segunda-feira, 14 de novembro de 2022

Ciro, o Grande: o Príncipe da Pérsia

A Pérsia originalmente era um pequeno reino situado no sul do atual Irã, fazendo fronteira com a Média, a Mesopotâmia, a Pártia e outros territórios. Mas no século VI a.C, um príncipe de vinte e poucos anos, chamado Ciro, iniciou sua ascensão como novo soberano da Pérsia, mas com a diferença de que ele estava determinado a tornar seu país num império. Neste texto contei um pouco da história de Ciro II, o Grande, o qual fundou o primeiro império persa, um dos maiores da sua época. Adianto que pouco se sabe sobre sua vida, governo e de seus antepassados. 

O Reino da Pérsia

Segundo a tradição persa e grega, os antigos persas eram um povo nômade e seminômade, os quais habitavam o sul do Irã, todavia, em algum momento do começo do século VII a.C, um chefe chamado Aquêmenes foi coroado seu primeiro rei, tendo se rebelado contra o domínio dos medos, os habitantes da Média. Nada se conhece sobre esse soberano, e ainda existe a dúvida se ele realmente tenha existido ou foi uma lenda. Seu sucessor foi o rei Teispes (675-640 a.C) de cujo reinado nada se sabe também. (BURGAN, 2009). 

Teispes foi sucedido por seus dois filhos: Ariarâmenes (676-590 a.C) e Ciro I (?-580 a.C). Não se sabe ao certo como era a relação dos dois irmãos e a forma como o reino persa estava dividido sob o governo deles. Entretanto, Ariarâmenes é pouco citado na história da época, havendo mais menções a Ciro I, que se envolveu com guerras em Elam e problemas políticos na Média e na Babilônia, na época do rei Assurbanipal (685-631 a.C). No entanto, praticamente nada se conhece do reinado de Ciro I e seu irmão. (BURGAN, 2009). 

De qualquer forma, Ciro I foi sucedido por seu filho Cambises I (?-559 a.C), que governou como único soberano da Pérsia, já não dividindo mais o trono. Em seu reinado ele procurou manter a diplomacia com os babilônios e os medas, condição essa como escreveu o historiador grego Heródoto de Halicarnasso, Cambises I casou-se com Mandane, filha do rei Astiages da Média, a fim de firmar uma aliança entre os dois reinos, anteriormente inimigos. Segundo Heródoto, esse escreveu que uma profecia tida pela madrasta de Mandane teria previsto que o filho da princesa seria um grande conquistador, subjugando o avô; se essa profecia realmente existiu ou não, ainda assim, ela estava certa, pois o filho de Mandane com Cambises I foi Ciro II. 

O Príncipe da Pérsia

Ciro II nasceu na cidade de Ansã, então capital persa, no entanto, não se sabe exatamente a data de seu nascimento. Ele teria nascido entre as décadas de 590 e 580 a.C., tendo sido o primeiro filho de Cambises I e Mandane, logo, herdeiro direto do trono persa, além de ser também um dos herdeiros do trono medo por parte de sua mãe, embora que na época isso nem fosse cogitado. De qualquer forma, praticamente nada se sabe sobre sua infância e adolescência, o mesmo vale para seus antepassados, pois essas etapas da vida costumavam serem ignoradas pelos antigos historiadores. Embora Xenofonte tenha escrito um livro sobre a vida de Ciro, hoje ele é considerado como sendo ficcional, em que Ciro II foi usado para ilustrar um ensaio filosófico moralista do autor. (WATERS, 2022). 

Como os persas no século VI a.C não tinham o costume de registrar sua história, as informações sobre o governo de seus reis são bastante escassas. O rei Cambises I morreu em 559 a.C de causas desconhecidas, estando entre os quarenta e cinquenta anos, dessa forma, Ciro II subiu ao trono entre seus vinte e trinta anos. Não se sabe como foram seus primeiros anos de governo, entretanto, em sua época a Pérsia ainda era um reino vassalo da Média, tendo que pagar tributos para os medos. Ciro II teria tentado convencer seu avô de mudar isso, mas esse se recusou, fato esse que uma rebelião contra os medos se iniciou anos depois.

Heródoto aponta que o conflito teria durado em torno de três anos, terminando com a vitória persa na Batalha de Pasárgada em 550 a.C, conflito o qual Ciro II teve o apoio do general medo Hárpago, que traiu seu rei. Inclusive Hárpago tomou a capital medo, Ecbatana, ordenando a prisão de Astiages, o qual compareceu ao seu neto Ciro II. O monarca persa poupou a vida do avô, mas declarou-se novo soberano da Média, fundido aquele reino à Pérsia, isso em 549 a.C. (WATERS, 2022). 

Tapeçaria do século XVIII mostrando o rei Astiages da Média preso diante de seu neto Ciro II (ao centro). 

Dessa forma, Ciro II por volta de seus quarenta anos, era o senhor de dois reinos. Ele já não era mais um príncipe vassalo, agora era um rei independente que subjugou seus rivais e tomou para si um reino que também lhe era de direito, embora ele não fosse o mais próximo na linha de sucessão. No entanto, sua ambição não estava próxima ao fim, mas apenas começando. Tendo obtido controle da Média, Ciro II decidiu expandir seus domínios. 

Fundando um império

A Média era um reino mais vasto do que a Pérsia, nem por isso necessariamente mais poderoso, pois os persas conseguiram conquistá-lo em três anos de conflito. Entretanto, Ciro II quando herdou o novo reino, seus domínios se estendiam para dentro do território Parto, adentrando o que hoje é o Turcomenistão e o Afeganistão, além de se estender no oeste através da Assíria, Armênia, chegando a Lídia (hoje na Turquia). Apesar da derrota do rei Astiages e a proclamação de um novo soberano, alguns nobres se recusaram a reconhecer Ciro II como monarca, iniciando resistência. (BURGAN, 2009). 

Uma das resistências mais notáveis ocorreu com os lídios, liderados pelo rei Creso (?-546 a.C), que formou uma aliança com os espartanos, babilônios e egípcios para confrontarem os persas. A aliança conseguiu manter os persas ocupados por alguns anos, pois os exércitos de Ciro conquistaram a Lídia na década de 540, embora que anteriormente a data cogitada fosse 547 a.C, hoje ela é considerada não como derradeira, mas marcando apenas a derrota do rei Creso, o qual apesar de morto, a resistência lídia não terminou. Além disso, vale mencionar que os lídios governavam sobre antigas colônias gregas, por conta disso, os gregos passaram a ter conhecimento cada vez mais regular sobre os persas, os considerando seus inimigos desde então, rivalidade que aumentaria nos séculos seguintes. (WATERS, 2022). 

Com a vitória sobre os lídios e seus aliados gregos Ciro II voltou a atenção para um de seus vizinhos, o Reino da Babilônia. No século VI a.C a Babilônia já não era um reino próspero e poderoso como outrora. Após a morte de Nabucodonosor II em 562 a.C, o reino entrou numa crise de sucessão em que os reis governaram por poucos anos, sendo traídos ou assassinados, o que fragilizou ordem política até que Nabonido foi coroado em 556 a.C, governando com o apoio de seu filho Belsazar. Embora pai e filho tenham conseguido estabilizar a crise dinástica que assolou a Babilônia, o reino perdeu suas forças e estabilidade nesse tempo, condição essa que Ciro II sabia disso e decidiu conquistar os babilônios. (BURGAN, 2009). 

Mapa do Reino da Babilônia ou Império Neobabilônico no século VI a.C. 

Se desconhece os detalhes das campanhas militares do governo de Ciro, o Grande, apenas há menções sobre algumas batalhas e conquistas, todavia, os relatos históricos do período apontam que não houve grandes problemas para subjugar os babilônios. O exército persa era o mais poderoso do Oriente Médio naquele tempo, vindo de sucessivas vitórias na Lídia, Armênia e Pártia, sua fama de implacável como os autores gregos se referiam a ele, havia se espalhado da Pérsia à Grécia e o Egito. Alguns governadores temiam enfrentar os persas, optando em negociar com eles, pois Ciro era conhecido por ser um monarca benevolente com quem se rendia. 

As Crônicas de Nabonido, registros históricos do monarca babilônio, relataram que os persas obtiveram duas grandes vitórias importantes: a Batalha de Susa, ocorrida em data incerta no ano de 540 a.C, na qual os persas conquistaram a capital do Elam, importante território fronteiriço entre a Pérsia e a Babilônia. Dali o exército persa atravessou aquelas terras rumo ao coração dos domínios babilônicos indo travar a Batalha de Ópis, uma cidade situada ao norte da Babilônia. O conflito ocorreu por volta de 12 de outubro de 539 a.C. Com essa vitória o exército persa marchou rumo a capital. Os historiadores cogitam que Ciro II tenha negociado a rendição com os generais babilônios, pois eles não apresentaram resistência. (DANDO-COLLINS, 2020). 

No dia 29 de outubro de 539 a.C, a cidade da Babilônia estava cercada pelos exércitos persas e o rei Nabonido foi forçado a declarar rendição, já que recusava aceitar a derrota. Ele foi preso junto com seu filho e familiares. Com isso, Ciro II havia subjugado mais um grande reino asiático. Como primeiras medidas tomadas, o monarca persa prometeu que manteria a paz, não iria saquear a cidade, retomaria as obras públicas, manteria os funcionários em seus cargos, desde que jurassem lealdade a ele; Ciro também mandou realizar cerimônias religiosas, principalmente a Marduk, o deus padroeiro da cidade. Ele também declarou seu filho Cambises II como governante da Babilônia e seu sucessor oficial. Essas medidas foram escritas num cilindro de argila, que felizmente foi preservado nesses milênios. 

O Cilindro de Ciro, o Grande, o qual registra suas ordens como novo rei da Babilônia. 

A conquista da Babilônia é mencionada em alguns livros bíblicos do Antigo Testamento: Isaías, Esdras, Daniel e Segunda Crônica dos Reis, citam Ciro, o Grande e celebram sua conquista, pois os hebreus que tinham sido escravizados pelos babilônios décadas antes, puderam ser libertados. Na Bíblia, embora Ciro fosse tido como um monarca pagão e conquistador, ele foi reconhecido como benevolente por colocar fim ao Cativeiro da Babilônia, embora que a Síria e a Judeia fizessem parte de seu império, agora ampliado com a anexação do reino babilônico. 

Após subjugar a Babilônia, sua última grande conquista, os historiadores gregos, babilônios e persas pouco falam do governo de Ciro nos anos seguintes, mas em dado momento ele decidiu combater os Masságetas liderados pela rainha Tômiris, que viviam nas fronteiras nortes do império no que hoje seriam o Cazaquistão e o UzbequistãoNão se sabe quando essa campanha teve início, mas Ciro mesmo idoso, tendo seus sessenta e poucos anos, viajou para o campo de batalha. Segundo Heródoto, Ciro II foi morto em batalha e sua cabeça foi cortada; a rainha Tômiris ordenou que ela fosse jogada dentro de um recipiente como sangue; já Xenofonte disse que o rei morreu dormindo. A causa da morte de Ciro II não é conclusiva, pois outros autores citaram outros fatores, no entanto, foram unânimes de que ele faleceu em 530 a.C. (DANDO-COLLINS, 2020). 

A tumba de Ciro, em Pasargada. Embora tenha sido um poderoso monarca, ele pediu que sua tumba fosse simples. 

Considerações finais

Ciro II da Pérsia ganhou a alcunha de o grande por conta de sua política expansionista e os êxitos obtidos por suas campanhas militares, algumas nas quais ele participou no comando. No entanto, suas conquistas militares se resumem em três grandes momentos: a conquista da Média, da Lídia e da Babilônia, condição essa que por volta de 538 a.C, o monarca mandou escrever a seguinte mensagem: 

"Eu sou Ciro, o Rei do Mundo, o Grande Rei, o Poderoso Rei, Rei da Babilônia, Rei da Suméria e da Acádia, Rei dos quatro cantos do mundo, Filho de Cambises, Grande Rei, Rei de Ansã, Descendente de Teispes, Grande Rei, Rei de Ansã, A Semente Perpétua da Realeza, cujo reinado Bel e Nabu Amam". (DANDO-COLLINS, 2020). 

Nesse discurso soberbo, Ciro exaltou sua conquista sobre o reino babilônico, assim como, enalteceu seu império, seu pai e avô, além de fazer uma homenagem aos deuses babilônicos Bel (epíteto para Marduk) e Nabu (deus da escrita). Seu império era o mais extenso no mundo na época, nesse sentido ele havia se tornado um príncipe, aqui no sentido de "o primeiro" imperador da Pérsia. 

O império persa sob o domínio de Ciro, o Grande (559-530 a.C). 

Com a sua morte, o trono foi devidamente passado para Cambises II, o qual em seu reinado conquistou o Egito, a Núbia e a Cirenaica. Mas diferente de seu pai que era conhecido pela complacência e a benevolência, Cambises era mais rude e temperamental, a ponto de Heródoto se referir a ele como um tirano. No entanto, Cambises como seu pai, lhe herdou o gosto pela conquista militar, tendo tentado expandir seus domínios na África, o que foi seu erro e lhe custou a vida. Após sua morte, o trono foi tomado por um impostor que se disfarçou como irmão de Cambises II, Esmérdis.

O impostor chamado Gaumata ou Bardia governou por alguns meses quando foi descoberto e executado. Como Cambises II não tinha deixado herdeiros homens, seu primo Dario assumiu o governo, tornando-se Dario I, o Grande, um governante ao nível de Ciro II, o qual tentou conquistar a Grécia sem sucesso, mas essa é outra história. 

NOTA: Segundo Heródoto, quando Astiages soube da profecia dada por sua esposa, de que seu neto nascido de Mandane iria destroná-lo, teria mandado matar o bebê, mas o general Hárpago se recusou a cumprir a ordem e trocou a criança. Todavia, essa história é tida como uma lenda, algo que encontra respaldo na própria mitologia grega, em que personagens como Perseu, Édipo e Páris foram destinados a trazer a ruína ao reino, e, por isso eles foram abandonados para morrer. 

NOTA 2: Ciro II foi casado com Cassandane, referido por ele como o grande amor de sua vida. Dessa união eles tiveram Cambises II, Esmérdis, Atossa e Roxana. No caso, Atossa acabou casando-se com Dario, o Grande, a fim de reforçar a aliança dele como sucessor oficial, condição essa que o rei Xerxes I, era neto de Ciro II. 

Referências bibliográficas: 

BURGAN, Michael. Empires of Ancient Persia. New York, Chelsea House, 2009. 

DANDO-COLLINS, Stephen. Cyrus the Great: conqueror, liberator, anointed one. Nashville, Turner Publishing Company, 2020. 

WATERS, Matt. The Life of Cyrus the Great: King of the World. Oxford, Oxford University Press, 2022. 

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