Operante por mais de 100 anos, a linha férrea do Expresso do Oriente é uma das mais famosas do mundo, tendo inclusive se tornado inspiração para livros e filmes. Ela é lembrada por seu luxo, pois a maioria dos passageiros por muito tempo era de ricos, o que incluía nobres e milionários os quais num período em que a Ásia ainda era vista de forma bastante exótica, decidiam pegar um trem até à Turquia e de lá seguir por outros caminhos através do Oriente Médio, indo à Índia, China, Japão e Vietnã.
Cartaz do Expresso do Oriente de 1888. |
Eram tempos de neocolonianismo ainda, em que colônias europeias seguiam existindo na África e na Ásia, especialmente as de origem francesa, britânica e alemã. Por conta disso, habitantes desses países que tinham negócios internacionais tinham que viajar para as colônias, e em muitos casos viagens marítimas eram mais demoradas do que viagens de trem, com isso, empresas desses países começaram a construir malhas ferroviárias pela África e a Ásia, e no caso da empresa Compagnie Internationale des Wagon-Lits (CIWL), fundada em 1872 por Georges Negelmackers (1845-1895), ele tinha o ambicioso plano de construir uma rede férrea da França até a Indochina, como o Vietnã, o Camboja e o Laos eram normalmente referidos no século XIX.
Entretanto, o projeto de Negelmackers demorou nove anos para poder se concretizar, quando finalmente em 4 de outubro de 1883, foi inaugurada a linha Expresso do Oriente (Express d'Orient), saindo da estação Gare d'Est, em Paris, com destino a Giurgiu na Romênia. Naquele primeiro momento a linha ainda não ia diretamente para a Turquia. Ao chegar na Romênia os passageiros tomavam carruagens para pegarem outro trem até a Bulgária e de lá seguiam de navio para Istambul (na época ainda chamada de Constantinopla).
Apesar desse trajeto incompleto, o interesse por essa linha foi crescendo rapidamente por conta da acessibilidade a Áustria, fato esse que em 1885, trens diariamente partiam de Paris-Viena. Entretanto, a ida para Istambul ainda era complicada, demandando viagens de carruagem para pegar outros tens pela Bulgária. Uma mudança efetiva somente ocorreu em 1889 quando as estradas de ferro até Istambul foram finalmente concluídas. Dessa forma era possível pegar conexões da França à Turquia. Além disso, alguns dos passageiros usavam o Expresso do Oriente não necessariamente para irem à Ásia, mas para viajar pelo leste europeu, indo para cidades como Bucareste, Budapeste e Sófia. Curiosamente o expresso ganhou mais notoriedade por integrar a Europa central e oriental, do que com a Ásia, como Negelmackers havia planejado inicialmente.
Ilustração de 1884 mostrando o trem e um dos vagões do Expresso do Oriente. |
Dependendo do destino escolhido, a viagem pelo Expresso do Oriente poderia levar alguns poucos dias, já que o expresso fazia paradas nas capitais. Por conta disso, ele possuía vagões-leitos, inclusive uma especialização da CIWL. Esses quartos permitiam dormir de 1 a 3 pessoas. E havia variações na decoração deles. Lembrando que o expresso de 1883 a 1939 era um serviço voltado para a burguesia e a elite. Inclusive reis e rainhas chegaram a viajar nesses trens.
Até 1914 a linha ganhou alguns ramais os quais partiam de Bruxelas na Bélgica e de Berlim na Alemanha, que por sua vez se conectavam a linha principal que cruzava a Áustria, tendo Viena como principal parada. Todavia, com o advento da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), as viagens diárias e semanais foram suspensas.
A malha ferroviária do Expresso do Oriente de 1883 a 1914. |
Posteriormente na década de 1920 uma terceira rota foi criada, nomeada de Arlberg Orient Express, que partia de Paris seguindo para Zurique na Suíça, depois indo para Bucareste e Atenas. Dessa forma, as três rotas do Expresso Oriente ampliaram bastante suas possibilidades de paradas e países alcançados, chegando ao seu auge na década de 1930, antes de eclodir a Segunda Guerra (1939-1945), a qual novamente interrompeu as viagens de trem por seis anos.
Passado o terror e destruição da guerra, o Expresso do Oriente ainda assim não voltou a ver a fama e glamour de antes. Parte dos trilhos foram destruídos e demoraram para serem consertados. O ramal de Atenas foi bloqueado devido a guerra entre a Grécia e a Iugoslávia; e entre 1951-1952, a Bulgária entrou em conflito com a Turquia, interrompendo as passagens de trem. Para completar, com a expansão da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), a conexão com a Europa ocidental foi gradativamente sendo suspensa. Além disso, contratos com a CIWL foram cancelados e outras empresas passaram a operar o transporte das linhas do leste europeu, gerando problemas pela falta de qualidade dos serviços e atrasos recorrentes.
Dessa forma, na década de 1960, o Expresso do Oriente quase findou-se completamente, pois suas três rotas foram canceladas em 1962, sendo criada uma quarta rota chamada Direct Orient Express, a qual realizava o trajeto Belgrado-Istambul ou Belgrado-Atenas, mas a cada duas semanas. Algumas viagens de Paris-Istambul também ocorriam de forma irregular. Devido a grande queda nas viagens de trem, a CIWL decidiu vender seus direitos sobre o Expresso do Oriente em 1971, focando-se em produzir vagões e administrar outros negócios.
Em 1977 outras companhias assumiram o expresso, mas tendo interrompido as viagens para Istambul, sendo a última realizada em 19 de maio daquele ano. Dessa forma, as viagens que se seguiram nas décadas seguintes se limitaram ao trechos Paris-Viena, Paris-Budapeste e as vezes Paris-Bucareste. Atualmente o Expresso do Oriente ainda existe, mas sem ter sua fama do passado, consistindo numa linha que vai de Paris à Viena, a qual saí regularmente à noite. Por sua vez, a linha Simplon Orient Express que vai para à Itália, ainda está em funcionamento, sendo mais cara e luxuosa.
As rotas do Expresso do Oriente de 1883 a 2009. |
NOTA 2: O romance O Expresso Oriente (Stamboul Train) foi publicado em 1932, tendo sido escrito por Graham Green, e aborda uma viagem por essa rota. É um dos livros mais conhecidos desse autor.
NOTA 3: O romance Assassinato no Expresso do Oriente (1934) de Agatha Christie é provavelmente o livro mais famoso a abordar essa linha. A própria autora viajou por esses caminhos quando acompanhou seu marido à Ásia. A história ganhou adaptações para o cinema e os quadrinhos, em temos o detetive Hercule Poirot investigando um assassinato ocorrido durante a viagem.
NOTA 4: No livro Moscou contra 007 (1957), James Bond viaja de Istambul para Veneza pela rota Simplon Orient Express. Isso é retratado também no filme baseado nesse livro.
NOTA 5: No jogo de investigação The Raven: Legacy Master of Thief (2013), a primeira fase ocorre abordo do expresso.
Referências bibliográficas:
COOKRIDGE, E. H. Orient Express: The Life of the World's Most Famous Train. London, [s. e], 1979.
WIESENTHAL, Maurício. Orient-Express: El tren de Europa. Madrid, Editora Acantilado, 2020.
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