Os movimentos nazi-fascistas
e a eclosão da II Grande Guerra
Lier Pires Ferreira1
1 – INTRODUÇÃO
O curto período situado entre as duas grandes
guerras mundiais assinalou, no cenário global, o surgimento de novos pólos de
poder. Em detrimento das antigas e tradicionais potências européias,
especialmente França e Inglaterra, emergem novos protagonistas representados
pelo Japão e, muito especialmente, pelos Estados Unidos, em virtude do alto
grau de desenvolvimento de suas forças produtivas e pelo significativo poder
relativo de suas forças militares. Este período marca, igualmente, o surgimento
da primeira alternativa vitoriosa ao modo capitalista de organização social em
nosso século. A Revolução bolchevique de l9l7 constituiu-se, por mais de sete décadas,
como o principal marco de referência para aqueles que, em alguma medida, pautam
seus caminhos na história das sociedades pelo sonho da construção de relações
humanas mais justas e igualitárias.
Assim, até um passado ainda recente, o mundo
viveu sob a égide de dois sistemas de configuração social não apenas
conflitantes, mas, em muitas medidas, diametralmente opostos. De um lado, a
estruturação societária capitaneada pelos Estados Unidos, conhecendo o fortalecimento
de uma sociedade liberal (l) com seus valores de liberdade individual,
política, religiosa e econômica. De outro, a construção socialista, de
inspiração soviética, com sua tentativa de superar as relações de exploração,
dependência e alienação que marcam as sociedades capitalistas.
Em meio a esses dois pólos, o entre - guerras assistiu também a instalação de uma profunda
crise nas sociedades liberal-capitalistas, especialmente aquelas localizadas na
velha Europa. Esta crise foi distintamente sentida pelos principais países do
continente. Nos que emergiram vitoriosos do primeiro grande conflito mundial,
como Inglaterra e França, a crise, apesar de sua intensidade, não chegou a
alterar a estrutura política, que continuou a se guiar pelos princípios da
democracia liberal. Em outros termos, isso significou que a crise foi assimilada
por esses países, não tendo chegado a provocar transformações de grande lastro
em sua estrutura sociopolítica e de apropriação econômica.
Em outro extremo temos aquelas nações que, por
diferentes motivos, não só foram alijadas de quaisquer benefícios oriundos do
conflito, mas que, para além das graves conseqüências globais da crise de 29,
tiveram que arcar com os custos econômicos, políticos e morais da Guerra. No
primeiro caso temos países como Portugal, Espanha, Hungria e Itália, no segundo,
a Alemanha. Nestes países, a crise, se não acarretou profundas mudanças em sua estrutura
sócio-econômica, provocou graves alterações em seu sistema político. Aqui, a superação
desta grande convulsão dos anos vinte e trinta só se deu com a instalação de movimentos
revolucionários (2) que, por meio de regimes fortes e
totalitários, procuraram garantir uma determinada ordem capitalista. Os dois
principais exemplos destes movimentos na Europa foram o fascismo e o nazismo,
respectivamente na Itália de Benito Mussolini e na Alemanha hitlerista, onde
mais do que recuperar as fissuras provocadas pela Guerra e pela crise econômica
global, objetivavam superar as limitações estruturais destas sociedades de
unificação recente e industrialização tardia e graves desequilíbrios na ordem
sóciopolítico e produtiva interna.
2 - AS ORIGENS DO FASCISMO:
Em seu trabalho sobre o fascismo, H. R.
Travor-Roper remonta as origens deste fenômeno de poder típico do entre - guerras aos primórdios da reação conservadora (3) do século
XIX, quando, em oposição à burguesia triunfante: "the old élite of Europe,
the aristocracy, the landlords, the established churches, and their theorists,
nursed their wounds and meditated revenge on the upstart bourgeoisie which
seemed everywhere to have triumphed over them." (cf. H. R. Travor-Roper,
in: The Phenomenon of Facism, pp. 22).
Não obstante estas raízes remotas, como
movimento positivo - ou dinâmico como denomina Roper - e como regime político,
o fascismo origina-se na Itália, na década de vinte como resposta estratégica à
crise e a alternativa socialista. A história do fascismo está intimamente
ligada às condições vividas pela Itália após o conflito de l9l4.
Estruturalmente deficiente, preterida pelos vencedores na mesa de negociações
do tratado de Versalhes, desprovida da ajuda financeira prestada pelos Aliados
ao longo da guerra, assolada por graves problemas de inflação, desemprego,
abastecimento, déficit habitacional e sacudida por greves, rebeliões civis e ocupação
de fábricas, a Itália apresentava-se, nitidamente, como uma bomba prestes a
explodir.
A vida política italiana era a expressão de sua
vida social. Desmoralizada e fragilizada a monarquia já não mais era capaz de
organizar minimamente a política local. No parlamento, onde se representavam
todas as correntes políticas de então, nenhuma tinha condições de assumir as
rédeas do poder público que era gerido por coalizões débeis e inadimplentes. A
esquerda, desconfigurada por dissensões internas, foi incapaz de criar um
projeto alternativo para a crise político-social. Neste quadro de incertezas,
coube a uma pequena facção de extrema direita o golpe bonapartista (4). O Partido Fascista que não tinha quase
nenhuma expressão no pleito de l9l9, saiu fortalecido nas eleições de l92l,
quando passou a ser conhecido e temido por seus atos de violência, quase sempre
impunes. Assim constituído foi o instrumento catalisador da união de classes -
médias, populares e dirigentes - que concorreu para a superação das catástrofes
mais imediatas que se apresentavam no cenário de então. Em muito contribuiu
para esta coalizão política o programa básico do Partido, profundamente
genérico e ambíguo, que defendia de forma demagógica a propriedade, a ordem, a
monarquia e exaltava o sentimento nacional ferido, além de bater - se
violentamente contra a ameaça comunista.
Outro instrumento de seu sucesso foi a criação
de organizações paramilitares altamente armadas e disciplinadas - as milícias
dos “camisas negras” - cujos membros obedeciam cegamente às ordens do Duce. A organização destas milícias - os fasci di combattimento -
foi financiada pelos grandes grupos industriais e financeiros, tornando-se a grande
tropa de vanguarda fascista, perseguindo e combatendo seus opositores,
principalmente socialistas, comunistas e operários em greve.
Assim, impondo-se pelo medo e pela violência,
perseguindo opositores, ganhavam a cumplicidade, quando não o apoio direto, de
autoridades constituídas, órgãos de comunicação, intelectuais, artistas,
personalidades diversas além, é claro, de amplos setores das camadas médias e
populares. O Partido Fascista crescia e paulatinamente tornava-se a fonte de
poder por excelência da sociedade italiana.
Em síntese, portanto, podemos afirmar que o
fascismo foi um regime político eminentemente totalitário, pois pretendeu e, em
certa medida, conseguiu "controlar todos os aspectos da vida humana
submetendo-os ao Estado (...) que, compreendido como encarnação jurídica da
nação, era supremo. (cf. ARENDT, Hannah. in: Totalitarismo, o Paradoxismo do Poder.)
Suas características básicas seriam o da total integralização entre Estado
(partido) e sociedade, através da exaltação da raça, da nação enquanto sistema
de valores e da força enquanto instrumento de ação política e social.
3 - A EMERGÊNCIA DO NACIONAL SOCIALISMO:
Sem dúvida alguma a Alemanha foi o país que mais
intensamente sofreu os horrores da guerra mundial de l9l4/l8. Considerada
culpada pelos países vencedores, foi despojada de vasta parcela de seu
território, justamente o mais rico, além de ter sido obrigada a se responsabilizar
por pesadas indenizações de guerra.
A imposição dessas condições serviu para
desestabilizar ainda mais a estrutura governamental, sacudida fortemente por
grupos extremistas de direita e de esquerda – basta lembrarmo-nos da revolta
espartaquista, liderada por Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht - que, apesar de
vencidas, provocaram grande desgaste na já combalida composição governamental.
No campo econômico a situação não era mais
tranqüila. Ao longo dos anos vinte o marco alemão sofreu um dos mais acintosos
processos de desvalorização monetária da história, em um processo inflacionário
que, se por um lado provocava uma aguda pauperização em amplas parcelas da
população, por outro garantia a uma ínfima minoria níveis alarmantes de concentração
de renda. A miséria e a crise social conduziram mais uma
vez as classes populares à revolta.
Além de Berlim, a efervescência operária era
forte nas regiões de Saxe e de Turingia; quanto à direita, encontrava-se
fortalecida especialmente na Baviera. Entretanto, malogro as várias tentativas
de insurgência, o frágil equilíbrio foi mantido até a grande crise de l929. O
estancamento total e abrupto de recursos externos e a grande quebra no comércio
internacional são brutalmente sentidos pela Alemanha. Aqui, a crise
concretizou-se em um sem número de falências, na quebra da safra agrícola e,
consequentemente no agravamento da crise social e política que já a mais de uma
década sacudia o país. Na virada dos anos trinta, os conflitos políticos e
sociais na Alemanha assumiam um caráter particularmente dramático em uma Europa
já transfigurada pela Guerra e pela crise global. À exemplo da Itália, o
acirramento dos confrontos políticos tinha como um de seus vetores mais
expressivos a debilidade das forças que compunham o poder do Estado. Aqui, como
antes na península itálica, o Partido Nacional Socialista é a força política
que consegue catalisar as aspirações coletivas e articular um número
significativo de forças sociopolíticas em torno de um projeto comum para o
país. Assim como o Partido Fascista Italiano, os nacionais socialistas se
assumiram como defensores da ordem contra o perigo vermelho, receberam apoio das camadas médias e populares do país,
utilizaram-se fartamente de milícias paramilitares, penetraram direta ou
indiretamente em todos os setores da vida nacional, contaram com verbas da alta
burguesia e recrutaram seus "agentes" nas camadas mais pauperizadas
da população.
Também como seus congêneres peninsulares,
fundamentaram suas bases ideológicas sobre o nacionalismo obtuso, o idealismo
extremado, a agressividade desmedida e o anti-semitismo. Não obstante, ao
contrário do fascismo italiano, que foi sendo constituído à medida que se
organizava enquanto força política e social, o nazismo alemão estruturou-se
enquanto ideologia já antes da ascensão do Partido ao poder. O ideário nazista
está contido no Mein Kampf de Adolf Hitler que, apesar de não destacar-se como trabalho
teórico de porte, apresenta um ensaio nítido das idéias básicas do movimento. O
nazismo, a rigor, apresentou-se como o exemplo mais acabado do regime fascista,
o que vale dizer que os traços que arrolamos para caracterizar o fascismo
italiano e seu aparecimento podem, guardadas as devidas proporções, ser aplicadas
ao caso alemão conforme tentamos demonstrar, inclusive no que concerne à
construção de um estado totalitário que, em muitas medidas, foi bastante mais
eficiente e penetrante que seu par.
4 - A GENERALIZAÇÃO DOS REGIMES
DITATORIAIS:
As trajetórias de sucesso trilhadas
especialmente por estes dois regimes reforçaram os movimentos de ordem
nacionalista e conservadora que assolavam todo o território Europeu. Não obstante,
como já assinalara Trevor-Roper, apesar das reais semelhanças entre estes
modelos e os produzidos na Itália e na Alemanha, faltavam a países como
Portugal, Espanha, Áustria, Bulgária entre outros, algumas características
comuns só apresentadas por Itália e Alemanha, e que parece fundamental para a
distinção entre ditaduras conservadoras e o movimento nazi-fascista, ou, como
denominou Roper, entre o fascismo dinâmico e sua vertente
clerical-conservadora.
Apenas Itália e Alemanha tinham tido
participação ativa no jogo concorrencial das grandes potências imperialistas no
período imediatamente anterior à Primeira Guerra. Apenas estes dois países
apresentavam características tão próximas no que concerne ao seu processo de unificação.
Mais uma vez, e principalmente, apenas estes dois países possuíam um nível tão intenso
de industrialização, de desequilíbrios regionais, com um operariado numeroso e
ativo, com amplas parcelas de sua população habitando espaços urbanos e com a
identidade nacional tão abalada.
Estes aspectos, eminentemente distintivos, são
os diferenciais básicos para compreendermos os vetores que levaram à construção
de um autêntico movimento nazi-fascista na Itália e na Alemanha, o que não foi
possível em outros Estados dentro e fora da Europa, onde o baixo desenvolvimento das forças produtivas, a
acentuada ruralização da economia, o peso de setores tradicionais como a Igreja
e os grandes proprietários rurais, e a ausência de uma população urbana com
expressão política, definiu, por exclusão, a diferenciação basilar entre tais movimentos
e o fascismo positivo. Se o fascismo enquanto movimento ampliado possui características
comuns e mesmo origens remotas, enquanto fenômeno de poder possui uma indefectível
circunscrição geopolítica e espaço-temporal, que lhe confere características
bem peculiares e identidade inequívoca.
5 - A ROTA DE COLISÃO:
Indubitavelmente, a Segunda Guerra Mundial
possui suas raízes mais vigorosas no grande conflito de l9l4/l8. Só através da
percepção de como as diferentes sociedades montaram a solução dos problemas
oriundos deste primeiro evento, ou das causas que levaram a ele, e do impacto
da depressão de l929, podemos entender como se fechou o círculo em setembro de
l939.
Peguemos, a título de exemplo, o decurso alemão,
pelo peso de seu significado histórico. A Alemanha reage à crise dos anos
trinta com a implantação de um regime fascista. Sob a égide de Hitler, as
principais forças constitutivas do Estado alemão procuram avidamente nichos de
oportunidade por onde possam promover sua recuperação econômico-produtiva e, consequentemente
sua estabilidade política e social. Estas demandas, típicas do plano da
política interna, acarretaram grandes alterações no campo limítrofe da política
exterior. Com as principais economias mundiais ocupadas em reestruturar sua
ordem interna, a Alemanha procura, na apropriação de áreas próximas, os mercados
fornecedores de matérias primas e de consumo que o país necessitava para tornar
a crescer. É a política de busca de um espaço vital, ou seja, a integração de áreas
nas quais vivesse alemães, como condição de crescimento para o país, impondo
para isso uma política de pleno emprego baseada, sobretudo, na indústria de
guerra e no seu rearmamento. Esta postura, expansionista e belicista,
correspondeu plenamente aos múltiplos anseios das classes médias e populares
bem como às burguesias germânicas, então comprometidas com o ideário nazista, embora
preocupasse enormemente as grandes potências européias tanto a leste quanto a
oeste. O descumprimento das cláusulas anti-rearmamento presentes em especial no
Tratado de Versalhes, foi mais um fator de desajuste no cada vez mais precário
equilíbrio de forças continental.
Este equilíbrio, após l930, estava assentado
sobre três blocos aproximados não por tratados formais, mas por afinidades
político-ideológicas: Inglaterra e França - com o apoio tímido dos Estados
Unidos no que se referia ao plano estritamente europeu; Alemanha e Itália; e, complementarmente,
o bloco soviético, isolado pelas potências ocidentais, mas com grande penetração
no leste do continente e na eurásia. Por fim, no oriente, mas sem presença
efetiva no plano intra-europeu, temos o Japão, que desde l93l iniciara sua
expansão militar, conquistando a Manchúria e retirando-se da Liga das Nações.
Nesta conjuntura, Hitler e Mussolini agiam com
certa desenvoltura, em muito devido à política de apaziguamento empreendida
especialmente pela Inglaterra, que percebendo, como acreditamos, os movimentos
expansionistas do Fuhrer, consentia que este se realizasse desde que fosse
em direção ao leste da Europa, onde além de encontrarem-se grandes grupos de
origem germânica, erguia-se o império soviético, inimigo comum aos regimes
nazi-fascistas e capitalista-liberais. Estas assertivas parecem bem
corroboradas pelos trabalhos de Paul Kennedy e J. Levesque, respectivamente. Em
"Ascensão e Queda das Grandes Potências", Paul Kennedy nos aponta que
o grande erro estratégico das potências da Europa ocidental, foi o de não
perceber que, já em l938, Hitler dispunha-se a estruturar uma nova ordem
territorial na Europa, "que não poderia ser satisfeita apenas por ajustes
de pequena escala" (Ascensão e Queda... pp. 325). Ao abster-se de intervir
nas incursões nazistas aos países vizinhos, em especial os de forte herança germânica,
o Ocidente subdimensionou o germe expansionista do regime alemão, seu caráter belicista,
ao mesmo tempo em que concedeu a Hitler as condições de ampliação de seu parque
industrial e bélico militar, ao pôr a sua mercê todos os recursos disponíveis
nos países sob intervenção alemã, aumentando exponencialmente o poderio do
Eixo.
Nem mesmo a tomada da Áustria na primavera do
mesmo ano modificou a linha da política externa do ocidente em relação à
Alemanha, citando Kennedy mais uma vez, "eram necessários dois para haver uma
guerra de grandes potências, e em l938 não havia nenhum adversário disposto a
enfrentar Hitler" (Ascensão e Queda..., pp. 326).
Se o regime nazista não encontrava adversários
na frente ocidental, muito menos o incomodava o front oriental. Desprovido de alcance no extremo oriente, os interesses
do Fuhrer não se rivalizavam com os do império japonês,
ao contrário, em certa medida até os aproximava, enquanto que possuíam
desafetos comuns. Por outro lado, a República Soviética buscava zelar mais pela
consolidação do seu regime do que em debater-se com quem quer que fosse ao
plano internacional. Ao longo dos anos vinte e trinta, a característica básica
da política externa soviética foi criar as condições de sustentação de seu
original modelo de desenvolvimento. J. Levesque coaduna-se com esta proposição
ao destacar os esforços de Stálin em estabelecer uma frente tripartite contra
eventuais intervenções germânicas com Inglaterra e França, no período imediatamente
anterior a constituição do Pacto Ribbentrop-Molotov com o regime nacional socialista
que, além de reforçar os acordos comerciais já existentes entre os dois países,
firmava um compromisso mútuo de não agressão. Se para Stálin o pacto garantia
as condições necessárias para a continuidade da política de construção do
socialismo em um só país, para Hitler era a garantia do fornecimento quase
ilimitado de matérias-primas estratégicas – como petróleo - e de que, em caso
de guerra, teria de concentrar suas tropas apenas na face ocidental do país.
Todos estes movimentos foram entendidos pelas
potências ocidentais. Agora, a questão básica é formulada por
William Carr: Did Hitler intend to go to war in the autumn of l938? (...) No
one can know what went on in Hitler's mind. All one can say is that the
evidence we possess sugested very strongly that the threat to Czechoslovakia
was a very real one. It is scarcely credible that elaborate military
preparations for a blitzkrieg would have been made - with Hitler's
participation - had armed intervention not been seriously comtemplated. (W.
Carr,"National Socialism: Foreing Policy and Wehrmacht", pp.
l3l/l32).
Efetivamente, como destaca Carr, a única
alternativa viável para o analista é perceber no decurso das ações, o seu
provável significado. Para tal, em muito nos auxilia o estudo empreendido por
Aníbal Romero em "Tiempos de Conflicto". Neste trabalho, o autor desenvolve
uma discussão a respeito do modelo realista de racionalidade e sobre a decisão
de se ir ou não à guerra. Para Romero, tal fenômeno é a decorrência
circunstancial (5) de um sem número de variáveis que concorrem para que esta
potência estrutural dos Estados se transforme em ato. Além de variáveis como a
estrutura simbólica e cultural dos beligerantes, seus interesses específicos,
bem como a dos principais grupos que o compõe, sua posição geopolítica, etc.,
entra necessariamente em cena um cálculo supostamente rigoroso acerca dos
custos e benefícios e dos riscos de um confronto armado, em uma decisão que,
conquanto possua inúmeras condicionantes, é geralmente tomada por um grupo
restrito de elementos.
O que a bibliografia consultada nos aponta de
uma maneira mais geral, é que a despeito das reais intenções de Hitler quer em
l938 ou mesmo ao longo dos anos trinta, uma guerra, embora de caráter
absolutamente diferenciado do que efetivamente ocorreu, parecia estar nos
planos do alto comando alemão. Um confronto que possibilitasse a Alemanha
reorganizar sua economia, sua ordem política interna, seu moral nacional e que,
ao mesmo tempo, coadunasse-se com os novos ideais que norteavam a
sociedade alemã. Os limites reais a este conjunto inicial de intenções foi, sem
dúvida, o real interesse das potências ocidentais. No quadro europeu do final
dos anos trinta, o único palco viável para a solução destes conflitos era a guerra.
6 – CONCLUSÃO:
O fato conhecido como Segunda Guerra Mundial,
transcorrido entre l939 e l945, parece não ter sido nada mais do que uma
continuação extemporânea do conflito anterior. Isso pareceu compreendido por
seus contemporâneos e por suas lideranças. Wiston Churchill, primeiro-ministro
da Inglaterra, por exemplo, em um discurso proferido no Parlamento em pleno desenrolar
do conflito, mais exatamente aos vinte e um dias do mês de agosto de l94l,
afirmou que "esta guerra, de fato, é uma continuação da anterior". Se
isto, como cremos, for efetivamente verdade, o mundo ocidental, entre l9l8 e
l939, nada mais fez do que preparar-se para um novo conflito. Importa-nos,
pois, aqui, perceber como o nazi-fascismo ítalo-germânico contribuiu para esta
preparação, ou melhor, qual seu peso real na eclosão do conflito.
O fascismo positivo foi à forma pela qual as
principais potências industriais e bélico-militar européias, desfavorecidas no
pós-primeira guerra, encontraram para reorganizar suas sociedades profundamente
atingidas pelas decorrências mais diretas do conflito de l9l4/l8 e, posteriormente,
pela grande quebra das bolsas de l929.
O fascismo dinâmico, assim como seus congêneres
clericais – conservadores espalhados por toda a Europa, buscava suas bases
últimas nos movimentos anti-liberais conservadores do século XIX, mas
diferenciava-se deles pelas condições muito específicas das sociedades nas
quais foram desenvolvidos. Tanto Itália quanto especialmente a Alemanha apresentavam
um grau de complexificação societária muito mais elevado do que países como Hungria e Espanha. O grau de desenvolvimento de
suas forças produtivas e de suas relações de produção, bem como o nível de
urbanização de sua população, eram bastante elevados. Estes fatores são os mais
relacionados pelos autores que subsidiaram a confecção deste texto, no sentido
de compreendermos o porquê a vaga conservadorista que atingiu a Europa como um
todo adquiriu contornos tão radicais e elaborados no eixo ítalo-germânico.
A escalada belicista empreendida principalmente
pelas potências do eixo, e necessariamente seguida pelas demais nações no plano
global, bem como seu caráter nacional-expansionista extremado, aparecem como
frutos hiper-dimensionados do tradicionalismo conservador europeu fomentado por
diversos autores quase um século antes dos fenômenos aqui tratados. Além deste
caráter tradicional e nacionalista, as políticas de expansão e a corrida belicista
fomentadas especialmente pela Alemanha contribuíram fundamentalmente para desestabilizar
o extremamente frágil equilíbrio de forças europeu e, em alguma medida, global.
Tendo a guerra - uso legítimo da violência de Estado - como uma alternativa
válida para a solução de conflitos quer no plano interno quer no âmbito da
política exterior, tanto Itália quanto Alemanha tiveram obscurecidas suas
capacidades de cálculo realista pelo furor ideológico e pela limitada
informação sobre as reais capacidades e vulnerabilidades dos inimigos potenciais.
E ainda, tendo uma avaliação equívoca de quais são os inimigos privilegiados e
em que momento as frentes de batalha devem ou não ser ampliadas, percebemos o
caminho, hoje nítido, que as principais potências mundiais percorreram nos anos
imediatamente anteriores ao segundo grande conflito mundial.
Ao possibilitar a reorganização nacional
ítalo-germânica em bases industriais, nacionalistas, expansionistas, belicistas
e racistas, onde o Estado configurava-se tão fortemente, quer pelo medo quer
pela real identidade de interesses, com as parcelas mais dinâmicas da população,
o fascismo dinâmico parece ter contribuído, decisivamente, para a eclosão da ll
Guerra Mundial.
Por isso, em caráter diligencial final, é
preocupante notar o ressurgimento dos nacionalismos na Europa, especialmente na
Áustria, motivados não por uma crise política e econômica real, mas pela mera
sensação da crise. As lições do passado devem projetar-se positivamente para o
futuro. Neste sentido, mais do que uma pequena resenha sobre as evidentes relações
existentes entre o Nazi-Fascismo e a deflagração da II Grande Guerra, este
artigo é um aviso.
NOTAS:
1 Doutor em Direito Internacional – UERJ. Mestre
em Relações Internacionais - PUC/Rio. Bacharel em Direito – UFF. Bacharel e
Licenciado em Ciências Sociais – UFF. Coordenador Acadêmico e Professor de
Sociologia do Colégio Pedro II. Advogado. E-mail: lier.rio@ig.com.br.
(l) Liberal neste sentido refere-se a um modo de
organização social democrática, fundamentada sobre um legítimo estado de
direito, tendo o indivíduo livre como sujeito normativo das instituições, e não
o liberalismo clássico que possui como condição inalienável a plena autonomia
para os agentes econômicos.
(2) A historiografia ocidental, bem como a
ciência política, trabalha fundamentalmente com dois conceitos de revolução. A
primeira oriunda da tradição francesa preconiza para o conceito uma completa
transformação nas bases (estruturas) políticas, jurídicas e sociais do país. A
segunda, de origem inglesa, considera apenas transformações ao nível da
superestrutura das sociedades. É neste sentido que o termo está sendo empregado
aqui.
(3) A noção de conservadora aqui se refere aos
movimentos anticapitalistas promovidos pelos setores tradicionais da Europa do
século XIX, que em muito contribuíram para a construção do fascismo positivo do
século vinte. Estas forças são bem caracterizadas por Arno Mayer em "A Força
da Tradição", um trabalho não diretamente citado, mas que esteve presente
enquanto referência analítica ao longo de todo este texto.
(4) A noção de bonapartismo é desenvolvida por
Karl Marx em "O Dezoito Brumário de Luís Bonaparte".
(5) A palavra encontra-se aí em oposição à idéia
de estrutural e necessária.
(6) Segundo Arno Mayer no trabalho
supramencionado, a guerra era um meio tradicional para a solução dos conflitos
entre as tradicionais classes dominantes da Europa da velha ordem. Esta prática
social é mantida pelos Estados liberais sendo caracterizada pelo autor como um
dos aspectos da velha ordem que condicionam a nova sociedade. No resgate do
conservadorismo europeu realizado pelos movimentos nazi-fascistas esta dimensão
da realidade social é supervalorizada.
BIBLIOGRAFIAS:
KENNEDY, Paul. Ascensão e Queda das
Grandes Potências, Editora Campus, Rio de Janeiro, l989.
TREVOR-ROPER,
H. R., The Phenomenon of Fascismo, in: "Fascism in
Europe", Ed. by S.J. Woolf.
LEVESQUE, Jacques. L' URSS et sa Politique
Internationale de l9l7 à Nos Jours, cópia Xerox sem referência
bibliográfica.
CARR,
W. National-Socialism; Foreing Policy and Wehrmacht, in:
"Facism" org. Laqueur, W., Harmondsnorth, Penquin Books, l982.
ROMERO, Aníbal. Tiempos de Conflito,
cópia xerox sem referência bibliográfica.
ARENDT, Hannah. Totalitarismo, o
Paradoxismo do Poder, Rio de Janeiro, Ed. Documentário, l979.
MAYER, Arno. "A Força da Tradição",
São Paulo, Companhia das Letras, l990.
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