terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Vlad Tepes: o homem que inspirou o Conde Drácula

Em 2017 o famoso romance gótico Drácula, completa 120 anos de lançamento. Mais de um século influenciando as artes mundialmente, seja através da literatura, cinema, teatro, desenhos, pintura, videogames etc. Para celebrar a publicação desse importante trabalho que ajudou a popularizar as histórias de vampiros para o século XX, assim como, gerou sobrevida para a literatura gótica, falarei a respeito não do livro propriamente, mas sim do homem por trás da lenda do Conde Drácula, o príncipe Vlad Draculea III. O qual a partir de lendas do final do medievo e começo da modernidade, atribuíram supostamente uma aura sombria e vampiresca a esse príncipe que lutou para defender a Valáquia contra a expansão do poderoso Império Otomano, as intrigas do influente Reino da Hungria e do Principado da Transilvânia

Retrato de Vlad III (1431-1476), príncipe da Valáquia. 

Introdução: 

Embora o Conde Drácula vivesse na Transilvânia, Vlad vivia na região da Valáquia (Valahia em romeno). Hoje em dia os territórios da Transilvânia e da Valáquia fazem parte da Romênia, mas há seiscentos anos isso não era assim. Naquele tempo a Romênia não existia como uma nação, seu território estava dividido em pequeno principados, sendo os principais da Transilvânia, Valáquia e Moldávia. 

Do século X ao XIV a Valáquia e os territórios vizinhos foram disputados pelos húngaros, sérvios, búlgarosbizantinos e teutônicos, passando de mãos entre eles várias vezes, embora que o controle húngaro foi o mais longevo e influente. Inclusive em 1241, as primeiras incursões mongóis passaram pela região, saqueando suas cidades. Novos ataques ocorreriam nas décadas seguintes. Nessa época a Valáquia estava sob domínio do Reino da Hungria, mas já vinha algum tempo lutando por sua independência. Embora alguns senhores tenham se proclamado príncipes desde a segunda metade do século XIII, a Coroa húngara nunca reconheceu a independência da Valáquia, da Transilvânia e da Moldávia. (RADVAN, 2010, p. 116-119). 

A situação somente mudou no século seguinte. Na década de 1320 o controle Húngaro sobre a Valáquia estava enfraquecido devido a rebeliões e as ondas de invasões mongóis ocorridas entre 1285-1293. Em quase uma década de invasões mongóis, os danos deixados foram grandes para o controle daquelas terras, as quais viam o governo húngaro incapaz de proteger sua população. Assim, um nobre chamado Bassarabe (?-1352) o qual havia se tornado vassalo do rei Carlos Roberto I da Hungria, no ano de 1324, traiu o seu suserano, tornando-se publicamente inimigo da Coroa húngara. A pretensão de Bassarabe era proclamar a independência da Valáquia, algo que obteve êxito em 1330, após derrotar o exército de Carlos Roberto I, na Batalha de Posada

Pintura do século XIV retratando um dos confrontos da Batalha de Posada (1330). Na ocasião, o exército húngaro foi emboscado num vale, e os soldados valáquios lhe atiraram pedras e flechas. 

Com a vitória decisiva sobre o rei húngaro, Bassarabe procurou o apoio de outros senhores feudais e da Igreja Ortodoxa para reconhecer sua pretensão ao governo valaquiano, passando a receber o título de voivoda ("chefe militar"). Sua façanha lhe rendeu o epíteto de Bassarabe, o Fundador, por ter emancipado oficialmente a Valáquia. (RADVAN, 2010, p. 129-130).

Com a emancipação da Valáquia, o pequeno reino começou a crescer nos anos seguintes, até que em 1369, o então voivoda Vladislav I (1364-1376) realizou a primeira batalha contra um poderoso inimigo que emergiu no sul, sedento por conquistas. Era o Império Otomano

"O Estado otomano começou no século XII como um principado cruzado nas fronteiras da comunidade islâmica com o cristianismo. O ideal de cruzada deu forma à expansão desse Estado principalmente em direção à Europa, levando seu exército até as muralhas de Viena em 1529 e em 1683. Ao subir ao trono, os sultões gostavam de autenticar suas credenciais fazendo novas e maiores conquistas dentro da tradição cruzada; assim, Mehmet II conquistou Constantinopla em 1453 e Solimán o Magnífico tomou Belgrado em 1521. Durante mais de trezentos anos, o exército otomano foi a máquina bélica mais eficaz do mundo". (ROBINSON, 2007, p. 80). 

O Império Otomano surgido a partir de uma dinastia turca, durou mais de 700 anos, vivenciado seu auge entre os séculos XVI e XVII, tendo sido um dos mais ricos, poderosos e influentes Estados da Idade Moderna e da História. O ano de 1369, embora tenha sido marcado pela derrota dos otomanos frente ao exército do voivoda Vladislav I, foi apenas o começo de uma longa história de guerras entre os dois povos. De qualquer forma, o século XIV terminou de forma próspera para o Principado da Valáquia. Nessa época a população do país era estimada em 500 mil habitantes, um número um pouco maior do que da Moldávia e abaixo da Transilvânia a qual possuía quase o dobro de gente. (GEORGESCU, 1991, p. 21). Ainda assim, era um valor considerável para o contexto daquele Estado.

Não obstante grande parte da prosperidade obtida pelo país no final do XIV e começo do XV, adveio do reinado do voivoda Mircea I (1386-1418). Posteriormente chamado de o Velho (para diferenciar de seu neto, Mircea II), mas também conhecido como Mircea, o Grande. Entre os marcos de seu governo esteve a política da boa vizinhança com a Hungria, a Moldávia, a Sérvia, a Bulgária e a Polônia; a expansão territorial para cima da Transilvânia e o sul da Moldávia, e a resistência firme as tentativas de avanço dos otomanos. (RADVAN, 2010, p. 132-133). 

Mapa do Principado da Valáquia por volta de 1390, durante o governo de Mircea I. Os territórios em laranja eram vassalos do rei Mircea. 

Após a morte de Mircea I, seu filho Miguel I, deu continuidade as obras e a gestão do pai, no entanto governou apenas dois anos, tendo morrido em combate contra os otomanos. Como não teve filhos, seu irmão Radu II assumiu o trono, porém outros membros da família tinham interesse na coroa, iniciando uma série de disputas palacianas que se estenderiam por pelo menos 15 anos. A briga interna entre primos pelo controle do trono valáquio enfraqueceu a defesa do país, deixando suscetível a ameaça estrangeira. (RADVAN, 2010, p. 298-299). 

O governo de Vlad II:

Vlad II, o Dragão
Vlad II (1390-1447) era um dos seis filhos de Mircea I, todavia, ausentou-se nas disputas ao trono, por ter sido exilado na Transilvânia. De qualquer forma, em 1437, seu primo, o voivoda Alexandre I faleceu, então Vlad II aproveitou para assumir o trono. Nessa época ele já havia participado de algumas batalhas e pertencia a Ordem do Dragão desde 1431, tal fato lhe rendeu a alcunha de Vlad, o Dragão (Vlad Dracul em romeno). (SZWYDKY, 2012, p. 551-552). Nos primeiros anos de seu governo, ele procurou restabelecer a ordem e a autoridade, tendo em mente que o governo vivenciou mais de uma década de instabilidade política. Procurou também fortalecer a influência da Igreja Ortodoxa em suas terras, algo que fazia parte de seu dever como cavaleiro cristão de uma ordem. Realizou acordos com os moldávios e os búlgaros. Vlad II também chegou a confrontar alguns senhores feudais, em especial o voivoda da Transilvânia, João Corvino (c. 1387-1456), proeminente e respeitado nobre que ganhou o epíteto de o Cavaleiro Branco

Corvino era aliado dos húngaros e tinha interesse de retomar a Valáquia para o domínio húngaro, daí acabou entrando em conflito com Vlad II, o que o levou em 1442 a ir buscar ajuda com um de seus inimigos, o sultão Murad II. A questão era tão drástica, que na época, Corvino chamou Vlad II de traidor da cristandade, pois como cavaleiro cristão, era um insulto aliar-se a um rei muçulmano. Além do fato que o próprio Corvino estava em guerra contra os otomanos. De 1442 a 1444 João Corvino empreendeu a "Longa Campanha" para combater os otomanos, a fim de impedir que avançassem em direção aos territórios cristãos livres. (HENTEA, 2007, p. 3).


João Corvino, o Cavaleiro Branco. Nesse retrato, ele já aparece sendo mencionado como governador da Hungria, título que assumiu em 1446. 

Enquanto Vlad II estava fora do país, em viagem para encontrar o sultão otomano, seu filho Mircea II, o Jovem assumiu como regente. João Corvino aproveitando que o voivoda da Valáquia estava fora, empreendeu guerra contra Mircea II, derrotando suas tropas e obrigando-o a se render e abdicar do trono. Corvino empossou Bassarabe II no trono valaquiano. Todavia, em 1444, Vlad II retornou a Valáquia com um exército otomano e reconquistou o trono. Um dos motivos para isso era o fato que João Corvino estava ocupado comandando sua "Longa Campanha", no que resultou na drástica derrota das forças europeias na Batalha de Varna. (TREPTOW, 2000, p. 48). Com o apoio de Corvino a Bassarabe II enfraquecido, Vlad II conseguiu depor o usurpador de seu trono. 

Em 1445, Vlad II fechou acordo com algumas famílias búlgaras, arrendando terras para que essas as povoassem e as cultivassem, já que muitos territórios da Valáquia estavam abandonados, resultado de migrações, e de invasões mongóis e otomanas (FLORESCU; MCNALLY, 1989, p. 54). Não obstante, Vlad II como parte do acordo que fechou com o sultão Murad II, deveria lhe pagar alguns tributos, evitar atacar seus domínios, enviar jovens para servir ao exército otomano, que inclusive era uma prática comum naquele tempo, chamada de devshirme

O devshirme que significa "reunir ou colecionar" era o nome dado a um sistema de recrutamento massivo utilizado pelo Império Otomano por pelo menos 200 anos, no qual consistia em obrigar as províncias europeias ou territórios vassalos a enviar jovens meninos cristãos para serem educados e treinados, no intuito de comporem o exército imperial. Agentes do governo viajam a tais terras para realizar o recrutamento, os meninos escolhidos não voltavam mais a ver a família, tornavam-se escravos do Império Otomano. Alguns destes meninos poderiam ascender socialmente, tornando-se soldados da elite Janízaro, ou assumir cargos administrativos elevados. Mas a grande maioria era feita soldado e trabalhava no campo. Todos eram obrigados a se converter ao Islã. (ROBINSON, 2007, p. 73). 


Sultão Murad II. Aliado de Vlad II.

Vlad II permaneceu no poder até 1447, quando numa traição levada a cabo por alguns de seus vassalos na cidade de Târgoviste, resultou no assassinato dele e de seu filho mais velho Mircea II. (RADVAN, 2010, p. 201). Vlad II ainda possuía outros dois filhos, Vlad e Radu, os quais após saberem da morte do pai e do irmão, trataram de não perder o poder sobre a Valáquia. 

Em busca da coroa: 

Pouco se sabe da infância e adolescência de Vlad III (1431-1476), inclusive relatos posteriores chegam a ser conflitantes e até duvidosos. Ele foi o segundo filho de seu pai, tendo nascido na Transilvânia, em local não precisado. Quanto a sua mãe há controvérsias de quem exatamente teria sido. Uma das hipóteses sugere que ele e Radu (1435-1473) eram filhos de Cneajna, uma nobre da Moldávia, a qual teria sido a segunda esposa de Vlad II. (SZWYDKY, 2012, p. 551). 

Quanto a sua juventude, como dito, pouco se sabe a respeito, mas alguns relatos apontam que como parte do acordo de seu pai com o sultão Murad II, Vlad e Radu, ambos foram enviados para viver na corte do sultão por volta do ano de 1442 ou 1443, passando ali pelo menos cinco anos. Nesse ponto a biografia sobre Vlad é duvidosa, pois alguns relatos mencionam que o jovem teria sido maltratado, torturado e até abusado. Tal sofrimento teria refletido em seu suposto comportamento sádico. (SZWYDKY, 2012, p. 552). Sobre isso voltaremos a comentar mais a frente.

Vlad III. Gravura alemã de cerca de 1490.

No ano de 1447, Vlad contava com seus 16 ou 17 anos, ainda era jovem e imaturo. Na ocasião nada pôde fazer a respeito da morte do pai e do irmão. Radu era ainda mais jovem. Assim, João Corvino tratou de empossar no trono valaquiano Vladislav II (1447-1456), o qual supostamente seria filho do falecido voivoda Dan II, o qual havia governado a Valáquia entre 1422 a 1431. Com essa jogada política, Corvino garantia forte influência sobre o país, algo que ambicionava há vários anos, mas Vlad II sempre foi um empecilho para seus planos. (RADVAN, 2010, p. 138). 

No ano de 1448, o jovem Vlad III apoiado pelo sultão Murad II, retornou para a Valáquia e tentou reaver o trono, conseguido brevemente assumir o poder por cerca de um ou dois meses, entre outubro e dezembro daquele ano, antes de ser derrotado pelo exército de Vladislav II. Todavia, o voivoda poupou o jovem Vlad da pena de morte e permitiu que esse partisse em exílio. De qualquer forma, os relatos apontam que Vlad se dirigiu para a Moldávia, passando a viver com um suposto tio materno (alguns sugerem que se tratava de um aliado de seu pai), chamado Bogdan II, o qual era o voivoda da Moldávia, tendo governado de 1449 a 1451. (CAZACU, 1990, p. 58). 

No ano de 1451 a situação piorou duplamente para Vlad III, seus dois protetores: o voivoda Bogdan II e o sultão Murad II, faleceram naquele ano. Bogdan foi assassinado numa traição tramada por Peter III Aaron, já o sultão, adoeceu e faleceu. Desprovido do apoio de seus protetores, Vlad estava desamparado e só lhe restava buscar apoio um tanto improvável. O filho de Bogdan, Stephen sugeriu que eles dois deixassem a Moldávia, pois Peter Aaron poderia matá-los, então ambos concordaram com isso e seguiram para a Transilvânia. (CAZACU, 1990, p. 58).

Os acontecimentos seguintes são confusos e pouco conhecidos. Stephen e Vlad foram buscar proteção com João Corvino, embora não sabemos até onde Vlad concordava com isso, pois Corvino era inimigo de sua família há vários anos. Todavia, os relatos apontam que Peter Aaron, o usurpador do governo moldávio, foi derrotado por Alexandrel, todavia isso gerou uma guerra civil entre os dois pela disputa do trono moldávio. Conflito que durou mais alguns anos. Nesse ponto o rastro de Vlad se perde. Uns apontam que ele e Stephen teriam retornado a Moldávia, outros sugerem que ele teria ficado na Transilvânia ou seguido para a Hungria, mantido por João Corvino como um nobre refém, prática comum entre vários povos ao longo da história. (TREPTOW, 2000, p. 59-60). 

O governo de Vlad III (1456-1462): 

As circunstâncias para o retorno de Vlad a Valáquia são incertas da mesma forma quanto é incerto seu paradeiro nesses últimos anos. Em 1456, a relação entre João Corvino e Vladislav II estava bastante desgastada ao ponto do voivoda valáquio já não obedecer mais Corvino, que na época era protetor da Hungria, além de ser senhor da Transilvânia. Isso levou João Corvino a declarar guerra a Vladislav, o qual morreu ainda naquele ano. Em setembro de 1456, uma carta enviada para a cidade de Brasov na Transilvânia, avisava aos burgueses de lá, que Vlad Draculea era o novo voivoda da Valáquia. Vlad adotou o epíteto de seu pai, Dracul, passando a se chamar Draculea ("filho do dragão").

Brasão de Armas de Vlad III Draculea. 

Na carta enviada ao povo de Brasov e depois para outros cantões da Valáquia, Vlad Drácula solicitava apoio dos senhores feudais e de seus exércitos para poder reassumir o trono que lhe era de direito, mas principalmente para combater a ameaça otomana que havia crescido bastante nos últimos anos. 

Em 1453 o último baluarte da cristandade no Oriente, a cidade de Constantinopla, havia sido conquistada após 50 dias de bombardeio, pois embora seus três anéis de muralhas fossem famosos por terem repelidos poderosos inimigos ao longo dos séculos, aquelas antigas muralhas de pedras não estava prontas para resistir a uma tecnologia que se difundia pelo Oriente Médio, a arma de fogo. Imponentes canhões bombardeando diariamente as muralhas, abriram buracos, os quais levaram a rendição da outrora grande cidade. (GIORDANI, 1977, p. 100-102).

Com a capitulação de Constantinopla, os otomanos consolidariam nos anos seguintes o seu domínio sobre o Mar Negro, a Grécia, a Macedônia e a península dos Bálcãs. Isso tornava mais fácil o avanço do exército otomano pelo leste europeu. Assim, no ano de 1456, o então sultão Mehmed II, filho de Murad II, estava interessado em continuar com as conquistas de expansão de seu império. Por mais que Mehmed II fosse filho do antigo aliado de Vlad II, Vlad Drácula não estava interessado nessas velhas alianças. Seus pais haviam sido aliados, mas os filhos não eram. Dessa forma Vlad mobilizou seus vassalos para formar um exército e se preparar para a guerra. 

De certa forma, Vlad III esperava contar com o apoio de seu inimigo João Corvino, o qual a longos anos lutava contra os otomanos, o problema é que Corvino faleceu em 1456. Embora que semanas antes de morrer, Corvino em 22 de julho daquele ano, conquistou importante vitória contra os otomanos, nos portões da fortaleza de Belgrado (atualmente na Sérvia). Todavia, ele acabou adoecendo pela falta de higiene dos acampamentos da época, vindo a morrer em 11 de agosto. Deixando Vlad sozinho para tentar formar uma coalizão contra os otomanos. (HENTEA, 2007, p. 4).

Vlad sabia que era necessário ganhar apoio da nobreza, mas principalmente dos boiardos (aristocracia), os quais eram detentores de muitos recursos e homens, devido a prosperidade que conquistaram através do comércio. Vlad entre 1457 e 1459 se mobilizou para tentar reformar fortalezas e castelos, ou construir novas fortificações para proteger o país, ao mesmo tempo em que realizava reuniões e festas para atrair a simpatia dos nobres e boiardos. Em 1458, ele inaugurou uma fortificação próximo de Bucareste, para defender a estrada que levava ao porto de Giurgiu, na época território ocupado pelos otomanos. (RADVAN, 2010, p. 166, 171).

Em maio de 1458 o exército de Vlad derrotou as tropas do vizir Mahomed Pasha, o Grego. No ano seguinte ele se recusou a pagar os tributos ao governo otomano e a ceder crianças para o devshirme. Mas além de ter que cuidar dos problemas de guerra, Vlad III também teve que se preocupar com as reclamações e ameaças de Matias Corvino (1443?-1490), o qual assumiu o trono húngaro em 1458. Matias incitou nobres e boiardos da Transilvânia e da Valáquia a cortarem relações com Vlad III, e de fato, isso quase deu certo, já que Vlad teve que resolver tentativas de revolta e traição. Desse ponto surgem algumas histórias sangrentas que envolvem seu nome. 

Matias I Corvino, rei da Hungria (1458-1490).

Um pretendente ao trono valáquio, Dan III, declarou guerra a Vlad e invadiu a Valáquia, tendo sido derrotado em 22 de abril de 1460. Vlad decidiu retaliar também os aliados de Dan, atacando Brasov em seguida, e tomando para si controle daquele importante centro econômico. (TREPTOW, 2000, p. 112). 

Contida essa tentativa de lhe usurpar o trono, Vlad voltou a atenção para os conflitos com os otomanos. Em 1461 o sultão Mehmed II sabendo que Vlad estava em guerra contra seus vassalos e suspendeu o pagamento dos tributos, enviou um emissário de nome Bey Hamza, o qual segundo alguns relatos, Vlad teria ordenado que o emissário fosse empalado. Vlad teria sido convocado pelo sultão Mehmed para ir à Constantinopla se explicar a respeito do porque havia deixado de pagar os tributos e cumprir com o devshirme. Vlad inclusive teria iniciado a viagem com o embaixador otomano, mas tendo sido avisado que era uma armadilha, cancelou a viagem. (TREPTOW, 2000, p. 123).

O sultão Mehmed II considerando a reação de Vlad III um ato de traição, ordenou que seus exércitos fossem mobilizados para atacar a Valáquia. Ele pessoalmente lideraria as campanhas, medida comum entre vários sultões do século XV e XVI. Antes do sultão Mehmed chegar, as tropas de Vlad haviam recuperado o controle do porto de Giurgiu (atualmente na Romênia), próximo ao rio Danúbio, obrigando os otomanos a terem que desembarcar em outro porto. Com a tomada de Giurgiu, Vlad ordenou ataques a outros portos otomanos no Mar Negro como Brailla e Chilia, no delta do Danúbio. Inclusive confiscando mercadorias de seus navios. (TURNBULL, 2005, p. 41).

Pintura representando o sultão Mehmed II. Embora na imagem o sultão apareça de forma serena, cheirando uma flor, Mehmed foi um grande conquistador, um verdadeiro senhor da guerra.  

Devido a esses ataques aos portos otomanos, Vlad Dracula conseguiu retardar a chegada e o avanço do exército otomano, ganhando tempo para preparar seu exército e fortificações para a guerra principal. O grosso do exército de Mehmed II chegou à cidade de Philippopolis (atual Plovdiv na Bulgária). De lá, iniciou a longa marcha até à Valáquia. Dispondo de cerca de 8 mil cavaleiros e 30 mil soldados, Vlad não tinha chances de derrotar o sultão cujo exército, estimativas da época apontavam possuir mais de 100 mil homens. Assim Vlad adotou a estratégia de "terra arrasada": queimou o que não podia ser transportado; ordenou que a população evacuasse as vilas e fazendas; empregou ataques de emboscada e usou o medo também, ao mandar empalar inimigos, deixar mortos enforcados nas árvores ou enviar cabeças decapitadas. (HENTEA, 2007, p. 57). 

Mesmo com tais medidas o exército muçulmano não recuou. Mehmed II estava confiante com sua supremacia numérica, além da fama que trazia consigo, afinal, ele havia conquistado a importante cidade de Constantinopla, capital de um dos mais ricos impérios da História. Quem era Vlad III diante dos bizantinos? Com isso o exército continuou avançando. Nesse ponto Vlad teve um plano ousado: tentar invadir o acampamento para matar ou sequestrar o sultão. Tal empresa militar ocorreu entre 16 e 17 de junho de 1462, mas acabou falhando. Os soldados envolvidos erraram a tenda do sultão e foram descobertos. (HENTEA, 2007, p. 4). 

Sabendo o fracasso da empreitada, Vlad III decidiu fugir. No final de junho, o exército de Mehmed II adentrou as ruas vazias de Targoviste, capital usada por Vlad. Mehmed II ao invés de sair à caça do traidor, preferiu tomar medidas diplomáticas, além do fato de que o rei da Hungria, Matias Corvino, estava com seu exército pronto para qualquer ameaça de Mehmed II. Vlad sabendo disso, partiu para a Transilvânia, território sob jurisdição húngara. O trono da Valáquia foi assumido por Radu III, o Belo, irmão caçula de Vlad. Radu governaria de 1462 a 1473, como fantoche dos otomanos. Por sua vez, Vlad foi traído por alguns boiardos e entregue para o rei Matias Corvino, o qual lhe enviou para a prisão. 

Retrato do voivoda Radu III, o Belo (1462-1473), irmão mais novo de Vlad III.

Uma última esperança (1476): 

Vlad Drácula tentou negociar com Matias Corvino, mas embora as negociações tenham durado semanas, Corvino negou-se a fornecer apoio a Vlad e o enviou para a prisão. Nesse ponto se desconhece acerca da vida de Vlad, mas sabe-se que ele passou um longo tempo preso. No tempo que ele permaneceu preso, seu irmão governou a Valáquia pelos interesses do sultão Mehmed II, que decidiu não declarar guerra a região. Não obstante, em 1463, os otomanos iniciaram guerra contra a República de Veneza, conflito que os manteve ocupados por anos (QUATAERT, 2008, p. 8). Por outro lado, o voivoda da Moldávia, Estevão III, o Grande começou a gerar tensão com o rei Matias Corvino. Em 1465, tropas de Estevão tomaram a fortaleza de Chilia (atualmente na Romênia). Isso acabou por gerar conflito entre os dois soberanos, resultando numa dura derrota para Corvino no final de 1467. (HENTEA, 2007, p. 5).

Os anos se passaram e a década de 1470 foi tensa para a região. Novos ataques mongóis ocorreram sobre a Moldávia, mas Estevão, o Grande conseguiu com seus exércitos conter a todos. Não obstante, o monarca moldávio estava interessado em tomar a Valáquia e destronar Radu, o Belo, por ser uma marionete dos otomanos. Em 1471 a tentativa de Radu de invadir a Moldávia foi rechaçada. Anos depois Estevão retalharia tal ato. Enquanto isso não ocorria, em 1473, um nobre chamado Bassarabe Laiotã se mostrou interessado ao trono valáquio e desafiou Radu por este. As disputas duraram dois anos até que Radu foi derrotado por Bassarabe. (RADVAN, 2010, p. XV). 

O ano de 1475 foi crítico. O voivoda Estevão, o Grande preparava um exército para um ataque massivo aos otomanos, no que resultou em janeiro daquele ano em vitória sua. Ao mesmo tempo em que Radu III havia perdido o trono e posteriormente faleceu ainda naquele ano. Bassarabe Laiotã que assumiu o nome de Bassarabe III, decidiu fechar acordo com os otomanos. Ele prometeu continuar a ser vassalo desses, como Radu III vinha fazendo nos últimos anos. Em reação a isso, Matias Corvino decidiu libertar Vlad III. 

Retrato do voivoda Bassarabe III. 

Os motivos para que Corvino libertasse Vlad não são claros. Os cronistas da época mencionam várias tramas e acordos. Uns falam que Matias Corvino pretendia fornecer apoio a Vlad para que esse retomasse o controle da Valáquia e expulsasse os otomanos de lá. Outros sugeriram que senhores feudais e boiardos da Transilvânia e Valáquia recorreram ao rei húngaro para libertar Vlad, pois não aceitavam mais viver sob domínio otomano. Acreditavam que Vlad poderia recuperar o trono e continuar com a guerra contra os otomanos. Outros cronistas sugerem que Estevão, o Grande teve papel importante na soltura de Vlad, convencendo Matias Corvino. (TREPTOW, 2000, p. 160-161). 

Vlad III foi solto, na época contava com 44 anos, e havia passado os últimos quatorze anos preso, embora se desconheça propriamente como foi sua rotina. Os poucos relatos conhecidos sugerem que ele não ficou em prisões convencionais ou em masmorras, mas em prisão domiciliar. De qualquer forma, tendo sido solto em 1476, ele já se colocava na ativa para tentar recuperar seu trono. 

Em 26 de julho de 1476 o exército de Mehmed II foi derrotado pelo exército moldávio de Estevão, o Grande na Batalha de Valea Alba-Razboieni (na época na Moldávia, hoje em território romeno). A derrota dos otomanos em Alba-Razboieni foi o início da breve derrocada do governo otomano sobre a Valáquia. Os exércitos de Estevão começaram a empurrar as tropas otomanas nos meses seguintes (HENTEA, 2007, p. 5). Nesse tempo, tropas de Matias Corvino e de outros nobres da Transilvânia, Valáquia, Moldávia e Hungria, os quais formaram uma breve coalizão à época, conseguiram expulsar o grosso do exército otomano da Valáquia, inclusive forçando o voivoda Bassarabe III a renunciar. Assim, Vlad III reassumiu o trono valáquio. (TREPTOW, 2000, p. 162-164). 

Todavia, essa seria a última vez que Vlad Drácula estaria a frente da Valáquia. Bassarabe III tendo escapado, não desistiu de reaver o trono. Logo, ele deixou o país e partiu para conseguir reforços. Ainda em dezembro daquele ano, Bassarabe retornou com um exército otomano. Os relatos sobre a batalha não são exatos. Uns dizem que o conflito ocorreu em data incerta ainda em dezembro de 1476, outros sugerem que o conflito ocorreu em janeiro de 1477. De qualquer forma, Vlad pessoalmente participou daquela batalha, vindo a ser capturado e morto em combate. (TURNBULL, 2005, p. 41). Bassarabe III reassumiu o trono, passando cerca de um ano no poder, sendo deposto por seu sobrinho, o qual assumiu o nome de Bassarabe IV, o Jovem (1478-1482). 

Quanto a Vlad III, não se sabe onde seu corpo foi sepultado se é que chegou a ser sepultado. Relatos da época dizem que os soldados o esquartejaram e a cabeça teria sido enviada ao sultão Mehmed II. No século XIX surgiu a história de que Vlad III estava enterrado no Monastério de Snagov ou na Igreja Radu Serban em Comona. Desde a década de 1930, arqueólogos e historiadores realizaram pesquisas nos locais e nada foi atestado. Ainda hoje o túmulo de Vlad III não foi encontrado. 

A fama de Vlad, o Empalador:

Um provérbio português diz o seguinte: "morre o homem e fica a fama". No entanto, essa fama nem sempre é positiva. Vlad Drácula ganhou a fama de sanguinário, violento, cruel, tirano e o epíteto de Vlad, o Empalador (Vlad Tepes em romeno). Mas realmente ele teria sido tão cruel e violento como algumas histórias antigas contam?

Alguns relatos antigos falam que Vlad e Radu durante a época que eram adolescentes e permaneceram no palácio do sultão Murad II, Radu teria sido bem tratado e recebido privilégios reais, afinal, ele viveu longos anos entre os otomanos, inclusive foi graças a Mehmed II que ele se tornou voivoda. Mas no caso de Vlad, esse por motivos não mencionados nas fontes, ele teria sido agredido, torturado, abusado sexualmente, preso em masmorras até mesmo teria se alimentado de insetos para sobreviver ao cárcere. Hoje muitos historiadores consideram isso como propaganda depreciativa para brutalizar a imagem de Vlad. (SZWYDKY, 2012, p. 553). 

Um dos primeiros atos selvagens de Vlad, teria ocorrido no ano de 1459, quando ao se mudar para a cidade de Targoviste, a qual se tornou sua capital, Vlad teria ordenado que todos os envolvidos na traição que levou a morte de seu pai e irmão dez anos antes, fossem reunidos para serem punidos. Segundo as crônicas da época, Vlad ordenou que os mais velhos fossem empalados e os mais novos, feitos escravos e forçados a trabalhar nas obras de suas fortalezas. Nessa primeira ocasião ver-se o uso do empalamento. Todavia, uma das crônicas da época, a Istoria Tarii Romanesti, não menciona a execução dos boiardos envolvidos, embora cite que muitos foram enviados ao trabalho forçado na época da Páscoa, o que era considerado uma grande ofensa também. (RADVAN, 2010, p. 201-202). 

Outra história envolvendo o uso de violência desmedida ocorreu na Transilvânia. Em 1460 as cidades de Brasov e Sibiu, as quais abrigavam muitos comerciantes Saxões, apoiaram as pretensões de Dan III em usurpar o trono da Valáquia. Vlad após ter derrotado a tropa de Dan em batalha, marchou para a Transilvânia, invadindo Brasov e Sibiu, permitindo que saques e vandalismo fossem cometidos, como forma de mostrar que era um governante forte e qualquer tentativa de derrubá-lo, seria revidada a ferro e fogo. (HENTEA, 2007, p. 57). 

Gravura alemã de 1499, representando Vlad Tepes fazendo uma refeição, enquanto contempla um campo de empalados. 

Outro caso que marca a fama de Empalador, adveio de um acontecimento de 1462. Após o ataque ao acampamento do sultão Mehmed II na noite de 17 de junho ter fracassado, o sultão continuou com sua marcha em direção a capital da Valáquia, em dado momento seus batedores retornaram aterrorizados, anunciando que uma "floresta de empalados" se encontrava no caminho. De acordo com os relatos otomanos, pelo menos 20 mil prisioneiros de guerra haviam sido empalados. (SZWYDKY, 2012, p. 553). Um número bem exagerado, pois dificilmente um exército menor como o de Vlad, conseguiria ter mantido 20 mil reféns, além de ter tido tempo para executar todos e arranjar 20 mil estacas para empalá-los. 

No entanto, quando foi que essa má fama começou? Não se sabe ao certo quem primeiro disseminou as histórias de Vlad como cruel torturador e assassino, mas sabe-se que a maioria dos relatos não são de origem valaquiana, moldaviana e nem húngara, mas são relatos de origem saxã, alemã, otomana, grega, eslava, russa etc. 

Laurentiu Radvan (2010, p. 215) comenta que muitas crônicas saxãs como a Viata lui Vlad Tepes (Vida de Vlad, o Empalador) foram escritas com uma forte repulsa ao voivoda, principalmente devido a punição que ele causou a Brasov e Sibiu, onde alguns dos habitantes conspiraram para derrubá-lo do poder. Nessas crônicas saxãs, Vlad é intensamente referido como o Empalador, inclusive os relatos beiram a imoralidade, como o caso de que certa vez Vlad teria feito uma festa numa casa, então teria dado uma desculpa para sair durante o banquete, e em seguida ordenou que a residência fosse incendiada, matando todos os convidados.  

“Horrified by these atrocities, the Saxons printed books and pamphlets in which they described Vlad’s cruelty. They reported that impaling was one of Vlad the Impaler’s favorite punishments. However, he was not the only ruler of the period who engaged in it. Other German and Spanish princes did the same, but it was the Saxons’ booklets that spread in Germany and Western Europe, where Vlad Dracula became known as the bloodiest tyrant”. (HENTEA, 2007, p. 58).

No livro Historia Pannonica (1495), o autor Antonio Bonfini, menciona algumas anedotas criadas para se referir a pessoa de Vlad, como sendo um homem temperamental, paranoico, bruto, boçal e cruel. Várias anedotas que misturam o macabro com o satírico, debochavam de Vlad III, inclusive algumas anedotas falavam que ele era covarde, que era marionete dos otomanos, que era um cristão infiel, um homem sem palavra, um traidor etc. 

Pintura alemã do final do século XV ou começo XVI, retratando Vlad diante de uma mesa com comida, enquanto olha para empalados. Enquanto isso, um de seus servos esquartejava cadáveres. 

O historiador romeno Lucian Boia (2001, p. 199) o qual escreveu um livro sobre história e mitos romenos, defende que a má fama que Vlad III Drácula recebeu, adveio de relatos estrangeiros, principalmente de origem germânica e eslava, e alguns de origem greco-turca, pois tais relatos tomavam com base questões políticas: os otomanos viam Vlad como inimigo, já que ele durante seu governo de 1456 a 1462 dedicou várias campanhas contra eles, logo, era e ainda é comum inimigos se difamarem, se insultarem e contarem calúnias no intuito de demonizar um ao outro. 

No caso germano-eslavo, Vlad não teve contato direto com tais povos, exceto os saxões da Transilvânia que conheceram a punição do voivoda por apoiarem seus opositores. Mas isso gerou anedotas depreciativas a conduta de Vlad, e tais anedotas geraram boatos, os quais anos depois da morte do voivoda foram registrados em contos, crônicas, poemas e livros, apresentando Vlad com o título de Empalador, e sendo um líder cruel e tirânico. 

“We do not need to discuss the accuracy of the information in the German chronicles (which is present also in a somewhat attenuated form in the Slavonic chronicle). Even if Tepes was not responsible for a single one of the dreadful deeds attributed to him, the Romanian myth was constructed precisely from this bloody image of his reign. The stake has become a political symbol, the symbol of an authoritarian prince who was harsh, because that was what the times required, but fair and devoted to the two supreme principles: order within the state and independence in external affairs”. (BOIA, 2001, p. 199). 

Boia (2001, p. 201-202) prossegue comentando que a má fama de Vlad Tepes se espalhou principalmente nos relatos estrangeiros, enquanto os relatos nacionais não o enxergavam como um tirano, mas viam ele como um líder preocupado em manter a Valáquia livre de usurpadores e da ameaça otomana. Boia cita o livro Vlad Tepes and the German and Russian Narratives about Him (1896), escrita por Engels, em cujo livro o autor reuniu várias histórias alemãs e russas acerca de Vlad Tepes, mostrando seu lado sanguinário e sádico.

É preciso lembrar que alguns líderes da História cometeram atos mais desumanos e hediondos que Vlad III, mas não ganharam a mesma fama de serem cruéis e sanguinários. Por exemplo, Júlio César (100-44 a.C) ordenou massacres na Gália. Nos quatro anos de guerra, estima-se que dezenas de milhares tenham morrido. A história francesa, inglesa e alemã estão recheadas de traições e massacres familiares. No caso húngaro e moldávio, Matias Corvino e Estevão, o Grande promoveram guerras e ordenaram a execução de prisioneiros, mas a História não os considera sanguinários. (BOIA, 2001, p. 196). 

“Since the 1970s, almost any guide to the popular history of Dracula suggests that Vlad the Impaler’s gruesome executions and high body count were so extraordinary that they prompted Stoker to write a novel that would immortalize the medieval prince. However, although Vlad Dracula was certainly responsible for many deaths, he was not the only ruler during the Middle Ages known for violent executions. As Constantin Rezachevici explains, “Cruel punishment was a characteristic of the Middle Ages and, partially, of the Modern Epoch in central and western Europe, meant not so much as a punitive measure, but as intimidation””. (SZWYDKY, 2012, p. 555). 

Como apontado pelo comentário de Constantin Rezachevici, a prática de ser cruel não teria sido algo apenas limitado a Vlad, mas vários outros líderes faziam o mesmo. Os próprios Estevão, Matias Corvino, Mehmed II e outros líderes da época, ordenaram atrocidades e o uso da violência e do medo como forma de intimidação. 

Lissette Szwydky (2012, p. 554) comenta que fama de Vlad Tepes foi algo que durou entre o final do século XV e parte do XVI, depois disso não se encontram mais relatos sobre sua pessoa e ele acabou caindo no anonimato. Apenas no século XIX, Vlad voltaria a chamar a atenção, inicialmente por terem supostamente descoberto seu túmulo na Igreja de Snagov, algo que gerou apenas repercussão local. No entanto, isso começou a ser usado como parte de propaganda política nacionalista, já que à época a Romênia passava por disputas nacionalistas. Entretanto, a fama de Vlad III só se tornou mais forte no  século XX com o sucesso do romance Drácula, o qual aumentou a visibilidade da Romênia. (TORTOMANI, 2014, p. 35).

Vlad como vampiro:

Bram Stoker
Por mais que existam vários relatos desde o século XV, contando absurdos acerca dos atos de Vlad Tepes, além de outros escândalos e seu suposto sadismo e crueldade, nenhuma dessas histórias fala de vampiros. Vlad III surge como vampiro apenas no final do século XIX, mais exatamente no ano de 1897, quando o escritor, poeta e contista irlandês Abraham "Bram" Stoker (1847-1912) lançou seu mais famoso romance, Drácula. Mas antes de lançar seu livro mais famoso, Stoker já vinha há alguns anos escrevendo poemas, contos para jornais, trabalhando para a companhia teatral do Royal Lyceum Theatre em Londres. Foi nesse período também que se casou com a atriz Florence Balcombe. (GOETTEMS, 2014, p. 4). Durante alguns anos, Stoker viajou pelo continente, coletando fontes e referências para seus romances, então por volta de 1890, ele começou a pesquisar acerca de histórias sobre vampiros. Nessa época, Londres ainda testemunhava os resquícios finais da fama dos penny dreadful, termo usado para se referir a "literatura barata" de entretenimento em massa. 

Consistia em contos e anedotas geralmente de temas escandalosos, bizarros, grotescos e aterrorizantes, referentes a pessoas reais ou fictícias, o que incluía também lendas e histórias do folclore. Tais obras eram impressas em papel de baixa qualidade e vendidos por um penny de libra, daí serem chamados popularmente de penny dreadful ("centavo macabro"). O público alvo inicialmente era os operários de sexo masculino, os quais começaram a se interessar por tais histórias, depois outras camadas da sociedade foram se interessando. A medida que os penny dreadful foram ficando populares entre as décadas de 1840 e 1860, alguns tornaram-se livretos com vários contos, e outros até mesmo tornaram-se novelas, com publicações semanais de  seus capítulos. 

Embora alguns penny dreadful abordassem histórias sobre vampiros no que consistia num tema não inédito na literatura inglesa do século XIX, a primeira grande obra sobre vampiros foi o conto Carmilla (1871-1872) de Joseph Sheridan Le Fanu, obra que não apenas influenciou Bram Stoker, como alegam estudiosos de seu trabalho, como também influenciou a imagem de vampiros belos, atraentes e sedutores, o erotismo em histórias vampirescas e até mesmo insinuações homossexuais, embora que na época fosse algo mais contido. (SZWYDKY, 2012, p. 558). Outra possível influência teria sido O Vampiro (1819) de John William Polidori. (GOETTEMS, 2014, p. 4). 

Porém, quando Stoker estava escrevendo seu Drácula, naquele tempo os penny dreadful haviam perdido influência, mas as obras de escritores e poetas renomados como Charles Dickens, Oscar Wilde, Lewis Carrol, Thomas Hardy, Robert Louis Stevenson, Arthur Conan Doyle, Alfred Tennyson etc., estavam em alta. Bram Stoker teria que escrever um livro que se destacasse desse cenário bastante concorrido. 

Assim, suas pesquisas sobre lendas de vampiros o levaram a chegar ao leste europeu, conhecido por possuir algumas das lendas mais antigas sobre vampiros. A medida que foi pesquisando a respeito de países como Romênia, Hungria, Bulgária, Moldávia, Sérvia etc., Stoker em dado momento se deparou com as histórias sobre um terrível príncipe valáquio que viveu no século XV, e teria a má fama de empalar pessoas. Uma das possíveis referências de Stoker foi o livro An Account of the Principalities of Wallachia and Moldavia (1820) de William Wilkinson, no qual há menção a Vlad. (SZWYDKY, 2012, p. 554-555). Vlad Tepes tornou-se aos olhos de Stoker o fundamento por trás da lenda. 

“The macabre stories of a human monster thirsty for blood lie at the origin of the well-known Dracula myth, which originated in the English-speaking world (invented by Bram Stoker in his famous novel of 1897). The same stories, fdtered through another national sensibility and another ideology, were also the source of the Romanian myth. The vampire Dracula and the great patriotic ruler have a common origin; they start from the same point and provide a remarkable illustration of the capacity for transformation which is characteristic of the imaginary”. (BOIA, 2001, p. 199). 

O epíteto de Draculea ("filho do dragão"), tornou-se o nome perfeito para seu personagem. Inclusive a má fama que Vlad Tepes recebeu após a morte, levou a ponto da palavra dracul, que significa "dragão", torna-se também sinônimo para "demônio". Dessa forma, Stoker havia encontrado o nome para seu lorde vampiro, um ser cruel, sedento de sangue, ardiloso e que supostamente teria feito um pacto com o Diabo, para conquistar a imortalidade. Vlad Tepes havia servido apenas de pano de fundo para situar a história de Stoker na Transilvânia, e encontrar um suposto respaldo histórico. 

Capa da primeira edição de Drácula (1897). 

O livro de singela capa amarela, quando publicado em maio de 1897, pouco tempo depois recebeu críticas mistas. As críticas positivas diziam se tratar de um bom enredo com elementos de suspense e terror satisfatórios, mas não consideravam a obra algo fenomenal ou digno de ser um best-seller. As críticas negativas reclamaram muito da forma como o enredo foi construído e narrado, pois o livro é narrado a partir de diários, cartas, telegramas e notícias de jornal, o que foi visto como algo enfadonho para a leitura e até mesmo poderia atrapalhá-la. (GOETTEMS, 2014, p. 4). 

Ainda assim, a obra continuou a vender e Stoker escreveu outros livros até o fim da vida. Sua última publicação foi em 1911 com o livro Monstro Branco. No ano seguinte ele faleceu. Em 1914 sua viúva, Florence Stoker autorizou a publicação de alguns contos sobre o Drácula, escritos posteriormente ao livro original. No século XX o livro a partir do teatro e do cinema ganhou renome internacional, tornando-se cult e um clássico da literatura gótica. 

Considerações finais: 

Nota-se que podemos ver a história de Vlad III Dracuela a partir de três pontos de vista: a visão histórica na qual ele foi um dos voivodas do Principado da Valáquia, tendo governado por três vezes, embora apenas conseguiu efetivamente exercer seu poder por cerca de seis anos. Todavia, ele era membro de uma respeitada família cujo avô foi Mircea I, o Velho, um dos mais renomados voivodas da Valáquia. Não obstante Vlad III se viu diante de intrigas familiares, complôs, usurpações e traições. Seu pai Vlad II, o Dragão desenvolveu uma profunda rivalidade com João Corvino, o Cavaleiro Branco, além de ter se aliado com o sultão otomano Murad II. 

Essa aliança feita por Vlad II gerou profundas consequências para Vlad III e Radu III como visto, além de pôr seus filhos em problemas com os otomanos e os húngaros. Mas embora Vlad III tenha sido criado entre os otomanos por algum tempo, demonstrou até o final da vida ser inimigo destes, tendo se comprometido a atuar como um cavaleiro cristão em nome da cristandade, algo que Corvino cobrava de Vlad II. 

Por outro lado, temos a visão depreciativa, a qual através de anedotas, poemas, contos, crônicas etc., tornaram Vlad III em Vlad Tepes, lhe legando a má fama de ter sido sanguinário, ignorante, violento, empalador, tirano, furioso, macabro, um monstro. O qual teria mandado matar milhares de pessoas. Sendo que essas histórias carecem de fundamento, embora não podemos negar que Vlad possa ter se vingado de seus inimigos, já que fosse algo comum à época. 

A terceira visão o representa como um suposto vampiro. Embora Bram Stoker não tenha dado muita atenção a contar a história de Vlad, sua obra influenciou outros autores a fazer isso. Inclusive existem filmes, livros, jogos, desenhos etc., que representam Vlad III como tendo sido um vampiro. Vlad III acabou servindo de base para o mais famoso vampiro da História. 

NOTA: Embora Vlad III tenha tentado impedir que a Valáquia caísse definitivamente nas mãos dos otomanos, ele como visto, não conseguiu. Na prática, a Valáquia continuou como Estado vassalo do Império Otomano até meados do século XVIII, quando iniciou movimentos para se separar da suserania otomana, mas ainda continuou pagando tributos até o XIX. 
NOTA 2: Algumas histórias sobre Drácula, se baseiam em Vlad III como tendo sido um vampiro de fato, algo sugerido no livro em si. Por exemplo o filme Drácula: a história nunca contada (2014), o mangá/anime Hellsing (1997-2008), o seriado Drácula (2013-2014), o filme Van Helsing (2004), Castlevania (2017), entre outros.
NOTA 3: O romance O historiador (2005) de Elizabeth Kostova, narra a história de uma investigação histórica para provar que Vlad Tepes realmente era um vampiro e continuava vivo. Que Drácula não seria uma obra de ficção. 
NOTA 4: Dez anos após a morte de Bram Stoker, em 1922 estreava Nosferatu, primeira obra vagamente inspirada em Drácula. Antes disso o livro havia sido adaptado para o teatro inglês.  
NOTA 5: Em 1931 estreava Drácula, obra também vagamente inspirada no romance, mais tornando-se uma das adaptações mais famosas, tendo o ator húngaro Bela Lugosi no papel do conde.  
NOTA 6: No capítulo 3 de Drácula, o conde relata alguns acontecimentos históricos para Jonathan Haker, como a invasão da Hungria, a invasão dos magiares, búlgaros e turcos, mas sem mencionar as datas que tais eventos ocorreram. Drácula também diz que um poderoso voivoda que infligiu derrotas aos turcos ao sul do Danúbio, teve o trono usurpado pelo próprio irmão. Aqui temos uma referência a Vlad III e Radu III. 
NOTA 7: Na popular série de videogame Castlevania, criada em 1986 pela Konami, o Conde Drácula é o principal vilão da série, aparecendo em várias das histórias. Algumas das quais associam sua imagem com Vlad III. 
NOTA 8: Drácula é um personagem da Marvel Comics, sendo introduzido nesse universo de histórias em quadrinhos em 1972 com a história The Tomb of Dracula, produzida por Gerry Conway e Gene Colan
NOTA 9: O conflito entre Vlad e o sultão Mehmed II é retratado na segunda temporada da série Rises of Empires: Ottoman
NOTA 10: Se desconhece quantas esposas e filhos Vlad III teve, embora possívelmente ele tenha sido casado duas vezes, a primeira com Cneajna e a segunda com Anastácia. Seu único filho legítimo conhecido foi com a primeira esposa, chamado de Mihnea (1462-1510), o qual herdou a fama de cruel do pai, sendo chamado de Mihnea, o Mau
NOTA 11: Vlad II, o Dragão fundou a Casa dos Draculesti (Casa do Dragão), a qual governou a Valáquia entre os séculos XV e XVII. 
NOTA 12: Após as mortes de Vlad III e Radu III, um irmão bastardo deles assumiu o trono valaquiano, governando como Vlad IV, o Monge (1482-1495), esse legou o trono para seu filho Radu IV, o Grande (1495-1508), que mais tarde foi usurpado pelo tio Mihnea, o Mau (1508-1509). Os sucessores apesar de familiares, sendo primos, tios e sobrinhos, chegaram a conspirar para derrubar um ao outro. 

Referências Bibliográficas:
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HENTEA, Calin. Brief romanian military history. Translator Cristina Bordianu. Lanham, Scarecrow Press, Inc. 2007. 
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RADVAN, Laurentiu. At Europe borders: medieval towns in the Romanian Principalities. Leiden/Boston, Brill, 2007. 
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STOKER, Bram. Drácula. Tradução e notas de Doris Goettems. São Paulo, Landmark, 2014. 
TORTOMANI, Kostantina. A Balkan Gothic: Bram Stoker's "Drakula" and the Balkan Identity. International Journal, 2014, p. 35-46. 
TREPTOW, Kurt W. Vlad III Dracula: The Life and Times of the Historical Dracula. The Center of Romanian Studies. 2000. 
TURNBULL, Stephen. The Ottoman Empire 1326-1699. New York/London, Routledge, 2005. (Osprey Essential Histories). 

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