sexta-feira, 14 de junho de 2024

O Ford T e a popularização do automóvel

Em junho de 1924 o Ford modelo T havia chegado a marca de venda de 10 milhões de unidades. Isso ocorreu há um século, marcando o primeiro automóvel a atingir essa patamar na História. Isso também foi reflexo da política econômica de Henry Ford de tentar baratear o máximo possível o custo de produção de seu carro, no intuito de torná-lo acessível aos consumidores americanos, assim como, tentar monopolizar a o mercado automobilístico dos Estados Unidos. 

Introdução

Henry Ford (1863-1947) era o filho mais velho do irlandês William Ford e da belga Mary Litogot Ford. O casal mudou-se para o interior do Michigan, comprando uma pequena fazenda, tendo ao todo cinco filhos. Ainda criança, Henry se interessou por máquinas, mais tarde por tratores e locomotivas, isso despertou seu interesse para estudar engenharia e se tornar inventor. Condição essa que aos 16 anos ele deixou a fazenda da família e mudou-se para Detroit, passando a trabalhar como mecânico em diferentes funções, revelando seu gosto por isso. (BAK, 2003). 

Nos anos seguintes Ford se especializou na manutenção e conserto de aparelhos, máquinas e motores. Aos 25 anos casou-se Clara Jane Bryant e passou a comandar alguns negócios da fazenda da família e até montou uma serraria para ele, porém, como ele relatou mais tarde em seus livros, aquilo tudo foram projéteis temporários, pois seu interesse não era a agricultura, mas a indústria. Entretanto, lhe faltava capital para montar sua fábrica. Naquele tempo Ford tomava como inspiração empresários como George Westinghouse e Thomas Edison, condição que ele chegou a trabalhar nas empresas de ambos. (BAK, 2003). 

No ano de 1890 ele assumiu o cargo de engenheiro-maquinista na Edison Illuminanting Company, emprego que manteve pelos anos seguintes, permitindo-o aperfeiçoar seu conhecimento em engenharia mecânica e até fazer alguns inventos. Foi nesse período, por volta de 1896, que ele começou a demonstrar maior interesse em automóveis. Esse entusiasmo foi bastante avassalador, levando-o a ter a ideia de fundar uma fábrica de carros, algo que se realizou com a Detroit Automobile Company (DAC), fundada em 1899. No entanto, problemas com os investidores, vendas baixas e veículos de qualidade ruim, levaram a empresa falir dois anos depois. 

Ainda tentando se manter no mercado de automóveis, Ford fundou a Henry Ford Company em 1901, empresa destinada ao mercado de carros de corrida, algo que despontava na Europa, mas ainda era pouco popular nos Estados Unidos. Os acionistas não gostaram da ideia e se colocaram contrários a Ford. Como ele não detinha a maior parte das ações, o conselho o demitiu. A empresa foi fechada em 1902, mas parte do capital, instalações e funcionários foram realocados para outra empresa, chamada de Cadillac(BAK, 2003). 

Apesar de todo o cenário negativo, Henry Ford ainda acreditava em seu sonho de investir em carros de corrida, assim, ele conseguiu o apoio de 11 investidores e um capital inicial de 28 mil dólares e fundou a Ford Motor Company em 1903, sua terceira fábrica de carros. Na época ele contava com 40 anos de idade. Dessa vez sua empresa deu certo, pois os carros de corrida começaram a chamar atenção, porém, a empresa somente alavancaria quando o Modelo T foi lançado cinco anos depois. (BAK, 2003). 

Surge o Modelo T

No ano de 1908 o empresário Henry Ford já possuía uma reputação razoável no ramo automobilístico americano por conta de seus investimentos nas corridas, além de fabricar também caminhões e tratores. Porém, o setor de carros comuns ainda era pouco explorado pela companhia, mas Ford estava interessado em mudar essa realidade. Naquele tempo sua proposta era aumentar a quantidade de automóveis circulando pelas ruas de Detroit e depois do restante dos Estados Unidos. À medida que mais estradas eram feitas e mais postos de gasolina eram fundados, isso facilitava a circulação de automóveis, era a hora de dirigir o capital de sua empresa para esse mercado. 

Assim, em parceria com os engenheiros Childe Harold Willis, Joseph A. Galamb e Eugene Markas, foi apresentado em 1 de outubro de 1908 o Ford Modelo T, um carro de passeio, com quatro portas, tipo sedan, pesando cerca de 1.800 kg, possuindo 20 cv, com velocidade máxima de 75 km/h, tendo duas marchas. O Modelo T era o sucessor do Modelo N (1906-1908), tratando-se assim de uma versão melhorada de seu antecessor. (MCLLALEY, 1994). 

Ilustração do Modelo T de 1908 para uma propaganda, destacando sua alta qualidade e o baixo valor de compra. 

O Ford Modelo T foi produzido de 1908 a 1927, tendo sido melhorado nesse período, porém, as primeiras versões do veículo eram parecidas com o Modelo N, mudando basicamente o fato de ele ter mais potência e ser um pouco mais pesado. Além disso, seu custo de produção era entorno de 850 dólares, valor que cairia consideravelmente nos anos seguintes. (MCLLALEY, 1994). 

O Fordismo

No intuito de baratear o custo de produção, assim como, acelerar a fabricação de automóveis, Henry Ford decidiu fazer mudanças no processo de fabricação, adotando a linha de montagem para isso em 1913, de forma experimental. A partir das ideias do Taylorismo, forma de administração e divisão do trabalho empregado em fábricas até então, Ford as adaptou para a linha de montagem, fazendo uso de esteiras e criando todo um processo de etapas. Os operários se especializariam apenas em determinadas etapas. Além disso, as fábricas foram construídas ou reconfiguradas para se adequar a linha de produção de forma a maximizar o tempo gasto na fabricação de cada veículo. Para Ford tempo era dinheiro, quanto mais rápido se produzisse um automóvel, logo ele estaria à venda, assim, o capital investido seria recuperado e os clientes poderiam usufruir do produto. (GOUNET, 1992). 

Fotografia de 1913 mostrando uma linha de montagem da Ford. 

O Fordismo como ficou conhecida essa mudança na organização do trabalho fabril, foi uma pequena revolução industrial, sendo adaptado para outros tipos de produtos e até hoje utilizado com algumas diferenças. Assim, graças a implementação da linha de montagem, em 1914, o Ford T passou a ser produzido massivamente, o que atraiu a atenção de outros países. E a exportação do veículo também foi alavancada pela Primeira Guerra Mundial (1914-1918), quando a Ford Motor Company conseguiu contratos com o governo americano para produzir caminhões e outros veículos. (GOUNET, 1992). 

Em 1916, já em meados da guerra, o Modelo T seguia sendo o carro mais vendido dos Estados Unidos. Seu preço de custo era em torno de 360 dólares, um valor bastante baixo para os padrões da época, condição essa que Henry Ford mais tarde mandou subir o pagamento de seus operários para 5 dólares a hora, o que duplicou os ganhos deles. A decisão foi bem quista na indústria, mas também fazia parte dos interesses de Ford na disputa pelo senado em Michigan em 1918. (GOUNET, 1992). 

Além disso, outra mudança que surgiu com a adoção da linha de montagem, foi a supressão da opção de cores. Até 1918 existiam modelos T vendidos em diferentes cores, porém, para baratear o processo e torná-lo mais rápido, Henry Ford ordenou que a partir daquele ano todos os carros comumente seriam vendidos na cor preta. Os que quisessem outra cor, deveria pagar bem mais caro. Assim, modelos T nas cores verde, marrom, vermelho, entre outras, eram exemplos de carros de luxo. Não obstante, essa decisão tomada por ele não agradou seu filho Edsel Ford (1893-1943) que se tornou presidente da empresa em 1919. (BAK, 2003). 

Edsel Ford defendia que a empresa deveria fabricar veículos com características e itens diferentes para atrair consumidores, algo que despontou na década de 1920, mas Henry foi contra isso, permitindo raras exceções. O Modelo T praticamente não foi alterado na sua forma de fabricação e componentes por mais de quinze anos, pois atendia os requisitos de Henry de torná-lo assim um carro barato e rápido de ser produzido. Porém, após a guerra o mercado automobilístico passava por mudanças. (BAK, 2003). 

O Ford T se espalha pelo mundo

Dessa forma, com a disseminação da guerra na Europa, outras nações europeias passaram a fazer uso de veículos da Ford. Consequentemente alguns países das Américas também se interessaram por tais automóveis. No Brasil, a Ford se tornou a primeira empresa de automóveis a fundar uma fábrica no país, inaugurando-a em 1919, para produzir carros e caminhões. (MCLLALEY, 1994). 

Na década de 1910 a Ford detinha pelo menos 60% do mercado de automóveis dos Estados Unidos, o que significa que mais da metade de todos os carros produzidos e vendidos no país era um modelo da Ford Motor Company. E essa popularidade ainda se manteve em alta. Em 1924 o modelo T chegou a marca histórica de 10 milhões de unidades vendidas no mundo, sendo o primeiro automóvel a atingir esse patamar. E até o fim da sua linha de produção, em 1927, o modelo T vendeu mais de 15 milhões de unidades, valor também impactante, pois em três anos mais de cinco milhões de veículos foram vendidos, o que revela a popularidade do Ford T pelo mundo. (MCLLALEY, 1994). 

Exemplar de Ford Modelo T na cor verde, em versão de 1924, ano que o modelo alcançou 10 milhões de vendas. 

Apesar das altas vendas do Modelo T em meados da década de 1920, Esdel Ford e outros acionistas não estavam satisfeitos com isso. O Ford já não era o carro mais vendido nos Estados Unidos, seu principal mercado consumidor, além disso, outras empresas automobilísticas tinham adotado a linha de montagem, além de inovações como veículos mais rápidos, mais confortáveis, com designer mais bonito e até mesmo a adoção de formas de financiamento e parcelamento para a compra dos automóveis, pois Henry Ford era adepto de se comprar carros à vista ou em poucas parcelas. Mas a economia havia mudado após a Grande Guerra, e era necessário se adequar a realidade. 

Assim, em 1926, Edsel Ford convenceu o pai a investir no sucessor do Modelo T, surgindo o Modelo A (1927-1931), o novo modelo apresentava variedades nas cores (algo rejeitado anteriormente no modelo T), além de diferentes estilos, havendo o sedan, o coupé, o tudor, o conversível, o roadster, a picape etc. Assim, o Modelo A conseguiu em poucos anos vender quase um quinto de unidades vendidas pelo Modelo T em 19 anos, revelando-se uma decisão acertada de Edsel Ford. (BAK, 2003). 

Apesar disso, não podemos negar que o Ford Modelo T marcou a história da indústria automobilística por ter sido o veículo responsável por popularizar a linha de montagem e ter se tornado o primeiro carro a ser produzido em massa e alcançar o patamar de "carro popular", por ser de baixo custo e acessível aos padrões econômicos da época. 

Referências bibliográficas: 

BAK, Richard. Henry and Edsel: The Creation of the Ford Empire. Hoboken, Wiley, 2003. 

GOUNET, Thomas. Fordismo e Toyotismo na civilização do automóvel. São Paulo, Boitempo, 1992. 

MCLLALEY, Bruce W. Model T Ford: The Car That Changed the World. Iola, Krause Publications, 1994. 

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