sexta-feira, 8 de março de 2019

Percy Fawcett e a cidade perdida de Z

Desde o século XVI a América do Sul é destino de exploradores que buscaram ao longo dos séculos, supostas cidades perdidas como Eldorado, Paititi, Atlântida, entre outras. Geralmente essas cidades são situadas na região Amazônica ou nos Andes, compreendendo dos territórios do Brasil, Peru, Bolívia e Colômbia. Até hoje nenhuma dessas cidades foram encontradas, sendo consideradas por alguns como apenas lendas criadas pelos exploradores espanhóis e portugueses, após confundirem relatos indígenas ou suporem que realmente haveriam prósperas cidades, algumas ricas em ouro. Por outro lado, há quem diga que essas cidades possam ter sido baseadas em lugares reais, mas não sendo iguais como informado nas lendas. 

E no presente texto falo de uma dessas cidades sul-americanas lendárias, mas que foi julgada ser real. Trata-se da cidade perdida de Z, teoria concebida pelo coronel britânico Percy Fawcett, a qual tornou-se uma obsessão ao longo de vários anos de sua vida, levando-a a viajar ao Brasil várias vezes para encontrar indícios dessa misteriosa civilização perdida, a qual Fawcett acreditava que estaria situada no atual estado do Mato Grosso. Assim, procurei contar um pouco da história de Fawcett referente a suas expedições para buscar Z, embora que em vida, ele realizou outras expedições no Brasil e na Bolívia, para fins de mapeamento geográfico, mas nesse tempo ele coletou informações as quais iam formando o quebra-cabeça que ele chamou de Z. 

Breve histórico sobre Fawcett: 

Embora seja lembrado pela fama de explorador com interesse em arqueologia, Fawcett era militar de formação, tendo servido a Coroa Britânica na Ásia, África, Europa e na América do Sul. Vários anos antes de ele iniciar suas missões exploratórias no Brasil, Fawcett já havia percorrido as selvas africanas e lutado em guerras. Percy Harrison Fawcett nasceu em 18 de agosto de 1867, em Torquay na Inglaterra, era filho do militar Edward Boyd Fawcett (1839-1884), capitão do exército e jogador profissional de críquete. Edward era casado com Myra Elizabeth Fawcett (1844-1876). Percy possuía um irmão mais velho, chamado Edward Douglas (1866-1960), que tornou-se montanhista e escritor esotérico. (FAWCETT, 2010). 

Percy como seu irmão mais velho, foram educados no Propriety College em Newton Abbot. Com a morte da sua mãe em 1876, isso afetou bastante o seu pai, o qual profundamente magoado, passou a beber e jogar, contraindo dívidas. Edward Fawcett morreu aos 44 anos devido a tuberculose. Como os filhos não eram mais crianças, cada um seguiu sua vida. Em 1886, aos 19 anos, Percy ingressou na Academia Militar Real em Woolich, decidindo seguir carreira militar como seu pai. Diferente de seu irmão Edward, que seguiu uma vida mais aventureira, com direito a virar budista e se interessar por esoterismo e ocultismo. No ano de 1897, Percy foi nomeado para a patente de capitão e designado para missões na Ásia, passando por Hong Kong e o Ceilão (atual Sri Lanka). Foi no Ceilão que conheceu sua futura esposa, Nina Agnes Patton (1871-1954). Os dois voltariam a se encontrar mais vezes, iniciando um relacionamento. Em 1901 se casaram. Da união do casal nasceram três filhos: Jack (1903-?), Brian (1906-1984) e Joan (1910-2005). (FAWCETT, 2010). 


Percy Fawcett e sua esposa Nina Agnes Patton. 
No ano de 1901, Fawcett recebeu o convite para trabalhar na Royal Geographical Society, sendo enviado para missões no norte da África, participando de expedições geográficas e cartográficas. Foi nesse tempo que ele aprendeu técnicas de sobrevivência, assim como, ganhou gosto pela exploração de terrenos. Fawcett passou os anos seguintes servindo no continente africano até que no ano de 1906, já morando na Irlanda, o governo da Bolívia solicitou da Royal Geographical Society, que enviassem uma expedição para mapear suas fronteiras com o Brasil. A sociedade decidiu enviar Fawcett, que contava com experiência na África, e estava no momento de licença. Com isso, ele foi enviado ao Brasil. (BERTRAN, 1995). 

Percy Fawcett viaja ao Brasil: 

O interesse por Z ainda demoraria alguns anos para surgir. Naquele momento, Fawcett era um major inglês de 39 anos, que pouco sabia falar português e espanhol, e estava em missão para mapear algumas localidades próximas as fronteiras da Bolívia com o Brasil. Fawcett permaneceu alguns meses no Brasil, viajando pelo interior do estado do Mato Grosso, depois seguindo até La Paz, capital da Bolívia. A maior parte do território percorrido por ele e seus homens, tratava-se de selva densa, além da condição de ainda naquele tempo, haviam tribos indígenas que mal falavam o português ou espanhol, e viviam de maneira antiga, andando nus, e até conservando hostilidade com os forasteiros. Em seus diários de viagem, ele relata ter visto animais estranhos, além de ter atirado numa cobra gigante, ter visto aranhas grande e peludas, lobos de pelugem alaranjada, entre outras espécies. (FAWCETT, 2010).

Em 1908, ele percorreu o rio Guaporé, através dos estados do Mato Grosso e Rondônia (embora que naquela época não havia ainda o estado de Rondônia), chegando a sua fonte. No ano de 1909, ele participou de nova expedição, tendo inclusive recebido apoio de soldados brasileiros, que estavam a serviço do marechal Cândido Rondon (1865-1958), famoso militar e explorador brasileiro, de origem indígena, dedicou vários anos de sua vida servindo o Exército e explorando os sertões do Mato Grosso. Rondon não conheceu Fawcett na ocasião de 1909, mas anos depois eles viriam a se conhecer no Rio de Janeiro. De qualquer forma, alguns problemas ocorridos em 1909, levou Percy Fawcett a abortar sua expedição, se desentendo com os soldados brasileiros. (RAMOS; ERTZOGUE, 2016). 


Coronel Percy Fawcett em fotografia de 1911. 
No ano de 1910, de volta ao Brasil, Fawcett seguiu para a Bolívia, onde navegou pelo rio Heath, que percorre aquele país e o Peru, procurando mapeá-lo até sua fonte. Nessas andanças mais ao norte, Fawcett entrou em contato com a extração da borracha na Amazônia, a exploração do trabalho dos seringueiros e até o comércio ilegal de escravos indígenas, para trabalhar nos seringais ou em minas. Ele relata algumas das impressões sombrias que teve sobre isso, em seus diários. De qualquer forma, no ano de 1911, uma notícia surpreendeu parte do mundo, e Fawcett ficou interessado. Naquele ano foi descoberta a cidade inca de Macchu Picchu. Sua descoberta ou redescoberta como alguns sugerem, impulsionou uma onda de exploradores ao Peru e países vizinhos atrás de novas cidades. (BERTRAN, 1995). 

Na sua expedição seguinte, em 1913, percorrendo novamente território brasileiro e boliviano, Fawcett diz que foi naquela época que começou a surgir a teoria de que haveria uma cidade pré-colombiana, situada em algum lugar do interior do Mato Grosso. Influenciado pela descoberta de Macchu Picchu, além de ler matérias sobre pesquisas na região andina, e ter ouvido histórias dos habitantes locais, sobre estranhas formações e objetos raros, Fawcett acreditava que outras cidades perdidas poderiam se encontrar por ali, ocultas nas selvas sul-americanas. Ele pretendia retomar ao Brasil para prosseguir nas investigações, mas seus planos foram adiados, pois em 1914 eclodiu a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Fawcett foi convocado para atuar na guerra, além do fato que várias expedições da Royal Geographical Society foram suspensas nesse período. Fawcett somente retornou ao Brasil em 1920, já com uma teoria em mente, buscar evidência da cidade perdida de Z. (FAWCETT, 2010). 

A teoria da cidade perdida de Z: 

Fawcett passou parte do período que esteve servindo na Primeira Guerra, pesquisando da melhor forma que podia, a respeito de cidades perdidas no Brasil. Chegando a ler sobre história brasileira, algo que ele comenta em alguns de seus diários. Ainda em 1919, ele conheceu o presidente brasileiro, Epitácio Pessoa (1865-1942), o qual visitou Londres, na ocasião. Segundo informa o militar inglês, o presidente Pessoa demonstrou interesse em seu trabalho realizado em seu país, nos anos anteriores. No ano de 1920, em visita ao Rio de Janeiro, ele conheceu o marechal Rondon e se reencontrou com Epitácio Pessoa. Nesse período Fawcett também visitou arquivos e bibliotecas na cidade, procurando por livros, relatórios, mapas e outros documentos que pudessem lhe fornecer subsídios para sustentar sua teoria sobre Z. 

Um dos documentos que lhe chamou a atenção foi o manuscrito 512, cujo subtítulo é Relação histórica de uma oculta e grande povoação antiquíssima, sem moradores, que se descobriu no ano de 1753. A obra de autoria anônima, falava a respeito de uma expedição de bandeirantes ao interior da então Capitania da Bahia. O relato passou vários anos esquecido no acervo da Biblioteca Nacional, até ser encontrado durante uma pesquisa em pilhas de documento. O manuscrito foi publicado em 1839, no tomo I da Revista do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro (RIHGB). O manuscrito apresenta alguns trechos incompletos, ainda assim, pode-se ler seu relato sobre ruínas de pedra, e a descoberta de artefatos de ouro no local. Fawcett que tomou conhecimento desse manuscrito, acreditava que Z, talvez pudesse ter existido, pois esse manuscrito referia-se a uma antiga cidade supostamente real, também situada no Brasil.


Primeira página do manuscrito 512. Esse relato influenciou Percy Fawcett a manter sua teoria sobre cidades perdidas no Brasil. 
No mês de maio, Fawcett se reuniu a Rondon e o presidente Pessoa, para debater uma proposta de missão exploratória diplomática. Não se sabe ao certo detalhes da conversa, mas Fawcett solicitava apoio e recursos do governo federal para liderar uma expedição ao Mato Grosso, a fim de procurar a cidade de Z, que ele acreditava que estivesse situada na parte serrana daquele estado. Sendo uma cidade supostamente construída por povos europeus, que migraram há muito tempo para a América do Sul. (RAMOS; ERTZOGUE, 2016).

O interessante na teoria inicial de Fawcett, era que para ele Z, não seria oriunda de culturas indígenas sul-americanas, como os Incas e outros povos andinos, conhecidos por suas cidades de pedra. Ele achava que algum povo do Mediterrâneo, como gregos, cartagineses ou fenícios, poderiam ter navegado há muitos séculos até a América do Sul, adentrado o interior do continente e fundado uma cidade no Mato Grosso. Apesar de soar bem fantasiosa essa ideia, Fawcett, seu filho Jack, na época com seus 17 anos, e o amigo deles, Raleigh Rimmel, acreditavam nessa história. É preciso sublinhar que a ideia de Fawcett para uma cidade de origem "branca" no interior do Brasil, estaria associada com o mito de Atlântida e com a visão racial da época, onde se imperava o racismo científico, no qual dizia que povos negros e pardos, não seriam "evoluídos" o suficiente para realizar grandes feitos. Além disso, ainda no século XIX, teorias sobre a presença de fenícios, cartagineses, gregos, hebreus e vikings, os quais teriam visitado o Brasil entre a Antiguidade e o Medievo, já existiam. (RAMOS; ERTZOGUE, 2016). 

De qualquer forma, Fawcett conseguiu verba do governo brasileiro, apesar que negou-se de receber ajuda de Rondon e seus homens. Aquilo o irritou, pois, para Rondon, Fawcett estava sendo arrogante e tratava-se de um caçador de tesouros, não de um explorador sério, preocupado com a arqueologia e a história. Esse foi o início do desentendimento entre Fawcett e Rondon, que até virou notícia de jornal na época. A expedição de 1920 chegou a ocorrer, mas devido as fortes chuvas que acometeram o Centro-Oeste, o que atrasou a viagem em semanas, Percy Fawcett decidiu abandonar a busca. Porém, no ano seguinte, ele retornou ao Brasil, mais ao invés de ir procurar Z, Fawcett retornou com seu filho e amigo, e outros colaboradores, partindo para o interior da Bahia, a fim de encontrar a cidade citada no manuscrito 512. Fawcett passou semanas percorrendo os sertões baianos, sem encontrar nenhum vestígio da tal cidade que o manuscrito falava. Além disso, antes dele, expedições brasileiras tinham percorrido a região e nada encontram, fosse as ruínas de pedra, as minas de prata ou ouro, que alegavam ali existir. Fawcett era visto por alguns já naquele tempo, como um homem obcecado por lendas.  (BERTRAN, 1995; RAMOS & ERTZOGUE, 2016). 

Em seu diário nota-se que ele estava cansado, já que naquela altura, era um homem com seus 52 anos, já não possuía o vigor de antes para enfrentar longos dias de marcha, e caminhadas pela selva e o cerrado. Embora ele acreditasse que Z pudesse existir, por um lado, ele demonstrava frustração e não conseguir encontrar patrocínio. Posteriormente ele foi aposentado do Exército, apesar de ter ganho uma medalha pela Royal Geographical Society, e outras comendas, Fawcett relata em 1924, que estava frustrado e insatisfeito com sua vida e aposentadoria. Porém, ele ainda estava disposto a retornar ao Brasil. Com isso, Fawcett foi procurar patrocínio, recorrendo aos seus contatos. (FAWCETT, 2010). 

A última expedição: 

No ano de 1925, Percy, Jack e Raleigh retornam ao Brasil, compondo uma expedição patrocinada pela Northern American Newspaper Alliance, a qual Fawcett prometeu matéria exclusiva sobre sua descoberta; além de ser patrocinado pela Sociedade Geográfica Americana, o Museu do Índio Americano e o Instituto Rockfeller. A expedição de 1925 era de suma importância, pois Percy havia recebido dinheiro e outros recursos, além de estar em dívida com seus patrocinadores, ele tinha a obrigação de encontrar algo, do contrário, além de ser um homem endividado, seria chacota internacional, e isso poderia pôr fim a qualquer outra chance de empreender nova jornada ao Brasil. Em março a expedição chegou a São Paulo, de onde após alguns dias se preparando, seguiu de trem até o Mato Grosso, até a capital do estado, Cuiabá. Eles permanecem alguns dias em Cuiabá, cidade onde Percy possuía amigos, devido a suas várias viagens ao Mato Grosso. Apesar de ter trabalhado com outras pessoas no passado, naquela ocasião, Fawcett decidiu empreender a jornada apenas em companhia de seu filho e amigo. (BERTRAN, 1995). 


Jack Fawcett e Raleigh Rimmel, em fotografia de 1925. 
Relatos da época contam que Fawcett estava empolgado com a viagem, e apresentava ideias ocultistas. Diziam que ele falava que estava próximo de fazer uma grande descoberta. O jornalista Edmar Morel em 1936 publicou matéria sobre a última expedição de Fawcett, referindo-se a ele como um homem obcecado por lendas e o sobrenatural, o qual falava pelos cotovelos. E que parecia acreditar em Atlântida. Inclusive teria levado consigo uma estatueta dourada, dada-lhe pelo seu amigo Sir Haggard, um escritor de aventura e interessado em ocultismo, que alegava ter ganho aquela estátua que possuía ligação com Eldorado. Embora haja suspeitas quanto a fidelidade do relato de Morel, quanto ao estado mental de Fawcett no ano de 1925, ele comenta que o último relato que se tem do trio, é datado do final de abril, da fazenda do coronel Hermenegildo Galvão, que acolheu os três ingleses. (BERTRAN, 1995). 

Fawcett em seu diário comenta que já era o mês de maio, tendo ficado cinco dias na fazenda do senhor Galvão, descansando e recobrando as forças. Ele informa que pretendia prosseguir para o norte, em direção ao território dos índios Xingu. Nas páginas seguintes de seu diário, Fawcett relata suas impressões sobre a fauna e a flora, a cultura indígena, os mantimentos, alimentos, acontecimentos ocorridos na estadia na fazenda, além de informar que havia tirado fotografias que seriam enviadas ao jornal que o patrocinava. Parte do trajeto feito ao território Xingu, foi realizado com apoio de peões da fazendo do senhor Galvão, porém, já estando naquela região, Fawcett dispensou eles, prosseguindo somente ele, o filho e o amigo. O último relato de seu diário, data de 29 de maio de 1925. (FAWCETT, 2010).

Nesse relato ele escreve suas reclamações sobre os mosquitos e outros insetos que eram um incômodo contínuo. Fala que dispensou os peões e as mulas de carga, pois atrasariam o avançar da expedição. Comenta que necessitavam caçar pequenos animais para complementar a alimentação, que o clima à noite e pela manhã era agradável, mas à tarde era um calor terrível. Ele comenta que Jack e Raleigh estavam entusiasmados, e que eles haviam parado no Acampamento Cavalo Morto (Dead Horse Camp), local onde em 1920, seu cavalo faleceu. Ou seja, Percy havia retornado a uma localidade conhecida por ele, pois em seu diário, ele diz que ainda podia ver os ossos do animais, e sabia que dentro de uma semana chegaria a aldeia mais próxima. Isso significa que aquele território não lhe era totalmente desconhecido. Esse foi o último relato de Fawcett, tendo entregue tal cópia aos peões que deixaram a expedição. 

O que houve depois? 

Após a data de 29 de maio, nenhuma outra notícia sobre Percy, Jack e Raleigh foi obtida. Eles sumiram. Dias, semanas e meses se passaram. Alguns dos amigos de Percy acharam de início que fosse algo comum, pois ele costumava passar semanas na mata e sem enviar mensagem alguma de seu paradeiro ou condição. Não se sabe a causa da morte dos três. Não se sabe se adoeceram, se foram envenenados ou atacados por animais, ou se feriram, ou foram mortos por indígenas ou caçadores. O paradeiro e a causa da morte deles até hoje é uma incógnita. Percy conhecia parte daquela região, mas acabou se perdendo. Como? Além disso, outras expedições nacionais e estrangeiras já haviam passado pelo Xingu desde o século XIX, e nunca relataram alguma evidência de ruínas - embora que as vezes elas estejam soterradas ou encobertas pela vegetação, o que suscite o seu não avistamento -, ainda assim, Percy estava convencido de que Z estaria naquela região. Mas seu convencimento era sustentado por evidências ou uma obsessão paranoica? 

O "Ponto Z" que Fawcett se referia ao local onde estaria sua suposta cidade perdida, ficava situado entre os rios Xingu e Araguaia, apesar que alguns jornalistas e estudiosos da jornada de Fawcett, sugerem que abarque a região da Serra do Roncador, local onde se encontra vestígios de arte rupestre. Bertran (1995) comenta que a tal serra se estende do Rio das Mortes, desde o Vale dos Sonhos até a cidade de Nova Xavantina. O folclore local fala que naquela região estariam enterrados tesouros indígenas ou tesouros da época colonial, fruto de saques dos bandeirantes. 


Região entre os rios Xingu e Araguaia, no estado do Mato Grosso. Possivelmente trata-se da área onde Percy, Jack e Raleigh tenham desaparecido, enquanto procuravam pela cidade Z. 
Ainda em 1925 expedições de busca, realizadas pelos moradores locais do Mato Grosso, para localizar o trio, foram feitas, mas nada encontraram. Em 1927, em uma entrevista com Nina Fawcett, ela dizia que ainda tinha esperança que seu filho e marido estivessem vivos, mesmo tendo passado dois anos desde o desaparecimento deles. Inclusive alguns jornais já cogitavam a possibilidade de morte. No mesmo ano, um engenheiro francês de nome Roger de Courteville, disse ter encontrado no estado de Minas Gerais, um homem velho, que dizia ser o coronel Percy Fawcett, o qual estaria vivendo como ermitão. A família Fawcett ao saber da notícia, a tratou com suspeita e boato. Nina e o filho Brian, se irritaram com aquilo. Esse não seria o último boato sobre o paredeiro e destino do trio. Nos anos seguintes outras histórias surgiram. (GRANN, 2009). 

No ano de 1928, o jornal Newspaper Alliance, que havia patrocinado a  última expedição de Fawcett, enviou o comandante George Miller Dyott, experiente militar, para procurar os Fawcett e Raleigh. Diott que tinha experiência na selva, apenas encontrou uma caneca que supunha ter pertencido a um dos três. A caneca foi achada por índios do povo Nafaquá, porém, nenhuma outra notícia foi conseguida. As expedições para localizar Fawcett e os outros, continuaram nos anos seguintes, mas algumas delas acabaram mal para os que o buscavam. O nobre inglês Albert de Winton, buscando fama, entrou ilegalmente no Brasil e foi atrás deles em 1930, foi dado como desaparecido. Em 1931 o jornalista e aventureiro suíço, Stefan Rattin, alegou que o coronel Fawcett era prisioneiro de uma tribo indígena, mas negou a dizer como obteve tal informação e partiu sozinho para resgatá-lo. Rattin depois sumiu. Nos anos seguintes, expedições brasileiras foram organizadas, e boatos que os três estavam vivos, começaram a circular pelo Mato Grosso, mas todas as expedições falharam em encontrá-los. (GRANN, 2009). 

O mistério do sumiço dos Fawcett e de Raleigh continuou a ser tema de jornais e livros sensacionalistas nas décadas de 1920 e 1930, até que na década de 1940, a poeira do caso baixou, e as expedições se encerraram. Na década de 1950, nova polêmica envolvendo a expedição veio à tona. No ano de 1952, Orlando Villa-Boas, irmão mais velho dos Irmãos Villa-Boas, conhecidos sertanistas e exploradores dos sertões brasileiros, e responsáveis pelo reconhecimento do Parque Nacional do Xingu, conversando com indígenas do povo Calapalo, esses lhe contaram uma antiga história que três homens brancos foram mortos há vários anos. Orlando que conhecia a história da expedição de Fawcett, pensou que pudesse ser algo referente a eles. Os homens lhe indicaram uma ossada, enterrada sob uma árvore. Orlando recolheu os ossos e os enviou para serem examinados. No entanto, a perícia não confirmou que se tratava de Percy, Jack ou Raleigh. (BERTRAN, 1995). 


Orlando Villa-Boas e dois indígenas diante da suposta ossada de Percy Fawcett. Foi constatado que não eram os ossos dele. A começar pela diferença de altura. O esqueleto tem 1,70 de altura, Fawcett e o filho tinham mais de 1,80 de altura. 
Ainda na época de 1952 e 1953, Brian Fawcett aproveitando que o pai e o irmão estavam novamente em evidência, devido ao achado do esqueleto no Brasil, ele aproveitou para publicar o livro de memórias de seu pai. Segundo Bertran (1995), na época do achado da ossada supostamente pertencente ao coronel Fawcett, sua viúva não lhe deu muita atenção. Anos depois, próximo do fim da vida, Nina Fawcett que havia se tornado espírita, disse ter se comunicado numa sessão espírita com seu marido e filho, o que a deixou mais tranquilizada. Boatos sobre novos esqueletos ou túmulos se seguiram, mas a história voltou a sair de evidência. 

Kuhikugu: 

Na década de 1990, o arqueólogo e antropólogo americano Michael J. Heckenberger, em seus estudos de campo com o povo Cuicuro, no Parque Nacional do Xingu, relatou que os indígenas lhe mostraram locais como fossos, canais, estradas, que indicavam terem sido feitos há bastante tempo, e teriam sido usados para irrigar vários hectares. Heckenberger achou estranho as dimensões daqueles canais e fossos, pois indicavam uma grande área de cultivo, o que sugeria que a plantação devesse abastecer uma comunidade de centenas de pessoas talvez de mais de mil habitantes. 

Heckenberger com o auxílio de sua equipe e dos indígenas, começaram a mapear as construções no território dos Cuicuros, abrangendo uma área de mais de 30 km de extensão, permitindo desenterrar estradas, pontes de terra, canais, fossos, poços, etc. Sua equipe posteriormente identificou locais onde existiam casas, cercas, muros e outras habitações. Tudo indicava que trava-se de um povoado ou uma vila. Apesar que até hoje não se considere que tenha sido uma cidade. Por outro lado, os vestígios apontam que as construções eram feitas de madeira, folhas, palha e barro, diferente das ruínas de pedra com as quais Fawcett esperava se deparar. Kuhikugu ou sítio X11 como também é conhecido, consiste em um dos quinze povoamentos encontrados na região do Alto Xingu, compondo um conjunto urbanístico com vilas, estradas, canais, plantações, paliçadas e fortificações. 


Projeção gráfica de como seria o povoado de Kuhikugu, as margens do lago homônimo, no Mato Grosso, Brasil. 
Heckenberger comenta que de certa forma, Fawcett não estava totalmente errado; de fato houve uma civilização antiga, hoje ainda desconhecida, situada na região do Alto Xingu, mas diferente do que Fawcett esperava, não havia cidades de pedra, ou tão pouco foi fundada por povos europeus. Heckenberger comenta que datações do solo e por carbono 14, sugerem que as vilas possam datar do século VI d.C em diante, não tendo como definir com precisão seu início. Tais vilas, teriam sido fundadas por um povo hoje desconhecido, que é considerado antepassado dos Cuicuros. Porém, não se pode confirmar se Fawcett tivesse conhecimento sobre os sítios arqueológicos do Alto Xingu, e os teria usado para embasar sua teoria de Z. 

NOTA: Sobre as expedições de Percy Fawcett à América do Sul, relatos sobre elas podem ser lidos em livros como Lost trails, lost cities (1953), obra organizada por seu filho Brian, o qual pegou os diários e cartas do pai sobre essas expedições. Esse livro foi reeditado posteriormente com o título de Exploration Fawcett (2010).
NOTA 2: David Grann no livro The Lost City of Z (2009), comenta sobre várias expedições de resgate enviadas para encontrar os Fawcett. 
NOTA 3: Percy Fawcett foi amigo do médico e escritor Sir Arthur Conan Doyle (1859-1930), autor de Sherlock Holmes. As aventuras de Fawcett pelo Brasil e Bolívia, inspiraram Doyle a escrever o livro O Mundo Perdido (The Lost World), publicado em 1912. O qual fala de uma expedição a um misterioso platô na Amazônia, onde supostamente viveriam dinossauros.
NOTA 4: O livro Brazilian Adventure (1933), escrito por Peter Flaming, narra a jornada de Fawcett em busca de Z, e algumas das missões de busca realizadas até então para encontrar ele e os demais. 
NOTA 5: Percy Fawcett também foi amigo do escritor Sir Henry Rider Haggard (1856-1925), autor de populares obras de aventura, envolvendo expedições à África e Ásia, atrás de cidades e civilizações perdidas. Haggard teria dado uma estatueta dourada a Fawcett, alegando ter vindo de Eldorado. 
NOTA 6: O famoso arqueólogo dos cinemas, Indiana Jones, criado por Steven Spielberg e George Lucas, teria em parte, sido baseado em Percy Fawcett. 
NOTA 7: O filme A Cidade Perdida de Z (The Lost City of Z) de 2017, conta parcialmente alguns aspectos da jornada de Percy Fawcett para descobrir sua cidade. O filme omite vários aspectos de como Percy construiu sua teoria, além de representar a idade de Percy e Jack de forma incompatível, pois no filme Percy aparenta ter no máximo 40 anos, diferente dos 58 anos que possuía, e por sua vez, Jack era um homem de 22 anos, alto, louro e belo, diferente do filme, que ele é um adolescente, baixo e de cabelo preto. Além disso, Raleigh é excluído da história. O filme apresenta sua hipótese de como pai e filho teriam morrido. 
NOTA 8: No jogo Shadow of the Tomb Raider (2018), a história de Percy, Jack e Raleigh é mencionada através de páginas perdidas do diário dos Fawcett, alegando que eles teriam seguido rumo ao Peru, e que a cidade Z seria Paititi. Cidade a qual Lara Croft está a procura. 
NOTA 9: Jack Fawcett antes de ir ao Brasil em 1920, morou alguns anos nos Estados Unidos, chegando a atuar como caubói e até fazer umas pontas em filmes. Sobre Raleigh quase nada se sabe de sua vida.
NOTA 10: Boatos que falavam sobre o paradeiro dos Fawcett, sobre a localização de seus túmulos ou ossos, que Jack teria tido filhos com índias, etc. ainda continuaram a ser divulgados nas décadas de 1950 a 1970. 
NOTA 11: O ocultista e líder de seita, o suíço Udo Oscar Luckner, na década de 1970, instituiu uma seita na região da Serra do Roncador, chamada de Monastério Teúrgico do Roncador, com direito a dizer que encontrou os túmulos de Percy, Jack e Raleigh, e teria encontrado a cidade de Z, a qual era chamada de Letha e ficava no subterrâneo, abrigando uma cultura perdida e avançada. A seita de Luckner ganhou certa popularidade por alguns anos. 

Referências bibliográficas:
ANÔNIMO. Relação histórica de uma occulta e grande povação antiquíssima, sem moradores, que se descobriu no anno de 1753, nos sertões do Brazil; copiada de um manuscrito da Bibliotheca Publica do Rio de Janeiro. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, tomo 1, n. 1, 1839, p. 151-156.  
BERTRAN, Paulo. A Atlântida e a tradição de Percy Fawcett. Câmara Legislativa do Distrito Federal, suplemento cultural, ano. II, n. 17 a 20, 1995, p. 30-37. 
FAWCETT, Percy. Exploration Fawcett: Journey to the Lost City of Z. Edited by Brian Fawcett. New York, Overlook Press, 2010. 
GRANN, David. The Lost City of Z: A tale deadly obsession in Amazon. New York, Doubleday, 2009. 
RAMOS, Dernival Venâncio; ERTZOGUE, Marina Hainzenreder. "Temporariamente inacessível": José Viera Couto de Magalhães, Percy Harrison Fawcett e a racionalização do Eldorado (1868-1925). Hlb. Revista de História Iberoamericana, vol. 9, n. 2, 2016, p. 78-98. 

Referência da internet: 
HECKENBERGER, Michael J. As cidades perdidas da Amazônia. Disponível em: https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=2551737695039525556#editor/target=post;postID=5909443290565685480;onPublishedMenu=allposts;onClosedMenu=allposts;postNum=0;src=link

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