quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

A Sentença de Sócrates

Sócrates, um dos filósofos antigos mais famosos da História. Conhecido como o grande sábio da Antiguidade. Para alguns o fundador da Filosofia Ocidental, e fonte de expiração para muitos filósofos de vários países e épocas distintas. No entanto, este que uma vez fora chamado de "o mais sábio dos homens" ainda é um mistério para os historiadores de hoje. Muito pouco se sabe da vida deste ilustre homem. Por incrível que pareça o mais famoso dos filósofos gregos antigos, nunca deixou nenhum documento escrito sobre seus ensinamentos e pensamentos. Alguns sugerem que Sócrates, não sabia ler e nem escrever. O que se tem hoje como sendo atribuído a sua pessoa, parte dos relatos de filósofos como Platão, Xenofonte e Aristófanes.

"Sócrates é conhecido através de Aristófanes, que o denigre sob uma visão caricatural; de Xenofonte, que nos oferece dele uma imagem simplista; e de Platão, que lhe dá uma estatura fundamental na história da filosofia". (LAROUSSE, 1998, p. 5438).

A respeito desta contribuição posta por Platão a imagem de Sócrates, alguns historiadores sugerem que talvez Sócrates nunca teria existido, que esse teria sido uma personagem criada por Platão. Não obstante, há quem defenda que ele realmente existiu. E sendo assim, neste artigo não irei me focar a respeito de sua vida que se pouco se conhece ou de seus ensinamentos. Me prenderei a fazer um relato do julgamento o qual Sócrates fora condenado por crimes de Estado contra a cidade e o povo de Atenas.

Pelo pouco que se sabe de sua vida, Sócrates, nasceu em Atenas, por volta de 470 a.C ou 469 a.C. Tendo sido filho do escultor Sofronisco e da parteira Fenareta. Desse ponto em diante nada mais se sabe ao certo sobre sua vida. Sócrates só se tornou um homem conhecido em sua época, durante sua velhice. Quando passou a mendigar pelas ruas, e a ensinar quem quisesse ouvir seus ensinamentos dos quais formariam o Método Sócratico. De fato ele não fora o primeiro filósofo da Grécia, mas sua contribuição fora quem impulsionou os filósofos seguintes a desenvolver a filosofia grega.

"[...] o filósofo teria empenhado, a partir dos 40 anos, na reestruturação moral de seus concidadãos. Passou então a viver nas ruas de Atenas ensinando a virtude e a sabedoria. Não aceitava pagamento por isso e tão pouco aceitou cargos públicos". (LAROUSSE, 1998, p. 5438).

Platão segundo Rafael Sanzio
Em meio a sua velhice, onde sua fama se perpetuava por toda a Atenas, havia aqueles que o consideravam um perturbador da ordem civil. Sendo assim Sócrates acabou sendo condenado por crime de calúnia, perante os cidadãos atenienses. E é nesse fato, que irei descrever a seguir como ocorreu seu julgamento, mediante aos relatos de Platão  sobre este acontecimento. A respeito de sua condenação, o próprio filósofo diz de acordo com o relato de Platão, que era acusado não somente por crimes recentes, mas também por supostas desavenças no passado, nas quais seus acusadores se uniram para levar a fim o julgamento dele. Dentre os acusadores de Sócrates, estavam ilustres homens de sua época, os quais o acusavam de desvirtuar os jovens, de ser espião dos inimigos, e de possivelmente, está adorando outros deuses, os quais não fossem próprios dos gregos. No caso de desvirtuar os jovens, era pelo fato dele ensinar-los a chamada filosofia, a qual concebia a razão como resposta para determinados acontecimentos mundanos e humanos, não sendo estes totalmente ligados a vontade dos deuses.

"Entre esses, arremessaram-se contra mim Meleto, Anito e Licon: Meleto pelos poetas, Anito pelos artífices, Licon pelos oradores". Platão.

"É mais ou menos assim: Sócrates comete crime corrompendo os jovens e não considerando como Deuses os Deuses que a cidade considera, porém outras divindades". Platão.

A respeito das acusações e daqueles que o acusavam, Sócrates teria dito o seguinte:

"Porque muitos dos meus acusadores têm vindo até vós há bastante tempo, talvez anos, sem jamais dizerem a verdade; a esses eu temo mais do que a Anito e aos seus companheiros, embora também sejam temíveis esses últimos". Platão.

"Nunca, ao menos, falei de dinheiro; igualmente me presto a me interrogar os ricos e os pobres, quando alguém, respondendo, quer ouvir o que digo, e se algum deles se torna melhor, ou não se torna, não posso ser o responsável pois que não prometi, nem dei, nesse sentido, nenhum ensinamento". Platão.

Outro ponto interessante que Platão escreve sobre o julgamento de seu mentor, é a respeito da famosa ideia na qual Sócrates quanto tendo visitado o Oráculo de Delfos (ver foto), a onde ao conversar com a sacerdotisa pitonisa, este pergunta para ela quem era o mais sábio dos homens. Então a pitonisa diz que o mais sábio dos homens era ele mesmo. Mesmo diante de tal afirmação Sócrates ainda haveria de ter ficado em dúvida, então teve uma ideia. Este baseado na frase a qual se encontrava diante do templo do Oráculo "Conhece-te a ti mesmo" (γνῶθι σεαυτόν), teria partido em busca de respostas, para saber se realmente o que a sacerdotisa dissera era verdade, e se Apolo tinha razão em se dizer isso a sacerdotisa para comunicá-lo.

De volta a Atenas, este se pôs a entrevistar e conversar com alguns dos mais ilustres homens de diferentes ofícios a fim de levar a cabo sua missão de saber quem era o mais sábio.

"Depois dos políticos, fui aos poetas trágiosc e, dos ditirâmbicos fui a outros, convencido de que, entre esses, eu seria de fato apanhado como mias ignorante do que eles. Tomando, pois, os seus poemas, dentre os que me pareciam os mais bem feitos, eu lhes perguntava o que queriam dizer, para aprender também alguma coisa com eles". Platão.

"Em poucas palavras direi ainda, em relação aos trágicos, que não faziam por sabedoria aquilo que faziam, mas por certa natural inclinação e intuição, assim como os adivinhos e os vates; em verdade, embora digam muitas e belas coisas, não sabem nada daquilo que dizem". Platão.

"Por fim, também fui aos artífices, porque estava persuadido de que, por assim dizer, nada sabiam e, ao contrário, tenho que dizer que os achei instruídos em muitas e belas coisas. Em verdade, nisso eu me enganei: eles, de fato, sabiam aquilo que eu não sabia e eram muito sábios do que eu". Platão.

Sócrates quando termina de fazer suas investigações, chega a conclusão que a sabedoria é algo difícil de ser explicada. Todos os homens que ele entrevistou, eram sábios e gênios em suas determinadas áreas de atuação, porém eram tolos e ignorantes a respeito de outros assuntos. E nesse ponto ele teria pronunciado sua famosa frase "Só sei que nada sei".

No entanto mesmo chegando a tais conclusões, e levantando outras, que puseram os magistrados e juízes em "maus lençóis" devido ao fato de este questionar o modo de como estava se processando aquele julgamento, a sentença de Sócrates acabou dando a pena de morte. No entanto. Ouve antes disso, a decisão de que ele pudesse ser sentenciado a pagar uma multa para o Estado, no entanto, o filósofo disse que era pobre e não tinha dinheiro, a final ele ficava mendigando e vivendo de favor. Outros levantaram a hipótese de este ir para o ostracismo (exílio politico), sobre a forte imposição de que este não poderia mais ensinar em lugar algum sua filosofia. Porém sobre isso Sócrates, diz que não poderia cumprir. Mesmo que ele fosse mandado embora para bem longe, ainda continuaria transmitindo seus ensinamentos.

"Ora, é possível que alguém perguntasse; - Sócrates, não poderias viver longe da pátria calado e em paz? Eis justamente o que é mais difícil fazer e aceitar a alguns dentre vós: Se digo que seria desobedecer ao Deus e que, por essa razão, eu não poderia ficar tranquilo, não acreditareis em mim, supondo que tal afirmação é, de minha parte, uma fingida ingenuidade". Platão.

Para Sócrates, o dom da filosofia e da razão fora lhe dado pelos deuses, sendo assim em que mal haveria ele de fazer isso, se os deuses lhe concederam esta oportunidade? Por outro lado, ele lembra que os deuses também concederam aos homens, o ato de matar, roubar, destruir, e outros sentimentos egoístas, e nem por isso, eles acabaram com todos.

E sobre tal argumento, os juízes questionam Sócrates, sobre qual sentença seria a melhor para ele. E nesse ponto ele chega a ser sagaz e até mesmo sarcástico. Sócrates diz que sua sentença seria a absolvição plena e sua inocência. E por fim ele queria ser tratado como um dos vencedores dos Jogos Olímpicos. Nessa época o vencedor das Olimpíadas, era tratado como um herói, tendo estátuas suas construídas pela cidade, além de ser bancado pelo próprio Estado, que custeava sua alimentação, moradia e todos outros gastos seus, o isentando dos impostos.

Nesse caso, ele diz que se, um homem que vence uma corrida a pé, uma corrida de bigas, atira dardos e discos a longas distâncias, e vence lutas de pancrácio, pode ser sustentado pelo Estado, mesmo sendo este um homem rico. Então porque, ele que é um homem pobre, que passou sua vida, transmitindo o conhecimento e a verdade, não pode ter o mesmo beneficio?

No entanto, os juízes acabam o sentenciando ao crime de morte. E antes de isso vir acontecer, lhe perguntam o que ele achava de ser condenado a morte.

"Mas, ó cidadãos, talvez o difícil não seja fugir da morte. Bem mais difícil é fugir da maldade, que corre mais veloz que a morte. E agora eu, preguiçoso como sou, e velho, fui apanhado pela mais lenta, enquanto os meus acusadores, válidos e lépidos, foram apanhados pela mais veloz: a maldade". Platão.

"Porque morrer é uma outra destas duas coisas: ou o morto não tem absolutamente nenhuma existência, nenhuma consciência do quer que seja, ou, como se diz, a morte é precisamente uma mudança de existência e, para a alma, uma migração deste lugar para o outro". Platão.

Nesse caso, mais uma vez mantendo o bom humor, Sócrates diz que se ele tem que ir para o Hades (nesse caso me refiro ao inferno e não ao deus em si), pelo menos lá ele poderá conhecer e conversar com os ilustres homens do passado. Ele poderá conversar com Homero, Hesíodo, Orfeu, Agamêmnon, Aquiles, Menelau, Ajax, Odisseu e tantos outros heróis, reis, e grandes homens. Então se ele diz que se isso realmente for possível, para ele está tudo bem.

Com isso, Sócrates retorna para sua cela, aguardando o dia de sua morte. Durante este tempo, seus discípulos haveriam de ter planejado sua fuga, mas o próprio filósofo teria se recusado a fugir. Já que para ele, que se considerava inocente, fugir naquele momento, só iria refutar sua culpa para aqueles que o acusavam.

A morte de Sócrates. 
Em 399 a.C, em uma cela de prisão na cidade de Atenas, Sócrates acompanhado de seu discípulos, era finalmente sentenciado por seus crimes, a beber veneno feito da cicuta. Na imagem acima que retrata tal acontecimento, nota-se que todos os demais homens que estão ali estão muito tristes e se lamentam. No entanto Sócrates mantêm a calma até nesse último momento. Dizem que ele teria mandado seus discípulos pararem de chorar, por que afinal aquilo não era o fim de tudo, e ele iria para um lugar melhor. Naquele momento, eles deveriam estar orgulhosos de seu mestre e do que ele fez em vida. E quanto a morte, isso chega para todos um dia.

"A vida e o pensamento de Sócrates fascinaram os filósofos ocidentais e suscitaram uma admiração quase mística em Rousseau, Kant e Hegel, ao mesmo tempo que uma rejeição exemplar em Nietzsche, que via nele o aniquilador do mito em nome da razão". (LAROUSSE, 1998, p. 5438).

NOTA: O nome pitonisa, advém da mitologia. De acordo com esta, Hera havia enviado a serpente gigante Piton para devorar a deusa Leto, mãe de Apolo e Artémis, no entanto Apolo matou a tal serpente com suas flechas. E teria criado um evento esportivo, os Jogos Piticos para se celebrar tal vitória, e os homens teriam erigido um templo em sua homenagem em Delfos, passando as sacerdotisas se chamarem pitonisas.
NOTA 2: O ostracismo fora criado por Clístenes, o Pai da Democracia.
NOTA 3: Hades pode ser tanto referir-se ao deus do inferno, como ao Inferno em si.
NOTA 4: Para os antigos gregos quando se morria a alma não ia para o Céu (Urano), já que este era a morada dos deuses. Esta ia para o Inferno (Hades). No entanto havia um paraíso para os mortais, chamado de Campos Elísios, o qual ficava também no Hades.
NOTA 5: O pancrácio seria o ancestral do boxe moderno.

Referências bibliográficas:
Grande Enciclopédia Larousse Cultural. São Paulo, Nova Cultural, 1998.
http://virtualbooks.terra.com.br/freebook/didaticos/Apologia_de_Socrates.htm

LINK:
Apologia de Sócrates para download: Tradução em português disponível no site do Domínio Público.

Nenhum comentário:

Postar um comentário