas populares na grande
imprensa, entre o final do século XIX e início do XX, foi mostrada por HALL, Stuart. Da
diáspora. identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Editora da UFMG; Brasília: Representação da
UNESCO no Brasil, 2003, p. 247-264.
56 Ver ABREU M. e MARZANO, A. op.
cit.
57 Sobre essa perspectiva ver ABREU, M. e DANTAS, C. V. op. cit.
58 Agradeço a Renata Moraes essas indicações do Jornal do Brasil dos
dias 13 e 15 de maio de 1909.
59 Agradeço a Carolina Vianna Dantas, que desenvolve trabalho
sobre Manoel da Motta Monteiro Lopes, essas indicações.
60 Para uma análise desse hino da Abolição, a Canoa Virada, ver
ABREU E MARZANO, op. cit., p. 143-145.
61 NEVES, “Mistérios”, op.
cit., p. 46 e 47, e “O trovador”, op. cit., p.
33.
62 Neves , “Mistérios”, op.
cit., p. 28. Logo abaixo do título da
canção o autor escreveu: “resposta à cançoneta Roda Yôyô”.
63 ABREU, M. “Sobre mulatas orgulhosas e crioulos atrevidos”:
conflitos raciais, gênero e nação nas canções populares (Sudeste do Brasil,
1890-1920). Revista Tempo, vol 8, n. 16, p. 143-173.
64 NEVES, Mistérios, op. cit., p. 57e 58.
65 Lundu Gostoso, Odeon, 108673, 1907-1912.
66 Pai João, Odeon, 108075, 1907-1912.
67 ABREU, M. Outras histórias, op. cit., p. 235-276.
68 Iaiazinha, Odeon, 108074, 1907-1912. Versos muito próximos
aos gravados por Eduardo das Neves, envolvendo os cafunés de iaiá, foram
citados por Gilberto Freyre, a partir de referência de Pereira da Costa, com o
seguinte comentário: “às vezes a iaiá branca catava os piolhos da mucama e do
malungo”. Ver FREYRE, Gilberto, Sobrados
e mucamos, 2o tomo, Rio de Janeiro, José Olympio
ed., 1985 (7a ed.), p. 467.
69 “Preto forro alegre”, Odeon, no 120351, 1912-1913. No
índice do acervo do Instituto Moreira Sales a autoria é atribuída a Das Neves,
mas a canção é reconhecidamente de domínio público.
70 LIMA, Rossini Tavares, Da conceituação do Lundu. São Paulo: s/ed. 1953, p. 7.
71 Kosmos,
ano 2, no 4, abril de 1905, p. 5.
72 Idem,
p. 2 e 3.
73 Ver, por exemplo, Mello Moraes Filho, Silvio Romero,
Leonardo Motta, Alexina de Magalhães, dentre outros.
74 Kosmos,
ano 2, no 4, abril de 1905, p. 4.
Fonte: Revista Topoi, v. 11, n. 20, 2010, p. 92-113.
LINKS:
A conquista do ar - Eduardo das Neves (1902)
Bolim Bolacho - Eduardo das Neves (1908)
Ó Minas Gerais - Eduardo das Neves (1912)
O meu boi morreu - Eduardo das Neves e Bahiano (1916)
LINKS:
A conquista do ar - Eduardo das Neves (1902)
Bolim Bolacho - Eduardo das Neves (1908)
Ó Minas Gerais - Eduardo das Neves (1912)
O meu boi morreu - Eduardo das Neves e Bahiano (1916)
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