Entre a Idade Média e a Idade Moderna existiu no sul do continente africano, um vasto e próspero império chamado Monomotapa. Por mais de três séculos seus soberanos foram senhores de muitas terras e minas, as quais representaram a fonte da sua grande riqueza, pois seus reis dominavam um número considerável de minas de ouro, as quais atraíam comerciantes de vários cantos do continente e até mesmo passou a interessar povos estrangeiros como os árabes e os portugueses.
Embora tenha sido um império rico e poderoso, sua história ainda é pouca conhecida devido a falta de fontes históricas, pois mesmo as fontes arqueológicas não nos fornecem detalhes os quais apenas fontes escritas podem fornecer. Além disso muito dos dados que dispomos sobre esse reino advieram dos relatos portugueses do século XVI e XVII, os quais abarcam os últimos séculos de um reino que surgiu ainda na Idade Média.
Sendo assim, devido a escassez de material para se falar sobre esse reino africano, o texto a seguir não pôde ser mais detalhado em alguns aspectos, além do fato de haver poucas imagens sobre este império e seu povo, daí a escassez destas ao longo do texto.
Localização e origens:
Embora tenha sido um império rico e poderoso, sua história ainda é pouca conhecida devido a falta de fontes históricas, pois mesmo as fontes arqueológicas não nos fornecem detalhes os quais apenas fontes escritas podem fornecer. Além disso muito dos dados que dispomos sobre esse reino advieram dos relatos portugueses do século XVI e XVII, os quais abarcam os últimos séculos de um reino que surgiu ainda na Idade Média.
Sendo assim, devido a escassez de material para se falar sobre esse reino africano, o texto a seguir não pôde ser mais detalhado em alguns aspectos, além do fato de haver poucas imagens sobre este império e seu povo, daí a escassez destas ao longo do texto.
Localização e origens:
O Império Monomotapa ao longo de sua história variou suas fronteiras, no entanto grande parte de suas terras correspondiam ao planalto rodesiano, hoje situado no Zimbábue, não sendo a toa que o Zimbábue era antigamente chamado de Rodésia. Mas além do território zimbabuano, o Império Monomotapa se estendia em direção ao leste adentrado as terras que hoje são Moçambique, mas também englobava parte dos atuais territórios da Zâmbia e do Malavi (NIANE, 2010, p. 11). Ao norte o império tinha como principal fronteira o rio Zambeze, e ao sul, era o rio Limpopo.
“As chuvas são de verão e de
acentuado caráter tropical. O mapa pluviométrico apresenta, hoje, a seguinte
distribuição: 500 a 1.000 mm nos sertões, e de 1.000 a 1.500 nas regiões da
costa
hidrografia é representada pelos rios Zambeze, Limpo-po,
Revué e Save, que descem das altas mesetas de Matabelé em direção ao Indico,
quase em forma retilínea. Numerosos tributários engrossam essas três vias fluviais
que regam as terras do Monomotapa, cuja paisagem vegetal é dominada pela savana
tropical e pela estepe arbustiva”. (DIAS, 1957, p. 110-111).
“Pelo final do primeiro milênio da era cristã, os povos cujo desenvolvimento os situava na Idade do Ferro ocupavam a maior parte da região de savanas arborizadas que se situa entre os rios Zambeze e Limpopo, chegando ate o oceano Índico, a leste, e cobrindo, ao norte do Zambeze, os atuais territórios da Zâmbia e do Malavi. Descendentes de grupos de caçadores do fim do Neolítico ainda viviam em bolsões mais remotos da savana arborizada, entrando esporadicamente em contato com seus vizinhos agricultores e morando em abrigos nos rochedos ou pequenos acampamentos a céu aberto, nos quais foram encontradas ferramentas por eles utilizadas, ao lado de cerâmica da Idade do Ferro”. (FAGAN, 2010, P. 591).
“Outros povos que
praticavam a caça e a coleta, ancestrais dos grupos san de nossos dias, também
ocupavam boa parte da região do Kalahari, ao sul e ao oeste das savanas
arborizadas, território este que conservaram ate tempos mais recentes. Os povos
da Idade do Ferro, nessa vasta zona do sul da África central, eram em sua maior
parte camponeses que se dedicavam a uma agricultura de subsistência; sua produção
de alimentos concentrava‑
se
na criação de animais de porte grande e pequeno e no cultivo de cereais como o
sorgo e o milhete. A caca e a coleta representavam importante papel na sua
atividade econômica; as únicas formas de agricultura que eles praticavam era a
itinerante, e dependia da cuidadosa seleção do tipo de terra adequada”. (FAGAN,
2010, p. 591-593)
A região que um dia viria a ser o Império Monomotapa já era habitada por vários povos ao longo de milênios, neste caso, não é fácil precisar em que época o império começou a surgir, no entanto, os historiadores apontam que uma ou algumas tribos do povo Shona ou Xona, povo de língua banta, teriam sido os responsáveis por fundar esse império. Por volta dos séculos X e XI, tribos dos Shona advindas do sul, da região do rio Limpopo, migraram para o norte, se estabelecendo em distintos locais do que hoje é o território do Zimbábue. Entre estes locais estavam as margens do rio Lundi. A partir desse núcleo anos depois surgiria a cidade do Grande Zimbábue (MATOS, 2009, p. 47).
Todavia, algumas dessas tribos que se espalharam por outras terras indo em direção ao rio Zambeze, foram responsáveis por originar o reino, mas a data que ele começou ainda não é unânime. Niane (2010, p. 11) aponta que o império teria surgido ainda no século XI alcançando seu apogeu entre os séculos XIII e XIV; mas outros historiadores apontam que o império somente surgiu no século XV, antes disso ele era um pequeno reino que fazia fronteira com o Estado do Grande Zimbábue. Isso gera outra confusão, pois o Grande Zimbábue é anterior ao Monomotapa, chegando ao fato de que ambos os Estados coexistiram por décadas até que em determinado momento o Monomotapa conquistou o Grande Zimbábue. Sobre isso, voltarei a falar adiante.
O povo Shona nos dias de hoje. Credita-se que os Shona teriam sido os responsáveis por fundar o Monomotapa por volta do século XI ou XII, talvez depois. |
“O
relêvo do Monomotapa é acidentado. Os sertões da dourada Sofala acham-se
dominados pelas altas mesetas de Matabelé — topografia de transição entre as
atuais mesetas "boers" do sul e as mesetas tropicais do norte. A
enorme espinha dorsal de Matabele, que domina as terras compreendidas entre o
Zambeze e o Limpopo, é constituída por uma resistente massa cristalina que se
orienta de sudoeste para nordeste, entre 1.200 e 1.700 metros, cujas
extremidades estão hoje indicadas pelas cidades de Salisbury e Bulavayo. Para
o oriente, a meseta se apoia num majestoso maciço integrado pelas altiplanícies
de Manica e do Inyanga, as quais culminam a 2.700 metros, dominando em forma de
acantilados os terrenos que limitam as atuais planícies de Moçambique. No
interior o subsolo da região é arcaico, onde dominam os granitos e gneis, os
quais, por sua grande resistência, originaram os relevos cristalinos. Neles se
encontram as cuarcitas auríferas, cujos filões constituíram a atrativa riqueza
do Monomotapa. Na costa encontram-se as conhecidas areias quaternária”. (DIAS,
1957, p. 110).
“Pelo
final do século XII e começo do XIII, contudo, como a população aumentasse,
iniciou‑se
o cultivo das terras mais férteis, porém de conformação mais difícil para a
lavoura, que se encontram no cinturão aurífero de Matabelelândia. Fundaram‑se, então, aldeias
que foram ocupadas por muito mais tempo, mudança que pode haver coincidido com
o começo da lavra e do trabalho do ouro, porque os mais antigos objetos neste
metal descobertos ao sul do rio Zambeze datariam mais ou menos do século XII.
Alguns desses sítios de Leopard’s Kopje, como o de Bambandyanalo, no vale do
Limpopo, eram de tamanho considerável, desenvolvendo‑se, também, a volta
de um curral. [...]. Além disso, um
grupo de cabanas maiores que as demais foi erguido no terraço mais alto; elas
eram muito sólidas, e, provavelmente, destinavam‑se a personagens
que gozassem de posição privilegiada em sua sociedade, fato que marca
significativo contraste com as culturas mais antigas, nas quais não se vê
qualquer vestígio de hierarquia ou diferenciação social”. (FAGAN, 2010, p.
597-598).
A medida que a exploração mineira, o desenvolvimento da metalurgia e a ampliação do comércio com regiões mais distantes foi crescendo, algumas famílias começaram a enriquecer e se tornar poderosas na região, passando a deter grandes propriedades rurais, minas e o controle de rotas comerciais. E uma destas famílias em dado momento passou a utilizar o termo Mwene Mutapa, termo que foi aportuguesado para Monomotapa, que significa "senhor das minas" (AZIZ, 1977, p. 317).
A região era rica em minas de ouro, cobre e ferro, o que possibilitou que em poucas décadas o Monomotapa tornasse se um Estado rico e poderoso. Tal ponto é tão evidente que o rei era chamado de Mwene Mutapa, pois referia-se claramente a essa autoridade que ele possuía em controlar uma vasta quantidade de minas, as quais teriam chegando a um valor entre 60 a 70 mil minas (NIANE, 2010, p. 11) um número assombroso caso os dados estejam certo.
Mas embora não tenhamos como precisar quantas toneladas de ferro, cobre e ouro foram extraídas daquelas minas, sabemos que mercadores de vários locais da África iam ali negociar estes metais, além do fato de que a cidade de Sofala, hoje no território de Moçambique, era um dos portos pelos quais tais metais escoavam-se para outras cidades-Estados na costa leste africana como Moçambique, Quilame, Zanzibar e Quiloa, e até mesmo era transportado para as Arábias e a Índia, além de que foi em Sofala que os portugueses tomaram conhecimento das vastas minas do Monomotapa.
Subsistência e economia:
Os portugueses tomam conhecimento do Monomotapa:
No ano de 1494 um navio português naufragou na costa de Sofala. Quatro anos depois Vasco da Gama em sua expedição para chegar as Índias, passava diante de Sofala. Todavia, anos depois em 1505, o rei Yusuf de Sofala autorizava os portugueses a fundarem uma feitoria em suas terras. Em 1506 a feitoria foi concluída e naquela época, os mercadores lusitanos começaram a tomar conhecimento acerca da fonte do ouro que era comercializado na cidade. Os habitantes de Sofala diziam que o precioso metal vinha do interior, vinha do "reino das minas de ouro", o Monomotapa (SERRÃO, 1994, p. 259-260).
Após fixar feitoria em Sofala, os portugueses ergueram outras feitoria na ilha de Moçambique, assim, ambas as cidades se tornaram pontos de apoio para a Viagem as Índias, como também tornaram-se mercadores fornecedores, neste caso, os portugueses tinham principalmente interesse no ouro, prata e marfim. Posteriormente, os escravos também fariam parte dos negócios lusitanos. De qualquer forma, os portugueses passaram a ter maior conhecimento sobre as minas de ouro do Monomotapa, ao mesmo também passaram a estarem ciente da política econômica da região, a qual volta e meia entrava em conflito devido a luta dos cafres com os régulos, termos usados para se referir aos governantes vassalos do Monomotapa.
Mas embora não tenhamos como precisar quantas toneladas de ferro, cobre e ouro foram extraídas daquelas minas, sabemos que mercadores de vários locais da África iam ali negociar estes metais, além do fato de que a cidade de Sofala, hoje no território de Moçambique, era um dos portos pelos quais tais metais escoavam-se para outras cidades-Estados na costa leste africana como Moçambique, Quilame, Zanzibar e Quiloa, e até mesmo era transportado para as Arábias e a Índia, além de que foi em Sofala que os portugueses tomaram conhecimento das vastas minas do Monomotapa.
Subsistência e economia:
“As grandes vias fluviais, entretanto,
particularmente o Zambeze e alguns dos seus tributários, graças às suas
espécies piscatórias, alimentavam boa parte das populações bantas da costa e
dos-sertões. Apesar da caça, da pesca e da mineração, o grande gênero de vida
era a prática agrícola associada ao pastoreio. A maior parte das tribos fundam
a sua principal riqueza no cultivo da terra e na criação de gado vacum e
caprino. Por isso é que os bantus. são semi-nômades, associando ao pastoreio o
sedentarismo das práticas agrícola". (DIAS, 1954, p. 111).
Nas terras baixas ou nos platôs o gado vacum era criado, mas nas regiões onde o terreno era mais irregular, predominava a criação de caprinos, neste caso, cabras e bodes. Além da carne bovina e caprina, os habitantes do Monomotapa também criavam muitas galinhas, as quais eram usadas também no escambo (trocas comerciais), como também consumiam carne de peixe e de caça.
De acordo com alguns cronistas portugueses o solo era fértil tanto no litoral quanto no interior, o que permitia o cultivo de milhete, cana de açúcar, trigo, variedades de legumes e de árvores frutíferas. O cronista Manuel César Pereira relata que havia abundância de pomares e hortas nos arredores da cidade de Sofala, na costa. Nestes pomares abundavam figueiras e romeiras, árvores levadas pelos árabes para lá (DIAS, 1954, p. 112).
“Frei João dos Santos, na sua
mencionada crônica, também faz menção à fertilidade da terra que êle
visitou nos primeiros anos do século XVII. O abnegado missionário encontrou em
Sofala e nos seus arredores extensas hortas e pomares. O que mais o maravilhou
foram as figueiras carregadas de figos prêtos durante todo o ano. Refere-se às
parreiras que davam uvas duas vêzes por ano — em janeiro e em junho. As
laranjeiras, romeiras, limeiras, manjaricões, jasmins com flores brancas,
ananazes, coqueiros e canaviais que se estendiam ao longo dos rios, despertaram
a atenção do cronista que menciona, ainda, a riqueza da terra em milho, arroz,
batatas, feijões e gergelim que aproveitavam para fazer azeite. Valoriza
igualmente o óleo de coco com que os cafres curavam as feridas, "o qual
arde melhor e dá mais lume que o de oliveira". (DIAS, 1954, p. 112).
Pelo fato de alguns rios serem piscosos, ou seja, abundavam em peixes, isso os tornava uma importante fonte de alimento para as populações rurais e ribeirinhas, além do fato de que tais rios eram rotas fluviais para a locomoção e o comércio. Os cronistas portugueses como o frei João dos Santos apontaram a importância destes rios para conectar o vasto império.
As Cataratas Vitória no rio Zambeze. |
Mas além dos gêneros alimentícios provenientes do cultivo da terra, da caça, da pesca e da criação de gado, a economia também baseava-se no comércio de marfim de elefantes e rinocerontes, peles de leões e leopardos, âmbar de árvore; comércio de tecidos o qual seguia um duplo caminho: no império se cultivava algodão em abundância, pois grande parte da população usava roupas de algodão, e o excedente era vendido para outros povos e até mesmo exportado. Neste caso exportava-se o algodão grosseiro, o qual seria processado ou utilizado para fazer "panos", como se dizia na época. Por outro lado, a elite do Monomotapa apreciava os tecidos finos, assim, mercadores árabes traziam linho, seda, brocado, mussalina, damasco, etc.
Por outro lado, embora se cultivasse cana de açúcar, os cronistas portugueses como frei João dos Santos e Manuel César Pereira, apontaram que eles não fabricavam açúcar, apenas consumiam o sumo da cana (DIAS, 1954, p. 113).
Chegando aos minerais, estes foram o grande quinhão da economia Monomotapa. Embora houvesse abundância em cobra, ferro e prata, era o ouro que atraía a atenção dos estrangeiros, pois é preciso salientar que nem todos os povos viam a cobiça da mesma forma, logo, por mais que o imperador fosse o "senhor das minas", não significava que ele morasse num palácio dourado como visto nas lendas, o povo do Monomotapa tinha apreço pelo metal dourado, mas não tanto como os portugueses, árabes e indianos, os quais foram por vários anos os principais compradores de ouro do Monomotapa.
“Em tôdas as terras do império
havia ouro. As áreas dos mais ricos depósitos auríferos circunscreviam-se,
entretanto, a uma vasta região geográfica representada pelas manchas geológicas
situadas nas vizinhanças dos reinos de Butua, Mazói, Manica, Quitava, Mozimba,
Botonga, Batougua e Barué. As minas mais
próximas de Sofala eram as de
Manica — ficavam a 50 léguas
da costa. As de Boro e Quitecuy, a 100 e 200 léguas de Sofala, eram as mais afastadas. Pertenceriam
ao régulo de Butua. As regiões auríferas de Manica, que os portuguêses e mouros
alcançavam, aproveitando-se dos trechos navegáveis dos rios Sa-ve, Zambeze,
Buzi e do seu afluente Revué, estavam cercadas de montanhas. O ouro minerado em Manica
pelos cafres era em pó. Nas comarcas de Boro e Quitecuy, o ouro era mais grosso,
aparecendo em ricos veios de rochas. Geralmente era minerado durante o inverno.
Mas ali havia ainda preciosos aluviões que no verão eram recolhidos dos leitos
dos rios e em cuja lama se encontrava escondido o precioso metal amarelo”. (DIAS,
1954, p. 113).
Organização administrativa e social:
Pouco se conhece acerca da organização administrativa do Monomotapa. Embora o imperador fosse o soberano absoluto de todas aquelas terras, suas riquezas e suas gentes, a administração era descentralizada.
“O rei dispõe de um
conselho cujos membros vivem de seus benefícios, ocupando o reino território bastante
extenso; no entanto cada clã conserva sua estrutura fundiária e seus ritos particulares.
Fato importante e o compromisso
de fidelidade ao
rei, que se traduz pelo pagamento de um imposto, frequentemente em gênero.
Chefe politico, o rei mantem, normalmente, os atributos religiosos do chefe de clã;
sua pessoa e sagrada.
Esse
caráter sagrado manifesta‑se nitidamente no
caso do rei do Congo, do soberano do Monomotapa e do imperador do Mali, cujos súditos
juravam por seu nome”. (NIANE, 2010, p. 14).
Inicialmente um reino, o Monomotapa ao longo dos séculos foi crescendo e se tornou um império. Mas para se tornar um império ele teve que conquistar as terras vizinhas as quais já eram ocupadas e pertenciam a outros reinos. Não se sabe se o processo de conquista foi inteiramente a base da guerra ou ocorreram acordos através de comércio, casamento, troca de reféns, tratados de defesa, etc. De qualquer forma, quando os portugueses passaram a relatar sobre o Monomotapa descreveram que vários senhores eram súditos do imperador, algo como se fossem vassalos, os quais eram obrigados a pagar tributos regulares ao monarca, embora dispusessem de certa autonomia administrativa.
Todavia, em dados momentos alguns desses vassalos, se revoltavam contra outros vassalos ou contra o Estado, levando a origem de revoltas e de guerras. Segundo os cronistas portugueses algumas dessas revoltas levaram a fragmentação do poder real no século XVI e XVII. Sobre isso voltarei a comentar adiante, pois os portugueses também tiveram papel nesses conflitos ora apoiando os vassalos, ora apoiando o imperador.
No que se refere também a administração está o princípio da hierarquia, e neste caso há algo peculiar a ser mencionado: a hierarquia do império era formada pela nobreza, a elite, a plebe e os escravos. Todavia dentro dessas classes haviam subdivisões e a variação entre indivíduo livre e escravizado. Em outras palavras, um escravo necessariamente não era uma pessoa pobre e sem direitos, mas poderia ser um homem ou mulher rico e pertencente a uma linhagem aristocrática. Tal prática era chamada em alguns lugares de jonya.
“O jonya (do termo mande jon, que significa
cativo) era difundido principalmente no Sudao ocidental, assim como na regiao
do Níger e do Chade. Um jon (jaam
em
wolof, maccuba
em
fulfude, bayi
em
haussa) era um escravo ligado a uma linhagem. Não era cedível e possuía a maior
parte do que produzia. Nas sociedades em que reinava esse sistema, ele
pertencia a uma categoria sociopolítica integrada a classe dominante; era então
cidadão exclusivo do Estado e pertencia a seu aparelho político. Enquanto sistema
e categoria social, o jonya
desempenhou
um papel considerável e original nos Estados e impérios de Gana, Takrūr, Mali,
Kanem‑Borno, Ashanti, Iorubá e de Monomotapa
(Mwene Mutapa)”. (DIAGNE, 2010, p. 28).
No caso do Monomotapa os jon eram chamados de macamos, os quais eram indivíduos oriundos de famílias importantes os quais foram aprisionados, sequestrados ou conquistados, mas acabaram perdendo a liberdade, passando a serem escravos do Estado (FRATICELLI, 2006, p. 172). Mas pelo fato de pertencerem famílias importantes ou serem descendentes de alguma antiga linhagem real, os macamos formavam a elite dos escravos.
Eles possuíam suas próprias propriedades e rendas, tinham direitos e deveres perante o governo, possuíam escravos, participavam da gestão do Estado, e dependendo até mesmo compunham o conselho real ou outro cargo importante. Na prática um macamo era um membro da elite como qualquer outro, a diferença é que estava preso aos interesses do monarca, estando privado da liberdade de ir e vir. Por sua vez, os escravos que não pertenciam a elite, não possuíam tantas regalias e normalmente se ocupavam do trabalho pesado.
O exército do Monomotapa:
Para se manter um império é preciso dispor de uma força armada poderosa, treinada e eficiente, no caso do Monomotapa ele conseguiu manter tais características por parte de sua história. Todavia, as fontes portuguesas e italianas da época se contradizem e romanceiam acerca do exército do Monomotapa.
Por exemplo, o escritor italiano Filippo Pigaffeta em seu livro Relatione del regno di Congo (1591), embora a obra trate sobre o Congo, Pigafetta acabou visitando várias outras nações africanas entre as quais o Monomotapa, logo, decidiu escrever sobre estas em seu livro; entretanto, o que se destaca na sua relação sobre o exército do Monomotapa diz respeito ao uso de guerreiras, as quais ele comparou as mitológicas amazonas. Posteriormente outro escritor italiano chamado Giovanni Botero, o qual escreveu Relatione universali (1595-1596), também fez menção as supostas amazonas do Monomotapa.
A questão como apontada por Fraticelli (2006, p. 173-174) diz respeito que as descrições são fortemente influenciadas pelo referencial mitológico grego, ao ponto de não se saber o que seria real ou que seria mera fantasia dos autores. No entanto, sabe-se que havia alguns casos nos quais mulheres iam para guerra, mas não para ter sido ao ponto de haver regimentos inteiros de mulheres como sugerido por Pigafetta.
Não obstante, o padre João de Barros em seu livro Década 13 da História da Índia, aponta que uma das táticas de batalha do Monomotapa era o uso de cães de guerra, os quais eles levavam vários para o campo de batalha (FRATICELLI, 2006, p. 175). Barros não fornece mais detalhes sobre o emprego de tais cães, mas sabemos que os próprios romanos chegaram em alguns casos a usarem cães de guerra, logo, não era uma prática incomum, embora não fosse recorrente.
O exército do Monomotapa:
Para se manter um império é preciso dispor de uma força armada poderosa, treinada e eficiente, no caso do Monomotapa ele conseguiu manter tais características por parte de sua história. Todavia, as fontes portuguesas e italianas da época se contradizem e romanceiam acerca do exército do Monomotapa.
Por exemplo, o escritor italiano Filippo Pigaffeta em seu livro Relatione del regno di Congo (1591), embora a obra trate sobre o Congo, Pigafetta acabou visitando várias outras nações africanas entre as quais o Monomotapa, logo, decidiu escrever sobre estas em seu livro; entretanto, o que se destaca na sua relação sobre o exército do Monomotapa diz respeito ao uso de guerreiras, as quais ele comparou as mitológicas amazonas. Posteriormente outro escritor italiano chamado Giovanni Botero, o qual escreveu Relatione universali (1595-1596), também fez menção as supostas amazonas do Monomotapa.
A questão como apontada por Fraticelli (2006, p. 173-174) diz respeito que as descrições são fortemente influenciadas pelo referencial mitológico grego, ao ponto de não se saber o que seria real ou que seria mera fantasia dos autores. No entanto, sabe-se que havia alguns casos nos quais mulheres iam para guerra, mas não para ter sido ao ponto de haver regimentos inteiros de mulheres como sugerido por Pigafetta.
Não obstante, o padre João de Barros em seu livro Década 13 da História da Índia, aponta que uma das táticas de batalha do Monomotapa era o uso de cães de guerra, os quais eles levavam vários para o campo de batalha (FRATICELLI, 2006, p. 175). Barros não fornece mais detalhes sobre o emprego de tais cães, mas sabemos que os próprios romanos chegaram em alguns casos a usarem cães de guerra, logo, não era uma prática incomum, embora não fosse recorrente.
Os portugueses tomam conhecimento do Monomotapa:
No ano de 1494 um navio português naufragou na costa de Sofala. Quatro anos depois Vasco da Gama em sua expedição para chegar as Índias, passava diante de Sofala. Todavia, anos depois em 1505, o rei Yusuf de Sofala autorizava os portugueses a fundarem uma feitoria em suas terras. Em 1506 a feitoria foi concluída e naquela época, os mercadores lusitanos começaram a tomar conhecimento acerca da fonte do ouro que era comercializado na cidade. Os habitantes de Sofala diziam que o precioso metal vinha do interior, vinha do "reino das minas de ouro", o Monomotapa (SERRÃO, 1994, p. 259-260).
Localização de Sofala, atualmente uma província de Moçambique. |
“O ouro era, mais
do que outra qualquer riqueza, o grande instrumento regulador das trocas à
distância. Nele encontravam mouras e cristãos a melhor forma de pagamento. Por
isso não admira que as douradas terras do Monomotapa sofressem tôdas as
resultantes advindas da partilha política das grandes potências. Os seus ricos
depósitos auríferos constituiam enorme atração. Sem ouro, todo o edifício dos
poderosos impérios estaria, fatalmente, condenado à estagnação econômica. Por
isso é que os sertões de Sofala atraíram ao aliciante e enigmático Monomotapa
uma série contínua de ofensivas de natureza comercial. O ouro
era a grande fôrça que chamava a si as atenções dos grandes impérios”. (DIAS,
1954, p. 114).
Após fixar feitoria em Sofala, os portugueses ergueram outras feitoria na ilha de Moçambique, assim, ambas as cidades se tornaram pontos de apoio para a Viagem as Índias, como também tornaram-se mercadores fornecedores, neste caso, os portugueses tinham principalmente interesse no ouro, prata e marfim. Posteriormente, os escravos também fariam parte dos negócios lusitanos. De qualquer forma, os portugueses passaram a ter maior conhecimento sobre as minas de ouro do Monomotapa, ao mesmo também passaram a estarem ciente da política econômica da região, a qual volta e meia entrava em conflito devido a luta dos cafres com os régulos, termos usados para se referir aos governantes vassalos do Monomotapa.
“Já em 1506 Alcaçova, na sua mencionada carta endereçada ao
rei, lembrava, com insistências a necessidade de se encontrar um meio que
pusesse têrmo às constantes lutas entre os cafres do interior que tanto
prejudicavam os resgates de Sofala. Quando os potentados negros entravam em
guerra, os mercadores cristãos não se aventuravam a penetrar até às feiras dos
sertões. Igualmente, os cafres deixavam de visitar os estabelecimentos
comerciais da costa. Havia, assim, uma perniciosa retração do trato. Os
resgates sofriam, então, distorções imensamente prejudiciais para a Corôa
portuguêsa. A paz entre os régulos precisava ser mantida — estava na ordem do
dia, em caráter de urgência. E nisto, tanto mouros como cristãos estavam de
acôrdo. O perspicaz Alcaçova informava D. Manuel que, quando os régulos do
sertão viviam em paz, nada menos de um milhão de miticais de ouro eram
anualmente embarcados no pôrto de Sofala, sendo que às vêzes o montante atingia
a 1.300.000 miticais, sem dúvida um bom resgate, e sinal evidente do intenso
tráfico”. (DIAS, 1954, p. 116-117).
Entre os anos de 1511 e 1516, Antônio Fernandes realizou várias viagens pelas terras do império, relatando tudo que viu e ouviu, e depois enviando sua relação para a Coroa (GARCIA, 1992, p. 125). Com base nos relatos de Fernandes, a Coroa Portuguesa começou a perceber que o melhor não seria negociar com os mercadores de Sofala, mas ir negociar diretamente com os habitantes do Monomotapa, assim, mercadores portugueses guiados por mercadores locais, adentravam os domínios do Monomotapa para vender seus produtos e também comprar ouro e outras mercadorias.
“Por volta de 1515 e 1516, época em que Gaspar Veloso escreveu
de Sofala a D. Manuel, nas
ricas terras de pau Butua, ao longo dos tributários do rio Hunyani cujas águas
engrossavam o Zambeze, os cafres mineravam ouro em abundância. Tracey, apoiando-se nas circunstanciadas informações do sagaz Veloso, afirma que
o régulo de Butua era tão rico e poderoso como o próprio Monomotapa. Assim
sendo, ambos viveriam em disputa permanente pela hegemonia política do império.
Não admira, pois, que os sertões de Sofala padecessem de tôdas as resultantes
advindas da instabilidade político-militar que tanto afligia Alcaçova, pelo
prejuízo que acarretava ao tráfico do ouro. As lutas pela supremacia política
do império geravam, como não podia deixar de ser, enorme retração dos resgates”.
(DIAS, 1954, p. 117).
Os mercadores portugueses passaram a negociar com o monomotapa (imperador) para solicitar o direito ao comércio, assim, anos depois Moçambique a qual recebeu outro entreposto lusitano, tornou-se uma das rotas pelas quais Portugal enviava mercadorias ao interior, como também ia buscar ouro e outros produtos. O "capitão de feitoria" pagava uma taxa ao monarca para ter direito de comercializar em suas terras; com o pagamento de tal taxa, os mercadores portugueses eram autorizados a andarem por todo o império e comercializar com quem quisesse.
Os mercadores portugueses passaram a negociar com o monomotapa (imperador) para solicitar o direito ao comércio, assim, anos depois Moçambique a qual recebeu outro entreposto lusitano, tornou-se uma das rotas pelas quais Portugal enviava mercadorias ao interior, como também ia buscar ouro e outros produtos. O "capitão de feitoria" pagava uma taxa ao monarca para ter direito de comercializar em suas terras; com o pagamento de tal taxa, os mercadores portugueses eram autorizados a andarem por todo o império e comercializar com quem quisesse.
“Além do tributo pago pelo capitão português aos
imperadores mutapa, os mercadores portugueses e árabes‑suaílis deviam ceder uma peça de estofo por vinte peças
introduzidas no Império. Além dos tecidos e das pérolas que eram largamente
difundidas, os portugueses ofereciam aos imperadores mutapa artigos de luxo
importados, tais como sedas, tapetes, objetos de cerâmica e de vidro,
utilizados por eles para realçar seu prestígio no quadro de um sistema de
patronagem. Tal regime de relações tributárias se perpetuou praticamente sem
mudança até a segunda metade do século XVI”. (BILA, 2010, p. 765).
“Os soberanos negros estavam
perfeitamente conscientes do papel econômico e político de metais como o ouro,
o cobre, o ferro, cuja exploração era controlada. Esse aspecto e essencial,
pois em muitos estudos e artigos sobre a África tem‑se a impressão de que este continente era um reservatório
de ouro para árabes, berberes e persas, como se os soberanos só existissem para
servir aos estrangeiros; nesses estudos transparece a negação implícita da existência
de Estados organizados. Não e por acaso que os soberanos africanos proibiram, nessa
época, o acesso de viajantes árabes as regiões auríferas!” (NIANE, 2010, p.
769).
Além de entrarem em contato com os habitantes do Monomotapa, os quais os africanos islamizados de Sofala, chamavam de cafre (termo pejorativo para se referir a aquele que não era muçulmano), os portugueses também tomaram conhecimento sobre o antigo Reino do Grande Zimbábue, na época em decadência e assimilado pelo Monomotapa. Todavia suas vilas muradas, chamadas de zimbábues ainda estavam de pé, e impressionavam.
Representação de um zimbábue, uma vila murada. |
“Quando o Estado do
Grande Zimbábue esta no apogeu, o sul da África central acha‑se
no limiar da documentação histórica e da tradição oral. Pelo final do século
XV, o Grande Zimbábue começa a ser abandonado por boa parte de sua população.
As forcas associadas ao poder econômico e politico deslocaram‑se
para o sul e para o oeste, sob a chefia do poderoso clã rozwi. As tradições orais
registram o surgimento de um soberano hereditário, o mwene mutapa (senhor do saque),
sendo o primeiro Mutota. Seu filho Mutope expandiu o território do mwene mutapa para o norte,
transferindo sua capital para uma região setentrional, longe do Grande Zimbábue.
Posteriormente, por volta de 1490, as partes meridionais do reino romperam com
a autoridade central, constituindo, sob a liderança de Changamire, um poderoso
Estado separado”. (FAGAN, 2010, p. 618-619).
Ruínas da muralha do grande zimbábue a capital do Estado homônimo. |
Portugal passa a lutar pelo ouro do Monomotapa:
“Embora a chegada dos portugueses a Sofala remonte a 1506,
somente foi de 1550 a 1630 que eles tentaram verdadeiramente submeter o Império
Mutapa. Até 1540, o comércio entre portugueses e shona foi oficioso. Nessa
data, as relações comerciais entre os negociantes portugueses, os monarcas
mutapa e os seus súditos foram, entretanto, regularizadas e oficializadas através
da abertura de uma missão diplomática e comercial no palácio real mutapa. Tal missão
foi colocada sob o comando de um oficial nomeado capitão das portas. Ele era eleito
vitalício pelos portugueses que comerciavam no Império, mas sua nomeação devia
ser confirmada pelos imperadores mutapa. Suas principais funções consistiam em
transmitir aos soberanos mutapa as ofertas, os requerimentos e as queixas dos
comerciantes portugueses e vice‑versa. As relações entre a comunidade portuguesa e os
soberanos mutapa eram essencialmente de natureza tributária: os portugueses
pagavam um tributo, a curva”. (BILA, 2010, p. 764).
A boa relação perdurou até meados do século XVI, quando a instabilidade política do Monomotapa começou a afetar não apenas o comércio interno, mas também o comércio externo. Portugal percebendo que alguns de seus fornecedores e clientes estavam com problemas, pois compunham o grupo que se opunha ao imperador ou algum grupo que acabou se vendo em meio as disputas de ambos, os portugueses decidiram agir. Além disso, os portugueses também decidiram também terminar com os intermediários, neste caso, a maioria dos intermediários era formada pelos mercadores muçulmanos de Sofala e Moçambique, os quais nem sempre se davam bem com os portugueses.
Na década de 1530, os portugueses já haviam comprometido o monopólio dos comerciantes de Sofala, passando a deter o controle daquele mercado, e para piorar a situação deles, foram fundadas feitorias em no Sene e no Tete, importantes rotas fluviais do império. Ainda assim, os comerciantes de Sofala continuaram a atuar com intermediários principalmente nas províncias pouco conhecidas pelos portugueses. As disputas entre mercadores cristãos e muçulmanos durou por quase dois séculos. No entanto, não foram apenas as autoridades de Sofala e Moçambique que se viram lesadas, as autoridades do Monomotapa também começaram a perceber problemas com o crescimento abusivo de estrangeiros em suas terras.
“Com a derrota dos árabes‑suaílis, os portugueses não mais tinham maiores concorrentes
ao longo da rota comercial do Zambeze e no interior do país. Primeiramente, a
Coroa portuguesa havia se fixado com o objetivo de monopolizar a totalidade das
trocas ocorridas em Sofala e no interior das terras. Porém, tal objetivo não
foi alcançado, pois a cupidez conduziu os comerciantes a fecharem acordos
independentes com os chefes africanos. Assim como que já foi notado, em 1541,
havia tantos negociantes portugueses no interior das terras que era preciso
formalizar e regulamentar suas atividades no Império Mutapa”. (BILA, 2010, p.
795).
Os monarcas monomotapas passaram a criar novas barreiras alfandegárias e fiscais para barrar o avanço dos mercadores portugueses. A ideia era limitar o acesso deles aos mercados internos, como também cobrar novas taxas para autorizar o livre comércio entre os dois países. Todavia, Portugal daquele tempo como outras nações europeias como Espanha, França e Inglaterra, eram países ambiciosos e gananciosos. Os reis portugueses não gostaram de saber de tais imposições, assim os portugueses começaram a tomar partido das desavenças entre os vassalos e o monomotapa.
Padre Gonçalo da Silveira. |
Entre 1560 e 1561, o padre jesuíta Gonçalo da Silveira (1526-1531) havia decido pregar a palavra de Cristo no Império Monomotapa, no entanto, a recepção não foi tão boa. Os habitantes já não haviam se convertido ao islamismo, o qual coexistia na região costeira desde a Idade Média, logo, eles se mantinham fiéis as suas crenças, sendo politeístas. Tendo chegado a Sofala em 11 de marcho de 1560 ele decidiu iniciar sua missão no sul do império. Na região de Gamba, ele converteu o chefe Makaranga e mais 400 pessoas. Nas semanas seguintes ele prosseguiu com seu trabalho, então decidiu antes do final do ano viajar para a capital, a fim de converter o imperador Negomo Mupunzagatu Monomotapa. Durante sua permanência na capital, o padre Silveira foi auxiliado por outros dois jesuítas advindos de Moçambique. Durante esse tempo pelo menos 200 ou 300 pessoas da Corte e da elite da capital foram convertidas ao catolicismo. Posteriormente o próprio monarca se converteu, no entanto, parte da população mostrou oposição em aderir a fé estrangeira, ao ponto de difundirem mentiras sobre o padre e seus missionários, o que levou o monomotapa Negomo a convocar um conselho para deliberar tais acusações dentre as quais estavam a de bruxaria e espionagem. O conselho votou pela execução dele (NICOLAIDES, 2011, p. 134-137).
Com o assassinato do frei Gonçalo da Silveira a tensão entre os dois reinos aumentou ao ponto de eclodir desconfiança das duas partes, o que repercutiria em guerra. A morte do padre jesuíta foi apenas um pretexto para que Portugal pudesse por em ação o que já vinha sendo considerado a algum tempo: tomar a força algumas das minas e mercados da região.
Com o assassinato do frei Gonçalo da Silveira a tensão entre os dois reinos aumentou ao ponto de eclodir desconfiança das duas partes, o que repercutiria em guerra. A morte do padre jesuíta foi apenas um pretexto para que Portugal pudesse por em ação o que já vinha sendo considerado a algum tempo: tomar a força algumas das minas e mercados da região.
Entre 1569 a 1575 Portugal enviou soldados para lutarem nas guerras contra o Monomotapa, e no final destas guerras, dois reinos tributários, Uteve e Maniva recuperaram a independência, esta conquistada com o apoio militar de Portugal. A ideia de conseguir a emancipação de Uteve e Maniva dizia respeito ao comércio, pois acreditava-se que importantes minas de ouro existiriam em seus domínios, logo, Portugal tinha em mente que se conseguisse ajudar tais reinos, isso seria caminho para firmar um acordo bastante proveitoso.
“Entre 1575 e 1684, assistiu‑se a uma modificação do comércio entre camponeses africanos
e negociantes portugueses. Estes últimos consolidaram sua vitória militar e
comercial sobre os árabes‑suaílis, modificando o sistema dos bazares para transformá‑los em feiras. Os terrenos onde eles
aconteciam eram cedidos pelos chefes africanos locais. Com o tempo, as feiras
tornaram‑se
as matrizes do comércio entre africanos e portugueses. Tratava‑se de vastos recintos cercados com
muretas feitas de paliçadas curtas de toras, com algumas cabanas de taipa, próximas
das zonas de exploração aurífera. Cada feira possuía sua fortaleza, sua guarnição
de 10 a 15 soldados, teoricamente, sua igreja com um padre e seu capitão‑mor. Algumas feiras eram administradas
pelo Estado dos Rios de Sena, outras eram propriedades privadas”. (BILA, 2010,
p. 799-800).
Nos anos seguintes Portugal conseguiu assegurar certa autoridade sobre o Monomotapa, Uteve e Maniva através de acordos de paz e de comércio. Suas feiras e mercados favoreceram bastante o comércio português, embora necessariamente o ouro não fosse a principal mercadoria a ser negociada, pois por esse tempo o império Monomotapa estava em decadência e a exploração aurífera havia decaído. A trégua ou "paz" entre Portugal e o Monomotapa durou até 1590, quando novas rebeliões eclodiram.
“Este limitado sucesso incitou os portugueses a tentarem
outras incursões no Império Mutapa. As rebeliões, que lá explodiram entre 1590
e 1607, forneceram‑lhes
a oportunidade de mergulhar na complexidade da política mutapa. Um chefe
mutapa, Gatsi Rusere, apelou para os portugueses e com eles assinou um tratado
de assistência militar. Em troca, prometeu ceder todas as suas minas de ouro,
de cobre, de ferro, de chumbo e de estanho. Certamente, o tratado conferia aos
portugueses o prestígio da propriedade, mas eles não possuíam nem a mão de obra nem os conhecimentos
técnicos necessários para explorar os metais. Na verdade, o tratado teve pouco
valor porque os portugueses deixaram Gatsi Rusere afrontar sozinho as guerras
civis, que não cessaram até sua morte em 1624. A sucessão de Gatsi Rusere coube
ao seu filho, Nyambu Kapararidze, cuja legitimidade do trono real mutapa foi
contestada por seu tio Mamvura. Na guerra que se seguiu entre os dois rivais,
Mamvura solicitou a assistência militar dos portugueses, obtendo‑a em 1629. Após ter extorquido de
Mamvura um certo número de promessas, os portugueses aliaram‑ se
a ele contra Kapararidze. Tais promessas incluíam, notadamente, um tratado de
vassalagem e a alienação das minas de ouro e de prata. Como Gatsi Rusere em
1607, Mamvura subiu ao trono com o apoio militar dos portugueses. O tratado
acertado com eles o obrigava a consentir aos mercadores portugueses o direito
de circular livremente em todo o Império, de expulsar os mercadores árabes‑suaílis de seu território e de
autorizar os missionários dominicanos a pregarem sua religião”. (BILA, 2010, p.
766).
Considerações finais:
“Mamvura comprometia‑se também a suprimir a curva,
paga pelos portugueses aos chefes mutapa, aproximadamente, desde a metade do
século XVI, e a pagar, a partir de então, um tributo a esses últimos. Após a
assinatura deste tratado, era cada vez mais numerosa a quantidade de
comerciantes e de aventureiros portugueses que chegavam ao território do Império
Mutapa. Mamvura e sua mulher foram ambos batizados e, respectivamente, ganharam
os nomes Domingos e Luiza. Esse tratado de 1629 encorajou aventureiros
portugueses a se apossarem de terras, as quais, mais tarde, foram reconhecidas
pela Coroa portuguesa sob o estatuto de prazos (terras da Coroa)”. (BILA, 2010, p. 766-767).
O tratado obtido com Mamvura Monomotapa (os monarcas usavam o título monomotapa como parte de seu nome real) assegurou aos portugueses uma grande conquista em termos político-econômicos, a criação do sistema de prazos, os quais manteriam a Coroa Portuguesa bastante influente na economia e na política do reino africano até o final do século.
“A partir deste momento, a aquisição de terras por
aventureiros portugueses prosseguiu praticamente sem freios: foi desta forma
que se constituíram numerosos prazos da coroa, pertencendo a funcionários, mercadores, ordens religiosas
e a pioneiros portugueses. O regime do prazo era uma síntese de dois sistemas socioeconômicos. O primeiro
era aquele dos shona, cuja sociedade dividia‑se em uma oligarquia dirigente e camponeses produtores. O
segundo, que se sobrepunha ao precedente, era o dos prazeros, reinando como classe dominante sobre os chikunda (exércitos de escravos). Em outras palavras, os prazeros perpetuaram o sistema sociopolítico encontrado por eles ao
chegarem a região do Zambeze. O chefe africano continuava a exercer as funções
tradicionais, porém, “sem deter, a partir de então, a autoridade absoluta”, o prazero atribuindo a si próprio o título de suserano. Nesse
sentido, sua relação”. (BILA, 2010, p. 767).
Mapa do Monomotapa. Willem Janszoon Blaeu. 1634. |
O sistema de prazos perduraria até meados do século XVIII, trazendo vários problemas para o reino, pois se antes o monomotapa detinha a autoridade em controlar e determinar os limites que os portugueses possuíam para comercializar em suas terras, agora era o contrário que ocorria; os portugueses se faziam senhores deste acordo, ao ponto ao qual por quase cem anos, Portugal praticamente controlou parte da economia do Monomotapa, pois embora na prática o governo mantivesse sua autonomia administrativa, eles eram "reféns" dos interesses da Coroa portuguesa.
Definir quando o Reino do Monomotapa chegou ao fim é outro problema de datação envolvendo a história deste reino africano. Assim como se há dúvidas quando ele teria surgido e quando ele teria se tornado um império, há também dúvidas de quando ele terminou. Todavia os historiadores se divergem entre si para definir se o fim do império se deu ainda no século XVII quando ele de fato se tornou dependente economicamente de Portugal, assim como, começou a perder vários de seus territórios. Para outros o império de fato termina no século XVII, mas o Estado sobrevive até meados do século XVIII.
A dependência econômica para Portugal foi um duro golpe para o Monomotapa, pois o sistema de prazos manteve-se operante até o século XVIII, o que tornava vários portugueses arrendatários e senhores de terras no Monomotapa, como também obrigava o governo e a população a pagarem impostos a Coroa lusitana.
Por outro lado, a fragilidade política levou ao aumento de revoltas entre os vassalos e o monarca, o que eclodiu em novos conflitos, gerando sessões territoriais. Se no século XVI os reinos de Uteve e Maniva haviam se separado do Monomotapa, ao longo dos séculos XVII e XVIII novos territórios iriam se desmembrar também, formando pequenos reinos como os de Maungwe, Barwe, Danda, Buhera, Butwa, Dande, Chidima.
Todavia, a grande ameaça do reino não foram esses pequenos reinos rebeldes mas dois inimigos maiores: o Reino de Malavi ao norte do Zambeze e o Reino dos Rowzi o qual se tornou um poderoso império entre os séculos XVII e XVIII, sendo considerado por alguns historiadores como Bila (2010, p. 774) um dos fatores para o fim do Monomotapa, pois a Dinastia Rowzi desde o século XVI vinha combatendo os monomotapas, mas apenas décadas depois é que seus reis consolidaram sua autoridade, tornando-se uma ameaça tão grande que em dados momentos, o Monomotapa tornou-se Estado vassalo do Império Rowzi, para finalmente sucumbir no século XVIII.
Com o fim do Império Monomotapa no século XVIII, terminava a história de mais de cinco séculos de um poderoso e rico Estado situado no sul da África, o qual por bastante tempo comandou vários povos e pequenas nações, como também fez negócios com os europeus e asiáticos, exportando seu cobiçado ouro, ao ponto de ser conhecido em alguns locais como o "reino das minas de ouro".
NOTA: O termo mwene mutapa possui mais de uma tradução; normalmente é traduzido como "senhor das minas", mas alguns historiadores o traduzem como "senhor dos metais" e "confiscador de metais".
NOTA 2: O Monomotapa manteve-se fiel as suas crenças religiosas ao longo de toda a sua história, pois poucos foram aqueles que se converteram ao cristianismo e ao islamismo. No entanto, pouco se conhece sobre as religiões praticadas no reino.
NOTA 3: Alguns historiadores consideram o Monomotapa como uma continuação do Reino do Grande Zimbábue, a meu ver, não seria uma continuação, pois ambos foram Estados que embora próximos, e até mesmo tivessem alguns aspectos culturais em comum, eles seguiram caminhos diferentes.
NOTA 4: No século XVIII com as perdas territoriais do Monomotapa, a aversão dos Rowzi aos portugueses, Portugal foi perdendo influência no interior do continente e pouco a pouco foi ficando restrita a terras mais próximas da costa, no que hoje são Angola e Moçambique.
A dependência econômica para Portugal foi um duro golpe para o Monomotapa, pois o sistema de prazos manteve-se operante até o século XVIII, o que tornava vários portugueses arrendatários e senhores de terras no Monomotapa, como também obrigava o governo e a população a pagarem impostos a Coroa lusitana.
Gravura do Grande Rei Monomotapa. A obra em questão representa um dos monarcas do século XVIII. |
Todavia, a grande ameaça do reino não foram esses pequenos reinos rebeldes mas dois inimigos maiores: o Reino de Malavi ao norte do Zambeze e o Reino dos Rowzi o qual se tornou um poderoso império entre os séculos XVII e XVIII, sendo considerado por alguns historiadores como Bila (2010, p. 774) um dos fatores para o fim do Monomotapa, pois a Dinastia Rowzi desde o século XVI vinha combatendo os monomotapas, mas apenas décadas depois é que seus reis consolidaram sua autoridade, tornando-se uma ameaça tão grande que em dados momentos, o Monomotapa tornou-se Estado vassalo do Império Rowzi, para finalmente sucumbir no século XVIII.
Com o fim do Império Monomotapa no século XVIII, terminava a história de mais de cinco séculos de um poderoso e rico Estado situado no sul da África, o qual por bastante tempo comandou vários povos e pequenas nações, como também fez negócios com os europeus e asiáticos, exportando seu cobiçado ouro, ao ponto de ser conhecido em alguns locais como o "reino das minas de ouro".
NOTA: O termo mwene mutapa possui mais de uma tradução; normalmente é traduzido como "senhor das minas", mas alguns historiadores o traduzem como "senhor dos metais" e "confiscador de metais".
NOTA 2: O Monomotapa manteve-se fiel as suas crenças religiosas ao longo de toda a sua história, pois poucos foram aqueles que se converteram ao cristianismo e ao islamismo. No entanto, pouco se conhece sobre as religiões praticadas no reino.
NOTA 3: Alguns historiadores consideram o Monomotapa como uma continuação do Reino do Grande Zimbábue, a meu ver, não seria uma continuação, pois ambos foram Estados que embora próximos, e até mesmo tivessem alguns aspectos culturais em comum, eles seguiram caminhos diferentes.
NOTA 4: No século XVIII com as perdas territoriais do Monomotapa, a aversão dos Rowzi aos portugueses, Portugal foi perdendo influência no interior do continente e pouco a pouco foi ficando restrita a terras mais próximas da costa, no que hoje são Angola e Moçambique.
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Links relacionados: África Dourada: Tomboctu, Zanzibar e o Grande Zimbábue
Portugal e a Era dos Descobrimentos