Nos estudos sobre a história, seja na escola ou na universidade, a Mesopotâmia consta como um dos primeiros assuntos históricos a serem estudados. Assim, neste texto procurei abordar a Mesopotâmia em termos gerais, sem adentrar em especificidades dos vários povos que habitaram aquelas terras. Neste caso a proposta desse trabalho foi apresentar o espaço geográfico, o clima, os povos que ali habitaram, algumas de suas contribuições para a História; alguns aspectos de suas sociedades e culturas, um quadro cronológico geral, assim como, mostrar que a Mesopotâmia não foi uma região homogênea, mas uma região de diversidades.
O espaço geográfico:
O termo Mesopotâmia é de origem grega (meso = meio; potamus = rio), que passou a ser traduzido como "entre rios", pois referia-se as terras situadas entre os rios Tigre e Eufrates. Tal termo surgiu por volta do século III a.C, em Alexandria no Egito, sendo que a cidade de Alexandria era de origem greco-macedônica. Lá, estudiosos gregos começaram a usar esse termo para se referir a uma região situada ao leste da Síria, a qual ficava entre os rios Eufrates e Tigre. Somente bastante tempo depois é que o termo foi utilizado para se referir a quase toda região entre estes dois rios. Tal uso começou a ser mais empregado por volta do século XIX, quando a historiografia (estudo da História) surgiu.
Mas alguns podem se perguntar: como era chamada a Mesopotâmia antes desse termo ser criado? A região como espaço geográfico que hoje conhecemos não existia. Cada povo que ali viveu ou por ali passou, chamava aquelas terras por diferentes nomes, além do fato, que ali houve vários reinos e alguns impérios, logo, as pessoas associavam aquelas terras como sendo domínios de tais reinos ou impérios. O historiador grego Heródoto de Halicarnasso (c. 480 a.C - c. 420 a.C), referia-se aquelas terras como sendo território persa, pois os persas as dominavam.
Mais de um século depois, quando Alexandre, o Grande derrotou o imperador persa Dario III, aquelas terras, tornaram-se parte de seu império. Além disso, na época de Heródoto e depois de Alexandre, a cidade mesopotâmica mais conhecida e influente era a Babilônia, já que várias outras cidades mesopotâmicas naquele tempo já eram ruínas com séculos de abandono, o que revela a grande antiguidade daquela região.
No final do século XIX começaram as pesquisas arqueológicas na Mesopotâmia, e no século XX elas continuaram, nos fornecendo novas visões e explicações para aquelas terras e seus habitantes. Hoje a Mesopotâmia compreende uma área bem mais vasta situada no atual território do Iraque, sendo dividida para efeito de estudo, em norte e sul, embora também possa se encontrar os termos Alta Mesopotâmia e Baixa Mesopotâmia.
Essa divisão facilita nos estudos arqueológicos, históricos, mas também geográficos, pois reflete que não consistiu num território homogêneo. O clima e a topografia do norte era diferente do sul, e isso influenciou no desenvolvimento dos povos que ali viveram.
Embora grande parte desse território hoje seja de clima semi-árido e até mesmo desértico, há milhares de anos, as temperaturas eram mais amenas, além de chover mais em alguns locais, além de ter-se maior variedade de fauna, por exemplo, existem relatos e pinturas mostrando reis caçando leões e tigres, animais hoje extintos nestas terras.
A parte norte, chamada por alguns de Alta Mesopotâmia foi o território no qual o povo assírio exerceu seus domínios, daí alguns historiadores referirem a tal região como Assíria. Mas além dos assírios os quais foram um dos primeiros povos nômades ali a se assentar e desenvolver cidades, posteriormente passando a controlar aquelas terras parte daquelas terras, estiveram os Hurritas, os quais fundaram o Reino Mitanni.
"A Norte, estende-se a Alta Mesopotâmia, suficientemente úmida para que a agricultura possa depender das chuvas de inverno. Compreende a Assíria, rosário de oásis que se desfia ao longo do Tigre e dos seus afluentes, e a Djeziré, estepe deslocada que serve de pastagem após os períodos de chuvas". (LÉVÊQUE, 1987, p. 9).
Ao norte da Assíria a região era montanhosa, de clima seco, embora mais frio. No entanto, havia um pasto ralo para o gado pastar, principalmente cabras. No oeste o deserto da Síria e no leste mais deserto, posteriormente ocupado pelos Medos. Ao sul, se dirigia para a área central da Mesopotâmia, ocupada por sumérios e acádios, sendo uma região também quente, mas devido a se encontrar propriamente entre os dois rios, possuía solo fértil ao longo de suas margens, como também estava sujeita a inundações nas épocas de cheia, embora o índice de chuvas fosse baixo, e assim, seus habitantes passaram a se especializar na construção de canais e diques para poder melhor utilizar a água dos rios e afluentes.
Enquanto a parte central da Mesopotâmia era marcada por planícies semi-áridas, sendo principalmente suas terras férteis a beira-rio, e posteriormente com a ocupação, canais de irrigação permitiram ampliar os campos de cultivo, como também fornecer suprimento de água para pastos, ainda assim, era um lugar com poucas árvores. No entanto, quando partimos para a Baixa Mesopotâmia, o clima começa a mudar e a paisagem também.
No sul o clima ainda se mantém quente, algo geral em praticamente todo o território mesopotâmico. Todavia, o sul por se encontrar na confluência do Tigre e o Eufrates, os quais desaguam no Golfo Pérsico, consiste numa região mais verde, formada por pequenas matas, pântanos, terras férteis, rica em caça e pescado, pelo menos na Antiguidade. Essa região também foi chamada de Suméria e posteriormente de Caldeia, termos advindos dos povos que a habitaram, mas principalmente a dominaram: os sumérios e depois os caldeus.
E seguindo a sudeste, encontrava-se a chamada região de Elam ou Elão, a qual marcava a fronteira final da Baixa Mesopotâmia, sendo também um local verde, banhada pelas águas do Karum e do Kerkha. Servindo de parada para as caravanas que vinham do Oriente, e ali descansavam e se abasteciam de água e comida para prosseguir viagem pelo restante da Mesopotâmia ou seguir para o oeste, em direção a Síria, Palestina, Ásia Menor e Egito.
"As várias partes da Mesopotâmia apenas têm em comum a ausência quase geral de minérios, de pedra e de madeira de construção. É à argila do solo que a Mesopotâmia vai buscar o tijolo, o seu único material de construção juntamente com a cana". (LÉVÊQUE, 1987, p. 10).
Sendo assim, notemos que o clima, a geografia, a topografia e a vegetação da Mesopotâmia não era algo homogêneo, mas ela variava de norte a sul, de oeste a leste. Mas mesmo com essas variações, os povos que ali habitaram, conseguiram se desenvolver e fundar impérios. No entanto, as cidades mesopotâmicas se iniciaram no sul, o que para alguns historiadores é considerado como o berço das civilizações mesopotâmicas, mas antes de partimos para falar acerca destas cidades, algumas mais antigas do que as pirâmides do Egito, comentaremos rapidamente sobre os principais povos que viveram e governaram na Mesopotâmia.
Os povos mesopotâmicos:
Mais de um século depois, quando Alexandre, o Grande derrotou o imperador persa Dario III, aquelas terras, tornaram-se parte de seu império. Além disso, na época de Heródoto e depois de Alexandre, a cidade mesopotâmica mais conhecida e influente era a Babilônia, já que várias outras cidades mesopotâmicas naquele tempo já eram ruínas com séculos de abandono, o que revela a grande antiguidade daquela região.
No final do século XIX começaram as pesquisas arqueológicas na Mesopotâmia, e no século XX elas continuaram, nos fornecendo novas visões e explicações para aquelas terras e seus habitantes. Hoje a Mesopotâmia compreende uma área bem mais vasta situada no atual território do Iraque, sendo dividida para efeito de estudo, em norte e sul, embora também possa se encontrar os termos Alta Mesopotâmia e Baixa Mesopotâmia.
Essa divisão facilita nos estudos arqueológicos, históricos, mas também geográficos, pois reflete que não consistiu num território homogêneo. O clima e a topografia do norte era diferente do sul, e isso influenciou no desenvolvimento dos povos que ali viveram.
Mapa da Mesopotâmia mostrando as terras que compreendiam o norte e o sul. |
A parte norte, chamada por alguns de Alta Mesopotâmia foi o território no qual o povo assírio exerceu seus domínios, daí alguns historiadores referirem a tal região como Assíria. Mas além dos assírios os quais foram um dos primeiros povos nômades ali a se assentar e desenvolver cidades, posteriormente passando a controlar aquelas terras parte daquelas terras, estiveram os Hurritas, os quais fundaram o Reino Mitanni.
"A Norte, estende-se a Alta Mesopotâmia, suficientemente úmida para que a agricultura possa depender das chuvas de inverno. Compreende a Assíria, rosário de oásis que se desfia ao longo do Tigre e dos seus afluentes, e a Djeziré, estepe deslocada que serve de pastagem após os períodos de chuvas". (LÉVÊQUE, 1987, p. 9).
Soldados americanos diante das ruínas de antigos portões da cidade de Assur, uma das capitais da Assíria. Foto tirada em 2008. |
Enquanto a parte central da Mesopotâmia era marcada por planícies semi-áridas, sendo principalmente suas terras férteis a beira-rio, e posteriormente com a ocupação, canais de irrigação permitiram ampliar os campos de cultivo, como também fornecer suprimento de água para pastos, ainda assim, era um lugar com poucas árvores. No entanto, quando partimos para a Baixa Mesopotâmia, o clima começa a mudar e a paisagem também.
No sul o clima ainda se mantém quente, algo geral em praticamente todo o território mesopotâmico. Todavia, o sul por se encontrar na confluência do Tigre e o Eufrates, os quais desaguam no Golfo Pérsico, consiste numa região mais verde, formada por pequenas matas, pântanos, terras férteis, rica em caça e pescado, pelo menos na Antiguidade. Essa região também foi chamada de Suméria e posteriormente de Caldeia, termos advindos dos povos que a habitaram, mas principalmente a dominaram: os sumérios e depois os caldeus.
E seguindo a sudeste, encontrava-se a chamada região de Elam ou Elão, a qual marcava a fronteira final da Baixa Mesopotâmia, sendo também um local verde, banhada pelas águas do Karum e do Kerkha. Servindo de parada para as caravanas que vinham do Oriente, e ali descansavam e se abasteciam de água e comida para prosseguir viagem pelo restante da Mesopotâmia ou seguir para o oeste, em direção a Síria, Palestina, Ásia Menor e Egito.
"As várias partes da Mesopotâmia apenas têm em comum a ausência quase geral de minérios, de pedra e de madeira de construção. É à argila do solo que a Mesopotâmia vai buscar o tijolo, o seu único material de construção juntamente com a cana". (LÉVÊQUE, 1987, p. 10).
Sendo assim, notemos que o clima, a geografia, a topografia e a vegetação da Mesopotâmia não era algo homogêneo, mas ela variava de norte a sul, de oeste a leste. Mas mesmo com essas variações, os povos que ali habitaram, conseguiram se desenvolver e fundar impérios. No entanto, as cidades mesopotâmicas se iniciaram no sul, o que para alguns historiadores é considerado como o berço das civilizações mesopotâmicas, mas antes de partimos para falar acerca destas cidades, algumas mais antigas do que as pirâmides do Egito, comentaremos rapidamente sobre os principais povos que viveram e governaram na Mesopotâmia.
Os povos mesopotâmicos:
Em alguns livros ainda se conserva o uso no singular para se falar em "povo da mesopotâmia" ou "civilização mesopotâmica", mas isso não é correto. Os povos que ali habitaram aquelas terras que vão desde os sopés do Monte Zagros no Norte, até a costa do Golfo Pérsico, no Sul, tinham línguas, costumes, crenças e culturas diferentes. Claro que em alguns momentos eles compartilharam ideias, deuses, leis e tecnologias, mas essencialmente foram distintos povos que eram vizinhos, daí falar sempre no plural, e não no singular.
Os principais povos que habitaram a Mesopotâmia foram os sumérios, acádios, assírios, amorritas, babilônios, elamitas e caldeus. Também tivemos a presença dos hurritas (habitantes de Mitanni), dos hititas (invasores vindos da Ásia Menor), dos cassitas (pequena tribo mesopotâmica), dos hebreus (trazidos como prisioneiros), dos proto-árabes, fariseus, arameus (tribos nômades), dos medos (povo que vivia na fronteira oriental), dos persas (povo vassalo dos medos), etc. Inclusive há relatos de embaixadores egípcios e indianos na Mesopotâmia. Além desse povos mencionados, existem hoje que são desconhecidos e apenas se conhecem vestígios arqueológicos, mas não se sabe sua identidade exata.
Os principais povos da Mesopotâmia foram os sumérios, acádios (ou acadianos), assírios, babilônios e os elamitas. Neste caso é preciso sublinhar que os amorritas e os cassitas fundaram dinastias na Babilônia. Os sumérios não são autóctones da Mesopotâmia, na verdade existem controversas de onde eles vieram, mas em geral acredita-se que eles vivessem em algum local que hoje compreenda o Irã ou Afeganistão. Eles chegaram a Baixa Mesopotâmia por volta de 4000 a.C (alguns sugerem um período bem anterior, mas não há uma data exata), pois nos dois séculos seguintes já haviam cidades sumerianas como Eridu, Uruk e Ur na região.
Enquanto os sumérios eram povos não-semitas e vindos provavelmente do leste, os acadianos eram de origem semita, e por sua vez, os assírios e babilônios são desse ramo, inclusive compartilham a mesmo tronco linguístico. A língua suméria é ainda de origem desconhecida, inclusive não possui nenhum paralelo com outros idiomas falados na Mesopotâmia, o que reforça a ideia de que os sumérios eram estrangeiros. Ainda hoje não se conseguiu definir claramente a que ramo linguístico esse milenar idioma pertence. No entanto, o sumério foi a primeira língua escrita que se conhece na História, sobre isso voltaremos a falar adiante.
Todavia, por mais que a língua suméria fosse estrangeira, ela acabou tendo difusão na Baixa Mesopotâmia. Por séculos o sumeriano foi usado no sul da Mesopotâmia, ao mesmo tempo em que sofreu influências e influenciou de outros idiomas, sendo o principal deles o acádio (ou acadiano), idioma de origem semita, aparentado com o aramaico e o hebraico. A língua acadiana acabou tornando-se uma "língua geral" da Mesopotâmia depois que o sumeriano prevaleceu por pelo menos dois mil anos.
Neste ponto, a língua babilônica e a língua assíria são de origem acadiana, o que as tornam línguas irmãs (podemos fazer um paralelo com o latim que originou o português e o espanhol, neste caso, o acadiano originou o babilônio e o assírio). Entretanto é preciso salientar que os elamitas, os hurritas, os guti, os amorritas, os cassitas falavam dialetos aparentados com o acadiano. Entretanto é preciso salientar que a língua não é mutável (ela se transforma), o sumeriano falado no ano 2000 a.C na III Dinastia de Ur, não era o mesmo falado no ano 3500 a.C, durante a I Dinastia de Ur. O babilônio falado por Hammurabi no século XVIII a.C, não era o mesmo falado por Nabucodonosor II no século VI a.C.
No que se refere a religião, cada povo possuía suas próprias crenças e deuses. Estimasse a existência de centenas de deuses, mas se desconhece sua exata quantidade. Além disso, as principais divindades conhecidas da Mesopotâmia são de origem sumeriana, e algumas poucas de origem babilônica e assíria. Todavia, sabe-se que alguns deuses sumerianos acabaram sendo adotados por outros povos mesopotâmicos, e provavelmente os próprios sumérios também tenham adotados divindades de outros povos. Isso era algo comum no mundo antigo, pois não havia a ideia de religião fixa, no sentido que só se pode adorar determinados deuses; pelo contrário, as pessoas adoravam quantos deuses bem entendessem.
No entanto, para compreender um pouco mais a história destes povos é preciso conhecer a cronologia mesopotâmica, a qual foi desenvolvida para motivo de estudo histórico e arqueológico, sendo dividida entre fases, que vão de 7000 a.C a 651 a.C, ou seja, compreendendo o final da chamada Pré-história e grande parte da Idade Antiga.
Quadro geral da história mesopotâmica:
Mesopotâmia no período pré-histórico:
Durante seu governo ele ordenou que os hebreus estavam livres para retornar a sua terra, ao mesmo tempo que cobrou destes lealdade e vassalagem. A conquista persa do Império Neobabilônico marcou o fim da história mesopotâmica, pois nos séculos seguintes, nenhum povo de origem local voltaria a fundar reinos ou impérios, mas passariam a serem governados por povos estrangeiros.
As cidades:
Já foi dito que a Mesopotâmia possui algumas das mais antigas cidades do mundo que se conhece, algo que se encontra equiparação no Egito e na Índia. Sendo assim, como uma das propostas desse trabalho é falar sobre as cidades, comentaremos como algumas destas surgiram e seu papel na História, na política, economia, sociedade, cultura e religião. Sendo essa a parte final do texto. Para tratar de tais assuntos, optei em dividi-los em tópicos para facilitar a leitura, além de adotar uma metodologia de longa duração, ou seja, falarei de cidades sumerianas, da Babilônia e das duas capitais da Assíria, Assur e Nínive. Pelo fato de tais cidades terem existido por milênios, aos mesmo tempo em que foram destruídas e reconstruídas várias vezes, daí esse amplo recorte temporal.
a) origem divina das cidades:
Os principais povos que habitaram a Mesopotâmia foram os sumérios, acádios, assírios, amorritas, babilônios, elamitas e caldeus. Também tivemos a presença dos hurritas (habitantes de Mitanni), dos hititas (invasores vindos da Ásia Menor), dos cassitas (pequena tribo mesopotâmica), dos hebreus (trazidos como prisioneiros), dos proto-árabes, fariseus, arameus (tribos nômades), dos medos (povo que vivia na fronteira oriental), dos persas (povo vassalo dos medos), etc. Inclusive há relatos de embaixadores egípcios e indianos na Mesopotâmia. Além desse povos mencionados, existem hoje que são desconhecidos e apenas se conhecem vestígios arqueológicos, mas não se sabe sua identidade exata.
Mosaico sumeriano em uma tumba real na cidade de Ur. Datado por volta da III Dinastia (c. 2112-2003 a.C). |
Enquanto os sumérios eram povos não-semitas e vindos provavelmente do leste, os acadianos eram de origem semita, e por sua vez, os assírios e babilônios são desse ramo, inclusive compartilham a mesmo tronco linguístico. A língua suméria é ainda de origem desconhecida, inclusive não possui nenhum paralelo com outros idiomas falados na Mesopotâmia, o que reforça a ideia de que os sumérios eram estrangeiros. Ainda hoje não se conseguiu definir claramente a que ramo linguístico esse milenar idioma pertence. No entanto, o sumério foi a primeira língua escrita que se conhece na História, sobre isso voltaremos a falar adiante.
Todavia, por mais que a língua suméria fosse estrangeira, ela acabou tendo difusão na Baixa Mesopotâmia. Por séculos o sumeriano foi usado no sul da Mesopotâmia, ao mesmo tempo em que sofreu influências e influenciou de outros idiomas, sendo o principal deles o acádio (ou acadiano), idioma de origem semita, aparentado com o aramaico e o hebraico. A língua acadiana acabou tornando-se uma "língua geral" da Mesopotâmia depois que o sumeriano prevaleceu por pelo menos dois mil anos.
Neste ponto, a língua babilônica e a língua assíria são de origem acadiana, o que as tornam línguas irmãs (podemos fazer um paralelo com o latim que originou o português e o espanhol, neste caso, o acadiano originou o babilônio e o assírio). Entretanto é preciso salientar que os elamitas, os hurritas, os guti, os amorritas, os cassitas falavam dialetos aparentados com o acadiano. Entretanto é preciso salientar que a língua não é mutável (ela se transforma), o sumeriano falado no ano 2000 a.C na III Dinastia de Ur, não era o mesmo falado no ano 3500 a.C, durante a I Dinastia de Ur. O babilônio falado por Hammurabi no século XVIII a.C, não era o mesmo falado por Nabucodonosor II no século VI a.C.
No que se refere a religião, cada povo possuía suas próprias crenças e deuses. Estimasse a existência de centenas de deuses, mas se desconhece sua exata quantidade. Além disso, as principais divindades conhecidas da Mesopotâmia são de origem sumeriana, e algumas poucas de origem babilônica e assíria. Todavia, sabe-se que alguns deuses sumerianos acabaram sendo adotados por outros povos mesopotâmicos, e provavelmente os próprios sumérios também tenham adotados divindades de outros povos. Isso era algo comum no mundo antigo, pois não havia a ideia de religião fixa, no sentido que só se pode adorar determinados deuses; pelo contrário, as pessoas adoravam quantos deuses bem entendessem.
No entanto, para compreender um pouco mais a história destes povos é preciso conhecer a cronologia mesopotâmica, a qual foi desenvolvida para motivo de estudo histórico e arqueológico, sendo dividida entre fases, que vão de 7000 a.C a 651 a.C, ou seja, compreendendo o final da chamada Pré-história e grande parte da Idade Antiga.
Quadro geral da história mesopotâmica:
Mesopotâmia no período pré-histórico:
- 7000-6000 a.C: encontrados em 1948, a leste de Kirkuk, os vestígios arqueológicos mais antigos de uma aldeia situada na Mesopotâmia, na parte norte. A aldeia foi nomeada com o nome Kalaat Jarmo pelos seus descobridores. Deveria conter uma população de 150 habitantes. Nas escavações encontraram-se sepulturas, vasos de pedra, ferramentas feitas de madeira e de osso; ídolos de animais e de deusas feitos de argila. Além de encontrar-se ossos de cabras, carneiros, bois, porcos e de cães, o que revela tratar-se de um assentamento pecuarista, mas também agrícola, devido a vestígios de trigo e cevada também ali encontrados no sítio. Logo, Kalaat Jarmo revela até o momento a antiguidade da ocupação sedentária daquelas terras, pois sabe-se que tribos nômades percorriam aquela região antes disso. (LÉVÊQUE, 1987, p. 17).
- 6000-5.000 a.C: Neste milênio destacou-se dois povos: o povo de Hassuna e o povo de Samarra, devido a localidade onde seus vestígios foram encontrados. O "povo de Hassuna" vivia na Baixa Mesopotâmia, e já conhecia a olaria, e produzia utensílios de cerâmica, os quais já eram pintados geralmente de vermelho ou de preto. Possuía poucos detalhes e a falta de acabamento. As casas eram feitas de taipa. Eram uma sociedade agrícola e pastoril. O "povo de Samara" viveu no norte, voltado para o rio Eufrates. Eles já construíam casas de tijolo cru. Sua cerâmica continuava monocromática, mas já apresentava ilustrações abstratas. (LÉVÊQUE, 1987, p. 17).
- 5000 a.C: Na Alta Mesopotâmia no que milênios depois viria a ser o território da Assíria, proliferou no quinto milênio antes de Cristo, a civilização de Tell Halaf, a qual apresentava influência em outras terras, pois foram descobertas cerâmicas e outros objetos produzidos por aquele povo em regiões da Ásia Menor e na Baixa Mesopotâmia, o que sugere a migração de grupos seminômades ou de antigas rotas comerciais. E como naquela época não havia moedas, o comércio era a base de escambo (troca de produtos). Também data desse povo, a construção de edifícios de tijolos circulares, talvez túmulos ou templos, ou talvez fortalezas. As cidades não existiam ainda. Também data dessa época um aprimoramento no fabrico da cerâmica e o início do desenvolvimento da metalurgia. (LÉVÊQUE, 1987, p. 18).
- 5000-4500 a.C: A Baixa Mesopotâmia começa a ser habitada por povos que passam a se sedentarizarem, entre eles os sumérios, os quais uma das hipóteses dizem que eles teriam vindo do que hoje é o Irã, migrando para a Mesopotâmia e ali se fixando na parte sul. Por essa época encontram-se vestígios de aldeamentos sumerianos como Kish, Uruk e Eridu, os quais viriam a se tornar importantes cidades séculos depois.
- 4500-4000 a.C: chamado de Período de El Obeid, nome advindo de um sítio arqueológico nas cercanias da cidade sumeriana de Ur, consiste no período no qual os aldeamentos sumerianos vão crescendo, tornando-se vilas, além de o tamanho das construções aumentarem. Em Eridu, encontram-se templos com mais de 30 metros de comprimento, o que sugere a importância de tal construção naquela sociedade, o que revela também o crescente papel da religião. (LÉVÊQUE, 1987, p. 19).
- Período proto-dinástico (4000-2800 a.C):
- 4000-3500 a.C:
- A Suméria como território está formado, e conta com pelo menos doze cidades e várias vilas e aldeias. Os povos da Alta Mesopotâmia ainda não vivem em cidades.
- A Escrita Cuneiforme é inventada pelos sumérios, consistindo em uma das formas mais antigas de escrita conhecida.
- 3800-3200 a.C: Período de Uruk, terminologia para se referir ao desenvolvimento cultural acentuado na Baixa Mesopotâmia, tendo em Uruk o principal exemplo.
- 3500-3000 a.C: Cidades-estados passam a disputar o poder na Suméria. Uruk torna-se uma das mais poderosas, seguida por Kish, Eridu, Ur, Larsa, entre outras.
- 3000-2800 a.C: A Dinastia de Uruk foi derrotada pela Dinastia de Acad, e os acádios passam a expandir seus domínios pela Mesopotâmia central. Os zigurates mais antigos conhecidos, começaram a serem construídos.
- A região da vindoura cidade de Nínive, uma das capitais da Assíria, já estava ocupada.
- Na Alta Mesopotâmia, a cidade-estado de Mari passa a expandir seus domínios.
- As cidades-estados sumerianas começam a serem cercadas por muralhas.
- Período Dinástico (2800-2340 a.C):
- Dinástico Arcaico I (2800-2700 a.C):
- Antigas dinastias caem e são substituídas por novas.
- Mitos sumerianos sobre o Dilúvio começaram a ser escritos.
- Nippur, Acad, Uruk e Kish tornam-se importantes e influentes cidades. Os acádios disputam com os sumérios a parte central do território da Suméria.
- Dinástico Arcaico II (2700-2550 a.C):
- Todas as principais cidades-estados passam a ser muradas, devido ao aumento dos conflitos.
- Encontram-se relatos históricos, literários e mitológicos sobre as cidades sumerianas e alguns importantes reis.
- O rei semilendário Gilgamesh teria governado Uruk nessa época. Sua história pela busca da imortalidade tornou-se tema de alguns poemas, sendo o mais conhecido chamado de A Epopeia de Gilgamesh.
- A organização política, social e religiosa torna-se mais elaborada. O rei é visto também como alto-sacerdote.
- Os sacerdotes atuam como funcionários públicos, passando a cuidar de assuntos de administração do Estado.
- É fundada a cidade de Assur, primeira capital do Império Assírio.
- Dinástico Arcaico III (2550-2300 a.C):
- Os reis de Lagash declaram guerra aos reis elamitas. Os conflitos duraram vários anos.
- Uruk e Ur retomam os conflitos, assim como, Lagash e Umma.
- Descoberto grandes túmulos reais em Ur, contendo dezenas de escravos sepultados ao lado dos reis e das rainhas.
- A II Dinastia de Ur derrota a II Dinastia de Uruk. Ur passa a dominar Uruk e suas terras.
- Conflitos entre Lagash, Umma, Kish, Ur prosseguem-se pelas décadas seguintes.
- A Babilônia torna-se cidade.
Mapa da Suméria, na Baixa Mesopotâmia. Na imagem vemos algumas das principais cidades da região, lembrando que algumas como Adab, Agade e a Babilônia foram fundadas por acádios e não pelos sumérios. |
- Império Acádio (2300-2.150 a.C):
- Sargão I de Acad (2300-2240 a.C) declara guerra ao rei de Kish. Após a vitória sobre o Reino de Kish, Sargão passa a declarar guerra a outras cidades-estados sumerianas. Nas décadas seguintes ele funda o primeiro império da mesopotâmia, conquistado terras pela Alta e Baixa Mesopotâmia, estendendo as fronteiras em direção a Síria e o Elão. Mari, na época uma próspera cidade mercantil, é conquistada.
- Rimush (2239-2230 a.C), filho de Sargão I assume o trono. Com a morte de seu pai, revoltas se instalam no império. Rimush passa todo seu reinado para contê-las.
- Manishtusu (2229-2214 a.C), segundo filho de Sargão, assume o trono no lugar de seu irmão. Em seu governo ele conseguiu por fim as revoltas e restaurar a ordem. Inclusive realizando novas conquistas.
- Narum-Sin (2213-2176 a.C), terceiro filho de Sargão. Manteve a ordem no império e ampliou seus domínios. No entanto, nos últimos anos de seu governo, novas revoltas voltaram a eclodir.
- Shar-Kali-sharri (2175-2150 a.C): filho de Narum-Sin, último rei do Império Acádio. Em seu reinado ele perdeu sua autoridade e as revoltas levaram a desintegração do império.
Em verde o Império Acádio durante o reinado de Sargão I. Em amarelo os domínios do Elão. Em roxo os domínios dos hurrianos. |
- 2150-2100 a.C: Com a queda do último rei acádio, o império entrou em anarquia. Vários reis se rebelaram e alguns tentaram disputar o trono acádio, no intuito de fundar uma nova dinastia.
- Os Guti, povo que habitava o nordeste da Assíria, migrou para o centro da Mesopotâmia a fim de disputar o trono de Acad. Eles acabaram fundado um pequeno reino chamado de Gudéia.
- As cidades-estados sumerianas retomaram sua independência e voltam a se confrontar. Os elamitas pressionam a fronteira oriental da Suméria. As terras do norte do Império Acádio são perdidas para os assírios, hurrianos e outros povos.
- Império de Ur (2112-2003 a.C):
- O rei Ur-Nammu (2112-2095 a.C) funda a III Dinastia de Ur. O jovem monarca cria uma genealogia que faz remontar seu parentesco com os semilendários reis Lugalbanda e Gilgamesh. Ur-Nammu governa sobre Ur e Uruk, mas passa a lutar para expandir seus domínios.
- Durante seu reinado ele promoveu uma reforma legislativa e judicial, que ficou conhecida na historiografia como "Código de Ur-Nammu".
- Ibbi-Sin (2028-2004 a.C) foi o último rei da III Dinastia de Ur. Com sua morte o império entrou em colapso.
- Os elamitas aproveitando a fragilidade do Império de Ur, voltaram a atacar a Suméria. Tribos nômades do oeste invadiram a Mesopotâmia. Saqueando e causando terror.
- 2003-1830 a.C: Com o fim do Império de Ur, cidades como Susa no Elão, Larsa, Assur, Mari e Babilônia recobram sua autonomia e passam a ser novamente importantes centros urbanos. Os conflitos continuam. Os amorritas migram para a parte central da Mesopotâmia, fixando-se em alguns territórios.
- Mercadores assírios fundam assentamentos na Capadócia, na Ásia Menor entre 1920-1900 a.C, durante o reinado de Erishum I.
- Dinastia Paleobabilônico (1830-1550 a.C):
- Sumu-abum (1830-1817 a.C) governante de origem amorrita, foi proclamado o primeiro rei da Babilônia da Dinastia Amorrita.
- Seus sucessores ampliariam os domínios do Reino da Babilônia, tornando-o um império.
- Hammurabi (c. 1792-1750 a.C) em seu longo governo ampliou os domínios do império e conseguiu manter a ordem e a prosperidade.
- É principalmente lembrado por ter promulgado uma reforma legislativa e judicial, "O Código de Hammurabi".
- Durante seu governo a cidade-estado de Mari foi saqueada e destruída por volta de 1759 a.C.
- Samsu-iluna (c. 1681 - c. 1648 a.C) durante seu governo os cassitas realizam ataques esporádicos ao império. Nas décadas seguintes os cassitas continuaram a pressionar os amorritas pelo controle da Babilônia.
- Os hititas invadem os domínios dos hurritas e dos assírios, chegando a confrontar os babilônios na fronteira norte.
- Por volta de 1550 a.C, a Dinastia Amorrita foi derrubada e a Dinastia Cassita foi elevada ao trono babilônio.
- Dinastia Cassita da Babilônia (1550-1155 a.C):
- Os cassita-babilônios continuaram a confrontar os hititas pelas fronteiras norte, mas passarão a confrontar os hurritas do Reino de Mitanni e os assírios.
- Em 1155 a.C os elamitas invadiram a Babilônia, conquistando, saqueando e derrubando a Dinastia Cassita.
- A pequena Dinastia de Isin assume o controle da Babilônia.
- Reino Mitanni (1550-1350 a.C):
- Durante seu reinado, os hititas foram pressionados a recuar para fora da Mesopotâmia, embora continuaram a guerrear para conquistar os hurritas.
- A Assíria foi subjugada, tornando-se reino vassalo.
- Os hurritas ou mitannis como também ficaram conhecidos, passaram a fazer negócios com os egípcios e em dados momentos a disputar o controle da Síria contra alguns faraós.
- Império da Assíria (c. 1365-1067 a.C):
- Por volta de 1365 a.C o rei Assurubalite derrotou os mitannis, recuperando a independência da região. Todavia, o novo reino assírio vivenciaria uma época caótica, violenta e marcada por guerras. Os hititas, hurritas, babilônios, elamitas e agora invasores vindos do ocidente, no caso os filisteus, entrariam no conflito para disputar o controle da região.
- Em 1234 a.C os assírios tomaram e saquearam a Babilônia.
- De cerca de 1224 a cerca de 1172 a.C, os babilônios tornaram-se vassalos dos assírios.
- Os assírios ampliaram seus domínios sobre os hurritas e expulsaram os hititas das fronteiras no noroeste. A disputa com os elamitas pelo controle da Baixa Mesopotâmia perdurou por anos.
- O colapso da Idade do Bronze (c. 1055-935 a.C):
- Os anos que compreendem meados do século XI a.C até meados do século X a.C na história da Mesopotâmia são caóticos e pouco conhecidos. O Reino Assírio entrou em colapso, o Elam passou por crises, vários chefes e reis se rebelaram e novos pequenos Estados surgiram, assim como, invasões de outros povos tornaram-se mais recorrentes.
- 935 a.C: os assírios começaram a se reerguer após anos de crises e de terem perdido grande parte de suas terras.
- 850-827 a.C: Fundação do Novo Império Assírio.
Mapa do Novo Império Assírio (824-612 a.C) em sua máxima extensão. |
- Novo Império Assírio: (c. 827-612 a.C):
- No século IX, o assírios voltaram a ser uma potência militar, alavancando um período de duzentos anos de conquistas contínuas que expandiriam os domínios de seu império, pela Ásia Menor, Síria, Palestina e até o Egito.
- O Novo Império Assírio foi o mais vasto dos impérios mesopotâmicos.
- Assur foi a capital inicial do império sendo substituída por Nínive no século VIII a.C.
- No século VIII a.C se iniciaram as invasões à Palestina.
- No século VII a.C teve início a conquista do Egito.
- Assurbanipal (688-627 a.C) durante seu vasto reinado, tornou-se o último grande rei assírio. Em seu governo o império chegou ao seu auge, tendo a Palestina, o Egito e o Elam como Estados vassalos.
- Confrontou os árabes, os caldeus, os nabateus e outros povos. Foi responsável por conquistar e saquear o Elam, anexando-o ao império, embora tenha ordenado uma guerra funesta na região.
- Durante seu governo foi organizada a famosa Biblioteca de Nínive, a qual chegou a conter milhares de documentos, entre os quais, uma cópia da famosa Epopeia de Gilgamesh.
- Todavia, nos últimos anos de seu governo, as revoltas tornaram-se intensas, e os babilônios cada vez mais se rebelavam com regularidade. Com sua morte o império entrou em colapso, pois seus herdeiros não possuíam a mesma capacidade de governar e mandar como o pai, o que os fragilizou diante da insurreição dos babilônios e de outros povos.
- Império Neobabilônico (612-539 a.C):
- Os babilônios firmando alianças com os elamitas e os medos romperam definitivamente com o governo assírio. Assim o governador babilônio Nabopolassar (625-605 a.C) tornou-se rei da Babilônia, fundando um novo reino, que viria a ser um império no governo de seu filho.
- Em 612 a.C com o apoio dos medos, Nabopolassar cercou a capital assíria, a cidade de Nínive, a saqueou e destruiu. O fragilizado Novo Império Assírio foi anexado ao nascente império neobabilônico.
- Nabucodonosor II (604-562 a.C), filho de Nabopolossar herdou o novo reino babilônio, e com isso as ambições de fundar um império. Durante seu vasto reinado, Nabucodonosor II tornou a Babilônia uma poderosa e próspera cidade, resgatando sua glória de dias passados.
- Entre 598-586 a.C ordenou campanhas de conquista na Palestina, no que resultou em 586 a.C a invasão de Jerusalém. A cidade foi saqueada e incendiada. Os hebreus foram feitos prisioneiros e levados para a Babilônia, o que ficou conhecido como o "Cativeiro da Babilônia".
- Chegou a confrontar alguns faraós os quais instigavam os hebreus a se rebelarem ao domínio babilônio. Não chegou a invadir o Egito no intuito de conquistá-lo.
- Promoveu grandes reformas urbanísticas na Babilônia o que incluiu os famosos Jardins Suspensos.
- Ficou lembrando na Bíblia ao lado de Assurbanipal como um rei tirânico.
- Após a sua morte seus filhos não conseguiram manter a estabilidade do império.
Durante seu governo ele ordenou que os hebreus estavam livres para retornar a sua terra, ao mesmo tempo que cobrou destes lealdade e vassalagem. A conquista persa do Império Neobabilônico marcou o fim da história mesopotâmica, pois nos séculos seguintes, nenhum povo de origem local voltaria a fundar reinos ou impérios, mas passariam a serem governados por povos estrangeiros.
As cidades:
Já foi dito que a Mesopotâmia possui algumas das mais antigas cidades do mundo que se conhece, algo que se encontra equiparação no Egito e na Índia. Sendo assim, como uma das propostas desse trabalho é falar sobre as cidades, comentaremos como algumas destas surgiram e seu papel na História, na política, economia, sociedade, cultura e religião. Sendo essa a parte final do texto. Para tratar de tais assuntos, optei em dividi-los em tópicos para facilitar a leitura, além de adotar uma metodologia de longa duração, ou seja, falarei de cidades sumerianas, da Babilônia e das duas capitais da Assíria, Assur e Nínive. Pelo fato de tais cidades terem existido por milênios, aos mesmo tempo em que foram destruídas e reconstruídas várias vezes, daí esse amplo recorte temporal.
a) origem divina das cidades:
As cidades mesopotâmicas já eram conhecidas nos relatos históricos, todavia apenas no século XIX com o advento da arqueologia é que teve início ao estudo de tais cidades, algumas sendo redescobertas após milhares de anos soterrada pelas areias do deserto iraquiano. Antes de adentrar o assunto, mencionarei os anos que tais cidades foram redescobertas, embora que seja preciso salientar que houve dezenas de escavações entre os séculos XIX e XX. Babilônia (1811), Assur (1821), Nínive (1842), Nippur (1851), Eridu (1854), Ur (1854), Uruk (1856), Shurupak (1902). (LEICK, 2003, p. 23, 54, 83, 131, 163, 240, 265).
Segundo a mitologia sumeriana e babilônia a primeira "cidade do mundo" foi Eridu, erguida numa ilha no oásis do delta do rio Eufrates. As versões mitológicas mudam, neste caso, os sumérios atribuíam ao deus Enki (Ea para os acadianos) a criação da cidade, por sua vez, os babilônios atribuíam ao deus Marduk tal realização. Não se sabe ao certo quando Eridu foi fundada, mas acredita-se que sua fundação date do terceiro milênio antes de Cristo. No entanto, a mitologia sumeriana diz que a cidade foi fundada dezenas de milhares anos antes do Dilúvio.
Mas independente da identidade do deus ou quando ela foi fundada é fato que a cidade sumeriana de Eridu foi fundada por um deus, o que lhe atribuiu um caráter sagrado, algo que se manteria na cultura de alguns povos mesopotâmicos como os sumérios, acadianos, babilônios e assírios.
De acordo com a mitologia, no princípio havia apenas o oceano, então Enki ou Marduk (dependendo da versão do mito), usaram juncos que colheram em seus jardins celestes, e assim criaram uma ilha artificial, e então pegaram a terra do leito do mar e cobriram os juncos, formando a primeira porção de terra seca. Ali os deuses criaram depois a cidade com todas as suas construções e depois criaram a humanidade, dando Eridu como presente, ao mesmo tempo em que instituíram que templos deveriam serem erguidos para servir de local de culto e de morada dos deuses, quando estes desciam a terra dos homens. (LEICK, 2003, p. 23-24).
Representação hipotética de como seria a cidade de Eridu, no sul da Suméria. Segundo a mitologia sumeriana-babilônica, Eridu teria sido a "primeira cidade do mundo". |
Tal questão é pertinente, pois a identidade sumeriana estava bastante associada a vida urbana. Ser sumério essencialmente era pertencer a uma cidade-estado, a viver em uma cidade, embora houvessem sumérios que vivessem na zona rural, porém pelo fato de serem citadinos, isso era usado como diferencial. Enquanto eles viviam em cidades, os demais povos (da mesopotâmia) viviam em vilas e aldeias.
"Assim, o Éden mesopotâmio não é um jardim, mas uma cidade formada de um pedaço de terra seca cercado pelas águas. O primeiro edifício é o templo. Depois é criada a humanidade para prestar serviço a deus e ao templo. Eis como a tradição mesopotâmia apresentou a evolução e a função das cidades, e Eridu fornece o mítico paradigma". (LEICK, 2003, p. 24).
O historiador das religiões Mircea Elíade (2001, p. 8-12) assinalou que entre alguns povos como os egípcios, sumérios, babilônios, assírios, hebreus e indianos, havia a noção de que a cidade era um local sagrado. Segundo a concepção dada por Elíade, a ideia de "cidade sagrada" simbolizava a percepção religiosa da ordem sobre o caos, do humano sobre a natureza, o doméstico sobre o selvagem. Neste caso, ele defendia o argumento de que a natureza era considerada a manifestação do selvagem e das forças caóticas (não no sentido negativo, mas no sentido de perigo), por sua vez, a cidade representaria a ordem sobre esse "mundo caótico", representaria o doméstico (entenda-se controle) sobre a natureza; mas também representaria a segurança diante a adversidade e perigos da natureza. E, por fim, simbolizaria a conexão entre o mundano e o divino, pois os templos seriam a "casa dos deuses"
“Los nombres de los templos y de las torres sagradas
babilónicos son testimonio de su asimilación a la montaña cósmica: “Monte de la
Casa”, “Casa del Monte de todas las tierras”, “Monte de las Tempestades”,
“Lazos entre el Cielo y la Tierra”, etcétera.37 Un cilindro del tiempo del rey
Gudea dice que “la cámara (del dios) que él (el Rey) construyó era igual al
monte cósmico”.38 Cada ciudad oriental se hallaba en el centro del mundo.
Babilonia era una Bab-ilani, una “puerta de los dioses”, pues ahí era donde los
dioses bajaban a la tierra. En la capital del soberano chino perfecto, el
gnomon no debe hacer sombra el día del solsticio de verano a mediodía. Dicha
capital se halla, en efecto, en el Centro del Universo, cerca del árbol
milagroso “Palo enhiesto” (kien mu), donde se entrecruzan las tres zonas
cósmicas: Cielo, Tierra e Infierno”.(ELÍADE, 2001, p. 13-14).
A montanha em distantes religiões e mitologias eram considerados locais da morada dos deuses, o locais nos quais as pessoas poderiam contatar os deuses. Moisés recebe as Tábuas da Lei no Monte Horebe; Noé encalha sua arca no Monte Ararate; os deuses gregos viviam no Monte Olimpo; algumas montanhas no Himalaia são consideradas moradas do deus Vishnu e do deus Shiva. Os exemplos são vários, mas no caso da Mesopotâmia, não há montanhas, sendo as únicas montanhas visíveis, encontrando-se fora de seus domínios. Daí Elíade propor que os templos e torres simbolizariam a ideia da "montanha cósmica".
b) a cidade-estado:
Pelo que se conhece da História, a Suméria parece ter sido o primeiro lugar do mundo a constituir cidades-estados, entendendo esse conceito como uma cidade que representa a capital de um Estado independente, personificando autonomia política, econômica, judicial e social, podendo ou não possuir territórios dependentes e tributários. Além dos sumérios outros povos como os gregos, fenícios, italianos, maias, indianos, etc., adotaram o modelo de cidade-estado. Sendo assim, o que chamamos hoje de Suméria não existia na Antiguidade, é apenas uma construção terminológica para se referir a área de influência das cidades sumerianas, o mesmo vale para a Grécia Antiga, que na prática não existia um "país chamado Grécia", mas uma península cheia de "pequenas Grécias".
As cidades sumerianas ainda no terceiro milênio até onde consegue se identificar, já possuíam monarcas, classes sociais, clero hierarquizado, exército, comércio, leis, etc. Neste caso um dos melhores exemplos de cidades do terceiro milênio são Uruk e Ur, pois embora a mitologia e a religião leguem a Eridu o status de "primeira cidade", na prática Eridu foi um pequeno Estado, sem muita influência política e econômica, talvez tendo mais uma influência religiosa, por ser uma cidade cujo padroeiro era o deus Enki, uma das mais importantes divindades do panteão sumeriano. De qualquer forma, Uruk e Ur, cidades rivais de longa data, foram centros de poderosos e prósperos Estados em diferentes épocas.
"O Período Uruque, em especial as fases média e madura, desde cerca de 3500 até 3200 a.C, é um exemplo particularmente significativo de como nosso entendimento do passado é, na realidade, muito limitado. Temos todas as provas tangíveis para uma "civilização" urbana plenamente desenvolvida, com todas a suas marcas clássicas e características: arquitetura monumental, criações artísticas, muitos milhares de plaquetas cuneiformes e sinetes cilíndricos. Isso fez com que se afirmasse que estávamos aí diante da primeira e ainda pura organização do Estado, com estratificação social, uma religião estatal, até postos avançados coloniais, tudo baseado numa agricultura assente na irrigação intensiva. Na verdade, a maioria dessas conclusões são hipotéticas. Bem pouco se sabe sobre como estava organizada a sociedade em Uruque, por que razão as pessoas escolheram viver em tão grande número num único lugar e por que teriam consumido tanta mão-de-obra em obras públicas". (LEICK, 2003, p. 66).
Uruk ainda no terceiro milênio era uma cidade grande, e cresceria nos séculos seguintes. Estimasse que a cidade foi continuamente habitada por pelo menos dois mil anos, talvez mais, pois não se sabe quando foi destruída e abandonada de vez, embora as pesquisas arqueológicas revelem que a cidade foi reconstruída várias vezes, pois era normal usar o alicerce e material de construções anteriores para erguer novas construções. De qualquer forma em seu auge a cidade chegou a cobrir um território de 550 hectares (55 mil metros quadrados), inclusive sua muralha chegou a possuir nove quilômetros de extensão. (LEICK, 2003, p. 68).
Ainda no terceiro milênio, mas nos 500 anos seguintes, Uruk parece ter sido o centro de um comércio de longa distância, embora que os relatos históricos atestem sua influência política como um dos mais poderosos Estados sumerianos (em dados momentos parece ter sido o mais poderoso politicamente, economicamente e militarmente). Mas no caso da economia, além de algumas pontuais menções históricas, encontraram-se vestígios de mercadorias e objetos usados no comércio que atestam a disseminação dos contatos mercantis do Estado de Uruk.
"O governo uruquiano estabeleceu enclaves e postos avançados que asseguraram e impuseram a transferência regular de metais (em especial, cobre, chumbo, ouro e prata), minérios (pedras semipreciosas e obsidiana) e madeira da periferia para o centro. As exportações do centro eram os excedentes de cereais, artigos de couro, peixe seco, tâmaras e produtos têxteis". (LEICK, 2003, p. 69).
Outra características marcante de Uruk foram suas grandes construções, templos, palácios, a muralha e prédios públicos. As pesquisas arqueológicas revelam construções com 30 e até 50 metros de comprimento, para os padrões da época, algo monumental.
"Assim, o investimento da cultura uruquiana em arquitetura monumental tinha vários efeitos e consequências. Ajudou a consolidar a identidade cultural das pessoas através de trabalho e responsabilidade compartilhados; forneceu padrões de referência que proclamavam com ofuscante visibilidade a riqueza, a perícia e o esforço comum da comunidade; sinalizou os pontos focais para atividades especiais (exibição, troca, ritual) e, além disso, ajudou a expandir muito a base ideológica da cultura". (LEICK, 2003, p. 77).
Outra cidade que se destacou foi Acad, Agad ou Acádia, principalmente a partir do governo de Sargão I, o Grande (c. 2334-2279 a.C), o qual governou por longos 56 anos, e segundo sua história, teria realizado 34 campanhas militares as quais resultaram na criação e seu império. O que se destaca em Acádia, é que ela deixou de ser uma cidade-estado para se tornar a capital de um império.
Sob o governo de Sargão e seus sucessores a até então pequena cidade-estado, tornou-se uma opulenta e cosmopolita cidade, recebendo pessoas de diferentes cantos da Mesopotâmia e até da Ásia Menor, da Síria e do Irã. As rotas de comércio foram alteradas para confluírem em Acádia, o porto foi expandido; e com o aumento da tributação, várias obras foram realizadas, aumentando e embelezando a cidade.
Por outro lado, Sargão investiu no exército, embora se desconheça quantos homens haveria em seu exército, mas acredita-se que tenha sido o mais poderoso, ou pelo menos o melhor equipado e treinado, pois a história de seu reinado fala de 34 campanhas militares, das quais a maioria Sargão venceu. Mesmo que não possamos comprovar a exatidão da quantidade de batalhas, ainda assim, sabe-se que ele fundou um império com base na guerra, o que indica que seu exército deve ter sido superior de alguma maneira.
Não obstante, a Acádia também assegurou que seu nome e fama se espalhasse por parte do Oriente Médio, além de se tornar a recolhedora de impostos de terras distantes. Algumas pessoas nunca chegaram a viajar para a capital, mas tinham que lhe pagar impostos. Pagar tributos para um rei estrangeiro, que crescia em fama.
Uma terceira cidade que citaremos foi Ur, a qual durante o quarto milênio ficou em paralelo com Uruk e outras cidades sumerianas, mas no terceiro milênio, após o fim do Império Acadiano, surgiu o Império de Ur, e o grande mérito dessa fase foi sua burocracia, a qual foi a mais desenvolvida para a época na Mesopotâmia. Os reis de Ur a começar por Ur-Nammu, reformularam a administração estatal.
"A fim de maximizar a produtividade, a administração do estado introduziu várias medidas-padrão. Estas substituíram amplamente o antigo costume de cada cidade controlar seu próprio sistema de pesos e medidas. A prata tornou-se a principal unidade contábil e estava em circulação no formato de varetas, das quais se obtinha a apropriada quantidade em peso. De suma importância, a administração agrícola parece ter progredido muito e foram feitos investimentos pela autoridade central para implementar técnicas superiores de irrigação. A criação de gado deve ter-se concentrado nos vales setentrionais, que eram climaticamente mais adequados para esse fim. Pesca, criação de galináceos, horticultura e o cultivo de tamareiras passaram a estar integrados na economia, como mostram os manuais administrativos". (LEICK, 2003, p. 146-147).
"Politicamente, o país estava dividido em províncias, cada uma com sua própria capital e administrada por um ensi (governador provincial) nomeado pelo rei. O ensi era responsável pela manutenção da estabilidade e pela colta de impostos, tendo de prestar contas ao rei. Cada cidade estava, assim, firmemente integrada num estado centralizado, e até mesmo as propriedades do templo eram controladas pela autoridade governamental". (LEICK, 2003, p. 147).
No segundo e primeiro milênios as cidades de Assur, Babilônia e Nínive começaram a se destacar, pois embora sejam locais habitados pelo menos desde o quarto e terceiro milênio, apenas séculos depois que começaram a despontar como cidades-estados e depois capitais de reinos e impérios. Entre 1900-1800 a.C, Assur a primeira capital dos assírios, foi senhora de uma importante rota comercial que ligava a Alta Mesopotâmia a Ásia Menor, o que gerou o surgimento de uma poderosa e rica classe de mercadores assírios.
Embora os assírios sejam principalmente lembrados como guerreiros cruéis e sem misericórdia, antes disso, eles foram grandes comerciantes. Os mais ricos mercadores começaram a fundar "filiais" e entrepostos de suas lojas na Ásia Menor, designando sócios e familiares para cuidar das lojas em ambas as regiões. Ao mesmo tempo em que se fundaram feiras e "colônias" na Ásia Menor, como também os ricos comerciantes passaram a disputar o cargo de limmu, o qual possuía funções de chefia e administrativas acerca do comércio. Era exercido num mandato de um ano. (LEICK, 2003, p. 224).
Assur viveu tempos áureos até ser eclipsada pelos hititas e os hurritas. No século XIV a cidade volta a se reerguer e torna-se a capital de um império, época na qual chegou a dominar a Babilônia e seus territórios. É nesse tempo que muitos dos principais monumentos e construções que hoje se conhece da Assíria foram construídos, e a civilização assíria vivenciou seu auge. No que se refere ao Babilônia, como cidade-estado apenas no século XIX é que a cidade passou a ter destaque na região, alcançando seu auge entre 1792 e 1750 a.C, época do reinado de Hammurabi, o qual tornou a pequena cidade-estado, na capital de um império. A riqueza conquistada permitiu que a cidade torna-se uma "metrópole" no sentido atual.
Todavia, com a morte de Hammurabi, a Babilônia perdeu seu status, retomando-o mais de um século depois com a Dinastia Cassita (c. 1600-1155), época que disputou com Assur o controle da Mesopotâmia. Os assírios também chegaram a perder seu império retomando-o apenas no século X ou IX, e Assur continuou ainda como capital, até que foi substituída por Nínive.
Embora Nínive fosse uma cidade bem antiga, apenas entre os séculos VIII e VII é que ela teve importância política e econômica, pois neste período o rei assírio Sargão II (721-705) começou a construir um templo dedicado ao deus Nabu, filho de Marduk, na cidade. Além do templo, o rei também ordenou a construção de um novo palácio e se mudou com sua corte para lá. Seus sucessores continuariam a habitar Nínive, realizando várias obras, tornando a pequena cidade, digna de ser uma capital imperial. Durante o reinado de Assurbanipal, a cidade vivenciou seu auge, mas também sua queda. E dessa época que a "Biblioteca de Nínive" teria alcançado seu maior acervo, pois o rei Assurbanipal era conhecido por admirar as artes e ciências.
Com a derrocada dos assírios, os babilônios se rebelaram e a Babilônia voltou a ser uma capital imperial. Durante o reinado de Nabucodonosor II (604-562 a.C), este monarca tentou recuperar a glória e a beleza da cidade como visto nos tempos dourados na época dos amoritas e dos cassitas, séculos antes. No século VI a.C, mais uma vez a Babilônia tornava-se uma cidade cosmopolitana, e uma das mais prósperas e influentes da Ásia e do mundo na época. (LEICK, 2003, p. 271).
b) a cidade-estado:
Pelo que se conhece da História, a Suméria parece ter sido o primeiro lugar do mundo a constituir cidades-estados, entendendo esse conceito como uma cidade que representa a capital de um Estado independente, personificando autonomia política, econômica, judicial e social, podendo ou não possuir territórios dependentes e tributários. Além dos sumérios outros povos como os gregos, fenícios, italianos, maias, indianos, etc., adotaram o modelo de cidade-estado. Sendo assim, o que chamamos hoje de Suméria não existia na Antiguidade, é apenas uma construção terminológica para se referir a área de influência das cidades sumerianas, o mesmo vale para a Grécia Antiga, que na prática não existia um "país chamado Grécia", mas uma península cheia de "pequenas Grécias".
As cidades sumerianas ainda no terceiro milênio até onde consegue se identificar, já possuíam monarcas, classes sociais, clero hierarquizado, exército, comércio, leis, etc. Neste caso um dos melhores exemplos de cidades do terceiro milênio são Uruk e Ur, pois embora a mitologia e a religião leguem a Eridu o status de "primeira cidade", na prática Eridu foi um pequeno Estado, sem muita influência política e econômica, talvez tendo mais uma influência religiosa, por ser uma cidade cujo padroeiro era o deus Enki, uma das mais importantes divindades do panteão sumeriano. De qualquer forma, Uruk e Ur, cidades rivais de longa data, foram centros de poderosos e prósperos Estados em diferentes épocas.
"O Período Uruque, em especial as fases média e madura, desde cerca de 3500 até 3200 a.C, é um exemplo particularmente significativo de como nosso entendimento do passado é, na realidade, muito limitado. Temos todas as provas tangíveis para uma "civilização" urbana plenamente desenvolvida, com todas a suas marcas clássicas e características: arquitetura monumental, criações artísticas, muitos milhares de plaquetas cuneiformes e sinetes cilíndricos. Isso fez com que se afirmasse que estávamos aí diante da primeira e ainda pura organização do Estado, com estratificação social, uma religião estatal, até postos avançados coloniais, tudo baseado numa agricultura assente na irrigação intensiva. Na verdade, a maioria dessas conclusões são hipotéticas. Bem pouco se sabe sobre como estava organizada a sociedade em Uruque, por que razão as pessoas escolheram viver em tão grande número num único lugar e por que teriam consumido tanta mão-de-obra em obras públicas". (LEICK, 2003, p. 66).
Reconstituição hipotética da cidade de Uruk, conhecida no século XIX, na época que foi redescoberta, como sendo a "mãe das cidades" devido as suas dimensões. |
Ainda no terceiro milênio, mas nos 500 anos seguintes, Uruk parece ter sido o centro de um comércio de longa distância, embora que os relatos históricos atestem sua influência política como um dos mais poderosos Estados sumerianos (em dados momentos parece ter sido o mais poderoso politicamente, economicamente e militarmente). Mas no caso da economia, além de algumas pontuais menções históricas, encontraram-se vestígios de mercadorias e objetos usados no comércio que atestam a disseminação dos contatos mercantis do Estado de Uruk.
"O governo uruquiano estabeleceu enclaves e postos avançados que asseguraram e impuseram a transferência regular de metais (em especial, cobre, chumbo, ouro e prata), minérios (pedras semipreciosas e obsidiana) e madeira da periferia para o centro. As exportações do centro eram os excedentes de cereais, artigos de couro, peixe seco, tâmaras e produtos têxteis". (LEICK, 2003, p. 69).
Outra características marcante de Uruk foram suas grandes construções, templos, palácios, a muralha e prédios públicos. As pesquisas arqueológicas revelam construções com 30 e até 50 metros de comprimento, para os padrões da época, algo monumental.
"Assim, o investimento da cultura uruquiana em arquitetura monumental tinha vários efeitos e consequências. Ajudou a consolidar a identidade cultural das pessoas através de trabalho e responsabilidade compartilhados; forneceu padrões de referência que proclamavam com ofuscante visibilidade a riqueza, a perícia e o esforço comum da comunidade; sinalizou os pontos focais para atividades especiais (exibição, troca, ritual) e, além disso, ajudou a expandir muito a base ideológica da cultura". (LEICK, 2003, p. 77).
Outra cidade que se destacou foi Acad, Agad ou Acádia, principalmente a partir do governo de Sargão I, o Grande (c. 2334-2279 a.C), o qual governou por longos 56 anos, e segundo sua história, teria realizado 34 campanhas militares as quais resultaram na criação e seu império. O que se destaca em Acádia, é que ela deixou de ser uma cidade-estado para se tornar a capital de um império.
Sob o governo de Sargão e seus sucessores a até então pequena cidade-estado, tornou-se uma opulenta e cosmopolita cidade, recebendo pessoas de diferentes cantos da Mesopotâmia e até da Ásia Menor, da Síria e do Irã. As rotas de comércio foram alteradas para confluírem em Acádia, o porto foi expandido; e com o aumento da tributação, várias obras foram realizadas, aumentando e embelezando a cidade.
Por outro lado, Sargão investiu no exército, embora se desconheça quantos homens haveria em seu exército, mas acredita-se que tenha sido o mais poderoso, ou pelo menos o melhor equipado e treinado, pois a história de seu reinado fala de 34 campanhas militares, das quais a maioria Sargão venceu. Mesmo que não possamos comprovar a exatidão da quantidade de batalhas, ainda assim, sabe-se que ele fundou um império com base na guerra, o que indica que seu exército deve ter sido superior de alguma maneira.
Não obstante, a Acádia também assegurou que seu nome e fama se espalhasse por parte do Oriente Médio, além de se tornar a recolhedora de impostos de terras distantes. Algumas pessoas nunca chegaram a viajar para a capital, mas tinham que lhe pagar impostos. Pagar tributos para um rei estrangeiro, que crescia em fama.
Uma terceira cidade que citaremos foi Ur, a qual durante o quarto milênio ficou em paralelo com Uruk e outras cidades sumerianas, mas no terceiro milênio, após o fim do Império Acadiano, surgiu o Império de Ur, e o grande mérito dessa fase foi sua burocracia, a qual foi a mais desenvolvida para a época na Mesopotâmia. Os reis de Ur a começar por Ur-Nammu, reformularam a administração estatal.
"A fim de maximizar a produtividade, a administração do estado introduziu várias medidas-padrão. Estas substituíram amplamente o antigo costume de cada cidade controlar seu próprio sistema de pesos e medidas. A prata tornou-se a principal unidade contábil e estava em circulação no formato de varetas, das quais se obtinha a apropriada quantidade em peso. De suma importância, a administração agrícola parece ter progredido muito e foram feitos investimentos pela autoridade central para implementar técnicas superiores de irrigação. A criação de gado deve ter-se concentrado nos vales setentrionais, que eram climaticamente mais adequados para esse fim. Pesca, criação de galináceos, horticultura e o cultivo de tamareiras passaram a estar integrados na economia, como mostram os manuais administrativos". (LEICK, 2003, p. 146-147).
Reconstituição de como teria sido a cidade-estado de Ur. |
No segundo e primeiro milênios as cidades de Assur, Babilônia e Nínive começaram a se destacar, pois embora sejam locais habitados pelo menos desde o quarto e terceiro milênio, apenas séculos depois que começaram a despontar como cidades-estados e depois capitais de reinos e impérios. Entre 1900-1800 a.C, Assur a primeira capital dos assírios, foi senhora de uma importante rota comercial que ligava a Alta Mesopotâmia a Ásia Menor, o que gerou o surgimento de uma poderosa e rica classe de mercadores assírios.
Assur viveu tempos áureos até ser eclipsada pelos hititas e os hurritas. No século XIV a cidade volta a se reerguer e torna-se a capital de um império, época na qual chegou a dominar a Babilônia e seus territórios. É nesse tempo que muitos dos principais monumentos e construções que hoje se conhece da Assíria foram construídos, e a civilização assíria vivenciou seu auge. No que se refere ao Babilônia, como cidade-estado apenas no século XIX é que a cidade passou a ter destaque na região, alcançando seu auge entre 1792 e 1750 a.C, época do reinado de Hammurabi, o qual tornou a pequena cidade-estado, na capital de um império. A riqueza conquistada permitiu que a cidade torna-se uma "metrópole" no sentido atual.
Todavia, com a morte de Hammurabi, a Babilônia perdeu seu status, retomando-o mais de um século depois com a Dinastia Cassita (c. 1600-1155), época que disputou com Assur o controle da Mesopotâmia. Os assírios também chegaram a perder seu império retomando-o apenas no século X ou IX, e Assur continuou ainda como capital, até que foi substituída por Nínive.
Pintura retratando de forma romanceada como teria sido Nínive. A.H. Layard, século XIX. |
Com a derrocada dos assírios, os babilônios se rebelaram e a Babilônia voltou a ser uma capital imperial. Durante o reinado de Nabucodonosor II (604-562 a.C), este monarca tentou recuperar a glória e a beleza da cidade como visto nos tempos dourados na época dos amoritas e dos cassitas, séculos antes. No século VI a.C, mais uma vez a Babilônia tornava-se uma cidade cosmopolitana, e uma das mais prósperas e influentes da Ásia e do mundo na época. (LEICK, 2003, p. 271).
Reconstituição de como teria sido a Babilônia durante o governo de Nabucodonosor II no século VI a.C. |
c) o papel da escrita para a economia e a administração:
A medida que a produção rural cresceu para sustentar milhares de bocas, e eventualmente o excesso dessa produção para não ser perdido, poderia ser usado para se trocar por outros produtos e mercadorias, assim criando o comércio, foi necessário em determinado momento calcular o quanto foi produzido, ou quanto era vendido, quanto valia cada mercadoria, mesmo que não houvesse dinheiro naquela época. Assim, estava-se diante de um problema de administração tanto da economia quanto da produção estatal.
Os sumérios ainda no quarto milênio a.C, adotaram o uso de sinetes, os quais quais de acordo com Leick (2003, p. 64) já eram usados desde o Período Obeid (4500-4000 a.C), logo, não se sabe se foram os sumérios que criaram esses sinetes ou foi outro povo. De qualquer forma, o uso dos sinetes antecede o uso da escrita, tendo um papel bastante importante para o controle das mercadorias, dos estoques, dos fornecedores e compradores, em outras palavras, consiste numa das formas mais antigas que se conhece sobre administração.
Eram usados selos com imagens de animais e de pessoas, geralmente animais comuns da região (pássaros, gazelas, leões, tigres, peixes, touros, cabras, etc.), no caso das figuras humanas, essas apareciam em determinados momentos bem caracterizadas: encontram-se mulheres fiando, soldados armados com lanças, arcos e flechas; agricultores, pecuaristas, pescadores, caçadores; e até mesmo o que parece serem funcionários do Estado, nobres e talvez representações de deuses. (LEICK, 2003, p. 64-65).
Estes selos representavam os Estados, funcionários, instituições, pessoas físicas e jurídicas no entendimento de hoje. A fim de evitar que a mercadoria pudesse ser contrabandeada, roubada ou sua carga fosse alterada, os grãos e outros produtos eram colocados em vasos, caixas, etc., e eram lacrados e selados com o sinete da autoridade responsável. Assim sabia-se a procedência e origem de tal mercadoria.
No entanto ainda no terceiro milênio a.C, o uso simbólico evoluiu para a escrita. Não se sabe ao certo em que ano começaram a escrever, mas a data normalmente creditada para isso pelos historiadores é entre 4000-3500 a.C, alguns falam de 3500-3000 a.C. Todavia, a chamada escrita cuneiforme como ficaria conhecida, devido ao uso de cunhas para escrever os caracteres na argila molhada, ela passou por várias transformações.
Inicialmente a escrita ainda eram bastante pictográfica, ou seja, para se referir a uma pessoa, desenhava-se a pessoa ou somente a cabeça; para se referir a um animal, desenhava-se o respectivo animal, o mesmo vali para as plantas, para o sol, a lua, construções, etc. Embora que também surgiram símbolos mais abstratos para se referir a água, rio, terra, fogo, vento, quantidade, origem, vida, morte, etc.
"Havia símbolos numéricos especiais para tipos de grãos, tipos de cerveja, produtos têxteis, metais etc. De modo geral, a informação podia ser distribuída de forma aleatória na superfície da plaqueta. Não havia uma direção geral para decifrar os sinais. Na plaquetas arcaicas, recibos e contas eram frequentemente escritos no verso da plaqueta. Não havia uma direção geral para decifrar os sinais". (LEICK, 2003, p. 65).
Nota-se que a partir da fase 3 até a fase 7, a escrita cuneiforme manteve um padrão, possuindo poucas alterações na representação das palavras e fonemas, pois estes signos poderiam representar apenas um termo, um numeral (também no sentido de quantidade, distância e peso) ou uma ideia ou um conceito. Por mais que pareçam estranhos tais signos, a escrita cuneiforme foi usada por milhares de anos, inclusive encontramos cuneiforme de origem persa datando do século VII a.C, o que revela a longevidade desse alfabeto.
Todavia, quando os acadianos passaram também a adotar tal escrita, eles o adaptaram para sua linguagem, e a língua acadiana acabou levando contribuições fonéticas que não existiam na língua sumeriana, assim, tempos depois, os pictográficos foram substituídos por sinais que representavam palavras, números, ideias, conceitos, etc. Ao ver a imagem acima, nota-se essa transformação da escrita cuneiforme sumeriana para o cuneiforme acadiano (lembrando que o assírio e o babilônio eram línguas de origem acadiana). (CONTENEAU, 1975, p. 58-59).
Graças ao uso dos selos e do desenvolvimento primitivo da escrita cuneiforme, os Estados sumerianos puderam conceber as primeiras noções de administração. Acredita-se que inicialmente a escrita fosse apenas usada para se referir a produção rural, o comércio e a tributação, pois a população pagava impostos ao Estado e também aos templos. No entanto, no terceiro milênio a.C (3000-2000 a.C), já encontramos o emprego dessa escrita para contar a história de reis, mitos, guerras, aventuras, relatórios administrativos e burocráticos, ensinamentos religiosos, matemáticos, astronômicos, etc. (LEICK, 2003, p. 110).
A decifração da escrita cuneiforme só ocorreu no século XIX, sendo um processo de longos anos e feitos por diferentes linguistas, pois embora os persas ainda tenham feito uso dela, acabaram abandonando esse alfabeto e adotando outro (CONTENEAU, 1979, p. 63). Todavia, as primeiras descobertas desse sistema de escrita foi com base no modelo persa, e foi a partir da língua persa que se começou a trilhar o caminho inverso, para aprender babilônio, assírio, acadiano até chegar ao sumeriano, língua bastante difícil de se ler, e praticamente de se falar, pois não se sabe ao certo como eram as pronúncias das letras e das palavras.
d) a autoridade dos reis:
Em Uruk o soberano era chamado pelo título de en, em Ur usava-se lugal e em Lagash usava-se ensi. Durante o terceiro milênio (3000-2000 a.C), o termo en caiu em desuso, restando lugal e esn, porém ensi passou a ser usado para se referir a governador e não mais rei. Não obstante, alguns reis adotavam o termo lugal para formar seus nomes reais, como Lugalbanda, rei semilendário de Uruk, ou os reis Lugal-Kitun, Lugal-zagesi, Lugal-Une, Lugaldalu, etc. Por outro lado, alguns monarcas utilizavam o nome da sua cidade-estado para se identificar. Durante a III Dinastia de Ur (2112-2003 a.C), houve o rei Ur-Nammu, além de outros monarcas adotarem também o prefixo Ur. Em Alguns casos, encontram-se o uso do nome da família, como a Dinastia Isin que governou Ur e a Babilônia, muitos reis usaram o sobrenome Isin.
"O rei governa a cidade; é um grande proprietário. Quer seja, en como em Uruk, lugal, como em Ur, ensi, como em Lagash, ele é sempre o eleito dos deuses que representa na cidade. É o juiz supremo; é a ele que compete construir e restaurar os templos, manter os canais de irrigação e defender o país. A hierarquia entre os vários títulos reais é difícil de estabelecer, pois tiram os seus nomes dos usos locais". (LÈVÊQUE, 1987, p. 33).
Segundo o mito de origem do homem, como contam as narrativas sumerianas, o primeiro homem foi Alulim, embora haja controvérsias quanto a isso, pois o mito diz que após Enki criar Eridu, a monarquia desceu do Céu. E Alulim tornou-se o primeiro rei de Eridu (considerada na tradição sumeriana-acadiana a primeira cidade do mundo). A controvérsia gira em torno da identidade de Alulim: teria sido ele um deus, um semideus ou o primeiro homem? De qualquer forma, lhe credita ter sido o primeiro monarca, o que atesta sua origem divina e sua ligação com os deuses. Os reis que o seguiram até a época do Dilúvio, foram governantes semidivinos que teriam vivido "milhares de anos".
Após o Dilúvio, os reis começaram a viver menos e já não eram mais semidivinos, com raras exceções, como o caso de Gilgamesh, o qual era filho da deusa Ninsun, divindade praticamente desconhecida. Todavia, o seu mito é enfático ao dizer que ele era um semideus. O rei Sargão, o Grande possui distintas histórias sobre sua origem e ascensão, algumas apontando uma origem humilde, como sendo filho de um jardineiro, outras que ele seria filho bastardo de um rei, e em outras seu destino teria sido salvo pela intervenção da deusa Inanna. O rei Ur-Nammu como mencionado, procurou traçar sua árvore genealógica até Lugalbanda e Gilgamesh, como forma de legitimar sua origem real e até mesmo semidivina.
Em diferentes épocas os monarcas mesopotâmicas fossem sumérios, acadianos, assírios e babilônios, detiveram mais ou menos funções religiosas, o que incluía ser reconhecido como sumo-sacerdote ou deter o direito de nomear o alto clero. Além disso, o monarca também era reconhecido por ser um governante divinamente entronizado, algo que voltaremos a comentar adiante; no entanto, também cabia ao rei presidir várias cerimônias religiosas, principalmente as mais importantes. Um dos melhores exemplos eram os festejos do Akitu (Festa de Ano Novo) na Babilônia, em cujas cerimônias era obrigatório a presença do rei e da rainha, por serem os senhores daquele Estado e os representantes dos deuses. (CONTENEAU, 1979, p. 127).
"O Rei é pontífice supremo de direito, função que delega ao urigallu, o sumo sacerdote que comanda o clero, o corpo de sacerdotes, aqueles "que têm a entrada do templo" (eribbiti). Depois vêm os sacerdotes especializados: o kalu, que pronuncia as lamentações e com a ajuda do chantres (nare) sustenta a cerimônia com seus cânticos; o baru, que interpreta a vontade dos deuses explicando os presságios, quanto o shailu, o interrogador, tem por missão procurar o pecado do fiel. O ashipu e o mashmashu proferirão os encantamentos e executarão os ritos próprios para livrar os fiéis dos demônios. O ramiku procederá às lavagens de purificação e o pashishu, ele próprio ungido, praticará as unções. O corpo das sacerdotisas não têm menor importância. A grande sacerdotisa (entu) tem autoridade sobre elas". (CONTENEAU, 1979, p. 107).
Na época que o termo lugal passou a proliferar, os soberanos passaram a deter maior poder e autoridade político e econômica.
"A secularização do poder e da administração, bem como a concentração de riquezas por famílias e grandes casas, propiciou a individualização do poder. O lugal era, como frequência, um indivíduo carismático, dotado de características e ambições pessoais, em vez de um burocrata ou "sacerdote". Isso não sugere que existisse conflito inerente entre liderança "secular" e "religiosa". Mais pertinente era a tensão entre independência local (cidade-estado) e integração em alguma unidade maior (reino)". (LEICK, 2003, p. 113).
Para Leick (2003) quando o termo lugal tornou-se mais habitual entre os monarcas acadianos e sumerianos, ele ganhou uma condição de realeza e poder bem maiores. Os reis já não se viam como pequenos governantes, mas como grandes governantes, inclusive lugal significa ("grande homem"). Sargão da Acádia talvez tenha sido o primeiro a fazer jus ao sentido de tal título. Ele ao desafiar o rei de Kish, autointitulou-se sarru-kin-lugal-kin ("o verdadeiro rei").
Posteriormente já dono de um império, tendo sido o primeiro rei mesopotâmico que se conhece na História, a fundar um império, adotou o título de lugal-kalam-na ("rei de toda a terra"). Posteriormente alguns reis sumerianos usariam tal título e até o título de lugal-Kish, que necessariamente não significaria "rei de Kish", mas algo como o "grande rei", uma alusão ao fato que foi a partir da conquista deste reino que Sargão começou seu império. Não obstante, alguns reis babilônios usariam o título de "rei da Acádia", em referência a Sargão e seus sucessores (LEICK, 2003, p. 113).
Foram os reis acadianos que começaram a dar mais valor aos hinos reais e aos cânticos heroicos, algo que já existia entre os sumérios, mas como os reis acadianos foram os primeiros a reinar sobre um império, isso se tornou mais marcante. No Império de Ur nota-se essa manutenção de escrever hinos reais aos soberanos exaltando seus feitos. Isso servia de propaganda política para seus súditos e para seus inimigos. Um dos melhores exemplos advém do governo de Shulgi de Ur (c. 2094-2047), filho de Ur-Nammu. (LEICK, 2003, p. 153).
A tradição de exaltar os monarcas com poemas, músicas, na pintura e na escultura, foi mantida pelos milênios seguintes na Mesopotâmia (e em outros povos também). Todo rei procurou de alguma forma preservar seus feitos e a memória de sua pessoa.
Pela opinião da historiadora Gwendolyn Leick (2003), realmente o título de lugal forneceu um status político bem maior, ao ponto de que tenha diminuído as funções religiosas do monarca, mas sem excluí-las, pois o rei e a rainha ainda continuaram a presidir ritos públicos. Outro motivo advém da desburocratização do papel do governante.
Inicialmente ele detinha uma função de "burocrata" e "sacerdote", como assinalado por Lèvêque (1987), mas a medida que a organização administrativa do Estado foi melhor se desenvolvendo, assim como, a divisão do trabalho, o monarca deixou de ter funções ligadas diretamente a administração, passando a ter funcionários para isso, resguardando para si o poder de comando e direção, além de julgamento (apenas em determinados casos, pois havia o judiciário para isso); por sua vez, suas obrigações sacerdotais foram reduzidas, ficando mais atrelada as festejos públicos de caráter civil-religioso. Todavia, vários reis ao longo da história mesopotâmica chegaram a concentrar muita autoridade em suas mãos.
Todavia, também data do Império de Ur os principais túmulos reais que se conhece na Mesopotâmia. A história e a arqueologia nos revelam que os ritos fúnebres da nobreza em geral não foram algo importante como visto em outros povos, mas por algum motivo ainda não certo, em Ur da III Dinastia, a nobreza construiu suntuosos túmulos, cheios de riquezas (distintos objetos em ouro, prata e encrustados com pedras preciosas e semipreciosas), além de conterem os restos mortais do que parecem ter sido escravos ou serviçais, o que ainda hoje gera debate para historiadores e arqueólogos.
"O túmulo mais bem-conservado pertencia a uma mulher identificada por seu sinete cilíndrico em lápis-lazúli como Pu-abi, sendo o primeiro sinal disso uma antecâmara onde jaziam os corpos de cinco homens com adagas de bronze à cinta. Sob uma cada de esteira estavam os esqueletos de dez mulheres, dispostos em duas filas, requintadamente enfeitados com toucados de ouro e colares". (LEICK, 2003, p. 135).
Ainda hoje há dúvidas sobre o papel destes luxuosos túmulos reais em Ur III. Teriam simbolizado um culto aos reis e rainhas mortos? Pois pouco se conhece sobre o culto aos mortos na Mesopotâmia. Algum rito fúnebre antigo que foi revitalizado? Um novo rito fúnebre criado pelos reis daquela dinastia? Pois em geral os soberanos não recebiam culto, pois não eram considerados divinos ou deuses, como no caso dos egípcios, dos chineses, dos japoneses, dos astecas e incas, só para citar alguns exemplos. Embora fosse um representante dos deuses, ainda assim, era algo diferente.
E quanto as demais pessoas encontradas em tais túmulos: teriam sido sacrificados para os nobres? Teriam optado em acompanhar seus senhores e senhoras na vida após a morte? Foram de livre espontânea vontade ou obrigado?
e) o papel da religião para o Estado:
Falar sobre as religiões mesopotâmicas demandaria um trabalho específico, por ser um assunto bem amplo, logo, procurei sintetizar este tema, no objetivo de tratar a religiosidade no seu papel estatal, deixando de fora a questões particulares da fé, suas crenças e ritos.
Como foi visto, as cidades eram vistas como locais sagrados, sendo que toda cidade deveria ter um templo, pois simbolizava a casa de um deus ou deusa, mas também representava a união entre aquela população com suas divindades. Assim, cada cidade possuía sua divindade padroeira: Enki em Eridu, Inanna em Uruk, Ur, Babilônia e Nínive; Marduk na Babilônia; Enlil em Nippur; Utu em Sippar; An em Uruk e Shurupak; Assur em Assur; Nannar em Ur. Os sumérios, acadianos, babilônios assírios e demais povos eram politeístas, adorando dezenas de divindades, embora houvessem aquelas que eram mais cultuadas do que outras, além de haver divindades locais e regionais.
Muitos dos deuses que se conhece da Mesopotâmia são de origem sumeriana, embora não se saiba se os sumérios já adorassem tais deuses antes de se mudarem para a Baixa Mesopotâmia, ou adotaram alguns deles a partir dos povos locais. De qualquer forma o culto a tais deuses foi continuado pelos acadianos, assírios e babilônios, embora com outros nomes. Não se pode dizer que tais povos adotaram estes deuses dos sumérios, mas eles já poderiam ser cultuados por diversas populações locais, mas como houvem trocas culturais entre os sumérios e os acadianos, e sendo eles os fundadores de poderosos Estados, isso acabou por contribuir com a difusão de tais cultos.
Assim podemos citar alguns dos principais deuses adorados na Mesopotâmia:
Os deuses Enlil e Utu eram cultuados em grande parte da Mesopotâmia, mas tradicionalmente as cidades de Nippur e Sippar eram seus locais de culto mais importantes, ao ponto de que havia a prestação de honras aos templos destes deuses nestas cidades, mesmo que em outras cidades houvessem templos para tais divindades.
"O sistema de crenças que vinculava a sobrevivência e prosperidade das cidades à disposição favorável dos deuses também propiciou uma base para a manipulação política. A agressão militar contra outra cidade podia ser justificada como uma ação em defesa do deus da cidade, a ascensão de um indivíduo ao poder podia ser atribuída à sua escolha especial pela cidade". (LEICK, 2003, p. 169).
Não se sabe ao certo porque ambas as cidades tornaram-se centros de poder religioso, mas durante o III milênio a.C, a autoridade de Nippur era tão grande que para ser reconhecido como rei da Suméria e da Acádia, e receber o título de "rei da terra", teria que ser reconhecido pela realeza e clero de Nippur. (LEICK, 2003, p. 170).
De fato nos mitos sumerianos, o deus dos ventos Enlil é conhecido por ser aquele que concedia o direito de governar. No mito de Gilgamesh é dito que Enlil concedeu o destino para que o herói se tornasse rei de Uruk. No caso de Utu, o deus do sol, esse também ajudava os reis. No mito de Gilgamesh ele concede proteção ao herói quando esse empreende sua jornada até a Floresta de Cedros para combater o gigante Humbaba. Não obstante, existe uma história na qual diz que o rei Hammurabi teria concebido seu código legislativo a partir de conversas que teria tido com o deus Shamash (nome acadiano para Utu).
De qualquer forma, em ambos os casos os deuses eram vistos como os responsáveis por conceder o direito aos homens de governar, algo que não apenas foi compartilhado entre os povos mesopotâmicos, mas por várias outras sociedades e culturas do mundo e da História. Todavia, não bastava apenas dizer que você chegou ao poder graças a intervenção ou favores de um deus, era preciso retribuir isso. Logo, era obrigação do monarca erguer templos e presidir os festivais religiosos. (MOSCATI, 1978, p. 9). Um dos melhores exemplos para isso, advém de uma inscrição do governador Gudea, senhor de Lagash, o qual governou durante o Império de Ur. A inscrição encontra-se em primeira pessoa, sendo um deus que narra.
"Quando o fiel pastor Gudea começar a construir o meu templo real, um vento no céu anunciará a água: então, a abundância virá a ti, do céu, e a terra encher-se-á dela. Quando forem lançados os alicerces do meu templo, v´ria então a prosperidade. Os grandes campos dar-te-ão frutos, os fossos e os canais encher-se-ão de água para ti [...]. Na terra dos Sumérios, o óleo será produzido com abundância, a lã será pesada em grande quantidade [...]. No dia em que se começar o meu templo, eu pousarei o pé sobre os montes, lá, onde mora a tempestade; da morada da tempestade, dos montes, dos lugares puros, eu te mandarei a chuva, que dará vida à terra". (MOSCATI, 1978, p. 9-10).
Para Moscati (1978), a inscrição do governador Gudea mostra o papel dos deuses não apenas na vida religiosa da população, mas na vida material também. Para que a cidade não sofresse com a seca, os deuses deveriam ser agradados, não sendo à toa que os templos recebiam uma grande quantidade de oferendas, além do fato de que os sacerdotes também eram inicialmente funcionários do Estado, cuidando da administração pública.
Embora houve distintos tipos de templos, o zigurate foi o símbolo arquitetônico religioso que tornou-se marco da arquitetura religiosa mesopotâmica. Era o exemplar máximo da representação da glória dos deuses no Céu e da autoridade dos reis na Terra. Nem todos reis construíram zigurates, mas promoveram a construção de outros templos, ou a expansão ou a reforma, pois essencialmente era um costume fazer isso. A cidade de Assur chegou a possuir 30 templos, embora pequenos, ainda assim eram um requinte da arquitetura assíria. (GARELLI; NIKIPROWETZKY, 1982, p. 149).
Os zigurates ampliaram essa noção de templo retangular, acrescentando tamanho e altura, pois eram construções com andares, alguns chegavam a ter sete andares, e no topo ficaria o recinto chamado de "a casa do deus", embora que tal recinto existisse também nos palácios em alguns casos, como na cidade de Mari, onde havia o "quarto do deus". (MOSCOTI, 1978, p. 12). O zigurate da Babilônia chegou a ter 16 mil m², além do fato que na cidade havia pelo menos 50 templos de diferentes dimensões. (GARELLI; NIKIPROWETZKY, 1982, p. 149).
"Do ponto de vista da planta, o templo mesopotâmico começa por ser um único espaço retangular, que apresenta o altar no lado mais pequeno e a mesa das oferendas diante dele. O altar é coisa que não pode faltar e, por isso, o realce dada pela sua plataforma no lado mais estreito do vão é o carácter distintivo lugar sagrado". (MOSCOTI, 1978, p. 10).
Eram nos templos onde ficavam as principais estátuas dos deuses, as quais simbolizavam as divindades, as quais as pessoas prestavam culto, e depositavam as oferendas em seus altares. Nos templos havia a cella e a antecella, termos usados para se referir a câmara principal onde ficava a estátua do deus ou da deusa, sendo a antecella uma antecâmara. Alguns templos poderiam ter uma segunda cella, para o cônjuge da divindade. Nos templos também se localizavam os aposentos dos sacerdotes, salas, dispensas, cozinha, depósitos, oficinas e em alguns casos arquivos e bibliotecas. (GARELLI; NIKIPROWETZKY, 1982, p. 149).
"As estátua eram fabricadas nas oficinas dos templos. Dava-se-lhes vida em cerimônias de "abertura" da boca e dos olhos; após a "lavagem da boca", irradiavam a presença divina. A partir de então, o deus residia com sua família na cella do templo, onde constituíam objeto de desvelo por parte dos ecônomos". (GARELLI; NIKIPROWETZKY, 1982, p. 148).
As estátuas recebiam culto diário por parte dos sacerdotes, o que incluíam trocar suas vestes, lhe dar banho e oferecer comida, além de outras atividades. Não obstante, eles também cuidavam da estrutura física e operacional dos templos, e coordenavam o acesso dos fiéis as suas dependências e promoviam a realização dos festejos religiosos, com a presença do rei, da rainha ou do governante responsável. Não obstante, a estátua dos deuses era algo muito valioso, ao ponto de que se fosse danificada ou roubada era considerada uma ofensa grave a divindade.
Um dos melhores casos foram os roubos da estátua de Marduk, o que ocasionou sérios problemas para os babilônios. A estátua chegou a ser roubada algumas vezes, o que incluiu o fato dos assírios terem a roubado no século XIII, e a levado para Assur, no que resultou em 60 anos de dominação assíria sobre a Babilônia, algo considerado como resultado dos babilônios terem fracassado em defender sua cidade e a honra de seu deus, agora ele os punia em servir e obedecer um governante estrangeiro.
Considerações finais:
Embora tenha se omitido vários assuntos sobre a Mesopotâmia, em geral a proposta foi cumprida, em contar a respeito do surgimento das cidades com os sumérios, mesmo que já houvessem comunidades agrícolas e/ou pastoris séculos antes, o que revela a antiguidade da ocupação daquelas terras; o papel político das cidades como pequenos Estados ou capitais de impérios, e sua importância para a criação da noção de urbano e vida citadina.
A existência de um comércio de longas distâncias há milhares de anos, regulados por leis, pesos e medidas; realizados por funcionários privados ou públicos. O que também nos leva a pensar que o contato entre os povos é bem mais antigo que normalmente supomos, pois falamos em comércio entre cidades e povos ocorrendo há mais de 5 mil anos.
Também vimos um pouco acerca do surgimento da escrita, e sua associação inicial com a economia e administração, para depois passar a ser parte integrante da cultura em outros âmbitos e usos, como a promoção dos monarcas e o relato de mitos e acontecimentos históricos, pois embora Heródoto seja chamado de "O Pai da História", o relato histórico o antecede em milhares de anos.
No que se refere a religião, o foco foi dado sobre o papel dos monarcas, a função burocrática do clero, e o significado religioso das cidades, dos templos e do pacto entre deuses e homens, o que concerne características de uma religião estatal em nível público, algo que seria visto em outras épocas como no Egito, Israel, Grécia, Fenícia, Roma, Maias, Astecas, Incas, etc.
Não obstante, foi esclarecido que a Mesopotâmia consiste numa criação historiográfica para se referir as civilizações que dividiram uma região em comum, a qual geograficamente possui suas variações climáticas, fluviais, topográficas, na flora e fauna. Também vimos um pouco a respeito do uso do singular, o qual não é apropriado, pois as diversidades geográficas, culturais e sociais nos apresentam uma visão diferente. Logo, devemos falar em povos mesopotâmicos, religiões mesopotâmicas (ou religiosidades ou fés, pois o termo religião é problemático); língua mesopotâmicas, por mais que o sumeriano e acadiano tenham sido as principais línguas, havia outras; culturas mesopotâmicas e até mesmo e estilos artísticos, embora haja o termo arte mesopotâmica, que hoje é questionável.
Referências Bibliográficas:
CONTENEAU, Georges. A civilização de Assur e Babilônia. Rio de Janeiro, Otto Pierre Editores LTDA. 1979. (As Grandes Civilizações Desaparecidas).
ELÍADE, Mircea. El mito del eterno retorno. Traducción de Ricardo Anaya. Buenos Aires, Emecé, 2001.
GARELLI, Paul; NIKIPROWETZKY, V. O Oriente Próximo Asiático: impérios mesopotâmicos e Israel. Tradução de Emanuel O. Araújo. São Paulo, Editora da USP, 1982.
LEICK, Gwendolyn. Mesopotâmia: a invenção da cidade. Tradução de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro, Imago Ed, 2003.
LÈVÊQUE, Pierre. As primeiras civilizações: a Mesopotâmia e os hititas, vol. II. Tradução de Antônio José Pinto Ribeiro. Lisboa, Edições 70, 1987. 2v
MOSCATI, Sabatino. A arte mesopotâmica. Lisboa, Edições 70, p. 1978.
Links relacionados:
A Epopeia de Gilgamesh
A medida que a produção rural cresceu para sustentar milhares de bocas, e eventualmente o excesso dessa produção para não ser perdido, poderia ser usado para se trocar por outros produtos e mercadorias, assim criando o comércio, foi necessário em determinado momento calcular o quanto foi produzido, ou quanto era vendido, quanto valia cada mercadoria, mesmo que não houvesse dinheiro naquela época. Assim, estava-se diante de um problema de administração tanto da economia quanto da produção estatal.
Os sumérios ainda no quarto milênio a.C, adotaram o uso de sinetes, os quais quais de acordo com Leick (2003, p. 64) já eram usados desde o Período Obeid (4500-4000 a.C), logo, não se sabe se foram os sumérios que criaram esses sinetes ou foi outro povo. De qualquer forma, o uso dos sinetes antecede o uso da escrita, tendo um papel bastante importante para o controle das mercadorias, dos estoques, dos fornecedores e compradores, em outras palavras, consiste numa das formas mais antigas que se conhece sobre administração.
Eram usados selos com imagens de animais e de pessoas, geralmente animais comuns da região (pássaros, gazelas, leões, tigres, peixes, touros, cabras, etc.), no caso das figuras humanas, essas apareciam em determinados momentos bem caracterizadas: encontram-se mulheres fiando, soldados armados com lanças, arcos e flechas; agricultores, pecuaristas, pescadores, caçadores; e até mesmo o que parece serem funcionários do Estado, nobres e talvez representações de deuses. (LEICK, 2003, p. 64-65).
Estes selos representavam os Estados, funcionários, instituições, pessoas físicas e jurídicas no entendimento de hoje. A fim de evitar que a mercadoria pudesse ser contrabandeada, roubada ou sua carga fosse alterada, os grãos e outros produtos eram colocados em vasos, caixas, etc., e eram lacrados e selados com o sinete da autoridade responsável. Assim sabia-se a procedência e origem de tal mercadoria.
No entanto ainda no terceiro milênio a.C, o uso simbólico evoluiu para a escrita. Não se sabe ao certo em que ano começaram a escrever, mas a data normalmente creditada para isso pelos historiadores é entre 4000-3500 a.C, alguns falam de 3500-3000 a.C. Todavia, a chamada escrita cuneiforme como ficaria conhecida, devido ao uso de cunhas para escrever os caracteres na argila molhada, ela passou por várias transformações.
Inicialmente a escrita ainda eram bastante pictográfica, ou seja, para se referir a uma pessoa, desenhava-se a pessoa ou somente a cabeça; para se referir a um animal, desenhava-se o respectivo animal, o mesmo vali para as plantas, para o sol, a lua, construções, etc. Embora que também surgiram símbolos mais abstratos para se referir a água, rio, terra, fogo, vento, quantidade, origem, vida, morte, etc.
"Havia símbolos numéricos especiais para tipos de grãos, tipos de cerveja, produtos têxteis, metais etc. De modo geral, a informação podia ser distribuída de forma aleatória na superfície da plaqueta. Não havia uma direção geral para decifrar os sinais. Na plaquetas arcaicas, recibos e contas eram frequentemente escritos no verso da plaqueta. Não havia uma direção geral para decifrar os sinais". (LEICK, 2003, p. 65).
Nota-se que a partir da fase 3 até a fase 7, a escrita cuneiforme manteve um padrão, possuindo poucas alterações na representação das palavras e fonemas, pois estes signos poderiam representar apenas um termo, um numeral (também no sentido de quantidade, distância e peso) ou uma ideia ou um conceito. Por mais que pareçam estranhos tais signos, a escrita cuneiforme foi usada por milhares de anos, inclusive encontramos cuneiforme de origem persa datando do século VII a.C, o que revela a longevidade desse alfabeto.
Todavia, quando os acadianos passaram também a adotar tal escrita, eles o adaptaram para sua linguagem, e a língua acadiana acabou levando contribuições fonéticas que não existiam na língua sumeriana, assim, tempos depois, os pictográficos foram substituídos por sinais que representavam palavras, números, ideias, conceitos, etc. Ao ver a imagem acima, nota-se essa transformação da escrita cuneiforme sumeriana para o cuneiforme acadiano (lembrando que o assírio e o babilônio eram línguas de origem acadiana). (CONTENEAU, 1975, p. 58-59).
Quadro mostrando alguns símbolos e sua evolução na escrita cuneiforme. No lado direito encontra-se o valor fonético de tais símbolos e signos. |
A decifração da escrita cuneiforme só ocorreu no século XIX, sendo um processo de longos anos e feitos por diferentes linguistas, pois embora os persas ainda tenham feito uso dela, acabaram abandonando esse alfabeto e adotando outro (CONTENEAU, 1979, p. 63). Todavia, as primeiras descobertas desse sistema de escrita foi com base no modelo persa, e foi a partir da língua persa que se começou a trilhar o caminho inverso, para aprender babilônio, assírio, acadiano até chegar ao sumeriano, língua bastante difícil de se ler, e praticamente de se falar, pois não se sabe ao certo como eram as pronúncias das letras e das palavras.
d) a autoridade dos reis:
Em Uruk o soberano era chamado pelo título de en, em Ur usava-se lugal e em Lagash usava-se ensi. Durante o terceiro milênio (3000-2000 a.C), o termo en caiu em desuso, restando lugal e esn, porém ensi passou a ser usado para se referir a governador e não mais rei. Não obstante, alguns reis adotavam o termo lugal para formar seus nomes reais, como Lugalbanda, rei semilendário de Uruk, ou os reis Lugal-Kitun, Lugal-zagesi, Lugal-Une, Lugaldalu, etc. Por outro lado, alguns monarcas utilizavam o nome da sua cidade-estado para se identificar. Durante a III Dinastia de Ur (2112-2003 a.C), houve o rei Ur-Nammu, além de outros monarcas adotarem também o prefixo Ur. Em Alguns casos, encontram-se o uso do nome da família, como a Dinastia Isin que governou Ur e a Babilônia, muitos reis usaram o sobrenome Isin.
"O rei governa a cidade; é um grande proprietário. Quer seja, en como em Uruk, lugal, como em Ur, ensi, como em Lagash, ele é sempre o eleito dos deuses que representa na cidade. É o juiz supremo; é a ele que compete construir e restaurar os templos, manter os canais de irrigação e defender o país. A hierarquia entre os vários títulos reais é difícil de estabelecer, pois tiram os seus nomes dos usos locais". (LÈVÊQUE, 1987, p. 33).
Suposta estátua de Lugal-dalu, rei de Acádia. Governou por volta de 2500 a.C. |
Após o Dilúvio, os reis começaram a viver menos e já não eram mais semidivinos, com raras exceções, como o caso de Gilgamesh, o qual era filho da deusa Ninsun, divindade praticamente desconhecida. Todavia, o seu mito é enfático ao dizer que ele era um semideus. O rei Sargão, o Grande possui distintas histórias sobre sua origem e ascensão, algumas apontando uma origem humilde, como sendo filho de um jardineiro, outras que ele seria filho bastardo de um rei, e em outras seu destino teria sido salvo pela intervenção da deusa Inanna. O rei Ur-Nammu como mencionado, procurou traçar sua árvore genealógica até Lugalbanda e Gilgamesh, como forma de legitimar sua origem real e até mesmo semidivina.
Em diferentes épocas os monarcas mesopotâmicas fossem sumérios, acadianos, assírios e babilônios, detiveram mais ou menos funções religiosas, o que incluía ser reconhecido como sumo-sacerdote ou deter o direito de nomear o alto clero. Além disso, o monarca também era reconhecido por ser um governante divinamente entronizado, algo que voltaremos a comentar adiante; no entanto, também cabia ao rei presidir várias cerimônias religiosas, principalmente as mais importantes. Um dos melhores exemplos eram os festejos do Akitu (Festa de Ano Novo) na Babilônia, em cujas cerimônias era obrigatório a presença do rei e da rainha, por serem os senhores daquele Estado e os representantes dos deuses. (CONTENEAU, 1979, p. 127).
"O Rei é pontífice supremo de direito, função que delega ao urigallu, o sumo sacerdote que comanda o clero, o corpo de sacerdotes, aqueles "que têm a entrada do templo" (eribbiti). Depois vêm os sacerdotes especializados: o kalu, que pronuncia as lamentações e com a ajuda do chantres (nare) sustenta a cerimônia com seus cânticos; o baru, que interpreta a vontade dos deuses explicando os presságios, quanto o shailu, o interrogador, tem por missão procurar o pecado do fiel. O ashipu e o mashmashu proferirão os encantamentos e executarão os ritos próprios para livrar os fiéis dos demônios. O ramiku procederá às lavagens de purificação e o pashishu, ele próprio ungido, praticará as unções. O corpo das sacerdotisas não têm menor importância. A grande sacerdotisa (entu) tem autoridade sobre elas". (CONTENEAU, 1979, p. 107).
Na época que o termo lugal passou a proliferar, os soberanos passaram a deter maior poder e autoridade político e econômica.
"A secularização do poder e da administração, bem como a concentração de riquezas por famílias e grandes casas, propiciou a individualização do poder. O lugal era, como frequência, um indivíduo carismático, dotado de características e ambições pessoais, em vez de um burocrata ou "sacerdote". Isso não sugere que existisse conflito inerente entre liderança "secular" e "religiosa". Mais pertinente era a tensão entre independência local (cidade-estado) e integração em alguma unidade maior (reino)". (LEICK, 2003, p. 113).
Para Leick (2003) quando o termo lugal tornou-se mais habitual entre os monarcas acadianos e sumerianos, ele ganhou uma condição de realeza e poder bem maiores. Os reis já não se viam como pequenos governantes, mas como grandes governantes, inclusive lugal significa ("grande homem"). Sargão da Acádia talvez tenha sido o primeiro a fazer jus ao sentido de tal título. Ele ao desafiar o rei de Kish, autointitulou-se sarru-kin-lugal-kin ("o verdadeiro rei").
Posteriormente já dono de um império, tendo sido o primeiro rei mesopotâmico que se conhece na História, a fundar um império, adotou o título de lugal-kalam-na ("rei de toda a terra"). Posteriormente alguns reis sumerianos usariam tal título e até o título de lugal-Kish, que necessariamente não significaria "rei de Kish", mas algo como o "grande rei", uma alusão ao fato que foi a partir da conquista deste reino que Sargão começou seu império. Não obstante, alguns reis babilônios usariam o título de "rei da Acádia", em referência a Sargão e seus sucessores (LEICK, 2003, p. 113).
Foram os reis acadianos que começaram a dar mais valor aos hinos reais e aos cânticos heroicos, algo que já existia entre os sumérios, mas como os reis acadianos foram os primeiros a reinar sobre um império, isso se tornou mais marcante. No Império de Ur nota-se essa manutenção de escrever hinos reais aos soberanos exaltando seus feitos. Isso servia de propaganda política para seus súditos e para seus inimigos. Um dos melhores exemplos advém do governo de Shulgi de Ur (c. 2094-2047), filho de Ur-Nammu. (LEICK, 2003, p. 153).
Para que o rei tenha seu nome
preeminente em tempos futuros,
para que Shulgi, rei de Ur,
faça da canção sua força, da canção de seu poder,
a eterna mensagem de sua insuperável sabedoria
e (a) transmita à posteridade para tempos futuros,
eu a expus diante do poderoso filho de Ninurta,
diante de seus olhos para os tempos futuros.
Ele exalta a sua força em canção
a sabedoria, o precioso dom que é o seu, ele exalta.
A tradição de exaltar os monarcas com poemas, músicas, na pintura e na escultura, foi mantida pelos milênios seguintes na Mesopotâmia (e em outros povos também). Todo rei procurou de alguma forma preservar seus feitos e a memória de sua pessoa.
Imagem em alto-relevo retratando o rei Assurbanipal durante uma caçada. Século VII a.C. |
Inicialmente ele detinha uma função de "burocrata" e "sacerdote", como assinalado por Lèvêque (1987), mas a medida que a organização administrativa do Estado foi melhor se desenvolvendo, assim como, a divisão do trabalho, o monarca deixou de ter funções ligadas diretamente a administração, passando a ter funcionários para isso, resguardando para si o poder de comando e direção, além de julgamento (apenas em determinados casos, pois havia o judiciário para isso); por sua vez, suas obrigações sacerdotais foram reduzidas, ficando mais atrelada as festejos públicos de caráter civil-religioso. Todavia, vários reis ao longo da história mesopotâmica chegaram a concentrar muita autoridade em suas mãos.
Todavia, também data do Império de Ur os principais túmulos reais que se conhece na Mesopotâmia. A história e a arqueologia nos revelam que os ritos fúnebres da nobreza em geral não foram algo importante como visto em outros povos, mas por algum motivo ainda não certo, em Ur da III Dinastia, a nobreza construiu suntuosos túmulos, cheios de riquezas (distintos objetos em ouro, prata e encrustados com pedras preciosas e semipreciosas), além de conterem os restos mortais do que parecem ter sido escravos ou serviçais, o que ainda hoje gera debate para historiadores e arqueólogos.
"O túmulo mais bem-conservado pertencia a uma mulher identificada por seu sinete cilíndrico em lápis-lazúli como Pu-abi, sendo o primeiro sinal disso uma antecâmara onde jaziam os corpos de cinco homens com adagas de bronze à cinta. Sob uma cada de esteira estavam os esqueletos de dez mulheres, dispostos em duas filas, requintadamente enfeitados com toucados de ouro e colares". (LEICK, 2003, p. 135).
Ainda hoje há dúvidas sobre o papel destes luxuosos túmulos reais em Ur III. Teriam simbolizado um culto aos reis e rainhas mortos? Pois pouco se conhece sobre o culto aos mortos na Mesopotâmia. Algum rito fúnebre antigo que foi revitalizado? Um novo rito fúnebre criado pelos reis daquela dinastia? Pois em geral os soberanos não recebiam culto, pois não eram considerados divinos ou deuses, como no caso dos egípcios, dos chineses, dos japoneses, dos astecas e incas, só para citar alguns exemplos. Embora fosse um representante dos deuses, ainda assim, era algo diferente.
E quanto as demais pessoas encontradas em tais túmulos: teriam sido sacrificados para os nobres? Teriam optado em acompanhar seus senhores e senhoras na vida após a morte? Foram de livre espontânea vontade ou obrigado?
e) o papel da religião para o Estado:
Falar sobre as religiões mesopotâmicas demandaria um trabalho específico, por ser um assunto bem amplo, logo, procurei sintetizar este tema, no objetivo de tratar a religiosidade no seu papel estatal, deixando de fora a questões particulares da fé, suas crenças e ritos.
Como foi visto, as cidades eram vistas como locais sagrados, sendo que toda cidade deveria ter um templo, pois simbolizava a casa de um deus ou deusa, mas também representava a união entre aquela população com suas divindades. Assim, cada cidade possuía sua divindade padroeira: Enki em Eridu, Inanna em Uruk, Ur, Babilônia e Nínive; Marduk na Babilônia; Enlil em Nippur; Utu em Sippar; An em Uruk e Shurupak; Assur em Assur; Nannar em Ur. Os sumérios, acadianos, babilônios assírios e demais povos eram politeístas, adorando dezenas de divindades, embora houvessem aquelas que eram mais cultuadas do que outras, além de haver divindades locais e regionais.
Representação em alto-relevo de Inanna (ou Ishtar). |
Assim podemos citar alguns dos principais deuses adorados na Mesopotâmia:
- An ou Anu: deus do céu, do firmamento. Em algumas épocas era considerado o rei dos deuses.
- Enlil: deus dos ventos e marido de Ninlil. Foi considerado o reis dos deuses após An, daí algumas crenças religiosas atribuir a coroação dos deuses como sendo um direito permitido por Enlil.
- Adad: deus das chuvas e das tempestades. Estava associado a fertilidade do campo, mas também aos desastres naturais como enchentes. Sendo que no mito do Dilúvio foi Adad o responsável por fazer chover.
- Enki ou Ea: deus da água doce e da sabedoria, conhecedor dos mistérios da vida e da morte. No mito do Dilúvio, Enki decide poupar a humanidade de ser exterminada pela cólera de Enlil, seu irmão; então ele decidi salvar o rei Ziusudra de Shurupak (também chamado de Utnapishtim).
- Inanna ou Ishtar: a principal divindade feminina da Mesopotâmia. Deusa do amor, da fertilidade, da sexualidade e da guerra. Era uma deusa temperamental, podendo ajudar ou atrapalhar.
- Utu ou Shamash: deus do sol e da luz. Era considerado uma divindade sábia e protetora.
- Nannar ou Sin: deus da lua, associado com a sabedoria, o tempo e a mudança. Era também um deus protetor.
- Ninurta: deus da guerra.
- Samuqan: deus do gado.
- Nergal e Ereshkigal: deus e deusa dos mortos, governantes do mundo inferior.
- Marduk: filho de Enki (ou de Bel) e pai de Nebo. Era um "deus nacional", considerado o guardião da Babilônia e de seu povo. Era o deus que proporcionava prosperidade, fartura, sorte e segurança para os babilônios. Sua história é bastante contada no poema sagrado Enuma Elish, o qual narra a história do princípio dos tempos.
- Assur: "deus nacional" dos assírios de origem obscura. Possuía funções similares a de Marduk, mas voltado para o povo assírio.
Os deuses Enlil e Utu eram cultuados em grande parte da Mesopotâmia, mas tradicionalmente as cidades de Nippur e Sippar eram seus locais de culto mais importantes, ao ponto de que havia a prestação de honras aos templos destes deuses nestas cidades, mesmo que em outras cidades houvessem templos para tais divindades.
"O sistema de crenças que vinculava a sobrevivência e prosperidade das cidades à disposição favorável dos deuses também propiciou uma base para a manipulação política. A agressão militar contra outra cidade podia ser justificada como uma ação em defesa do deus da cidade, a ascensão de um indivíduo ao poder podia ser atribuída à sua escolha especial pela cidade". (LEICK, 2003, p. 169).
Não se sabe ao certo porque ambas as cidades tornaram-se centros de poder religioso, mas durante o III milênio a.C, a autoridade de Nippur era tão grande que para ser reconhecido como rei da Suméria e da Acádia, e receber o título de "rei da terra", teria que ser reconhecido pela realeza e clero de Nippur. (LEICK, 2003, p. 170).
De fato nos mitos sumerianos, o deus dos ventos Enlil é conhecido por ser aquele que concedia o direito de governar. No mito de Gilgamesh é dito que Enlil concedeu o destino para que o herói se tornasse rei de Uruk. No caso de Utu, o deus do sol, esse também ajudava os reis. No mito de Gilgamesh ele concede proteção ao herói quando esse empreende sua jornada até a Floresta de Cedros para combater o gigante Humbaba. Não obstante, existe uma história na qual diz que o rei Hammurabi teria concebido seu código legislativo a partir de conversas que teria tido com o deus Shamash (nome acadiano para Utu).
Detalhe do monólito do Código de Hammurabi, Babilônia, século XVIII a.C. Nessa imagem se ver o rei babilônio de pé,diante do deus-sol Shamash. |
"Quando o fiel pastor Gudea começar a construir o meu templo real, um vento no céu anunciará a água: então, a abundância virá a ti, do céu, e a terra encher-se-á dela. Quando forem lançados os alicerces do meu templo, v´ria então a prosperidade. Os grandes campos dar-te-ão frutos, os fossos e os canais encher-se-ão de água para ti [...]. Na terra dos Sumérios, o óleo será produzido com abundância, a lã será pesada em grande quantidade [...]. No dia em que se começar o meu templo, eu pousarei o pé sobre os montes, lá, onde mora a tempestade; da morada da tempestade, dos montes, dos lugares puros, eu te mandarei a chuva, que dará vida à terra". (MOSCATI, 1978, p. 9-10).
Estátua de Gudea, governador de Lagash, século XXII a.C. |
Embora houve distintos tipos de templos, o zigurate foi o símbolo arquitetônico religioso que tornou-se marco da arquitetura religiosa mesopotâmica. Era o exemplar máximo da representação da glória dos deuses no Céu e da autoridade dos reis na Terra. Nem todos reis construíram zigurates, mas promoveram a construção de outros templos, ou a expansão ou a reforma, pois essencialmente era um costume fazer isso. A cidade de Assur chegou a possuir 30 templos, embora pequenos, ainda assim eram um requinte da arquitetura assíria. (GARELLI; NIKIPROWETZKY, 1982, p. 149).
Os zigurates ampliaram essa noção de templo retangular, acrescentando tamanho e altura, pois eram construções com andares, alguns chegavam a ter sete andares, e no topo ficaria o recinto chamado de "a casa do deus", embora que tal recinto existisse também nos palácios em alguns casos, como na cidade de Mari, onde havia o "quarto do deus". (MOSCOTI, 1978, p. 12). O zigurate da Babilônia chegou a ter 16 mil m², além do fato que na cidade havia pelo menos 50 templos de diferentes dimensões. (GARELLI; NIKIPROWETZKY, 1982, p. 149).
Reconstituição do zigurate de Ur. |
Eram nos templos onde ficavam as principais estátuas dos deuses, as quais simbolizavam as divindades, as quais as pessoas prestavam culto, e depositavam as oferendas em seus altares. Nos templos havia a cella e a antecella, termos usados para se referir a câmara principal onde ficava a estátua do deus ou da deusa, sendo a antecella uma antecâmara. Alguns templos poderiam ter uma segunda cella, para o cônjuge da divindade. Nos templos também se localizavam os aposentos dos sacerdotes, salas, dispensas, cozinha, depósitos, oficinas e em alguns casos arquivos e bibliotecas. (GARELLI; NIKIPROWETZKY, 1982, p. 149).
"As estátua eram fabricadas nas oficinas dos templos. Dava-se-lhes vida em cerimônias de "abertura" da boca e dos olhos; após a "lavagem da boca", irradiavam a presença divina. A partir de então, o deus residia com sua família na cella do templo, onde constituíam objeto de desvelo por parte dos ecônomos". (GARELLI; NIKIPROWETZKY, 1982, p. 148).
As estátuas recebiam culto diário por parte dos sacerdotes, o que incluíam trocar suas vestes, lhe dar banho e oferecer comida, além de outras atividades. Não obstante, eles também cuidavam da estrutura física e operacional dos templos, e coordenavam o acesso dos fiéis as suas dependências e promoviam a realização dos festejos religiosos, com a presença do rei, da rainha ou do governante responsável. Não obstante, a estátua dos deuses era algo muito valioso, ao ponto de que se fosse danificada ou roubada era considerada uma ofensa grave a divindade.
Um dos melhores casos foram os roubos da estátua de Marduk, o que ocasionou sérios problemas para os babilônios. A estátua chegou a ser roubada algumas vezes, o que incluiu o fato dos assírios terem a roubado no século XIII, e a levado para Assur, no que resultou em 60 anos de dominação assíria sobre a Babilônia, algo considerado como resultado dos babilônios terem fracassado em defender sua cidade e a honra de seu deus, agora ele os punia em servir e obedecer um governante estrangeiro.
Representação do deus Marduk, divindade padroeira da Babilônia. |
Embora tenha se omitido vários assuntos sobre a Mesopotâmia, em geral a proposta foi cumprida, em contar a respeito do surgimento das cidades com os sumérios, mesmo que já houvessem comunidades agrícolas e/ou pastoris séculos antes, o que revela a antiguidade da ocupação daquelas terras; o papel político das cidades como pequenos Estados ou capitais de impérios, e sua importância para a criação da noção de urbano e vida citadina.
A existência de um comércio de longas distâncias há milhares de anos, regulados por leis, pesos e medidas; realizados por funcionários privados ou públicos. O que também nos leva a pensar que o contato entre os povos é bem mais antigo que normalmente supomos, pois falamos em comércio entre cidades e povos ocorrendo há mais de 5 mil anos.
Também vimos um pouco acerca do surgimento da escrita, e sua associação inicial com a economia e administração, para depois passar a ser parte integrante da cultura em outros âmbitos e usos, como a promoção dos monarcas e o relato de mitos e acontecimentos históricos, pois embora Heródoto seja chamado de "O Pai da História", o relato histórico o antecede em milhares de anos.
No que se refere a religião, o foco foi dado sobre o papel dos monarcas, a função burocrática do clero, e o significado religioso das cidades, dos templos e do pacto entre deuses e homens, o que concerne características de uma religião estatal em nível público, algo que seria visto em outras épocas como no Egito, Israel, Grécia, Fenícia, Roma, Maias, Astecas, Incas, etc.
Não obstante, foi esclarecido que a Mesopotâmia consiste numa criação historiográfica para se referir as civilizações que dividiram uma região em comum, a qual geograficamente possui suas variações climáticas, fluviais, topográficas, na flora e fauna. Também vimos um pouco a respeito do uso do singular, o qual não é apropriado, pois as diversidades geográficas, culturais e sociais nos apresentam uma visão diferente. Logo, devemos falar em povos mesopotâmicos, religiões mesopotâmicas (ou religiosidades ou fés, pois o termo religião é problemático); língua mesopotâmicas, por mais que o sumeriano e acadiano tenham sido as principais línguas, havia outras; culturas mesopotâmicas e até mesmo e estilos artísticos, embora haja o termo arte mesopotâmica, que hoje é questionável.
Referências Bibliográficas:
CONTENEAU, Georges. A civilização de Assur e Babilônia. Rio de Janeiro, Otto Pierre Editores LTDA. 1979. (As Grandes Civilizações Desaparecidas).
ELÍADE, Mircea. El mito del eterno retorno. Traducción de Ricardo Anaya. Buenos Aires, Emecé, 2001.
GARELLI, Paul; NIKIPROWETZKY, V. O Oriente Próximo Asiático: impérios mesopotâmicos e Israel. Tradução de Emanuel O. Araújo. São Paulo, Editora da USP, 1982.
LEICK, Gwendolyn. Mesopotâmia: a invenção da cidade. Tradução de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro, Imago Ed, 2003.
LÈVÊQUE, Pierre. As primeiras civilizações: a Mesopotâmia e os hititas, vol. II. Tradução de Antônio José Pinto Ribeiro. Lisboa, Edições 70, 1987. 2v
MOSCATI, Sabatino. A arte mesopotâmica. Lisboa, Edições 70, p. 1978.
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excelente material complexa completa . Não é resumida como outros sites ..parabéns
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