sexta-feira, 30 de junho de 2023

O Expresso do Oriente

Operante por mais de 100 anos, a linha férrea do Expresso do Oriente é uma das mais famosas do mundo, tendo inclusive se tornado inspiração para livros e filmes. Ela é lembrada por seu luxo, pois a maioria dos passageiros por muito tempo era de ricos, o que incluía nobres e milionários os quais num período em que a Ásia ainda era vista de forma bastante exótica, decidiam pegar um trem até à Turquia e de lá seguir por outros caminhos através do Oriente Médio, indo à Índia, China, Japão e Vietnã. 

Cartaz do Expresso do Oriente de 1888. 

Eram tempos de neocolonianismo ainda, em que colônias europeias seguiam existindo na África e na Ásia, especialmente as de origem francesa, britânica e alemã. Por conta disso, habitantes desses países que tinham negócios internacionais tinham que viajar para as colônias, e em muitos casos viagens marítimas eram mais demoradas do que viagens de trem, com isso, empresas desses países começaram a construir malhas ferroviárias pela África e a Ásia, e no caso da empresa Compagnie Internationale des Wagon-Lits (CIWL), fundada em 1872 por Georges Negelmackers (1845-1895), ele tinha o ambicioso plano de construir uma rede férrea da França até a Indochina, como o Vietnã, o Camboja e o Laos eram normalmente referidos no século XIX. 

Entretanto, o projeto de Negelmackers demorou nove anos para poder se concretizar, quando finalmente em 4 de outubro de 1883, foi inaugurada a linha Expresso do Oriente (Express d'Orient), saindo da estação Gare d'Est, em Paris, com destino a Giurgiu na Romênia. Naquele primeiro momento a linha ainda não ia diretamente para a Turquia. Ao chegar na Romênia os passageiros tomavam carruagens para pegarem outro trem até a Bulgária e de lá seguiam de navio para Istambul (na época ainda chamada de Constantinopla). 

Apesar desse trajeto incompleto, o interesse por essa linha foi crescendo rapidamente por conta da acessibilidade a Áustria, fato esse que em 1885, trens diariamente partiam de Paris-Viena. Entretanto, a ida para Istambul ainda era complicada, demandando viagens de carruagem para pegar outros tens pela Bulgária. Uma mudança efetiva somente ocorreu em 1889 quando as estradas de ferro até Istambul foram finalmente concluídas. Dessa forma era possível pegar conexões da França à Turquia. Além disso, alguns dos passageiros usavam o Expresso do Oriente não necessariamente para irem à Ásia, mas para viajar pelo leste europeu, indo para cidades como Bucareste, Budapeste e Sófia. Curiosamente o expresso ganhou mais notoriedade por integrar a Europa central e oriental, do que com a Ásia, como Negelmackers havia planejado inicialmente. 

Ilustração de 1884 mostrando o trem e um dos vagões do Expresso do Oriente. 

Dependendo do destino escolhido, a viagem pelo Expresso do Oriente poderia levar alguns poucos dias, já que o expresso fazia paradas nas capitais. Por conta disso, ele possuía vagões-leitos, inclusive uma especialização da CIWL. Esses quartos permitiam dormir de 1 a 3 pessoas. E havia variações na decoração deles. Lembrando que o expresso de 1883 a 1939 era um serviço voltado para a burguesia e a elite. Inclusive reis e rainhas chegaram a viajar nesses trens. 

Até 1914 a linha ganhou alguns ramais os quais partiam de Bruxelas na Bélgica e de Berlim na Alemanha, que por sua vez se conectavam a linha principal que cruzava a Áustria, tendo Viena como principal parada. Todavia, com o advento da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), as viagens diárias e semanais foram suspensas. 

A malha ferroviária do Expresso do Oriente de 1883 a 1914. 

Durante os quatro anos da Grande Guerra, as viagens do Expresso do Oriente foram totalmente suspensas, somente retornaram em finais de 1918. Todavia, em 1919 inaugurou-se um túnel que conectava a Suíça a Itália, abrindo um novo caminho para o expresso, o qual partia de Paris para Lausanne na Suíça e depois adentrava o norte da Itália, com paradas em Milão, Veneza e Trieste, para seguir a Zagreb na Croácia e depois se conectar a Belgrado na Sérvia, retomando a estrada principal. A nova rota foi chamada de Simplon Orient Express, em referência ao nome do túnel. 

Posteriormente na década de 1920 uma terceira rota foi criada, nomeada de Arlberg Orient Express, que partia de Paris seguindo para Zurique na Suíça, depois indo para Bucareste e Atenas. Dessa forma, as três rotas do Expresso Oriente ampliaram bastante suas possibilidades de paradas e países alcançados, chegando ao seu auge na década de 1930, antes de eclodir a Segunda Guerra (1939-1945), a qual novamente interrompeu as viagens de trem por seis anos. 

Passado o terror e destruição da guerra, o Expresso do Oriente ainda assim não voltou a ver a fama e glamour de antes. Parte dos trilhos foram destruídos e demoraram para serem consertados. O ramal de Atenas foi bloqueado devido a guerra entre a Grécia e a Iugoslávia; e entre 1951-1952, a Bulgária entrou em conflito com a Turquia, interrompendo as passagens de trem. Para completar, com a expansão da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), a conexão com a Europa ocidental foi gradativamente sendo suspensa. Além disso, contratos com a CIWL foram cancelados e outras empresas passaram a operar o transporte das linhas do leste europeu, gerando problemas pela falta de qualidade dos serviços e atrasos recorrentes. 

Dessa forma, na década de 1960, o Expresso do Oriente quase findou-se completamente, pois suas três rotas foram canceladas em 1962, sendo criada uma quarta rota chamada Direct Orient Express, a qual realizava o trajeto Belgrado-Istambul ou Belgrado-Atenas, mas a cada duas semanas. Algumas viagens de Paris-Istambul também ocorriam de forma irregular. Devido a grande queda nas viagens de trem, a CIWL decidiu vender seus direitos sobre o Expresso do Oriente em 1971, focando-se em produzir vagões e administrar outros negócios. 

Em 1977 outras companhias assumiram o expresso, mas tendo interrompido as viagens para Istambul, sendo a última realizada em 19 de maio daquele ano. Dessa forma, as viagens que se seguiram nas décadas seguintes se limitaram ao trechos Paris-Viena, Paris-Budapeste e as vezes Paris-Bucareste. Atualmente o Expresso do Oriente ainda existe, mas sem ter sua fama do passado, consistindo numa linha que vai de Paris à Viena, a qual saí regularmente à noite. Por sua vez, a linha Simplon Orient Express que vai para à Itália, ainda está em funcionamento, sendo mais cara e luxuosa. 

As rotas do Expresso do Oriente de 1883 a 2009. 

NOTA: Os caminhos férreos do Expresso do Oriente percorrem mais de 3 mil quilômetros de distância. 

NOTA 2: O romance O Expresso Oriente (Stamboul Train) foi publicado em 1932, tendo sido escrito por Graham Green, e aborda uma viagem por essa rota. É um dos livros mais conhecidos desse autor. 

NOTA 3: O romance Assassinato no Expresso do Oriente (1934) de Agatha Christie é provavelmente o livro mais famoso a abordar essa linha. A própria autora viajou por esses caminhos quando acompanhou seu marido à Ásia. A história ganhou adaptações para o cinema e os quadrinhos, em temos o detetive Hercule Poirot investigando um assassinato ocorrido durante a viagem. 

NOTA 4: No livro Moscou contra 007 (1957), James Bond viaja de Istambul para Veneza pela rota Simplon Orient Express. Isso é retratado também no filme baseado nesse livro. 

NOTA 5: No jogo de investigação The Raven: Legacy Master of Thief (2013), a primeira fase ocorre abordo do expresso. 

Referências bibliográficas:

COOKRIDGE, E. H. Orient Express: The Life of the World's Most Famous Train. London, [s. e], 1979. 

WIESENTHAL, Maurício. Orient-Express: El tren de Europa. Madrid, Editora Acantilado, 2020. 

terça-feira, 13 de junho de 2023

Ligando oceanos: o Canal do Panamá

Ainda hoje um dos mais movimentados canais marítimos do mundo, o Canal do Panamá foi projetado no final do século XIX, mas por conta de uma série de problemas de infraestrutura, logística e tecnológicos, suas obras foram suspensas e adiadas algumas vezes, até que no começo do século XX elas foram retomadas, ainda assim, foi um projeto bastante ambicioso e difícil, que levou uma década para ser concluído, tornando-se o primeiro canal marítimo artificial a conectar dois oceanos. 

Um dos trechos do Canal do Panamá. 

Antecedentes

Antes da inauguração do Canal do Panamá em 1914, os navios que queriam ir do Atlântico para o Pacífico, vice-versa, tinham que contornar a América do Sul, indo até o extremo sul do continente americano, havendo duas rotas por ali: cruzar o Estreito de Magalhães, o qual não era viável para grandes navios, o que forçava as embarcações maiores a terem que contornar o Cabo Horn, cruzando o Estreito de Drake, uma região de mar aberto, mas de clima bastante frio e águas revoltas. 

Para se ter uma ideia, um navio que partisse de Nova York para San Francisco, o vice-versa, teria que percorrer 13 mil milhas (mais de 20 mil quilômetros), porém, com a construção do Canal do Panamá, essa distância foi reduzida para 5 mil milhas (8.047 quilômetros). (ROESSER, 2020).  

Os navios que viam do Atlântico Norte ou do Pacífico Norte, levavam semanas para realizar a travessia. Além disso, dependendo da época do ano, as condições climáticas pioravam, o que atrasava a longa viagem de contorno da América do Sul. Porém, uma ideia para contornar isso ainda surgiu no século XVI, quando navegadores e engenheiros espanhóis e portugueses sugeriram criar um canal pela parte mais estreita da América Central. Os dois povos europeus tomaram conhecimento da existência de estradas indígenas que conectavam ambos os oceanos e isso os inspirou a pensar num canal que se conectasse a rios e lagos da região, para assim, criar uma rota. Os atuais territórios da Nicarágua e do Panamá, que na época compreendiam a colônia do Vice-reino da Nova Espanha, foram cogitados para se construir o canal. (CHIDSEY, 1970). 

O problema é que o projeto era muito ousado para a época, tido até como surreal e impossível de ser feito. Mesmo assim, os espanhóis ainda chegaram a iniciar estudos para se construir um canal, embora o projeto nunca saiu do papel. Somente no século XIX foi que novos planos para um canal que cruzasse a América Central foram considerados com mais atenção. Novamente se cogitou usar a Nicarágua, pois o terreno seria mais fácil, apesar que o canal teria que ser mais longo. Porém, em meados daquele século os franceses inauguraram uma estrada de ferro que ia da cidade do Panamá a Colón. Essa ferrovia foi fundamental para incentivar os planos de escolher aquela localidade para se fazer um canal marítimo. 

Os franceses começam a construir o canal

Com o sucesso da ferrovia francesa no Panamá, os franceses decidiram retomar o projeto de um canal marítimo. O próprio imperador Napoleão III chegou a mostrar interesse nisso. Todavia, devido a problemas enfrentados pela França com guerras e em suas colônias, os planos para a construção do canal foram adiados em vários anos. Em 1879 o renomado engenheiro de canais Ferdinand de Lesseps (1805-1894) foi contratado para projetar o canal do Panamá, na época o trabalho mais importante de Lesseps tinha sido o Canal de Suez no Egito, inaugurado em 1869. (CHIDSEY, 1970). 

Lesseps apresentou uma série de desenhos para o canal panamenho, cuja obra foi orçada em 600 milhões de francos. Em 1880 foi criada a empresa Compagnie Universelle du Canal Interoceánique de Panama para realizar as obras. Ela contava com capital francês, americano, alemão, inglês e de outros investidores. Pois a construção daquele canal interessava o comércio internacional, apesar da França deter o controle das obras e os direitos de exploração do canal, como acordados com a Colômbia, que na época governava o Panamá. Em 1881 tiveram início as obras do canal. 

Documento de uma ação do Compagnie Universelle du Canal Interoceánique de Panama, em 1880. 

Na época Lesseps foi contra a ideia de adotar o sistema de eclusas para adequar a diferença de altitude do terreno, decisão que custaria caro. Influenciado pelas obras em Suez, Lesseps acreditava que seria possível manter o mesmo nível dos dois oceanos em ambos os lados. Mas isso seria algo bem mais difícil de fazer, tendo que se cavar muito mais. Ainda em 1881, surtos de malária e febre amarela mataram centenas de trabalhadores, interrompendo as obras várias vezes. Casos assim voltariam a ocorrer nos anos seguintes. No ano de 1882 um terremoto atingiu a região, interrompendo as obras por meses devido aos desabamentos. Depois disso as obras seguiram com atrasos pontuais nos anos seguintes. Lesseps havia previsto que o canal levaria uns dez anos para ser concluído, pois esse foi o tempo que ele gastou para construir o Canal de Suez. (CHIDSEY, 1970). 

Escavadora sendo usada nas obras de 1886.

Para piorar a situação veio à tona o Escândalo do Panamá em 1888, envolvendo superfaturamento, desvio de verbas, propinas e outros crimes de corrupção com a companhia responsável pela construção do canal. O próprio Ferdinand Lesseps estava envolvido, além de vários outros acionistas e sócios da empresa. As investigações seguiram pelos anos seguintes, mas as obras não foram totalmente suspensas. Lesseps foi destituído de cargo de engenheiro-chefe sendo substituído por Philippe-Jean Bunau-Varilla (1859-1940), que retomou as obras em 1889, entretanto, com a crise instaurada, as verbas foram cortadas, o que reduziu drasticamente o progresso das obras. Bunau-Varilla correu atrás de novos investidores. Mas basicamente o canal não progrediu na década seguinte. (MCCULLOGH, 2019).

Uma das sessões dos julgamentos do Escândalo do Panamá, em 1891. 

O Tratado Hay-Bunau-Varilla

Na década de 1890 as obras do canal ficaram meses parada. A França por conta do Escândalo do Panamá atrasou o repasse de verbas, já que as investigações se estenderam até 1893, iniciando depois as cobranças e penas. Por sua vez, os Estados Unidos e a Inglaterra cogitaram construir um canal próprio, mas na Nicarágua, mas ambos os países não chegaram a um acordo e o plano foi abandonado. (MCCULLOGH, 2019).

Em 1895 os franceses retomaram a escavação do Monte Culebra, que rendeu anos de trabalho pesado para abrir o canal por ele, devido a sua extensão de 12 quilômetros, fato esse que as obras somente foram concluídas pela administração americana. 

Obras no Monte Culebra em 1896. 

Em 1900 os EUA começaram a negociar com a Colômbia a possibilidade de assumir as obras do canal francês, mas na época os dois países estavam politicamente em desavença. Porém, a realidade mudou em 1902, quando o Panamá se emancipou da Colômbia. O governo americano viu uma oportunidade de ouro naquilo. O novo país precisava de dinheiro, então os americanos ofereceram 10 milhões de dólares para comprar o direito de construção e administração do canal. A cada ano após o canal estar funcionando, uma taxa seria paga ao governo panamenho. Assim, em 1903 foi assinado o Tratado Hay-Burnau-Varilla, em que o engenheiro francês Burnau-Varilla representou os interesses do governo panamenho. O tratado inclusive foi uma alteração do Tratado Hay-Herran, que anteriormente foi dirigido ao governo colombiano, enquanto esse ainda governava o Panamá. (MCCULLOGH, 2019).

Em 1904 foi criada a Comissão do Ístmica do Canal, responsável por supervisionar as obras. Ainda naquele ano teve início as obras promovidas pelas empresas americanas. 

Os americanos concluem o canal

Quando os Estados Unidos assumiram as obras do canal do Panamá, muita coisa teve que ser refeita para se continuar a construção. As obras anteriores estavam paralisadas há anos, levando ao assoreamento de várias partes que foram escavadas. Além disso, o projeto francês foi alterado também, o que demandou escavar novos caminhos.

Os americanos também enfrentaram uma série de problemas ambientais como os franceses haviam passado antes: calor de mais de trinta graus, fortes chuvas de inverno, surtos de malária, febre amarela, problemas de infraestrutura, atrasos no envio dos materiais que vinham dos EUA ou da Europa, falta de segurança do trabalho etc. 

O médico militar William Gorgas (1854-1920) foi enviado ao Panamá para executar medidas de combate a malária e a febre amarela. Na época foi foi descoberto que ambas as doenças eram transmitidas por mosquitos. Assim, Gorgas mandou que todas as casas e edificações nos canteiros de obras e acampamentos tivessem mosqueteiros, mandou fazer mais enfermarias e hospitais, além de checar poças d'água, charcos, lagunas, qualquer lugar em que houvesse água parada, evitando a proliferação dos mosquitos. As medidas surgiram efeito, diminuindo drasticamente o contágio. (ROESSER, 2020). 

O médico William Gorgas foi responsável por dirigir as medidas de combate a malária e febre amarela durante as obras americanas do Canal do Panamá. 

Devido ao grande empreendimento, as obras foram demoradas, levando quase dez anos para serem concluídas. As grandes eclusas foram escavadas a partir de 1909, além de que túneis de bombeamento e escoamento foram construídos para abastecer as eclusas. A água usada vem de sua maioria do lago Gatun, sendo em média necessário 48 milhões de galões de água (182 milhões de litros) para poder encher as eclusas enquanto os navios tem que serem subidos do nível do mar até a altura do nível do lago Gatun, que fica 24 metros acima do mar. (ROESSER, 2020). 

Foto de 1912 mostrando um dos trechos do canal.

Em 10 de outubro de 1913 o presidente Woodrow Wilson pressionou um botão simbólico na Casa Branca, dando comando para o enchimento do canal. Todavia, o mesmo somente foi inaugurado oficialmente em 15 de agosto de 1914, pois foram necessários meses para se fazer as finalizações das obras. O primeiro navio a atravessar o canal foi o SS Ancon, um navio americano de passageiros. 

O SS Ancon na reclusa de Miraflores em 1914. O primeiro navio a cruzar o canal do Panamá. 

A notícia da inauguração do canal do Panamá foi uma sensação na época, sendo veiculada em vários jornais do mundo, porém, a grande maravilha da engenharia moderna foi rapidamente ofuscada por conta da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), somente após essa foi que o canal passou a funcionar direito e receber a devida atenção. 

O canal é concluído

Após mais de trinta anos de obras entre os trabalhos realizados pelos franceses e americanos, finalmente em 1914 o canal do Panamá se tornou operante. O canal inicia na cidade de Colón no Oceano Atlântico, adentrando a Baía Lemon até as eclusas Gatun e Água Clara, as quais conduzem os navios para o Lago Gatun, onde as embarcações podem descansar e aguardar sua vez de prosseguir viagem até a Gamboa, que marca o início da outra parte do canal o Trecho Culebra que conduz ao pequeno Lago Miraflores, de onde se segue para as eclusas de Pedro Miguel, Miraflores e Cocoli, indo desaguar ao lado da cidade do Panamá, no Oceano Pacífico. Ao todo o canal possui 77 quilômetros de extensão, sem contar os trechos dentro dos lagos. 

Rota atual do Canal do Panamá, com as etapas apresentadas. 

Originalmente o canal quando foi inaugurado em 1914 ele possuía menos eclusas, mas à medida que ele se tornou mais movimentado e os navios cresceram bastante, o canal teve que ser alargado e novas eclusas como a Água Clara e Cocoli foram construídas. Se antes havia o problema de haver apenas uma via para entrar e sair, hoje já existem duas vias de cada lado do canal, o que permite que pelo menos quatro embarcações possam passar pelas eclusas por vez. 

De 1914 até 1999 o canal panamenho ficou sob administração dos Estados Unidos, até que naquele ano sua administração foi devolvida ao Panamá. Todavia, os EUA ainda possuem grande influência nas melhorias do canal, fato esse que em 2016 novas eclusas foram inauguradas.

Apesar das reformas de ampliação do canal, elas ainda não são suficientes para se adequar a demanda marinha mercante atualmente. Os grandes cargueiros não conseguem cruzar o canal, além disso, há casos de haver congestionamento de tentas embarcações, a ponto de se levar de 20 a 30 horas para realizar a travessia de 77 quilômetros. 

Cargueiro no padrão panamax (dimensões máximas estipuladas) na eclusa de Miraflores. 

NOTA: Estimasse que nos mais de vinte anos de construção do canal, pelo menos 22 mil trabalhadores morreram. A maior parte das mortes foi ocasionada por acidentes de trabalho, depois as vítimas de doenças, principalmente por malária e febre amarela. 

NOTA 2: Panamax é o nome dado aos navios que possuem as dimensões suportadas pelo canal do Panamá. Sendo assim, as maiores dimensões são: 225 metros de comprimento, 23 metros de largura (boca) e 8 metros de calado (profundidade). Em tais medidas já se incluem os valores de segurança, para evitar que a embarcação raspe nas laterais ou toque o fundo do canal. Todavia, após a reforma de 2016, os valores foram ampliados, criando-se a categoria neopanamax que permite que navios com 294 metros de comprimento, 32 metros de largura (boca) e 12 metros de calado (profundidade). No caso, os navios neopanamax somente podem passar pelas eclusas maiores, já que as demais seguem o padrão panamax. 

Referências bibliográficas:

CHIDSEY, Donald Barr. The Panama Canal. New York, Crown Publishers, 1970. 

MCCULLOGH, David. Un camino entre dos mares: la creación del Canal de Panamá. Madrid, Planeta Publishing, 2019. 

ROESSER, Marie. El Canal de Panamá. New York, Gareth Stevens, 2020. 

segunda-feira, 5 de junho de 2023

A invenção do Velho Oeste

O Velho Oeste (Old West), ou Oeste Selvagem (Wild West), ou Faroeste (Far west) são termos usados para se referir a uma época da história dos Estados Unidos ocorrida no século XIX, relacionada ao processo de colonização da fronteira ocidental. Entretanto, muitos estereótipos sobre esse período surgiram na literatura do final do XIX, mas ganharam destaque mesmo através do cinema, dos quadrinhos e mais tarde nos videogames. Condição essa que em geral a ideia que temos do Velho Oeste é baseada mais na midiatização daquela época do que realmente ela foi de fato. 

O Arizona é um dos estados cuja paisagem influenciou a estética do imaginário do Velho Oeste. 

O Velho Oeste antes do Velho Oeste

O período do Velho Oeste costuma ser definido como a época que vai de 1860 a 1900, embora alguns historiadores até mesmo apontem datas alternativas como 1850 a 1910, outros ainda recuam para as décadas de 1830 e 1840, de qualquer forma, a datação mais comumente aceita abarca a segunda metade do século XIX, que representou o grande aumento da população que habitava aquelas terras, o fim dos limites da fronteira ocidental, a própria modernização daquelas terras, com a chegada da ferrovia, fábricas, telégrafo, correios etc. (UDALL, 2004). 

Entretanto, a exploração e colonização do oeste da América do Norte não foi um processo que teve início no século XIX, mas foi algo bem mais antigo. A historiografia estadunidense usa o conceito de fronteira (frontier) para abordar a expansão das fronteiras dos Estados Unidos. Sendo assim, ainda no período colonial tivemos expedições exploratórias de ingleses, franceses e espanhóis desbravando o interior do que viria a ser os Estados Unidos séculos depois. Condição essa que em territórios como o Texas, Novo México e Califórnia, quando os estadunidenses chegaram no XIX, parte da população indígena e de colonos ali, já falavam espanhol e eram católicos. (UDALL, 2004). 

Divisão dos domínios europeus no que viria a ser futuramente o Estados Unidos da América. Pelo mapa observa-se os EUA em 1789, em cinza os domínios explorados ou reivindicados pelos espanhóis. 

A ideia de que o centro e o oeste da América do Norte era totalmente desconhecido para os europeus antes do XIX, não é exata. Os estadunidenses antes de iniciarem sua marcha colonizadora tiveram contato com mapas e informações dos espanhóis e franceses, e até de povos indígenas que mantinham relações amistosas com eles. É evidente que muitas terras ainda não tinham sido mapeadas, mas algumas regiões já eram melhor conhecidas e até possuíam assentamentos e missões jesuíticas

Os ingleses no tempo das Treze Colônias chegaram a disputar terras na região central, norte e sul do continente contra os espanhóis, os franceses e diferentes povos indígenas. Esses conflitos foram importantes para assegurar as fronteiras de suas colônias, assim como, abrir caminho para a expansão posterior, condição essa que quando os EUA se formou em 1776, consolidando sua independência só em 1783, houve o investimentos privado e público para explorar o interior do país, dessa forma os estados do Tennessee, Kentucky, Ohio, Illinois, Indiana, Missouri, Arkansas, Alabama, Mississipi e Michigan, entre as décadas de 1780 e 1820 foram sendo anexados ao novo país. (ESCOTT, 2002). 

Essa anexação ocorreu de diferentes formas: invasão de terras, guerra, revisão de fronteiras e até mesmo a compra de territórios. Por exemplo, em 1803, o presidente Thomas Jefferson comprou por 50 milhões de dólares, milhares de hectares do território hispano-francês da Luisiana, o qual era muito maior do que o atual estado da Luisiana. Um detalhe é que vários povos indígenas viviam nessas terras, e eles foram vendidos e tudo como parte do pacote. (ESCOTT, 2002).

A compra desses milhares de hectares pelo governo federal estadunidense incentivou expedições de colonização, mas também de exploração e até científicas. Uma das expedições mais famosas do período foi liderada pelos militares e exploradores Meriwether Lewis (1744-1809) e William Clark (1770-1838), os quais partiram em 1804 para mapear os rios Missouri, Oregon, Colorado, Colúmbia, entre outros. Lewis e Clark junto aos seus funcionários e escravos, percorreram milhares de quilômetros chegando até a costa noroeste, onde fundaram o Forte Clastop, no atual estado do Oregon. (UDALL, 2004). 

Mapa com a rota da expedição de Lewis e Clark para desbravar o oeste selvagem. 

A partir da consolidação das terras no centro do continente, a expansão prosseguiu cada vez mais pelo interior do oeste até a costa do Oceano Pacífico. O Texas, antes território espanhol, foi subtraído do controle do México, havendo batalhas por conta disso, algo visto na Guerra Mexicana-Americana (1846-1848). O mercado de peles, a caça, a busca por minas de ouro e prata, a expansão das fazendas de algodão e gado, impulsionaram o desbravamento do interior do continente. O governo americano da época inclusive passou por cima de acordos com os mexicanos, invadindo suas terras, além de invadir vários territórios de nações indígenas.

Mapa dos Estados Unidos entre 1845 e 1846. Em laranja os territórios reivindicados pelo governo, os quais estavam em processo de colonização. 

A corrida do ouro na Califórnia (1848-1853) ajudou a impulsionar a migração para aquela região, ainda pertencente ao México. Muitos colonos sonhadores com a esperança de descobrirem veios de ouro ou minas, arriscaram suas vidas e até investiram todo seu dinheiro naquela difícil empreitada. A maior parte dos que foram não enriqueceram como esperavam, no entanto, a corrida do ouro californiana foi importante para a ocupação daquelas terras, mais tarde reivindicada pelos EUA. Inclusive foi um episódio histórico que influenciou bastante as narrativas sobre o Velho Oeste. (ESCOTT, 2002). 

A baía de San Francisco por volta de 1850, durante a corrida do ouro. Antes uma vila, em poucos anos tornou-se uma cidade com mais de cem mil habitantes por conta da procura por ouro. 

Sendo assim, na década de 1850 o processo de colonização dos EUA do Oeste Selvagem já estava em andamento há vários anos e foi se intensificando. Ele deu uma pausa por conta da Guerra Civil Americana (1861-1865), mas retornou de forma intensa, quando o governo cedeu terras aos veteranos de guerra e até concedeu incentivos fiscais para a construção de fazendas, vilas e assentamentos. O sistema ferroviário também teve grande papel nessa nova onda migratória. Escott (2002) aponta que entre 1840 e 1880, pelo menos 350 mil pessoas viajaram do Leste para o Oeste, de trem. A maior parte eram estadunidenses e ingleses, mas havia colonos de outras nacionalidades também. 

Entre 1860 e 1861 foi estabelecido o sistema de correios chamado Pony Express. Embora tenha durado pouco, foi o primeiro projeto de uma linha de correio de longa distância, partindo do Missouri para a Califórnia, percorrendo mais de 3 mil quilômetros. O projeto acabou sendo abandonado quando os correios passaram a usar o telégrafo e as ferrovias. Ainda assim, seu legado permaneceu na história estadunidense.  

A rota do Pony Express, operante entre 1860 e 1861, a mais extensa linha de correios a cavalo. 

O imaginário do caubói

A ideia que temos hoje do Velho Oeste como um local marginalizado com muitos bandidos, brigas no saloon, duelos no meio da rua, o xerife como principal autoridade local, ataques indígenas, bandos de bandoleiros assaltando diligências e trens, uma terra de perigos e sem lei, na verdade não é bem assim. De fato, houve problemas como esses, mas em muitos casos eles acabaram sendo exagerados pela ficção, no caso, a literatura e o teatro tiveram grande papel nisso. 

Na década de 1860 a literatura deu o ponta-pé para a construção do imaginário midiático do Velho Oeste com diversas publicações de contos e romances curtos chamadas popularmente de dime novel, que incluía uma série de temáticas, entre elas, aventuras pelo Velho Oeste, acompanhando exploradores, caubóis, caçadores, soldados, bandidos, indígenas etc. Tratava-se de uma literatura barata e com linguagem popular, o que facilitava o acesso da população. (WRIGHT, 2001). 

Seth Jones foi personagem famoso das dime novel sobre o Velho Oeste, que ajudou na formação da figura do caubói.  

As dime novel acabaram influenciando o teatro e o circo, em que artistas incorporavam algumas dessas tramas e personagens para seus espetáculos apresentados no saloon, restaurantes, bares, teatros e até ao ar livre. Foi através desse folhetim barato que surgiu a figura de um novo tipo de herói, um "herói americano" do mundo rural e da natureza, o caubói. (ESCOTT, 2002). 

Basicamente o caubói equivale ao vaqueiro, boiadeiro, campino, entre outros termos, os quais são usados para se referir ao empregado de uma fazenda de gado que era responsável por vigiar, proteger, conduzir, capturar e contar as vacas e cavalos. Essencialmente essa era a função do caubói. Porém, com a literatura, o circo e o teatro da segunda metade do século XIX, essa função foi transformada e ganhou novas características, tornando o caubói em um herói, mas também em um vilão. 

Caubóis capturando um touro fugitivo na pintura The Herd Quitter, C. M. Russel, 1897. 

O caubói que comumente vemos no cinema, quadrinhos, desenhos e jogos é a figura romanceada da profissão de vaqueiro. Fato esse que muitos caubóis da ficção nem se quer exerciam seus afazeres na fazenda, mas se tornavam cavaleiros andantes, em busca de aventura, justiça, riqueza, fama, vingança etc., outros caubóis acabavam passando para o lado do crime, tornando-se bandidos. Além dessa dicotomia entre mocinho e vilão, o caubói também agregou na sua figura características do caçador, do aventureiro, do cavaleiro, do explorador, do soldado, do pistoleiro. 

Nas produções artísticas vemos caubóis agindo como justiceiros, policiais, xerifes, alguém que procura combater os vilões que aterrorizam uma fazenda, cidade ou região. Normalmente esse caubói age de forma solitária ou forma um pequeno grupo para executar sua missão. Por outro lado, o caubói herói costuma combater vários caubóis vilões, além de lutar também contra soldados, indígenas, caçadores, e outros tipos de inimigos. Inclusive foi a midiatização que associou os caubóis como hábeis atiradores, apesar que nem sempre eles portassem armas de fogo consigo. (WRIGHT, 2001). 

Charles M. Russel e seus amigos. Pintura feita pelo próprio Russel, 1922. O autor retratou-se como um caubói, pois ele admirava essa figura e esse estilo de vida. 

Buffalo Bill e o Show do Oeste

William Frederick Cody (1846-1917) nasceu em Iowa e passou vários anos vivendo pela região central e oeste dos EUA. Tendo atuado como caçador de búfalos, algo que lhe rendeu o apelido de Buffalo Bill. Ele também chegou a trabalhar como batedor do Exército, carteiro do Pony Express, comerciante, condutor, entre outros ofícios. Em 1883, então com seus 37 anos, ele decidiu mudar de ramo e tornar-se produtor cultural. Assim, ele convidou alguns amigos e conhecidos e montou um espetáculo circense itinerário.

Retrato de Buffalo Bill em 1911, o empresário e produtor cultural que difundiu o Velho Oeste. 

Buffalo Bill acabou se tornando um empresário visionário, e a partir de 1883, à medida que foi ganhando dinheiro com seu show, ele foi o tornando maior e mais impactante. Em 1886 seu espetáculo intitulado Buffalo Bill's Wild West já era o mais famoso do país, chegando a possuir dezenas de empregados, as vezes até mais de cem pessoas participavam dos espetáculos, principalmente quando havia a simulação de batalhas e desfiles de cavalaria. Buffalo Bill se tornou famoso e um rico empresário e produtor cultural. (KASSON, 2001). 

Um cartaz do show de Buffalo Bill, no ano de 1890. 

A fama do espetáculo de Buffalo Bill foi tão rápida que em 1886 ele recebeu convite para ir se apresentar na Europa, fato esse que ele fez uma turnê com alguns shows entre 1887 e 1892, visitando Inglaterra, França, Alemanha e Itália. Anos depois ele realizou uma segunda turnê pela Europa entre os anos de 1902 e 1906. Tal fato mostra como a fama de seu show alcançou reconhecimento internacional, pois mesmo em países que ele não chegou a viajar, o conheciam através dos jornais. (KASSON, 2001). 

A companhia teatral Buffalo Bill's Wild West esteve em atividade por vinte anos, a ponto que se tornou um marco da história dos Estados Unidos. Buffalo Bill contratou atores e até transformou batedores, caçadores, caubóis, soldados etc., em atores, ensinando-os atuação circense e teatral. Ele investiu massivamente nos figurinos, objetos teatrais e até em cenários. Em alguns espetáculos ele chegou a representar soldados de outras nacionalidades como cossacos, turcos, árabes e mongóis. 

O show da companhia de Buffalo Bill era uma superprodução mesmo para os padrões da época. O espetáculo chegava a durar de 3 a 4 horas, havendo vários atos que incluíam encenações circenses, apresentação a cavalo, disputas de tiro a alvo, corridas, rodeios, encenações teatrais, simulação de batalhas, apresentações musicais e de dança, e alguns casos poderia ter desfiles de cavalaria. Era um espetáculo marcado pela ação com momentos de comédia, suspense e drama. (KASSON, 2001). 

Desfile de cavalaria indígena do Buffalo Bill's Wild West durante o Cummis Indian Congress and Wild West Show, em 1901. 

Bill contratou indígenas, tendo uma parceria famosa com o chefe Touro Sentado. Seu espetáculo também ficou conhecido por dar espaço para as mulheres, havendo caçadoras e atiradoras que se tornaram personagens famosas como Calamity Jane, que se tornou o estereótipo da mulher durona do Velho Oeste, hábil atiradora e caçadora, um exemplo de cowgirl. Apesar que realmente suas habilidades não eram falsas, pois ela foi uma desbravadora e caçadora, aproveitando isso para se tornar atriz mais tarde. 

Calamity Jane, uma das atrizes mais famosas do Buffalo Bill's Wild West. 

O Buffalo Bill's Wild West influenciou toda uma geração de espetáculos do Velho Oeste, os quais seguiram em atividade até pelo menos a década de 1920, quando entraram em declínio. Esses espetáculos foram imensamente importantes para criar as ideias que temos sobre o xerife, o caubói herói, o caubói vilão, o indígena ingênuo, o indígena cruel, o bandido, o pistoleiro, a donzela em perigo, a cowgirl, o chefe indígena, o minerador, o mercador, o empresário, o dono do saloon, as dançarinas de saloon, entre outros personagens ligados ao imaginário do Velho Oeste. E isso tudo foi reaproveitado pelo cinema. 

O cinema western

O primeiro filme de western a ser lançado foi Kit Carson (1903), um curta-metragem em preto e branco e mudo, no qual o protagonista que dá título a produção, é capturado por indígenas e deve escapar. O filme era baseado em Christopher "Kit" Carson (1809-1868), militar e explorador que ganhou fama de caubói. Ainda naquele ano foi lançado outro filme de western, intitulado The Great Train Robbery (1903), filme de 12 minutos, preto e branco, mudo, o qual apresentava um assalto a um trem. O filme foi produzido pelo Edison Studios, produtora cinematográfica de Thomas Edison. (NACHBAR, 1974). 

Dessa forma o cinema western seguiu desenvolvendo-se ainda cedo no século XX, sendo bastante influenciado pela estética e imaginário dos shows de faroeste, em especial o do Buffalo Bill, que seguiu operante até 1913. Todavia, o cinema de western somente começou a ganhar fama na década de 1920, quando as produções deixaram efetivamente de serem curta-metragem, tornando-se filmes de longa-metragem, além de melhor produzidos e até filmados em cenários ao ar livre. Nessa época destacaram-se filmes como The Covered Wagon (1923) e The Iron Horse (1924), o primeiro grande sucesso do diretor John Ford, que ficou conhecido por seus filmes de western. 

Na década de 1930 surgiu o primeiro grande ator dos filmes de faroeste, John Wayne (1907-1979), o qual dedicou sua carreira ao cinema western, atuando de por mais de quarenta anos nesse gênero cinematográfico, tendo feito mais de cinquenta filmes. No caso, Wayne foi a referência para muitos autores que entraram no cinema western, já que ele influenciou as gerações de 30, 40, 50, 60 e 70, atuando até o declínio desse gênero de filmes. 

Cartaz do filme The Big Trail (1930), estrelando John Wayne, em seu primeiro grande papel no cinema. 

Os filmes de faroeste contribuíram massivamente para criar todo o imaginário perigoso e selvagem associado ao Velho Oeste, mostrando aquela região como corriqueiramente hostil, cidades pequenas com apenas uma rua, bandos de salteadores atacando constantemente, indígenas ateando fogo em fazendas e casas, caubóis altos, brancos e fortes, destemidos a salvar quem precisasse. Uma terra sem-lei e segurança.

Na prática não foi bem assim. Como dito anteriormente, realmente houve problemas de criminalidade, mas na segunda metade do século XIX, quando estourou as novelas e shows sobre o Velho Oeste, a vida nos estados ocidentais dos EUA já era diferente do que os espetáculos apresentavam. A ferrovia, o telégrafo e a imprensa já existiam em todos os estados, em diferentes cidades. Algumas cidades possuíam mais de 50 mil ou 100 mil habitantes. A lei não era frágil assim. Muitas tribos hostis tinham sido exterminadas ou foram pacificadas à força ou na diplomacia. Assaltos a bancos e trens não eram regulares. Caubóis não bancavam cavaleiros andarilhos e justiceiros. 

Muitos caubóis da região sudoeste eram imigrantes mexicanos, logo, nada de serem altos, tendo olhos azuis ou serem muito brancos. Além disso, eles cuidavam do gado nas fazendas estadunidenses. Soma-se o fato de que camelos foram empregados no Velho Oeste, mas raramente aparecem nos filmes, quadrinhos e jogos da temática. Os caubóis em algumas regiões eram proibidos de portarem armamento para evitar brigas. Duelos tinham sido proibidos em várias localidades. A polícia era mais presente do que costuma aparecer nos filmes. 

O imaginário do Velho Oeste em outros países

O cinema western reuniu tudo que foi desenvolvido no século XIX sobre o Velho Oeste e o potencializou criando todo um gênero cinematográfico próprio, imaginário popular, cultura visual, cultura identitária, além de ter influenciado os quadrinhos, novelas, seriados, desenhos e videogames. E isso se espalhou para outros países. Por exemplo, no México do começo do XX tivemos filmes de faroeste, em que os caubóis eram chamados de charro, palavra local para aquele ofício. Todavia, foi entre as décadas de 1950 e 1970 que o western mexicano se popularizou, tendo sido produzidos dezenas de filmes, inclusive alguns cômicos. 

Cartaz do filme Ahi viene Martin Corona (1952) um dos western mexicanos de comédia mais famosos. 

Em 1946 o quadrinista belga Morris (1923-2001) inventou o personagem Lucky Luke, um atrapalhado caubói. A revista apresentava uma sátira as histórias de faroeste e se tornou bastante popular na Bélgica, França e outros países europeus e no próprio EUA, ganhando até desenho animado. A partir de 1955 o quadrinista francês René Goscinny (um dos criadores de Asterix) passou a roteirizar as histórias de Lucky Luke, acrescentando mais elementos cômicos. 

Lucky Luke foi o primeiro quadrinho não estadunidense sobre caubóis a se tornar bem sucedido. 

Com a rápida popularidade de Lucky Luke, os italianos que eram amantes do western, decidiram fazer algo do tipo. O roteirista Gian Luigi Bonelli e o desenhista Aurelio Gallepenni criaram em 1948 o caubói aventureiro Tex Willer, que inicialmente surgiu no formato de tirinhas, com histórias curtas. Nesse começo ele era um fora da lei, posteriormente tornou-se um Texas Ranger passando a combater os crimes e injustiças. Originalmente as revistas do Tex eram em preto e branco, costume italiano, mas depois ganharam edições coloridas. Diferente de Lucky Luke com seu tom mais engraçado e satírico, as histórias de Tex eram voltadas para um público juvenil e adulto, com mais aventura, ação, suspense e mistério, além de tramas mais sérias. 

Uma arte de Tex Willer, um dos caubóis mais famosos dos quadrinhos. 

Os italianos entre as décadas de 1940 e 1970 foram grandes entusiastas de filmes de Velho Oeste, ainda mais se lembrarmos que o próprio Buffalo Bill apresentou seu show no país em 1897. Sendo assim, durante a popularidade do cinema western dos anos 1950 e 1960, surgiu o cinema spaghetti western, um termo irônico para se referir aos faroestes produzidos na Itália. 

O cinema italiano criou cidades cinematográficas na Itália e na Espanha para as tomadas externas. Inclusive várias localidades do sul espanhol por conta do clima mais árido foram usadas para simular serem regiões dos Estados Unidos. Atores americanos famosos como Lee Van Cleef e Clint Eastwood foram contratados para estrearem os faroestes italianos, o qual teve como um dos principais diretores Sergio Leone (1929-1989), que dirigiu a trilogia: Por um punhado de dólares (1964), Por uns dólares a mais (1965), Três homens e um conflito (1966), estrelada por Clint Eastwood no papel do Pistoleiro Sem Nome

Cartaz italiano de Três homens e um conflito (1966). Em inglês o título foi traduzido para The Good the Bad and the Ugly. 

Além dos mexicanos e italianos, outros povos também produziram filmes de faroeste como os espanhóis, franceses, alemães, ingleses, finlandeses, gregos, australianos, indianos, chineses, japoneses, tailandeses, brasileiros entre outros, mostrando como o gênero cinematográfico do western difundiu mundialmente um imaginário que criou uma visão fictícia do que foi o Velho Oeste.

NOTA: Longe Ranger ou Cavaleiro Solitário é um caubói que usava uma máscara como um super-herói. Ele apareceu em radionovelas em 1933, depois foi para o cinema e os quadrinhos. 

NOTA 2: Os jogos Red Dead Redemption (2010) e Red Dead Redemption 2 (2018) são considerados os melhores jogos sobre faroeste. 

NOTA 3: O cinema western ficou tão popular que subgêneros surgiram, havendo filmes que abordam comédia, horror, drama, ficção científica, pornografia, fantasia, artes marciais, narcotráfico etc. 

Referências bibliográficas:

ESCOTT, John. The Wild West. Oxford, Oxford University Press, 2002.

KASSON, Joy S. Buffalo Bill's Wild West: celebrity, memory and popular history. S. l, Hill & Wang, 2001. 

NACHBAR, John G. Focus on the Western. Pretince Hall, s.e, 1974. 

UDALL, Stewart L. The Forgotten Founders: rethinking the history of Old West. Washington, Shearwater Books, 2004. 

WRIGHT, Will. The Wild West: the mythical cowboy & social theory. London, Sage Publications, 2001.