segunda-feira, 28 de setembro de 2020

A Revolta da Chibata e seu centenário

A Revolta da Chibata e seu centenário


Prof. Dr. Álvaro Pereira do Nascimento(1)


Obs: as imagens presentes no texto, foram escolhidas por mim, para ilustrar a obra do autor. 


Ao  folhear A  Revolta  da  Chibata,  do  jornalista Edmar Morel,  qualquer  leitor  ficará  impressionado  com  a  magnitude do movimento que envolveu centenas de marinheiros em 22 de novembro de 1910(2). São cenas realmente incríveis, recheadas  de  coragem  e  de  espírito  de  luta  narradas  pelo saudoso jornalista. tomaram os mais novos e poderosos encouraçados do mundo, Minas Gerais e São Paulo, e ameaçaram de bombardeio a capital Federal da República. Foram quatro dias memoráveis para os marujos, que expuseram o cotidiano de castigos físicos, as péssimas condições de trabalho, o racismo na Marinha de Guerra, e puseram em xeque a força do recém-empossado governo Hermes da Fonseca, visto como fraco, nacional e internacionalmente, logo após o fim da revolta de novembro.

Outros momentos dessa belíssima narrativa, como a segunda revolta, em  dezembro,  no  Batalhão  Naval  da  Ilha  das  Cobras,  poderiam  ser  descritas aqui. E elas novamente encheriam de emoção diversos leitores, como me ocorreu na primeira vez que li o trabalho de Edmar Morel. Gostaria, então, de convidá-los a outra jornada, mais longa que a do jornalista, a qual percorri  durante  anos,  para  entender  a  revolta  de  1910.  Meu  interesse  aqui  não  é somente narrar os acontecimentos ocorridos entre novembro e dezembro de 1910, vai além. Incomodavam-me dúvidas acerca das reivindicações dos marinheiros. Compreendia o horror dos marinheiros pela chibata, mas não conseguia entender o fato de não existirem revoltas anteriores com a mesma reivindicação. Via que, com o passar dos dias da revolta, as manchetes dos jornais e mesmo os  discursos  dos  marinheiros  foram  reduzindo  as  reivindicações  à  abolição dos castigos físicos, que lembravam a escravidão.

Mas notava o silêncio ou a pouca discussão acerca das demais reivindicações na época, e mesmo de pesquisadores que décadas depois estudaram o assunto. Os amotinados queriam o aumento do salário, a criação de uma nova “tabela” de serviços, a retirada de oficiais extremamente violentos na aplicação dos castigos, a mudança do código  disciplinar  que  permitia  a  chibata  e  punições  semelhantes  e  –  algo pouco estudado pelos especialistas na revolta – “educação” para os marinheiros  indisciplinados.  Dediquei-me,  então,  a  compreender  o  sentido  que  esse corpo de reivindicações faria na vida daqueles marinheiros, tanto na carreira militar como no mundo exterior à farda. O artigo está dividido em três partes. Na primeira entenderemos os marinheiros na passagem do século XIX para o século XX, percebendo o cotidiano a bordo e uma sumária história da violência nos navios. Logo em seguida, o leitor poderá ter contato com uma resumida narrativa da revolta de 1910. Finalmente, discutiremos seu legado social e histórico, analisando o uso da sua memória e as dificuldades por que passou seu maior líder, o marinheiro negro João Cândido Felisberto.

O marinheiro João Cândido Felisberto, líder da Revolta da Chibata, na primeira página do jornal Gazeta do Povo, em edição de 1912. 

Violência e recrutamento

Ao completar 17 anos, qualquer rapaz sabe que o período do serviço militar obrigatório está próximo. Durante cerca de um ano, ele poderá ser treinado  para  atuar  em  missões  diversas  no  Brasil  e  no  mundo,  caso  seja necessário. As Forças Armadas são uma necessidade em tempos de guerra e de paz, resguardadas todas as ressalvas e críticas possíveis ao seu emprego e às suas formas de atuação. Na virada do século XIX para o XX, o Exército e a Marinha enfrentavam problemas graves de falta de pessoal para dar conta das ações mais simples. Raros eram os casos de homens voluntários ao serviço militar. A lei do recrutamento em vigor era pouco eficaz, permitindo que muitos homens fossem retirados das listas de convocados. Somente os brasileiros  mais  pobres,  e  aqueles  que  não  tinham  alguém  que  os  defendesse  junto  às  Forças  Armadas,  poderiam  ser  levados  ao  serviço  militar, independentemente  de  suas  vontades(3).  E  não  havia  um  convite  especial para isso: grupos de recrutadores civis e militares ganhavam um valor em dinheiro para cada homem, rapaz ou garoto agarrado à força para o serviço militar. Juízes, delegados e diretores de asilos de menores respondiam às solicitações das autoridades militares enviando órfãos e presos por peque-nos delitos. Tinham de servir por nove ou até quinze anos nas fileiras da Marinha de Guerra ou do Exército.

No  mapa  estatístico  do  Corpo  de  Imperiais  Marinheiros  isso  fica mais claro(4). Nele se observa que entre os anos de 1836 e 1888 somente 460 homens se apresentaram espontaneamente, enquanto 6.271 foram recrutados à força. Ou seja, os voluntários somaram menos de um décimo dos que foram incorporados às fileiras da Armada em aproximadamente cinquenta anos. Em contrapartida, os oficiais trataram de criar uma terceira via por meio da incorporação de meninos e rapazes às Escolas de Aprendizes Marinheiros(5). Essas unidades foram espalhadas em quase todas as províncias brasileiras e matricularam meninos pobres no sentido de instruí-los para o  serviço  nos  vasos  de  guerra.  Ao  longo  do  tempo  esse  caminho  foi  gradativamente  se  tornando  crucial  para  a  Armada,  a  ponto  de  ultrapassar a quantidade de homens recrutada à força ao longo do século XIX (entre 1836 e 1888 foram 8.586 garotos e rapazes contra aqueles 6.271 homens recrutados à força). E, mais importante: eram menores, garotos entre 10 e 18 anos(6), crescidos numa escola militar e que, logo depois de formados (ou quando as urgências da Marinha de Guerra exigiam), assumiam seus postos em navios de guerra e nas diversas repartições. Para ministros e oficiais comandantes, as escolas representavam o que de melhor fora pensado até então em termos de alistamento, pois ali se poderiam modelar os costumes e valores dos futuros marinheiros.

No livro de matrícula da Escola de Aprendizes Marinheiros do Rio de Janeiro, entre 1909 e 1910, podemos ter uma visão sumária do alcance dessa solução para falta de pessoal na Marinha de Guerra(7). Encontramos 139 garotos e rapazes entre 11 e 18 anos matriculados naquela escola. A maioria tinha entre 12 e 16 anos, uma ótima faixa etária na visão dos oficiais  para  disciplinar  e  formar  bons  marinheiros,  distantes  daqueles  que eram trazidos à força. Não era à toa que as escolas eram chamadas de “viveiros da marinha”.


Boa  parte  desses  aprendizes,  no  entanto,  chegava  às  escolas  pelas mãos  de  autoridades  civis,  e  outra  parte,  bem  menor,  por  meio  das  mães, pais e tutores. Quarenta e quatro deles foram enviados por delegados, que recebiam garotos detidos nas ruas ou mesmo de pais que procuravam a autoridade policial para intermediar a matrícula do filho junto às autoridades militares. Outros 77 garotos eram procedentes dos Asilos de Menores Desamparados. Algo que acontecia com certa frequência: os oficiais visitavam esses asilos e de lá retiravam os garotos e rapazes que poderiam ser aproveitados na Armada. Os demais alunos vinham de outras escolas de aprendizes espalhadas pelo país (Pernambuco, Alagoas, São Paulo, entre outras), por estarem próximos a tornar-se marinheiros e terem de assentar praça, ou por serem muito indisciplinados nas escolas de origem – a do Rio de Janeiro era temida pelo seu rigor excessivo...

A cor desses garotos e rapazes também chama a atenção. Do total, 55 eram brancos, 48 pardos, 23 pretos, 5 mulatos, 3 morenos, 2 caboclos, 1 escuro e 2 não tinham registros da cor. Nota-se uma quantidade maior de não brancos, com 82 alunos. Ainda não há pesquisas mais detalhadas acerca da cor e origem dos marinheiros e aprendizes desde o século XIX até o século XX, mas sabemos por fontes diversas e até por testemunhos de oficiais que a maioria daqueles homens era composta de indivíduos não brancos. Uma realidade que será paulatinamente modificada por intermédio dos oficiais na passagem do século e que se aprofunda nas primeiras décadas do século XX(8).

Já  nesse  período,  contudo,  oficiais  encarregados  da  seleção  de  pessoal davam preferência a garotos e rapazes brancos ou quase brancos. É interessante notar que, dos 44 alunos enviados pela polícia, 19 eram pardos, 11 pretos, 2 morenos,  1  sem  registro  de  cor  e  11  brancos;  ou  seja,  havia  32  não  brancos. No caso dos retirados dos asilos mencionados anteriormente, 10 eram pardos,  4  mulatos  e  6  pretos,  contra  13  brancos;  ou  seja,  20  não  brancos. Embora a diferença seja pequena – os brancos representavam aproximadamente mais da metade naqueles escolhidos nos asilos, índice que caiu para um terço do total no caso dos enviados pela polícia –, ela pode nos mostrar uma realidade cada vez mais difundida naquele período: tornar as fileiras de marinheiros, cabos e sargentos mais brancas do que eram até então. Como se pode ver nos dados expostos, a polícia não parece ter realizado a seleção dos futuros  alunos  baseada  na  cor,  mas  no  caso  dos  oficiais  que  matricularam os garotos provenientes dos asilos há certa preferência por brancos ou quase brancos. Minha desconfiança não se baseia na intuição, mas no testemunho do diretor de outro asilo de menores. Num ofício enviado pelo diretor Francisco Vaz, da Escola Premonitória Quinze de Novembro, ao chefe de polícia, isso fica mais evidente:

"Ainda há um ou dois anos, quando aqui esteve uma comissão naval para esse fim  [recrutamento],  de  sessenta  menores  aqui  escolhidos  pela  mesma,  acabaram sendo incluídos na Escola de Aprendizes Marinheiros apenas seis. As corporações armadas têm chegado, muitas vezes, a rejeitar, sob fundamento de  defeitos  físicos,  alunos  que  daqui  saem  integralmente  sãos,  segundo  declaração formal do nosso médico. A Marinha chega a recusar, sistematicamente, menores de cor, alegando sempre incapacidade física".9

A relação entre cor negra e maus hábitos era muito forte entre oficiais, políticos, jornalistas, cientistas e intelectuais em geral(10). Para muitos desses, tornava-se matéria quase impossível transformar homens egressos do cativeiro, descendentes e pobres mestiços em pessoas educadas como os cidadãos dos  “países  adiantados”(11).  O  convívio  com  aquela  massa  de  negros  no  pós-abolição,  na  visão  desses  homens  letrados,  fazia  prevalecer  formas  de  viver inadmissíveis para um país que se desejava novo e grande. Os valores presentes na belle époque carioca de época valorizavam costumes diversos daqueles assemelhados  aos  negros  –  numa  visão  preconcebida  a  todo  indivíduo  não branco e, pior, pejorativa em relação à religião, às festas, às danças, às artes de cura etc, que tivessem raízes africanas. Mesmo os modos de vestir, andar, conversar e rir eram ridicularizados. Havia a preocupação de transformar o indivíduo pobre num homem novo, diferente do “atrasado” período da escravidão, um brasileiro que pudesse transformar o país numa potência econômica e com valores e costumes próprios de um fantasioso paradigma europeu(12).

O  incentivo  à  imigração  de  indivíduos  do  velho  continente,  para  além  da necessidade de mão de obra barata, resultou dessa proposta(13). Os valores em torno do trabalhadores trazidos de lá e a miscigenação destes com os brasileiros eram, para cientistas e políticos, importantes elementos de transformação social e cultural. Outros  acreditavam,  no  entanto,  que  enquanto  essa  mudança  não  se concretizasse, somente a polícia, a mudança nas leis (a perseguição à vadiagem e à capoeira, por exemplo), a classificação dos indivíduos e outras formas de coerção poderiam forçar o caminho para a constituição de uma nova realidade(14). No caso da Marinha, oficiais acreditavam sobretudo no uso de castigos físicos para mudar o comportamento de marinheiros, tal e qual gerações de  oficiais  militares  fizeram  desde  o  século  XIX.  Para  o  então  tenente  José Eduardo de Macedo Soares,

"A oficialidade da Marinha sempre foi, ao menos, uma parte das mais escolhidas da alta sociedade do Brasil; por que ela merecerá menos crédito quando afirma a imprescindível necessidade do castigo do que indignos políticos que advogam os próprios inconscientes interesses explorando uma falsa piedade pelo negro boçal que mata e rouba? Modificai a situação das guarnições: é o dever da política que legisla e do governo, e depois dai largas ao humanitarismo. Enquanto a guarnição for o esgoto da sociedade, a disciplina, a ordem e a segurança têm os seus direitos e a chibata o seu lugar".15

Essa posição intransigente e preconceituosa marcou boa parte dos oficiais da Marinha de Guerra na virada do século XIX para o século XX. Acreditavam que aqueles marinheiros, sobretudo negros, só poderiam entender suas ordens e redimirem-se dos seus costumes através do castigo físico e de outras punições semelhantes, mesmo sabendo que a maior parte daqueles marinheiros não estivesse ali por suas próprias vontades, sendo forçados pela polícia, juízes de órfãos, mães e pais a servirem por nove a quinze anos de suas vidas; período  em  que  receberiam  salários  ínfimos,  viveriam  nos  próprios  navios, enfrentariam conflitos com colegas avessos à disciplina e estariam submetidos à chibata caso incorressem em faltas disciplinares.

Há casos de marinheiros açoitados por quinhentas e até oitocentas chibatadas  –  pasmem  –  num  único  dia!  Mesmo  aprendizes,  garotos  e  rapazes, como  vimos,  recebiam  castigos.  As  duas  legislações  disciplinares  existentes no  período  permitiam  isso,  tanto  nos  Artigos  de  Guerra  como  nos  Códigos Penal e Militar da Armada (que substituiu o primeiro com o advento da República). Os limites de lanhadas de chibata eram geralmente ultrapassados e, depois, os mesmos responsáveis por essa péssima conduta omitiam ou deturpavam os 17 registros. Uma carta do cirurgião Carlos de Barros Raja Gabaglia ao senador Rui Barbosa nos mostra isso(16). Como todo médico a bordo, tinha a responsabilidade também de verificar se o castigado aguentaria mais pancadas na hora do castigo, e mesmo a possibilidade de restabelecimento do indivíduo após aquelas torturas. Carlos Gabaglia, como pude notar em sua caderneta, tivera extensa experiência nas unidades da Armada, convivendo com diversos oficiais comandantes. Segundo o cirurgião,

“Tão generalizado está o deprimente hábito que comandantes de merecimeto não se envergonham de anotar nos livros de castigo sinais convencionais a  fim  de  –  impunemente  –  iludir  a  lei;  por  exemplo  –  onde  se  lê  4  horas de  golilha  ou  6  horas  de  barra  aplica-se  certo  número  de  chibatadas.  [...] Presenciei o castigo de um foguista com oitocentas chibatadas, de uma só vez; – Sei que aprendiz marinheiro tem sido castigado com cento e vinte e cinco bolos, de uma feita”.

Nota-se que os marinheiros revoltados em 1910 reclamavam com razão dos oficiais rigorosos demais, e começamos a ver que faz sentido a reivindicação de retirá-los de bordo dos navios. Oficiais como esses eram um terror na  vida  de  qualquer  marinheiro,  mesmo  aquele  que  fosse  de  bom  comportamento e por qualquer erro, o mínimo que fosse, recebesse terríveis lanhadas  de  chibata.  Em  qualquer  caso,  aquele  que  sofrera  o  castigo  não  tinha  a quem reclamar pelos excessos do superior, por ser o militarismo altamente hierárquico, produzindo um distanciamento entre as diferentes patentes, ao impedir que um marinheiro inconformado se dirigisse a um oficial superior àquele  que  o  comandava.  Em  minhas  pesquisas  só  encontrei  um  caso  de oficial  processado,  o  capitão  José  Cândido  Guillobel,  por  excessos  de  castigo, que foi denunciado pelo comandante da fragata que perguntara a razão daquela punição. Mesmo assim o oficial processado foi somente “advertido” e chegou aos mais altos cargos da marinha ao longo da sua carreira militar(17).

Os  índices  de  deserção,  obviamente,  eram  altíssimos.  Havia  casos  de homens que desertavam por doze vezes. Não adiantava prendê-los novamente: na primeira oportunidade, largavam a farda e se metiam em mais uma fuga das Forças Armadas. A situação era tão grave que as autoridades decidiram mudar o código militar e aplicar castigos físicos, antes da prisão por meses, como ocorria anteriormente.

Outra relação que podemos fazer entre o proposto pelos marinheiros revoltados em 1910, os testemunhos do médico Raja Gabaglia e do processo envolvendo o oficial José Cândido Guillobel é a mudança no Código Penal e Militar da Armada. Este permitia o uso de castigos físicos passados 22 anos do fim da escravidão, apesar de a primeira Constituição do país proibir torturas e castigos físicos. Era um contrassenso ao espírito republicano defendido por seus mais fervorosos representantes, como Rui Barbosa e tantos outros. A existência do código, enfim, dava aos oficiais que excediam nas punições o instrumento necessário para castigar seus comandados, e a superioridade na hierarquia militar permitia-lhes o acesso aos livros de castigos, nos quais, de forma criminosa, omitiam seus excessos ou redigiam falsas declarações de punições brandas no lugar de centenas de pancadas.

Mas ainda falta entender um pouco mais os sentidos do castigo físico e sua relação com uma das reivindicações dos amotinados em 1910: a “educação”  para  os  marinheiros  indisciplinados.  Só  assim  também  poderá  ficar clara a razão de os castigos corporais permanecerem por décadas sem algum tipo de contestação por parte dos marinheiros. Vejamos, então, o significado desses castigos para os oficiais.

A responsabilidade pelo navio e pela tripulação repousava sobre o comandante e, em menor grau, sobre seus oficiais auxiliares. Eles tinham de tomar as medidas necessárias para manter a limpeza da embarcação, a boa conservação,  a  lubrificação  dos  armamentos,  a  alimentação  da  tripulação, o bom comportamento daqueles homens do mar etc. Caso contrário, havia regulamentos  militares  que  puniam  os  próprios  oficiais  se  esses  cuidados não fossem tomados. Para isso, o trabalho exercido pelos marinheiros era fundamental. Os oficiais estavam cientes dessa dependência e tentavam de formas  diferenciadas  conter  os  ânimos  dos  marinheiros,  fazendo-os  concentrarem-se  todo  o  tempo  em  suas  obrigações.  A  “correção”  de  qualquer hábito não condizente com os princípios militares havia de ser conquistada por conselhos, advertências e, mais frequentemente, pelo uso da chibata e outros castigos semelhantes.

Além disso, os oficiais comandantes tinham de garantir a ordem hierárquica.  Na  visão  deles,  fincar  seu  poder  mesmo  que  através  de  castigos se   veros  era  uma  conduta  corriqueira  e  necessária.  Havia  pouca  menção  a formas  diferenciadas  de  mudar  o  comportamento  de  marinheiros  indisciplinados e que não se acertavam com a vida militar. Somente no início do século XX começaram a implantar mudanças, procurando dar incentivos ao bom comportamento, como cursos, promoção e aumento de salário. Antes disso, o castigo físico era o recurso mais utilizado. Porém, havia grande resistência dos oficiais comandantes em largar as antigas práticas de punição. Era como se fosse o recurso mais confiável e eficaz para dominar marinheiros indisciplinados. O problema é que marinheiros de bom comportamento poderiam ser envolvidos num conflito qualquer e castigados sumariamente juntos àqueles conhecidos indisciplinados.

Gostaria de ressalvar que não estou pretendendo criar dois grupos de marinheiros,  divididos  entre  os  “bons”  e  os  “maus”.  Muito  pelo  contrário. Disciplinados ou não, qualquer um desses pode ter promovido indisciplinas nas ruas ou nas embarcações. E pude averiguar isso nas dezenas de processos criminais que li, julgados entre 1860 e 1910. Os marinheiros que desejavam seguir carreira ou cumprir o tempo de serviço sem maiores problemas sabiam que a vontade do comandante estava acima de tudo. Por isso criavam meios pelos quais pudessem dar largas aos seus costumes e valores desde que não desagradassem  seu  superior.  Não  precisaria  deixar  de  visitar  a  namorada, parar de frequentar as casas de bebida, os ajuntamentos em torno do jogo a dinheiro ou de parceiros da capoeira, de ir a um prostíbulo, de praticar “atos imorais” etc. Na verdade, tudo isso podia acontecer desde que não provocasse distúrbios a bordo, desorganizasse as turmas das fainas, causasse baixas na guarnição por ferimento ou morte e gerasse prejuízos na embarcação, armas e demais peças – fosse por furto, roubo, mau uso ou má conservação. Mas, acima de tudo, o marinheiro nunca deveria pôr-se em evidência nem testar o poder do comandante e seus auxiliares mais diretos (oficiais e sargentos): tudo tinha de ser a extensão da vontade do principal oficial a bordo (ou fazer parecer que isso acontecia).

Com o passar do tempo, o marinheiro mais novo aprendia as normas escritas (regulamentos, regimentos, códigos) e aquelas verbalizadas pelo comandante nas formaturas, ou até reveladas nas atitudes, iniciativas, princípios e  posições  demonstradas  pelo  mais  alto  oficial  a  bordo  diante  dos  diversos problemas  enfrentados  diariamente.  Essas  observações  e  mesmo  a  troca  de informações nas rodas de marinheiros eram importantes instrumentos para que qualquer um deles não violasse a vontade do comandante e corresse o risco de ser punido; saber trilhar nesse campo era crucial para que o marinheiro conseguisse  manter  seus  costumes  e  valores.  Contudo,  para  aprender  esse delicado caminho, a experiência a bordo era fundamental.

Por  mais  que  alguém  tentasse  manter  distância,  havia  as  altercações com indivíduos truculentos, que não aprendiam a conviver com o poder do oficial e suas vontades, e prestavam pouca atenção às normas: se quisessem furtar um objeto, esbofetear aquele que por descuido lhe pisou o pé, currar um grumete, beber até cair, arrumar confusão com a polícia e até falar mal da mãe do oficial e tantas outras indisciplinas e crimes, esses homens fariam o necessário para realizá-las. Eram ímãs para confusões, atraíam de tudo, de brigas a insubordinação. Assim, aquele outro marinheiro que compreendia o domínio do comandante e aprendia a conviver com ele, sem deixar de realizar o que desejava fazer, tinha também de saber lidar com indivíduos intragáveis, observar suas formas de agir para manter-se afastado deles, o máximo possível.

Homens como esses eram um perigo para sua integridade física e moral, além de colocar em risco o sonho da ascensão hierárquica. Dessa forma, podemos entender o que levou à existência dos castigos corporais sem contestação durante todo o Império. Mas, com a República, tudo mudou.

No  empenho  de  evitar  contragolpes,  o  governo  provisório  (1889-1891) procurou assegurar o novo regime de qualquer ameaça. Uma delas foi animar os marinheiros para a causa republicana. No segundo dia do novo regime, em 16 de novembro, seu terceiro decreto extinguiu os castigos corporais na Armada e reduziu o tempo de serviço militar. Tal notícia alegrou os marinheiros, mas incomodou o oficialato. Afinal, aquele decreto punha fim a uma ordem militar na qual todos sabiam seus lugares e determinava os riscos a assumir caso fugissem às regras impostas por essa mesma ordem. Com as mudanças implementadas pela República, tudo deveria ser diferente, uma nova ordem teria de ser criada entre as partes e os oficiais haveriam de encontrar outros instrumentos de coerção a fim de garantir a hierarquia e a disciplina militares – sem o uso de castigos físicos. Essa situação provocou a reação dos oficiais que, de tanto pressionarem, levaram o mesmo governo provisório a baixar outro decreto, cinco meses depois, retomando os castigos corporais.

A  situação  piorou  para  os  marinheiros.  Como  uma  ressaca,  a  alegria do fim dos castigos encontrou pela frente o aborrecimento do dia seguinte, no caso, o retorno da chibata e outras punições semelhantes. No entanto, se no Império o indisciplinado era liberado de qualquer outra punição após o castigo, com a legislação criada sob pressão dos oficiais, esse mesmo homem tinha seus vencimentos reduzidos à metade, era rebaixado de posto e, entre outras  punições,  havia  de  permanecer  detido  na  embarcação  enquanto  não desse provas sobejas ao comandante de estar redimido – o que poderia levar meses. Não foi à toa que, a partir desse momento, comecei a encontrar tentativas de revolta ou revolta em vasos de guerra da Armada em estados como Mato Grosso, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro. Nesses primeiros momentos, ainda estavam muito ligadas às mudanças do início da República e reclamavam das novas formas de punição(18). A de 1910 buscava muito mais do que isso. Era uma proposta de mudança para a Marinha de Guerra, que oficiais e  governo  não  ouviram.  Faltavam  canais de  comunicação  e  mesmo  direitos políticos aos marinheiros, impedidos de votar pela Constituição de 1891.

A revolta de 1910

A Marinha iniciara um projeto de reaparelhamento naval revolucionário em 1904(19). Foi a oportunidade esperada por décadas. Oficiais reclamavam das péssimas condições dos navios existentes na época e mesmo da reposição de outros destruídos durante a Revolta da Armada, em 1893. O projeto transformaria em realidade um objetivo reclamado há muito tempo.

As 24 embarcações foram construídas na Inglaterra e entre elas estavam os poderosos encouraçados Minas Gerais e São Paulo, armamentos que geraram inveja de outras marinhas sul-americanas e mesmo temor diante daquele poderio bélico. A alegria da chegada dessas modernas embarcações nas águas da baía da Guanabara estava estampada nas manchetes dos jornais e na concorrência do público por um lugar possível de avistá-las.

Não sabiam todos que um grupo de marinheiros reunia-se regularmente para  exigir  mudanças  na  Marinha  de  Guerra.  Entendiam  a  importância  dos navios, mas não haviam sido perguntados acerca dos seus interesses, das suas esperanças  e  das  dificuldades  por  que  passavam  no  cotidiano  da  Armada. Havia muito que reclamar, mas não conseguiam ser ouvidos por seus superiores, muito menos por representantes do governo ou do Poder Legislativo.

Reuniam-se em lugares diferentes da cidade e mesmo quando alguns estiveram na Inglaterra. A organização estava sendo tão benfeita que alguns homens  já  sabiam  suas  funções  meses  antes  de  estourar  a  revolta.  Um  deles,  inclusive,  ficaria  responsável  por  comandar  uma  “emboscada”  contra  o presidente. Parentes já se pronunciavam por meio de cartas aos marinheiros, implorando  que  desistissem  de  tal  atitude.  O  marinheiro  João  Cândido,  o líder  da  revolta,  disse  posteriormente  que  as  reuniões  do  “comitê”  duraram aproximadamente dois anos. A revolta paulatinamente tomava corpo(20).

Numa  viagem  ao  Chile,  na  comemoração  da  independência  daquele país, o sinal mais claro do movimento pôde ser lido pelo oficial Alberto Durão. Uma carta assinada por “Mão Negra”, escrita pelo marinheiro Francisco Dias Martins, o ameaçava e a todos os oficiais a bordo(21). Dizia para notarem que  os  marinheiros  muito  se  esforçavam  para  manter  o  navio  limpo  e  em ordem, que ele mesmo não era salteador nem bandido, e que fora transformado  em  “escravo  de  oficiais  da  marinha”.  E  ameaçava  a  todos  os  oficiais, aconselhando-os a lembrarem-se da “esquadra no Báltico”; uma ligação direta com a revolta do encouraçado Potemkin, que estourou em 1905. A revolta russa despertara neles o “silêncio” em que se encontravam e que por isso “também marchavam em silêncio”. E terminou a carta anônima com o seguinte: “cuidado!...  não  queira  deixar  de  ver  sua  família  [...]  deixe  de  carrancismo, tenha pena de si e de seus colegas, que nós não temos nada a perder.”22. Alberto Durão e o comandante não levaram muito a sério o teor da carta, não sabiam que a revolta já estava sendo tramada. Mas quando publicaram essa carta e seu relatório no Jornal do Commercio, em 2 de dezembro de 1910, a interpretação foi outra: “Hoje, seria o caso de acreditar ser um apelo justo, feito às autoridades contra a chibata!”.23

A organização havia planejado a revolta para o dia 15 de novembro de 1910, data da posse do novo presidente da República, o Marechal Hermes da Fonseca. Por razões ainda pouco explicadas, adiaram o intento. No entanto, o  castigo  de  duzentas  chibatadas  no  marinheiro  Marcelino,  ainda  naquela semana, foi o sinal de que o movimento havia de ter início.

Na  noite  de  22  de  novembro,  o  comandante  do Minas  Gerais, Batista das Neves, participou do jantar a bordo de um navio de guerra francês que visitava  o  país.  Após  as  despedidas  de  praxe,  retornou  ao Minas  com  um grupo de oficiais. Pensando ter uma noite tranquila a bordo, subiu as escadas que davam acesso ao convés. Conversou ainda com seus auxiliares, mas teve interrompida  a  prosa  por  gritos  de  “Viva  a  liberdade”  e  “Abaixo  a  chibata”. Armou-se e procurou enfrentar seus oponentes junto com seus oficiais e mais alguns marinheiros que, presumivelmente, remaram o barco que os trouxera do jantar. Batista das Neves e seus auxiliares começaram a cair ensanguentados enquanto outros fugiam ante a fúria dos amotinados. O aviso do “Mão Negra” tornara-se realidade.

Imediatamente outros três navios foram tomados por seus respectivos marinheiros: São Paulo, Deodoro e Bahia. Tiros vararam os céus e acertaram a  cidade,  vitimando  uma  mãe  e  seus  dois  filhos.  Os  passageiros  das  barcas que faziam a travessia entre as cidades do Rio de Janeiro e Niterói passaram a ouvir os gritos e perceberem o movimento desusado a bordo das grandes embarcações. A capital federal da República, centro político, financeiro e industrial do país, foi acordada. O novo presidente foi surpreendido com as notícias enquanto participava de uma festa num clube, teve de retornar às pressas ao Palácio do Catete. Políticos começaram as reuniões para tentar entender o que ocorria nas águas da baía da Guanabara.

As suspeitas recaíam sobre a oposição ao novo presidente, que enfrentara uma campanha recheada de conflitos entre as partes. O pleito entre civilistas, que  apoiavam  a  candidatura  do  senador  baiano  Rui  Barbosa,  e  militaristas, que  apoiavam  o  marechal,  teve  momentos  de  quebra-quebras  e  discussões ríspidas nas ruas e nas folhas da cidade(24). A dúvida era se aquele movimento teria ou não “motivação política”, ou seja, se alguém da oposição influenciara os marinheiros para que tomassem o poder por meio de um golpe.

Na manhã seguinte, no entanto, quando os jornais já estampavam as primeiras notícias sobre a revolta, puderam pôr de lado a suspeita, com a declaração  dos  amotinados  que  aquele  era  um  movimento  que  reclamava das péssimas condições de trabalho na Marinha de Guerra. Foi o suficiente para que políticos procurassem mais informações sobre o assunto, e a imprensa carioca revelasse castigos desumanos e injustos sobre as costas dos marinheiros.

Alguns jornais tiveram duas e até três edições num único dia, tal a sede por  informações  de  pessoas  preocupadas  em  saber  se  algum  daqueles  tiros alcançaria suas casas ou suas próprias cabeças. Moradores fugiam do centro da  cidade  para  áreas  mais  distantes,  como  a  Tijuca  e  outros  subúrbios.  Os marinheiros, enquanto isso, mantinham-se em posição de guerra, com lenços vermelhos nos pescoços, a bandeira da mesma cor hasteada, além de pendurar uma faixa com os dizeres “Ordem e Liberdade”.

O ex-tenente e deputado federal José Carlos de Carvalho foi escolhido para intermediar conversações com os amotinados. Pegou uma barca e zarpou para um dos navios(25). Lá chegando, pôde perceber que o navio encontrava-se completamente limpo, os camarotes permaneciam fechados e protegidos. As garrafas  de  aguardente  foram  jogadas  ao  mar.  Era  um  navio  com  exemplar manutenção  e  preparado  para  bombardear  a  cidade.  Foi-lhe  apresentado  o marinheiro Marcelino, que recebera os golpes de chibata dias antes. O horror dessa visão foi descrita pelo deputado logo que chegou à Câmara, dizendo que as costas de Marcelino pareciam as de uma tainha “pronta para ser salgada”. Foi nessa mesma oportunidade que o deputado também relatou as reivindicações dos marinheiros, muito bem descritas em uma lauda. O fim dos castigos físicos no código disciplinar, a retirada de oficiais “incompetentes”, o aumento do  soldo,  a  educação  para  os  marinheiros  indisciplinados  e  a  mudança  na tabela de serviços.

Os debates sobre o assunto foram iniciados na Câmara, enquanto o presidente reunia-se com oficiais da Marinha e do Exército para saber se havia possibilidade  de  contra-ataque  –  plano  abortado  pelo  poder  das  imensas  embarcações,  que  poderiam  arrasar  a  cidade  e  até  mesmo  o  Palácio  do  Catete.  Na Câmara as discussões eram tensas entre membros da oposição e da situação. De um lado, o senador Pinheiro Machado defendendo que o governo só ouvisse os marinheiros quando estes entregassem as armas; e, de outro, o senador Rui Barbosa procurando defender a posição dos amotinados. Havia uma clara tentativa de pôr ou retirar o governo dos ataques que receberia, por ter permitido que um grupo de marinheiros se apoderasse das mais possantes armas navais existentes na América do Sul. Folhas de outros estados, mas também jornais portugueses, ingleses, franceses e americanos já reservavam parte das suas primeiras páginas ao  assunto.  Interesses  econômicos,  políticos  e  bélicos  estavam  em  jogo  internacionalmente. O Brasil tinha a maior produção mundial de café, abastecendo milhões de xícaras em diversos países. Devia vultosos empréstimos conseguidos naquelas décadas. Adquiriu material bélico que modificou a política armamentista no continente sul-americano. Por tudo isso, informações como essas eram consumidas no exterior, no qual investidores e políticos aguardavam apreensivos a posição do novo governo brasileiro, considerada fraca nos dias seguintes.

Os marinheiros permaneceram aproximadamente quatro dias navegando entre a baía da Guanabara e o mar aberto, não tão distante, somente por prevenção  de  um  contra-ataque  militar.  Enviavam  telegramas  ameaçadores no  início  e,  aos  poucos,  foram  descrevendo  a  situação  em  que  se  encontravam. Cronistas como Gilberto Amado elogiavam a perícia demonstrada pelos  marinheiros  no  comando  daquelas  armas  de  guerra,  o  que  incomodava violentamente os oficiais da Marinha(26). Perguntavam como aqueles homens tão educados, que  falavam  mais  de  uma  língua, visitavam  autoridades  em viagens internacionais e pertenciam a famílias tradicionais, poderiam castigar marinheiros como escravos. Charges  tentavam  trazer  algum  humor  àqueles dias  tão  angustiantes,  mas  acabavam  reforçando  ainda  mais  a  visão  de  que a  Marinha  funcionava  como  uma  fazenda  de  escravos,  referendando o dito por Francisco Dias Martins, o “Mão Negra”, ao imediato Alberto Durão havia quase três meses.

A solução encontrada no Congresso Nacional foi dar a anistia aos envolvidos, prometendo avaliar a situação quando esses entregassem as armas. Foi uma proposta razoável aos amotinados. Crimes de insubordinação e revolta, previstos no Código Penal da Armada, não recairiam sobre seus ombros, e  não  teriam  de  responder  a  processo  algum,  cujas  penas  previam  pena  de morte ou prisão por muitos anos. Parece que a proposta encantou os marinheiros. De uma vez conseguiram que o governo, parlamentares, jornalistas, cronistas  e  a  população  voltassem  seus  olhos  e  ouvidos  para  os  navios,  e pudessem finalmente perceber o que havia de ruim em suas vidas e a razão de não se empolgarem tanto com o projeto de reaparelhamento naval chefiado pelo alto escalão da Marinha de Guerra. Boa parte dos homens letrados expôs sua visão e se mostrava estupefata com o que ocorria na Marinha, defendendo a posição dos marinheiros e até ridicularizando oficiais. Tudo isso já fora uma conquista  dos  marinheiros,  que  acreditaram  que  seus  superiores  não  mais lançariam mão dos castigos após aquela marcante revolta. Foi assim que, em 26 de novembro, logo após o projeto de anistia ser votado favoravelmente aos marinheiros, esses entregaram os navios aos seus novos comandantes.

Dia muito festivo, por sinal, quando jornalistas e fotógrafos invadiram os navios e iniciaram o registro de um dia raro na História do Brasil. Entrevistavam toda sorte de marinheiros, principalmente João Cândido, que teve seu nome estampado em todas as matérias desde o primeiro dia do levante. Fotos dele lendo o decreto da anistia no Diário Oficial representaram um troféu para os fotógrafos: era como um símbolo da vitória dos amotinados, que forçaram parlamentares e o próprio presidente a se render à causa assinando a lei. Outra foto de suma importância é a passagem do comando ao novo comandante, feito, imaginem, por um simples marinheiro. O comum, no militarismo, é um tenente, um capitão, mas nunca um simples marinheiro, que participara de um movimento que levara à morte seus colegas na noite de 22 de novembro. Uma das charges pode, até mesmo, ter sido feita com base nessa foto e numa declaração do jornal Correio da Manhã de que o líder comandava a revolta como um almirante. Na capa daquela edição da revista satírica Careta, João Cândido está vestido de almirante tendo no peito uma medalha com os dizeres “23 de novembro”.

Fotografia de 1910 mostrando marinheiros que participaram da revolta, ao lado de jornalistas. João Cândido é o homem alto à esquerda, que sorri para a câmera. 

Contudo, o dito almirante aparece com traços de um  chimpanzé,  tentando  ridicularizar  o  líder  da  revolta.  Prova  do  racismo presente  nas  matérias  de  jornais,  como  veremos  mais  à  frente.  Algo  risível para a época: um almirante negro, mais parecido com um macaco. Na  manhã  seguinte,  porém,  tudo  havia  de  retornar  à  normalidade... Algo impossível pela tensão que tomava cada um a bordo. Oficiais sabiam do perigo que aqueles marinheiros representavam: não eram mais vistos como simples  comandados  e  indisciplinados,  mas  organizadores  de  um  evento, conscientes dos seus interesses, e unidos pela experiência de anos a bordo e mesmo pela vitória alcançada com a revolta. Os marinheiros também sabiam da  conquista,  mas  teriam  de  pagar  o  preço  de  conviver  com  um  grupo  de homens que havia sido exposto publicamente por seus atos e muito criticado na imprensa do Brasil e do exterior. A resposta dos oficiais não demorou tanto assim. Naquele mesmo dia foi dada a ordem para que os canhões fossem desarmados, extinguindo a possibilidade de uma nova revolta que ameaçasse a cidade. No dia 28 de novembro mais mudanças ocorreram, sendo expulsos dezenas e depois centenas de marinheiros. O senador Rui Barbosa subiu à tribuna e condenou tal posição, dizendo ser aquele um aviltante desrespeito ao decreto de anistia(27). A situação chegou ao limite. Marinheiros eram presos em terra e levados à polícia ou aos quartéis do Exército.

Pequenos  bilhetes  aos  antigos  líderes  da  revolta  possivelmente  foram interceptados pelos oficiais. E a pergunta era direta: “João Cândido, a revolta continua?”  Na  noite  de  9  de  dezembro  de  1910,  o  movimento  no  navio  de guerra Rio Grande do Sul deu os primeiros sinais de que algo estava para acontecer.  Antes  que  aqueles  movimentos  desusados  se  tornassem  uma  revolta, seus oficiais decidiram fugir. E mais tarde o cabo Piaba retomou o movimento no Batalhão Naval da Ilha das Cobras. Novamente gritos foram ouvidos e o estampido dos tiros ecoou pela cidade. Canhões do exército foram espalhados pelo litoral e começaram a bombardear a ilha, que respondia com os armamentos disponíveis – muito próximos aos do Exército. Dessa vez, no entanto, os navios do primeiro movimento não tomaram partido e ficaram no meio do fogo cruzado sem nada fazer. Nesse momento, seus oficiais também se retiraram. Os antigos líderes preferiram ficar ao lado do governo, demonstrando total falta de sintonia com os marinheiros e fuzileiros navais da Ilha das Cobras. Provavelmente procuraram garantir o direito alcançado com a anistia. Como alvo fixo e sem capacidade de deslocamento, os amotinados renderam-se às forças do governo. Começava aí a tortura de todos os envolvidos.

As prisões da cidade, civis e militares, ficaram abarrotadas de marinheiros, tanto com os revoltados de novembro como os de dezembro. Foi decretado o  estado  de  sítio,  fechando-se  o  Congresso  e  suspendendo  direitos.  Durante um  mês  o  governo  teve  toda  a  liberdade  de  perseguir,  extraditar  e  deportar qualquer  um.  Na  noite  de  Natal,  o  paquete Satélite transformou-se num tipo de navio negreiro: mais de cem marinheiros, e mais aproximadamente cento e cinquenta detentos e detentas da Casa de Detenção, foram postos no navio em direção ao Acre para serem oferecidos e oferecidas como mão de obra nos seringais e na construção da Ferrovia Madeira-Mamoré(28). Alguns marinheiros foram fuzilados a bordo por suspeita de tramarem um levante a bordo.

João  Cândido  e  mais  dezessete  marinheiros  foram  amontoados  numa estreita cela da Ilha das Cobras, por onde a luz e o ar tinham dificuldade de penetrar.  Naquela  noite,  o  comandante  do  Batalhão  Naval  levou  consigo  a chave  da  cela,  enquanto  soldados  jogavam  cal  diluída  por  baixo  do  portão a  fim  de  desinfetar  o  lugar.  Quando  a  água  evaporou,  a  cal  transformou-se novamente em pó, penetrando as narinas dos marinheiros, que gritavam para que a porta fosse aberta. Aos poucos, segundo João Cândido, os gritos foram sendo  silenciados,  e  dezesseis  deles  morreram  asfixiados.  Covardemente,  o médico registrou “insolação” como causa mortis. Sobraram somente o líder da revolta e mais um marinheiro.

João Cândido ainda permaneceu preso por dois anos, incomunicável, tomando-o grave depressão. Foi internado no hospital psiquiátrico, por ouvir os gritos dos seus falecidos colegas e ter visões. Retornou ao presídio até ser liberto e desligado da Marinha, com o auxílio de Evaristo de Moraes, que o defendeu do processo gerado contra o almirante negro(29).

Uma forma audaz de fazer política

Muitos dos nossos professores da rede pública e mesmo do meio universitário desconhecem a dimensão da revolta na época e o peso político que ela nos traz até os dias atuais. É dado como mais um capítulo a ser trabalhado em sala de aula, como a luta contra os castigos corporais. E isso, realmente, é uma pequena parte dos acontecimentos.

Se a revolta ocorresse hoje, os marinheiros estariam dominando navios movidos por energia nuclear, com mísseis e canhões que alcançariam alvos a centenas de quilômetros, como vimos recentemente em guerras sangrentas durante  as  intervenções  das  marinhas  norte-americana,  francesa,  inglesa  e outras. Obviamente, em 1910 o poder dos armamentos era mínimo comparado  aos  tempos  atuais,  mas  tinha  capacidade  de  arrasar  uma  cidade  e  de enfrentar  a  maior  parte  dos  navios  existentes  nas  armadas  mais  poderosas daquele  momento,  fosse  a  norte-americana,  a  inglesa,  a  alemã  e  outras.  O poder  era  tão  grande  que  o  chanceler  argentino  Montes  de  Oca  gerou  uma crise diplomática com o Brasil, devido ao temor por essa aquisição. Para ele, “bastaria  um  só  dos  encouraçados  encomendados  pelo  Brasil  para  destruir toda a esquadra argentina  e  chilena”30. Propunha inclusive que o  Brasil negociasse um dos navios com a Argentina a fim de equilibrar o poder entre as duas nações.

Então, podemos nos perguntar: como os marinheiros conseguiram dominar essas incríveis armas de guerra? E mais, quantas revoltas na história do Brasil nascidas entre os membros das camadas mais pobres chegaram a esse grau  de  organização?  Não  houve  um  discurso  ideologizado  por  trás,  como fizera  o  então  Partido  Comunista  do  Brasil  (PCB)  ou  mesmo  o  movimento anarquista, levantando uma possível massa de trabalhadores. Não encontramos  um  almirante  ou  qualquer  oficial  militar  aproveitando-se  da  situação para eclodir um ato golpista. Também não estavam presentes nas fontes qualquer  político  ou  intelectual  manobrando  indivíduos  pobres  a  destruírem  e atearem fogo a bondes por qualquer interesse. Havia, na revolta, um grupo de homens pobres, mormente negros, que entre si, somente entre si, organizou-se em reuniões conspiratórias para pôr fim a um regime de trabalho que não mais  desejavam  para  suas  vidas;  organização  essa  que  surpreendeu  a  todos no  Brasil  e  no  exterior,  pela  capacidade  de  os  amotinados  terem  bem  claro os seus intentos, de tomarem o comando daquelas moderníssimas armas de guerra; da determinação, sem receios, apresentada naqueles dias de novembro e dezembro de 1910.

Homens  oriundos  de  famílias  negras  e  pobres,  nascidos  entre  as  décadas de 1880 e 1890, quando o fim da escravidão e o início da República levaram a transformações políticas, econômicas e sociais imensas. Representavam  uma  geração  que  não  mais  desejava  viver  numa  fazenda  de  escravos do meio rural ou mesmo nas mais deploráveis condições de trabalho urbano reservadas a egressos do cativeiro ou a filhos de ex-escravos e livres. Teriam de vencer o racismo propalado em prosa e verso em contos, folhetins, charges, reportagens jornalísticas, memórias e nas teses científicas vigentes ao longo do período. Romances como os de Júlia Lopes de Almeida, uma escritora do início do século XX, cujo discurso racista é fortíssimo em folhetins, crônicas e livros, são bons exemplos disso(31). Teriam de vencer uma Marinha de Guerra composta por oficiais brancos e que não aceitavam negros como seus iguais. Para os negros estavam os postos de marinheiro a sargento e nem um passo a  mais  na  carreira  militar,  como  noticiou  o  jornal O  Estado  de  S.  Paulo,  em junho de 1911:

“Um desses grupos, o menos numeroso, é constituído pela oficialidade. O outro grupo, muito mais numeroso, constitui o proletário de blusa ou de farda, a gente que não tem direito a sonhar com os galões e vantagens de oficial. O oficial nunca foi marinheiro. O marinheiro nunca poderá ser oficial. [...] Para vir  a  ser  oficial  é  preciso  pertencer  à  burguesia  abastada,  ter  dinheiro  para custear a conquista do galão na Escola Naval e ser o menos mestiço ou o mais branco possível”.32

Outro exemplo do racismo na Marinha vem novamente do tenente José Eduardo Macedo Soares. Em seu Política versus Marinha, Soares dizia que:

“[...] a primeira impressão que produz uma guarnição brasileira é a da decadência  e  incapacidade  física.  Os  negros  são  raquíticos,  mal  encarados  com todos os signos deprimentes das mais atrasadas nações africanas. As outras raças submetem-se à influência do meio criado pelos negros sempre em maioria.  Profundamente  alheios  a  qualquer  noção  de  conforto,  os  nossos  marinheiros vestem-se mal, não sabem comer, não sabem dormir. Imprevidentes e preguiçosos, eles trazem da raça a tara da incapacidade de progredir”.33

Sem demonstrar preocupação com a imprensa — afinal, escrevia sob a capa do anonimato, mas assinava como um “oficial”, representando a classe dos  “superiores”  —,  o  autor  defendia  que  o  castigo  corporal  antes  de  tudo era uma “necessidade”, uma forma de combater tantos marinheiros “viciosos” nos  conveses  e  porões  das  embarcações.  Por  isso,  Soares  indignava-se  com políticos que durante a revolta criticaram os oficiais pela prática de castigos “desumanos”, que lembravam a escravidão, e finalmente por terem anistiado os assassinos de Batista das Neves e outros “briosos” oficiais que tombaram cumprindo seus deveres em nome da ordem e da disciplina. Assim, ele expunha todo o preconceito racial e imediatismo explicativo em poucas linhas, e exigia a demissão dos negros da Marinha. Como nos ensina Carlos Hasenbalg, “a tenacidade da estratificação racial e as novas fontes de discriminação após  o  fim  do  escravismo  devem  ser  procuradas  nos  variados  interesses  de grupos brancos que obtêm vantagens da estratificação racial” 34.

Além do racismo, os marinheiros teriam de se fazer ouvidos pelas autoridades  da  Marinha  de  Guerra  e  mesmo  pelos  representantes  do  Estado. Tentaram contato com estes, mas não conseguiram alcançar o desejado. Não restavam muitas alternativas aos marinheiros para fazer valer suas reivindicações. O grito, o barulho, a ameaça, a força, a união e a decisão para vencer os castigos corporais, o salário baixo, os oficiais que se excediam nas punições, o excesso de trabalho acarretado pela compra das novas embarcações e o ambiente violento a bordo teriam de ser extremamente vigorosos. Somente assim políticos e oficiais poderosos, a maior parte deles racistas, ouviram, temeram por suas vidas e sucumbiram ante a “coragem” do “marinheiro brasileiro”.

Por essas razões a revolta revela o tamanho do seu impacto e serve, até os nossos dias, de exemplo de luta, e a historiografia ainda precisa se conscientizar da sua relevância política e histórica.

A revolta entrou para a História

Podemos dizer que a memória é um elemento importante da formação da  identidade  individual  ou  coletiva,  e  por  isso  muitas  vezes  ela  pode  ser usada, manipulada e forçada ao esquecimento por ações de grupos, classes, governos  e  instituições  diversas(35).  A  história  da  história  da  Revolta  da  Chibata reflete muito bem usos diversos da sua memória. Em seus 100 anos, a memória do movimento de 1910 passou pelo surgimento do PCB, pelo regime de exceção do Estado Novo, pela conscientização do racismo no Brasil, pelo golpe  militar  de  1964,  entre  outros.  Nesses  momentos  existiram  disputas  e usos da memória da revolta que devemos buscar, mesmo que sumariamente. É uma forma de trazer ao presente reflexões sobre a inserção desse acontecimento  em  movimentos  sociais  e  partidários,  em  projetos  educacionais  e  na luta por direitos. Tal inserção foi sucessivamente combatida, muitas vezes à força,  a  fim  de  apagar  ou  distorcer  uma  memória  que  incomodava,  e  ainda incomoda, militares e governantes.

Sucessivas  tentativas  de  levá-la  ao  esquecimento  foram  arranjadas.  Jornalistas, intelectuais e militantes procuravam relembrar o feito pelos marinheiros de 1910 nas décadas que se seguiram ao evento, sendo o período do governo de Getúlio Vargas um dos mais ricos em matérias e textos. Uma parte desses indivíduos era antifascista e filiada ou simpatizante do movimento comunista. E a experiência do famoso jornalista gaúcho Aparício Torelly, mais conhecido por Barão de Itararé, ilustra bem como militares e políticos incentivavam o esquecimento da memória do feito de João Cândido e seus colegas.

Já dando provas de sua ligação com o comunismo, Torelly inaugurou o Jornal  do  Povo,  em  1934,  com  uma  série  de  artigos  sobre  João  Cândido, próximo à comemoração dos 25 anos do evento. Isso foi encarado como uma afronta à Marinha de Guerra. Em represália, um grupo de oficiais invadiu a redação e o sequestrou, levando-o para as bandas da então longínqua Barra da Tijuca, onde teve seu cabelo cortado e passou vexames. Com o bom-humor de costume, Itararé mandou afixar na porta do seu escritório: “Entre sem bater”36.

Em 1934 surgia o livro A revolta de João Cândido(37). No único exemplar que encontramos existe uma anotação a lápis na folha de rosto afirmando que ele havia sido impresso em Pelotas, e que Benedito Paulo, na verdade, era o pseudônimo do médico Adão Manuel Pereira Nunes. Na introdução, o autor explicou que havia escrito sobre a revolta, a fim de as classes pobres e oprimidas entenderem a sua força.

“A luta dos pequenos contra os grandes continua e ela há de ter o seu fim. Os marinheiros e soldados, filhos do povo, sairão vitoriosos pelo determinismo da  história.  E  além  dos  oficiais  amigos,  aos  batalhões  de  terra  se  ajuntarão camponeses  e  intelectuais,  sem  cujo  apoio  toda  e  qualquer  insubordinação nunca passará de uma aventura de fácil esmagamento, como a que aconteceu em 1910”.38

O  PCB,  que  estava  atuando  na  clandestinidade  durante  aquele  período,  mantinha-se  na  oposição  e  procurava  arregimentar  o  apoio  das  classes trabalhadoras para derrubar os “governos burgueses”. Em 1931, Luiz Carlos Prestes escreveu uma carta aberta aos soldados e marinheiros através de um discurso  bem  próximo  ao  que  Adão  Nunes  havia  de  utilizar  anos  depois: “Voltem  as  suas  armas  contra  os  seus  próprios  chefes,  lacaios  da  burguesia e, organizando os seus conselhos, fraternizem com os trabalhadores”39. A  semelhança  dos  discursos  revela  a  proximidade  de  Adão  Nunes  com  a ideologia revolucionária defendida pelo PCB. Além disso, Adão Nunes afirmava que revoltas isoladas, e aí entra a Revolta da Chibata, nos meios militares não passariam de uma aventura facilmente esmagada, daí a necessidade da união entre todas as classes pobres e oprimidas.

A revolta dos marinheiros de 1910, para ele, também teve conotações de preconceito racial: “Eram os negros, mulatos, caboclos e brancos oprimidos,  a  quem  os  republicanos  acenaram  com  a  igualdade,  que  se  revoltaram contra o espezinhamento da ala rica da raça branca”. Esse trecho revela um relacionamento  maior  entre  o  racismo  e  a  revolta.  Intelectuais  e  militantes discutiam mais abertamente os problemas ocasionados pelo racismo – década em que surgem a Frente Negra Brasileira (1931) e o livro de Gilberto Freyre, Casa Grande e Senzala (1933)40. Esse discurso demonstra maior sensibilidade com  o  racismo  na  sociedade  brasileira  e  como  ele  produzia  prejuízos  para a população negra. O autor de A revolta de João Cândido queria utilizar essa história como instrumento de persuasão, a fim de sensibilizar trabalhadores, soldados e marinheiros, brancos e negros, para a causa revolucionária defendida pelo PCB.

A relação entre o PCB e a revolta daria um capítulo à parte. No mesmo período houve a tentativa do golpe conhecido por Intentona Comunista, quando foram recolhidos panfletos conclamando marinheiros contra o governo getulista e propagandeando uma revolução no país. No panfleto “Viva 22 de  Novembro”,  assinado  por  “um  grupo  de  marinheiros  libertadores”,  seus autores  encontraram  na  memória  da  revolta  uma  forma  de  envolver  os  homens da baixa patente a se levantar contra o governo. E fechavam o texto com as seguintes palavras de luta:

Pão e Terra – O Governo Popular Nacional Revolucionário com o nosso querido e heróico Luiz Carlos Prestes à frente!

Abaixo o Integralismo, Política de Fome, Guerra e Revolução!!!

Viva os Nossos Combativos Companheiros de 1910!!!

Viva 22 de Novembro!!!

Viva a Revolução Nacional Libertadora!!!41

Se  esse  panfleto  foi  distribuído  exatamente  no  dia  22  de  novembro, seria véspera do levante em Natal e dias depois (27) ao do Rio de Janeiro. Se esse grupo de marinheiros existia, ele estava bastante informado do plano de ação tramado pelos membros da Aliança Nacional Libertadora (ANL), e deviam estar seduzindo e arregimentando o maior número possível de colegas para o combate.

A história da Revolta dos Marinheiros de 1910 já não era somente uma “triste” lembrança para os oficiais da Marinha de Guerra. João Cândido e a revolta tornam-se símbolos, peças de uma memória coletiva que poderiam arregimentar forças de pelo menos um segmento social importante em qualquer tentativa de revolução armada: marinheiros e soldados das Forças Armadas. A história da revolta de 1910 tornara-se símbolo de uma causa. Não foi à toa que falar de João Cândido ou da revolta durante o Estado Novo era motivo de severa repressão.

A história do vexame vivido pelo Barão de Itararé foi lida pelo jornalista Edmar Morel, que se perguntou: “um herói da ralé não podia ter história?”42. Essa questão o levou a um ambicioso projeto, publicado finalmente pela Editora Irmãos Pongetti, em 1958, sob o título A Revolta da Chibata, livro que ainda hoje inspira atores, cineastas, carnavalescos, professores e o leitor comum. Morel  realizou  vasta  e  pioneira  pesquisa  sobre  o  assunto:  jornais,  revistas, processo criminal, cartas, documentos cedidos por descendentes dos envolvidos e diversas entrevistas tornaram seu livro um clássico sobre o assunto, que manteve a memória da revolta até nossos dias. João Cândido concedeu entrevistas e reviu os originais. Essa parceria pôde ser registrada em diversos eventos do lançamento do livro e mesmo depois. Por conta dessa publicação, que tornou popular a revolta, João Cândido passou a ser convidado para diversas atividades e recebeu muitas homenagens no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul. O livro ainda recebeu diversos posfácios ao longo de suas cinco edições, sendo a última póstuma e ampliada por seu neto, o historiador Marco Morel, com a autobiografia que João Cândido escreveu ainda em 1912.

Às vésperas do golpe militar de 1964, João Cândido esteve na assembleia dos  marinheiros  da  Associação  de  Marinheiros  e  Fuzileiros  Navais  do  Brasil (AMFNB), no Sindicato dos Metalúrgicos. Aqueles marinheiros mais novos viam no líder de 1910 um símbolo de força e conquista, e o reverenciavam. Sinais dessa  relação  foram  os  sucessivos  discursos  lembrando  o  feito  dos  marinheiros em 1910, na luta contra os castigos desumanos e as péssimas condições de trabalho. João Cândido era sempre lembrado como líder de um movimento que libertou gerações de marinheiros de humilhações como a punição de chibata. Foram à casa do velho líder, na atual Baixada Fluminense, levar um bolo no dia de seu aniversário. Isso tudo rememorava uma história que oficiais da Marinha detestavam, como ocorreu durante as matérias publicadas pelo Barão de Itararé e preocupava, e muito, civis e militares descontentes com o governo João Goulart. Este pôs em andamento as Reformas de Base recheadas de mudanças que abalariam estruturas de poder e riqueza dos indivíduos mais abastados do país. E mesmo de organismos internacionais, interessados nas riquezas brasileiras e na influência do país no continente, caso o Brasil seguisse os exemplos de Cuba ou da China comunista.

Os marinheiros da AMFNB fundaram a associação dois anos antes do golpe de 1964 e espalharam núcleos em várias partes do país. Inicialmente lutavam por melhores condições de ascensão social na Marinha, e reclamavam  por  mais  direitos  civis  e  políticos  para  os  militares  de  baixa  patente. Da união desses homens surgiram escolas e serviços de assistência médica, independentes da Marinha(43). O movimento ganhou cada vez mais contornos políticos, num período marcado por agitações na esfera do governo federal, com  a  renúncia  à  presidência  por  Jânio  Quadros  e  a  conturbada  posse  de João  Goulart,  tido  como  “esquerdista”.  A  Guerra  Fria  respingava  com  mais frequência  no  país,  pressionado  pela  política  dos  Estados  Unidos  sobre  a América Latina, a abertura do país ao capital internacional, os ecos da Revolução Cubana e a penetração cada vez maior da ideologia de esquerda em movimentos sociais urbanos e rurais.

A prisão de alguns membros da AMFNB levou a assembleia de março  de  1964,  tornar-se  permanente.  A  crise  se  instaurou  e  o  ministro  da Marinha se viu em maus lençóis; o movimento foi noticiado nos meios de comunicação. Para  piorar  a  situação,  houve  apoio  popular  e  alguns  fuzileiros convocados para reprimir o movimento largaram as armas e pularam o muro do sindicato, juntando-se aos amotinados. O conjunto dessa assembleia  permanente,  embora  posteriormente  dissolvida,  foi  um  duro  golpe, que certamente atiçou ainda mais aqueles oficiais que dariam o golpe de 31 de março de 1964. João Cândido foi novamente observado e a história da revolta,  perseguida.  Edmar  Morel,  que  escrevera  o  livro A  Revolta  da  Chibata, teve seus direitos políticos cassados, perdeu o emprego de redator da Rede Ferroviária Federal, não conseguiu posição nos demais jornais e teve sua obra mais importante retirada de circulação44.

O registro da memória do líder João Cândido durante o regime militar pelo  Museu  de  Imagem  e  do  Som  (MIS)  também  foi  realizado  com  todo  o cuidado. Afinal, havia menos de quatro anos que o entrevistado participara da assembleia dos marinheiros da AMFNB no Sindicato dos Metalúrgicos e acendera a luz vermelha para o golpe de 1964. O museu tinha como atividade gravar entrevistas  com  personalidades  da  música,  das  artes  ou  que  haviam participado  de  eventos  marcantes.  Tal  registro  teve  toda  a  preocupação  de não  levantar  suspeitas  e  intervenções  do  governo.  Esse  foi  um  dos  últimos depoimentos de João Cândido, entrevistado por Ricardo Cravo Albin e pelo historiador Hélio Silva(45).

Mesmo  nessas  décadas  em  que  a  liberdade  de  expressão  foi  aviltada recorrentemente, dois compositores tiveram a coragem de relembrar a memória e escreveram a música “Navegante Negro”, que por força da censura foi rebatizada de “O mestre-sala dos mares” (1974). Aldir Blanc e João Bosco foram várias vezes convidados a dar explicações à Censura Federal sobre a canção. Segundo  Aldir  Blanc,  o  censor  explicou  que  “o  problema  é  essa  história  de negro,  negro,  negro”.  Para  Blanc,  aquelas  palavras  o  haviam  atropelado, “não pelas piadinhas tipo tiziu, pudim de asfalto etc., mas pelo panzer do racismo nazi-ideológico oficial”46. Não era a preocupação de tornar a revolta um exemplo de movimento social contra regimes ditatoriais, mas de transformar um homem negro em herói, que lutou por direitos de toda uma classe. Algo bem distante do símbolo criado por filmes, revistas, músicas e matérias, que recorrentemente traduziam pessoas negras como incapazes, preguiçosas, limitadas intelectualmente, perigosas e feias.

Em 1985, a escola de samba União da Ilha escolheu a Revolta da Chibata como enredo usando como referência o livro de Edmar Morel, que recebeu uma placa de prata no dia em que visitou a quadra da escola. Havia uma preocupação dos oficiais do alto escalão da Marinha de a escola pôr na avenida foliões vestidos com a roupa do oficialato açoitando marinheiros. A pressão foi grande sobre o carnavalesco Luís Orlando e a direção da agremiação. Duas partes do projeto inicial foram retiradas, funcionários do Ministério  e  marinheiros  desistiram  de  sair  e  o  samba-enredo  foi  alterado. Para Morel, isso ocorreu pelas ligações das escolas com “bicheiros, traficantes de tóxico e exploradores de lenocínio”. Isso tirou da direção o poder de reação, pois não “tinha autoridade moral, sequer, para estabelecer um diálogo”47.

Na década de 1980 e com a liberdade parcial de expressão, mais três livros  foram  lançados  e  melhoraram  ainda  mais  nosso  entendimento  da  revolta. Mário  Maestri  e  Marcos  Silva  publicaram  dois  livros  voltados  a  um público mais vasto, menor que o de Morel, mas que sintetizavam a história da revolta e contribuíam com outras perspectivas, como o racismo, no livro de Maestri, e a repercussão na imprensa operária, no caso de Marcos Silva(48). Paulo  Ricardo  de  Moraes,  jornalista  gaúcho,  explorou  a  história  da  revolta no  livro  didático,  no  sentido  de  questionar  a  forma  e  o  espaço  em  que  era reproduzida  nesses  compêndios(49).  Foram  livros  importantes  nessa  primeira metade da década de 1980, para a popularização e manutenção da memória, haja vista que o regime militar ainda estava vigente e a livre opinião era um ato perigoso.

No  ano  do  centenário  da  abolição,  um  único  livro  veio  a  público,  e curiosamente  foi  redigido  pelo  vice-almirante  Hélio  Leôncio  Martins.  Digo curiosamente por esperar que nesse ano surgissem também contribuições de movimentos sociais organizados. Contudo, era o ano de Zumbi, e João Cândido ainda não figurava como herói negro.

Sabendo da sua filiação à Marinha e toda a tradição que a instituição envolve,  avisou  que  seu  trabalho  não  era  uma  “história  oficial”  do  evento, ou seja, que ele não respondia pela Armada, mas por seu próprio intento. O almirante  redigiu  um  trabalho  com  pesquisa,  equilibrado  nas  questões  que levaram à revolta. Nesse processo de redação, ele deixou alguns espaços em que a defesa dos oficiais era latente, e pouca crítica à Marinha da época foi apresentada50.

A  memória  da  Revolta  na  década  de  1990  e  nos  anos  2000,  cresceu enormemente(51). O regime militar não mais impedia e a identificação de João Cândido e dos marinheiros negros com movimentos sociais voltados para a luta  contra  as  desigualdades  raciais  e  o  não  respeito  aos  direitos  humanos, tornou-se realidade. Uma organização civil voltada para a questão é a União de Mobilização Nacional pela Anistia (UMNA), formada pelos envolvidos na antiga Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil (AMFNB) e de  outras  armas  como  as  da  Aeronáutica  e  do  ExércitoSão  indivíduos  que não foram anistiados na lei de 1979 – a maior parte foi expulsa da Marinha após a assembleia no Sindicato dos Metalúrgicos – e durante décadas tiveram de lutar para conquistar seus direitos. No entanto, esses homens ainda nutrem por João Cândido admiração intocável. Apoiaram familiares, fizeram marchas a Brasília, procuraram recorrentemente as autoridades municipais da cidade do Rio de Janeiro, apoiaram pesquisas sobre a revolta de 1910, criaram sala em homenagem ao falecido líder e à sua filha, entre outras ações.

A luta desses homens sempre foi dar a João Cândido o lugar de herói nacional. Não por acaso, foram eles que iniciaram a luta e o apoio ao então vereador Edson Santos, que teve aprovada lei para construção de um monumento  a  João  Cândido.  Desde  o  início  da  década  de  1990  esse  projeto  estava aprovado, mas os sucessivos prefeitos não financiaram a estátua. Foi no mínimo absurda a posição do então prefeito César Maia, estando à frente do executivo municipal durante mais de uma década, em não construir o monumento  –  embora  tenha  inaugurado  a  de  outros  nomes  importantes  como Braguinha, Carlos Drummond de Andrade e Princesa Isabel.

Os membros da UMNA tiveram de lutar e muito, junto a outras associações do movimento negro e o próprio Edson Santos para conseguir o financiamento da construção da estátua através da Petrobras. Walter Brito foi o escultor da obra. Mesmo pronta, a escultura não pôde ser instalada no local desejado pelos membros da UMNA, de frente para o mar, em plena Praça XV. A instalação foi recusada pelo prefeito César Maia, alegando que a Marinha de Guerra não  permitia  tal  instalação  por  ter  sido  João  Cândido  expulso  daquela  Força Armada em 1910. A solução encontrada foi instalar o monumento nos jardins do Palácio da República, que foi muito bem vista por boa parte dos militantes. Mas o momento mais importante foi quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva veio ao Rio de Janeiro reinaugurar a escultura, e no lugar anteriormente desejado, a Praça XV, no dia da “Consciência Negra”, em 2008.

Estátua de João Cândido, na Praça XV de Novembro, no Rio de Janeiro. 

A mudança dos jardins do Palácio do Catete para a Praça XV só foi possível porque, após quase um século, finalmente João Cândido e seus colegas foram novamente anistiados. Não havia, assim, como a Marinha reclamar da presença da escultura de um anistiado naquela praça tão importante para a história da Marinha e do país. Essa anistia nasceu do projeto de lei da senadora Marina Silva e passou anos sem um resultado final. A UMNA e outras associações sempre reclamaram para que essa situação fosse logo resolvida, mas somente em 2008 ela ocorreu:

DA CAMARA DOS DEPUTADOS AO PROJETO DE LEI N. 7.198-B, DE 2002, DO SENADO FEDERAL. 

(PLS N. 45/2001 na Casa de origem) Emenda da Câmara dos Deputados ao Projeto de Lei n. 7.198-A, de 2002, do Senado Federal (PLS n. 45/2001 na Casa de origem), que concede anistia post-mortem a João Cândido Felisberto, líder da chamada Revolta da Chibata, e aos demais participantes do movimento.

EMENDA

Dê-se ao caput do art. 1. do projeto a seguinte redação:

“Art.  1.  É  concedida  anistia post-mortem  a  João  Cândido  Felisberto,  líder  da chamada Revolta da Chibata, e aos demais participantes do movimento, com o objetivo de restaurar o que lhes foi assegurado pelo Decreto n. 2.280, de 25 de novembro de 1910.” Sala de sessões 13 de maio de 2008.

O  ponto  negativo  dessa  anistia  é  que  Zeelândia  Cândido,  filha  e  defensora da memória do seu pai, não pôde comemorar esse resultado, por ter falecido  ainda  em  2006.  Nenhum  familiar  recebeu  qualquer  compensação financeira após quase cem anos de precariedade econômica em que viveram devido à perseguição ao provedor do lar, o marinheiro João Cândido.

Antes de morrer, dona Zeelândia deixou um último ensinamento aprendido com seu pai. Cremos servir a qualquer um de nós. Perguntada por Silvia de Mendonça sobre “Qual a herança ou lição maior que ele [João Cândido] deixou para a família?” respondeu:

“Ele deixou para a família a noção de que este mundo era desigual e isto ele sentiu na pele com a Revolta da Chibata. Ele dizia na comunidade de marinheiros que não deviam se rebaixar e se humilhar. E isso ele passou para todos os filhos também. Eu aprendi e fui à luta, participo nas associações de moradores, no movimento negro e de mulheres. Parada eu não fico. A lição que meu pai deixou é que se a gente tem um ideal, e não se sente bem com uma situação e se puder reverter essa situação, que não devemos esperar pelos outros, temos que arregaçar as mangas e lutar para mudar. Com luta ou com diálogo, vamos nós mesmos tomando as rédeas do nosso destino, porque abaixo de Deus nós temos esta condição. Não podemos esperar que a solução dos nossos problemas venha só de cima”.52

NOTAS

1 O autor é professor adjunto da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, campus Nova  Iguaçu,  pesquisador  do  Programa  de  Apoio  a  Núcleos  de  Excelência-Centro de  Estudo  dos  Oitocentos  (Pronex-CEO)  (Conselho  Nacional  de  Desenvolvimento Científico e Tecnológico-Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Ja-neiro  (CNPq/Faperj),  do  Programa  Nacional  de  Cooperação  Acadêmica  (Procad): Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ)/Universidade Federal de Santa Catarina  (UFSC)/Universidade  Federal  do  Rio  Grande  do  Sul  (UFRGS)  (Capes)  e  do Programa Pensa Rio (CNPq/Faperj). Contato do autor: alvaropn@uol.com.br.

2 MOREL, Edmar, A Revolta da Chibata. 4. ed., Rio de Janeiro, Graal, 1986[1958].

3 CARVALHO, José Murilo de, “As forças armadas na Primeira República: o poder desestabilizador”. In FAUSTO, Boris (Org.), História geral da civilização brasileira, t. III, v. II. São Paulo: Difel, 1977.

4 O Corpo de Imperiais Marinheiros estava localizado na ilha de Villegaignon e para lá eram enviados todos os recrutas e voluntários em idade de assentar praça. 

5 O Exército também criou uma escola parecida com esta, que não teve tanto sucesso como na Marinha de Guerra. Veja BEATTIE, Peter, The Tribute of Blood: Army, Honor, Race, and Nation in Brazil, 1864-1945. Durham: Duke University Press, 2001, p. 144-145.

6  As  idades  mínima  e  máxima  para  matrícula  nessas  escolas  foram  modificadas ao  longo  do  século  XIX  e  início  do  século  XX.  No  regulamento  para  as  escolas, baixado sob o Decreto n. 9.371, de 14 de fevereiro de 1885, estes limites eram de 13 e 16 anos. Tempos depois, no regulamento de 1o de agosto de 1907, passou a ser de 12 e 16 anos. Por outro lado, quando completassem 18 anos ou, antes, alcançassem robustez para a vida no mar, eram desligados das escolas e assentavam  praça.  No  entanto,  encontramos  casos  de  garotos  com  nove  anos  frequentando escolas.

Serviço  de  Documentação  da  Marinha,  Livro  3533,  Escola  de  Aprendizes  Marinheiros – Rio de Janeiro, 1909-1918.

8 Sobre o assunto, veja NASCIMENTO, Álvaro Pereira do, Cidadania, cor e disciplina na Revolta dos Marinheiros de 1910. Rio de Janeiro: Mauad, 2008, cap. 3.

9 Grifo meu.

10 Veja NASCIMENTO, Á. P. do, Um reduto negro: cor e cidadania na Armada (1870-1910). In  GOMES,  Flávio  dos  Santos;  CUNHA,  Olivia  Gomes  da  (Orgs.), Quase-cidadão: história e antropologias da pós-emancipação no Brasil. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2007.

11 SCHWARCZ, Lilia Moritz, Retrato em branco e preto. São Paulo: Círculo do Livro, 1988;  e O  espetáculo  das  raças:  cientistas,  instituições  e  questão  racial  no  Brasil,  1870-1930. São Paulo: Cia. das Letras, 1995.

12 Veja, entre outros, RIBEIRO, Gladys Sabina, Mata galegos. Os portugueses e os conflitos de trabalho na República Velha. São Paulo: Brasiliense, 1990; CHALHOUB, Sidney, Trabalho,  lar  e  botequim:  o  cotidiano  dos  trabalhadores  no  Rio  de  Janeiro  da  Belle  Époque. 2. ed. Campinas: Unicamp, 2001; SEYFERTH, Giralda, “Construindo a nação: hierarquias raciais e o papel do racismo na política de imigração e colonização”. In: MAIO,  Marcus  Chor;  SANTOS,  Ricardo  Ventura  (Orgs.), Raça,  ciência  e  sociedade. Rio de Janeiro: Fiocruz/CCBB, 1996.

13 KOWARICK, Lúcio, Trabalho e vadiagem: a origem do trabalho livre no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994, p. 103.

14 BRETAS, Marcos Luiz, A guerra das ruas: povo e polícia na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1997; SOARES, Carlos Eugênio Libano, A  negregada  instituição:  os  capoeiras  na  Corte  Imperial  (1850-1890).  2.  ed.  Rio  de Janeiro: Access, 1999.

15 “Um oficial da Armada ( José Eduardo de Macedo Soares)”. Política versus Marinha. [1911?], s/l.: s/ed., s/d., p. 90.

16 Fundação  Casa  de  Rui  Barbosa,  Arquivo  Histórico:  CR636/1,  carta  de  Carlos  de Barros Raja Gabaglia a Rui Barbosa, em 07/12/1910.

17 Arquivo Nacional (AN), CGM: Processo n. 695: José Cândido Guillobel, Caixa 13170, ano 1874. Veja detalhes desse caso no capítulo 1 de NASCIMENTO, Álvaro Pereira do. A ressaca da marujada. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2001.

18 Tais movimentos foram discutidos no terceiro capítulo de NASCIMENTO, Á. P. do, A ressaca da marujada, op. cit.

19 NORONHA, Júlio César de. Relatório do Ministro da Marinha. Rio de Janeiro: Imprensa Naval, 1905.

20  Todas  as  informações  narradas  aqui  sobre  a  revolta  podem  ser  encontradas  em NASCIMENTO, Á. P. do. Cidadania, cor e disciplina, op. cit.

21 COELHO, Alberto Durão, Algozes e vítimas. Rio de Janeiro: Jornal do Commercio, 1911. Agradeço a Guilherme Neves a doação dessa fonte de suma importância para os estudos da Revolta da Chibata.

22Ibidem, p. 21-22.

23Ibidem, p. 20.

24 Sobre a rivalidade na campanha eleitoral através dos jornais, veja, CUNHA, Maria Clementina Pereira. Liberalismo & oligarquias na República Velha: O Paiz e a campanha do Marechal Hermes da Fonseca (1909/1910). Dissertação de Mestrado. São Paulo: USP, 1976.

25 Veja o depoimento do deputado em CARVALHO, José Carlos de, O livro da minha vida. Rio de Janeiro: Jornal do Commercio, 1912.

26 AMADO, Gilberto, Mocidade no Rio e primeira viagem à Europa. Rio de Janeiro: José Olympio, 1956, p. 87-88.

27 DISCURSOS PARLAMENTARES, Obras completas de Rui Barbosa. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura, t. III, v. XXXVII, 1971[1910]. Discursou o senador baiano, “Evidentemente, o decreto [que desligou marinheiros] tem uma relação com a anistia de há dois dias”.

28 HARDMAN, Francisco Foot, O trem fantasma: a modernidade na selva. São Paulo: Cia. das Letras, 1988.

29  MORAES,  Evaristo  de, Reminiscências  de  um  rábula  criminalista.  Belo  Horizonte: Rio de Janeiro: Briguiet, 1989[1922].

30 MARTINS FILHO, João Roberto. “Colosso dos mares”. Disponível em: <http://www.revistadehistoria.com.br/v2/home/?go=detalhe&id=1307 >, acesso em 19 fev. 2010.

31 ALMEIDA, Júlia Lopes de, A intrusa. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, 1994, p. 115[1905]. “Revoltado contra a Natureza que o fizera negro, odiava o branco com o ódio da inveja, que é o mais perene. Criminava Deus pela diferença das raças. Um ente misericordioso não deveria ter feito de dois homens iguais dois seres dessemelhantes! Ah, se ele pudesse despir-se daquela pele abominável, mesmo que fogo lento, ou a afiados gumes de navalha, correria a desfazer-se dela com alegria. Mas a abominação era irremediável. O interminável cilício duraria até que, no fundo da cova, o verme pusesse a nu a sua ossada branca.”

32 Apud BOMILCAR, Álvaro, O preconceito de raça no Brasil. Rio de Janeiro, 1916, p. 27-28.

33 Um oficial da Armada ( José Eduardo de Macedo Soares), op. cit., p. 85-86.

34 HASENBALG, Carlos. Discriminação e desigualdades raciais no Brasil. Rio de Janeiro: Graal, 1979, p. 76-77.

35 LE GOFF, Jacques. História e memória. Campinas: Unicamp, 1994, p. 476-477.

36 MOREL, E., op. cit., p. 45; e Augusto Buonicore. “As peripécias de um Barão verme-lho – 33 anos da morte de Aparício Torelly”. Disponível em: http://www.espacoaca-demico.com.br/045/45cbuonicore.htm, acessado em 22 de fevereiro de 2010.

37 PAULO, Benedito (Adão Pereira Nunes). A Revolta de João Cândido. S/l.: s/ed., s/d. [193 4?].

38 Ibidem, p. 2.

39 DULLES, John W. F. Anarquistas e comunistas no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1977, p. 380.

40  Essa  não  seria  a  primeira  vez  que  o  racismo  fora  discutido  tendo  como  eixo  de discussão a Revolta da Chibata. Álvaro Bomilcar, em 1916, já revelava que oficiais da Marinha eram preconceituosos em relação à cor dos marinheiros. E irritava-se com tal situação na Marinha de Guerra. Veja BOMILCAR, Álvaro, op. cit.

41  Arquivo  Público  do  Estado  do  Rio  de  Janeiro.  Dops:  “Panfleto”,  228.  [grifos  do original]

42 MOREL, E., op. cit., p. 45.

43 CAPITANI, Avelino Bioen, A rebelião dos marinheiros. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 1997.

44 Ibidem, p. 249.

45  A  fita  original  pode  ser  encontrada  no  Museu  da  Imagem  e  do  Som  do  Rio  de Janeiro. A entrevista foi publicada. Veja em MUSEU DA IMAGEM E DO SOM, João Cândido. Rio de Janeiro: Gryphus, 1999.

46 Idem, p. 22 (texto grifado no original).

47 MOREL, E., op. cit., p. 299-300.

48  FILHO,  Mário  Maestri, 1910: a Revolta dos Marinheiros.  São  Paulo:  Global,  1982; SILVA, Marcos A. Contra a chibata: marinheiros brasileiros em 1910. São Paulo: Brasi-liense, 1982.

49 MORAES, Paulo Ricardo de, João Cândido. Porto Alegre: RBS/Tchê, 1982.

50 MARTINS, Hélio Leôncio, A Revolta dos Marinheiros, 1910. Rio de Janeiro; São Paulo: SDGM/Nacional, 1988.

51 Veja, por exemplo, duas teses recentes defendidas nos Estados Unidos e França. MORGAN, Zachary  Ross, Legacy  of  the  Lash:  Blacks  and  Corporal  Punishment  in  the Brazilian  Navy,  1860-1910Tese  de  doutorado.  Providence:  Department  of  History at Brown University, 2001; e ALMEIDA, Silvia Capanema Pereira de, “Nous, marins, citoyens brésiliens et républicains”: Identités, modernité et mémoire de la révolte des mate-lots de 1910. Tese de doutorado. Paris: École des Hautes Études en Sciences Sociales, 2009.

52 MENDONÇA,  Silvia  de,  “Morre  Zeelândia  Cândido  de  Andrade”.  Disponível  em http://www2.fpa.org.br/conteudo/morre-zeelandia-candido-de-andrade,  acessado  em 20 fev. 2010.

Fonte: NASCIMENTO, Álvaro Pereira do. A Revolta da Chibata e seu centenário. Perseu, n. 5, ano 4, 2010, p. 11-41.   

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