Esse texto foi escrito por mim ainda no início do Curso de História há alguns anos, hoje após reencontrá-lo em meus arquivos digitais, chego a conclusão que merece por parte de mim a releitura dessa obra. Mas espero que essa simples síntese, feita por um historiador no início de seus estudos, seja útil ao ponto de despertar o leitor brasileiro ou estrangeiro a conhecer melhor essa obra, considerada hoje um dos cânones da historiografia brasileira.
APRESENTAÇÃO
Sérgio Buarque de Holanda |
A primeira vista o livro pode parecer estranho pois não trata de forma convencional a história do Brasil, seguindo as divisões tradicionais entre colônia, império e república, ou narrando sobre os acontecimentos notórios de cada período, o tão pouco se prendendo a deixar marcado datas, fatos e nomes. O livro em si, consiste numa obra para aqueles que já possuam uma noção pelo menos básica da história brasileira.
A obra se divide em sete capítulos:
- Fronteiras da Europa
- Trabalho e Aventura
- Herança Rural
- O Semeador e O Ladrilhador
- O Homem Cordial
- Novos Tempos
- Nossa Revolução
CAPÍTULO UM: Fronteiras da Europa
Neste primeiro capítulo, Sérgio Buarque pretendeu fazer uma dissertação sobre os
antecedentes da colonização portuguesa no Brasil, nesse caso, falando acerca da
conjectura política e social da Ibéria recém saída do medievo, mas ainda
impregnada pelas tradições medievais. Aqui, Sérgio dá inicial atenção a Portugal e Espanha, antes de adentrar a falar do Brasil. Mas antes que alguém questione o porque de falar sobre Espanha, a mesma durante o período da União Ibérica (1580-1640) governou Portugal e toda suas colônias.
Portugal
e Espanha, só iriam ganhar destaque e fama na história européia durante o
período das Grandes Navegações (séc. XV ao XVIII), no qual estes dois pequenos países localizados
mais próximos da África do que do norte da Europa, se tornariam grandes
potencias marítimas e coloniais em poucas décadas. Contudo o autor fala que
Portugal e Espanha, tinham a fama de serem países que possuíam um governo e uma
hierarquia frágeis, como ele aponta nessa frase:
“À frouxidão da estrutura
social, à falta de hierarquia organizada devem-se alguns dos episódios mais
singulares da história das nações hispânicas, incluindo-se nelas Portugal e o
Brasil”. Pág. 33.
Neste relato o autor pretende mostrar como era para os outros
paises verem Espanha e Portugal, como promissores colonizadores, se nem ao
menos conseguiam ordenar sua própria nação.
Parte
desta falta de regularidade hierárquica, Sérgio atribui a questões do período
medieval, no qual todo mundo aprendia desde cedo qual era a sua posição naquela
cidade. E tal fato era visto na própria Igreja, com as hierarquizações desde
simples frade ao Papa. Na própria religião cristã, os anjos eram divididos por
categorias. Tal fato leva a condição de que o mundo europeu era comandado pela
Igreja Católica, a qual comandava o que devia e não se devia fazer em vida para
se ter a salvação do Senhor.
"E
a verdade é que, bem antes de triunfarem no mundo as chamadas idéias
revolucionárias, portugueses e espanhóis parecem ter sentido vivamente a
irracionalidade especifica, a injustiça social de certos privilégios, sobretudo
de privilégios hereditários". Pág. 35.
Tal
relato reflete a falta de consistência de uma nobreza hispânica e sua
hierarquização hereditária. O que acabou por levar certos homens a se tornarem
navegadores a procura de prestigio social e riquezas. A contra partida deste
fato é a questão de haver pessoas que descendiam de linhagens nobres, mas as
quais viviam como pobres e até em certos casos miseráveis. O próprio autor fala
que alguns dos costumes da nobreza eram os mesmos das pessoas comuns, e nos
próprios palácios os seus filhos conviviam com os filhos dos serviçais.
Para
se transpor tais dificuldades, os portugueses e espanhóis, procuraram reviver o
fator do mérito pessoal como forma de ser reconhecido pelos seus feitos, e não
pelo o que herdou. Porém tal prática encontrou obstáculos perante a própria
Igreja, e a sociedade impregnada de velhos valores.
“Nunca eles se sentiram
muito à vontade em um mundo onde o mérito e a responsabilidade individuais não
encontrassem pleno reconhecimento”. Pág. 37.
A
Igreja criticava o chamado “lucro torpe”, a procura de enriquecimento desleal,
mesmo tal fato esse fora praticado por muito tempo pela própria Igreja durante
o período medieval. Por outro lado se tinha a desvalorização do esforço
trabalhista, os nobres preferiam o ócio ao trabalho, e para completar havia a
questão da autoridade e da obediência, fato este que o autor indica os jesuítas
da Companhia de Jesus, como os melhores representantes.
CAPÍTULO DOIS: Trabalho e Aventura
Neste
capítulo dois o autor inicia sua explanação sobre a colonização do Brasil.
Inicialmente ele fala que a colonização se deu de forma desleixada, e não com
entusiasmo, pelos portugueses. Tal fato se deve que Portugal estava mais interessada no comércio com as Índias, na recém descoberta de uma rota marítima por Vasco da Gama, o qual trouxe grandes quantidades de mercadorias que abarrotaram os cofres de dinheiro, quando as mesmas fora vendidas. Assim, pelo fato de o Brasil só possuir até então o pau-brasil como produto mais rendoso, os portugueses, levaram três décadas para de fato iniciar a colonização da Terra de Santa Cruz como era chamado o Brasil antigamente.
“Essa exploração dos trópicos não se processou,
em verdade, por um empreendimento metódico e racional, não emanou de uma
vontade construtora e enérgica: fez-se antes com desleixo e certo abandono”.
Pág. 43.
Mesmo com essa falta de uma preocupação direta, os portugueses
souberam agir de forma a facilitar e a rapidamente a se adaptar a estas novas
terras, de uma forma nunca vista antes entre os europeus. Para tal fato, Sérgio
Buarque fala que para estas condições se realizarem, ocorreu uma junção entre o
tipo aventureiro e o tipo trabalhador, que ambos os motivos, foram propulsores
para iniciar-se o processo colonização.
Tais
características foram marcantes, no ponto de vista que os portugueses e
espanhóis se dedicavam mais ao trabalho e ao chamado espírito aventureiro do
que os ingleses, os franceses e os alemães. Os primeiros colonos, logo
aprenderam a comerem farinha de mandioca, e a dormirem em redes, a caçarem e
pescarem como os índios, e a se utilizarem de outras práticas, a exemplo de se
queimar a floresta para se plantar (coivara). E em poucas décadas, os
portugueses deram inicio as plantações de cana, transformando as terras do Brasil
em grandes latifúndios, monocultores e escravistas, tal fato este devido a
condição de inicialmente não terem descobertos riquezas minerais, e
posteriormente notando que o clima era favorável ao cultivo da cana de açúcar,
produto este que se tornou muito valorizado na Europa.
A
questão dos latifúndios acabou por se tornar de acordo com o autor um fator
para o motivo da presença da escravidão do negro, já que as tentativas de se
obrigar os indígenas a trabalharem nas plantações foram frustradas. E por outro
lado, o negro se adaptava melhor ao árduo trabalho das plantações de cana, e
acabou por se tornar peça importante neste papel econômico e colonizador do
Brasil. Os portugueses já haviam praticando o cultivo da cana de açúcar a algumas décadas, nos arquipélagos de Cabo Verde e Açores, e já empregavam a mão-de-obra escrava negra, logo como viram que o negro aprendia mais rápido que o indígena, e era mais "favorável" a ser escravizado, passaram em meados do século XVII a trazerem africanos para trabalhar na província.
Mas
no caso das plantações de cana, o autor fala que o modo de se cultivar,
praticamente não se modificou o se modernizou ao longo dessas várias décadas de
inicio da colônia. Que as técnicas agrícolas eram já bem inferiores e até mesmo
rústicas, fato este corroborado pela falta ou o quase desuso do arado no
cultivo da terra. Fato este explicado pelo autor devido às condições de o solo
ser pobre, e escasso de recursos orgânicos que se encontravam próximos da
superfície, e o arado, acabaria por desgastar o solo e reduzir esses recursos
orgânicos.
Mas
para frente o autor começa a falar sobre a introdução dos negros no Brasil e em Portugal. Algumas
personalidades da época comentam o número cada vez maior de negros entrado em
Portugal e no Brasil, que este número crescia a cada ano, e muito da população
começava a se misturar com os negros, gerando os "mestiços". Os
negros logo se tornaram uma mercadoria cara e cobiçada.
“A gente mais rica
tinha escravos de ambos os sexos, e não faltava quem tirasse bons lucros da
venda dos filhos de escravos”. Pág. 54.
Mas
em meio a toda essa miscigenação, os mestiços, filhos tantos de escravos com
brancos, e índios com brancos, os chamados mulatos, acabaram por de certo modo
sofrerem preconceitos e ofensas, devido a sua cor e origem. Exemplo disso era o
fato de que determinado cargos políticos, públicos, e de outros setores, não
poderia ser assumido por um mulato.
"E
preciso convir em que tais liberalidades não consistiam lei geral; de qualquer
modo, o exclusivismo “racista”, como se diria hoje, nunca chegou a ser,
aparentemente, o fator determinante das medidas que visavam reservar a brancos
puros o exercício de determinados empregos". Pág. 55.
Tal
condição se daria tanto pela descriminação da cor, da raça, e até mesmo pelo
fato de que os europeus consideravam o intelecto do índio e do negro
insuficiente para realizar determinadas atividades. Porém a parti de 1755 o
governo reconheceu alguns direitos aos mulatos, permitido estes a ter acesso a
determinadas áreas e a exercer determinadas atividades, mas enquanto aos negros
e seus descendentes, tudo isso fora relegado. Contudo mesmo com estes
empecilhos ao acesso a determinados cargos, os mulatos, negros e índios, assumiam
o serviço dos mais variados trabalhos ditos artesanais. Eles eram sapateiros,
oleiros, ferreiros, "manteiros", taberneiros, e até mesmo cirurgiões
(nessa época o cirurgião não era propriamente um médico, mas sim um homem que
realizava "cirurgias comuns", como costurar ferimentos e arrancar
dentes) e barbeiros.
Ainda
continuando a falar sobre o trabalho colonial, um aspecto importante lembrado
pelo autor é a questão da cooperação entre os trabalhadores na realização de
determinados trabalhos, desde o roçado até a construção civil. O que o historiador
chama de "mutirão", a união de várias pessoas, e até mesmo
voluntariamente, contudo estas uniões não implicavam em um trabalho ordenado ou
constante, consistia em mais uma forma de se dar apoio e ajuda, a amigos,
parentes e vizinhos. Tal característica fora bem vista entre pessoas da classe
baixa.
Por
fim o último assunto a ser tratado neste capitulo é basicamente sobre a
tentativa dos holandeses de formarem em Pernambuco uma colônia holandesa
propriamente dita. O autor não nega, que durante o governo holandês (1630-1654), Pernambuco
passou por muitas transformações, e muitas delas positivas, contudo, ele se
preocupa em mostrar porque essa tentativa acabou fracassando.
A
primeira condição fora a adaptação dos holandeses ao clima quente do Brasil,
por serem povos do norte europeu, como ingleses, franceses e alemães, tinham
uma maior dificuldade de se acostumar com um clima mais quente. O segundo ponto
era o fato, que o governo holandês pretendia enviar para o Brasil, centenas de
famílias de colonos, porém o próprio povo não via a vinda para o Brasil como um
bom negócio, e outros desaprovavam a ideia. Havia também a questão da religião,
que para os índios e negros e os próprios portugueses, não se davam muito bem
em aceitar o calvinismo holandês, e para completar vinha a questão do idioma. O
autor fala que era muito difícil para as pessoas aprenderem o idioma holandês,
e por outro lado os índios e escravos já estavam familiarizados com o
português. Sobre esta questão o autor chega a ironizar quando diz, que os
escravos velhos, eram incapazes de aprenderem o holandês. Devido
a essas e outras dificuldades os holandeses acabaram por não resistirem as
barreiras culturais impostas pelos portugueses há vários anos no Brasil.
CAPÍTULO TRÊS: Herança Rural
No
capitulo três, Sérgio Buarque aborda a questão a qual ele chama de nossa herança cultural.
Ele faz um breve comentário sobre a forma de como a sociedade e a política se
organizava no Brasil colonial e imperial, e sua relação com o tráfico de
escravos, e a relação entre campo e cidade.
Desde
o começo da colonização até 1888, data da abolição da escravidão no Brasil, as
cidades brasileiras não tinham muita importância, já que grande parte da
população e da riqueza do país advinham do campo, do meio. Fato este defendido
pelo autor, quando ele fala que a política e os grandes cargos, todos eram
monopolizados pelas ricas famílias rurais, as quais levavam seus filhos para
estudarem fora do país, para que quando retornassem pudessem trabalhar em altos
cargos, ou em profissões valorizadas. Não obstante, tal fato também se devia
pela condição que no Brasil não existia ensino superior até o século XIX,
depois da criação das faculdades de Direito, Medicina, Belas-Artes, Engenharia,
etc., a elite começou a se formar no país mesmo, embora que um ou outro
viaja-se para a Europa ou Estados Unidos para aperfeiçoar seus estudos.
"Na
Monarquia eram ainda os fazendeiros escravocratas e eram filhos de fazendeiros,
educados nas profissões liberais, que monopolizava a política, elegendo-se ou
fazendo eleger seus candidatos, dominando os parlamentos, os ministérios, em
geral todas as posições de mando, e fundando a estabilidade das instituições
nesse incontestado domínio". Pág. 73.
A
primeira vista pode parecer que os fazendeiros detinham grandes influência no
governo e na sociedade colonial brasileira, contudo, mas a frente será dada
mais detalhes destas influências que os ricos fazendeiros tinham na sociedade
brasileira.
Passando
deste breve relato introdutório, Sérgio Buarque, passa para os anos de 1850, o
qual fora uma década que ocorreu várias mudanças no Brasil imperial. Em 1851 é
inaugurado o segundo Banco do Brasil, em 1852, se inaugura a primeira linha
telegráfica do Rio de Janeiro, em 1853 é fundado o Banco e Hipotecário, em 1854
se inaugura a primeira linha férrea do país ligando o porto de Mauá a estação
do Fragoso, e em 1855 dar-se a construção da segunda linha férrea, a qual
ligaria a Corte à capital da província de São Paulo.
Tais
feitos permitiram que o país cresce-se economicamente, politicamente e
socialmente, pois passou a atrair o interesse de investidores estrangeiros, e
também a mobilizar mudanças sociais no campo e na cidade, como o gradativo fim
da escravidão.
Os bancos tinham novos investidores, a estrada
de férreo permitia uma maior velocidade no escoamento das produções. Aos poucos
o progresso chegava ao Brasil, em novas formas de renda e de vida iam surgindo.
Neste ponto o autor fala que aos poucos o Brasil perdia sua velha herança rural
e colonial, baseada no trabalho escravo, o qual se veria abalado com a
proibição do tráfico negreiro.
A
Lei Eusébio de Queirós (1850) fora um duro golpe para a aristocracia fundiária,
pois passou a proibir o tráfico negreiro no Atlântico (embora que por alguns
anos ainda se manteve um tráfico ilegal). Fato este o qual nasceu em meios a
cobranças externas, a um amor patriótico, e a outros vários interesses. Contudo
para alguns, tal lei fora vista, como algo que poderia abalara a economia do
país futuramente. Para se evitar possível crise, foram criadas formas de se
enganar a fiscalização dos portos. No que acabou por levar ao suborno de muitos
funcionários e dos próprios jornais, os quais abafavam o caso.
Sérgio
Buarque expõe alguns dos métodos utilizados para se conseguir a entrada de
escravos no Brasil, métodos estes que vão desde o suborno da policia, de oficiais
e até mesmo a falsificação de documentos. Mas mesmo assim com o tempo a lei começou
a mostrar resultados, em 1851 fora registrado a entrada de 3.287 negros, se
comparando com 1848 que foram 60 mil.
"Essa
extinção de um comércio que constituíra a origem de algumas das maiores e mais
sólidas fortunas brasileiras do tempo deveria forçosamente deixar em
disponibilidade os capitais até então comprometidos na importação de negros".
Pág. 76.
Mesmo
com o fim do tráfico negreiro, a economia não fora abalada como muitos acharam,
quem mais perdeu foram aqueles que dependiam do tráfico para seu lucro,
contudo, a economia sofreu um rever-se quando os bancos começaram a fazer a
proposta de empréstimo credencial, para tanto ajudar os que estavam em
falência, como também para incentivar pequenos produtores e empresários,
abrindo oportunidade para um crescimento econômico.
“A ânsia de enriquecimento,
favorecida pelas excessivas facilidades de crédito, contaminou logo todas as
classes e foi uma das características notáveis desse período de
“prosperidade’”. Pág. 77.
Contudo
tal “prosperidade” não duraria muito, e logo o Brasil se viria em sua primeira
grande crise econômica em 1864. Neste período era exposto para a sociedade o
caso do Barão de Mauá, o qual fora o criador da ideia de se dá crédito aos
futuros produtores e comerciantes. Além disso, Mauá era um dos que defendia o
fim do tráfico negreiro, ele se mostrava como sendo um homem do povo, mas
posteriormente, alguns de seus esquemas foram descobertos, revelando ideias
ilícitas, nas quais haviam questões políticas em jogo. Sérgio fala, que Mauá
quisera dá inicio a uma evolução, em se criar um progresso para o Brasil, mas
seus ideais, encontraram a força de certas tradições e costumes, que desde o
começo da colônia perduravam pelo Brasil.
Deste
ponto, o autor retoma a respeito sobre a autoridade e a influência dos engenhos
no período colonial e imperial. Sérgio Buarque se referia aos engenhos como sendo
como quase verdadeiras "repúblicas", no sentido de formarem um
"pequeno Estado" e não na questão política. As fazendas com engenhos,
possuíam igrejas, escolas, oficinas, mercados, alojamentos, senzalas,
praticamente boa parte do que eles usavam no dia a dia vinha da própria terra.
Mas outra questão a ser citada, era a autoridade dos senhores de engenho, os
quais muitos se faziam ser a própria lei em seus domínios, autoridade essa que
em certas ocasiões ia de encontro com a própria justiça brasileira. Outro ponto
a ser abordado em relação a este período é a questão da escravidão, a qual fora
estudada pelo futuro Visconde de Cairu, o qual queria mostrar que a riqueza não
dependia somente da quantidade de mão-de-obra, mas sim da inteligência, como se
valer da astúcia e de boas ideias para criar empreendimentos lucrativos. Porém
tal argumento não fora fácil de ser aceito, já que muitos defendiam a velha
frase de:
“Terem os homens a maior riqueza possível com o menor trabalho
possível”. Pág. 84.
E para tal condição existe a escravidão. Sérgio também
compara essa questão com os exemplos modernos do Taylorismo e do Fordismo, ambas
as práticas que exploravam de forma inteligente a mão-de-obra, lhe
proporcionando um grande lucro, em seu tempo.
Mas
o que Sérgio quis passar neste capitulo, é como a dependência dos escravos era
muito grande para a sociedade da época, como a vida girava em torno das
fazendas, como as cidades dependiam destas, e como o próprio governo e a
sociedade, eram influenciados pela chamada herança rural.
CAPÍTULO QUATRO: O Semeador e O Ladrilhador
No
capitulo quatro, Sérgio aborda à questão sobre a formação de cidades tanto
na América Espanhola e Portuguesa, ele explora as diferentes formas de como
estes dois povos colonizaram a América. Sérgio Buarque inicia o capitulo
fazendo uma rápida explanação sobre a importância da fundação de cidades desde
a Antiguidade, dando como exemplo Roma e as cidades-estados gregas, onde tais
povos se preocupavam primeiramente em se fundar uma cidade do que estabelecer
uma vila de agricultores.
Condição
essa que será analisada neste capitulo, no qual se compara o método espanhol e
o português. Os espanhóis tinham a preocupação de acentuar e mostrar a
importância e a influência da Metrópole espanhola sobre as terras recém
conquistadas, e para isso eles logo se dispuseram a criarem cidades, as quais
passariam a ser prolongamentos da própria Espanha no novo mundo. Fato este que
é reforçado quando se ver a fundação de universidades nas principais cidades da
América Espanhola. Algo que só veria ocorrer no Brasil somente a parti do
século XX.
Enquanto
os espanhóis não tinham problemas para colonizarem o interior de suas terras,
por outro lado os portugueses tinham a maior cautela em se colonizar os
sertões, motivos estes dos mais variados. Isso acabou por deixar a colonização
portuguesa voltada praticamente para a zona litorânea, na qual se concentrava
os portos, as vilas e as poucas cidades existentes e a maioria das fazendas. O
autor fala que a preocupação portuguesa fora mas por assegurar que sua colônia
dependesse da Metrópole portuguesa, e que está pudesse lhe garantir recursos,
daí a proximidade com o oceano, única via de acesso e contato com a Metrópole.
Visão está que perdurou por longos anos, o que acabou por atrasar o processo de
urbanização no Brasil.
Outro
ponto importante citado por Sérgio é a questão de que na colonização espanhola
estes tiveram mais sorte de terem encontrado povos ditos mais avançados, os
quais possuíam muito ouro e prata, os quais foram totalmente saqueados pelos espanhóis.
No caso do Brasil, a febre do ouro só viria acontecer com a descoberta das
Minas Gerais no final do século XVII, quase duzentos anos depois da
"descoberta do Brasil". Com a descoberta das minas de ouro, isso
contribuiu para intensificar a colonização do interior brasileiro. Colonização
essa a qual aconteceu com forte fiscalização do governo, que na época proibiu a
ida de estrangeiros para a região das minas, e também a entrada de estrangeiros
no próprio Brasil, com exceção dos ingleses e dos holandeses.
“A
partir de 1771, os moradores do distrito ficaram sujeitos à mais estrita
fiscalização. Quem não pudesse exibir provas de identidade e idoneidade
julgadas satisfatórias devia abandonar imediatamente a região”. Pág. 103. Para
o autor tal condição levou a Portugal colocar mais ordem no Brasil. Mas mesmo
com a descoberta das minas, a colonização ainda continuou fortemente na região
litorânea. Condição está favorecida pelo fato de que grande parte das tribos
indígenas falava praticamente a mesma língua de norte a sul. “Mesmo em seus
melhores momentos, a obra realizada no Brasil pelos portugueses teve caráter mais
acentuado de feitorização do que de colonização”. Pág. 107.
Mas
mesmo sobre tais medidas, a colonização portuguesa fora mais liberal do que a
espanhola, fato este devido a grande aceitabilidade portuguesa com os
indígenas. Característica esta não vista muito entre os espanhóis. Condição
esta que leva o autor a remeter ao que ele chamou de a “nobreza nova dos
Quinhentos”, época esta marcada pelas Grande viagens de descobertas
portuguesas, pela ascensão da burguesia em Portugal e pela descoberta do
Brasil. Neste ponto o autor passa a glorificar a literatura e os feitos dos
portugueses, citando Luís de Camões (1524?-1580) como o grande responsável por
retratar a glória portuguesa. Condição essa a qual ele lembra que os
portugueses eram conhecidos por serem muito soberbos e vangloriosos.
O
último grande ponto a ser comparado entre espanhóis e os portugueses fora a
questão religiosa, na qual teve um maior impacto e peso na América Portuguesa.
Para alguns autores a Igreja tinha mais poder sobre a colônia portuguesa do que
o próprio rei. Por
fim o autor procura neste rápido esboço de suas pesquisas revelar um pouco das
diferenças entre Espanha e Portugal no processo de colonização. Daí o título da capítulo ser o "semeador", em referência aos portugueses que se preocuparam mais com a organização rural, e o "ladrilhador", em referência aos espanhóis que deram mais atenção a zona urbana e a exploração massiva dos indígenas, em detrimento da escravidão negra.
CAPÍTULO CINCO: O Homem Cordial
Neste
quinto capitulo o autor passa abordar a questão da formação das pessoas no seio
familiar brasileiro, e como essa criação acabou por um lado, sendo positiva e
por outro negativa. Um ponto interessante que achei esse capitulo mais complicado
do que os outros. Acho que ele não conseguiu expor e forma clara como ele
pretendia expor suas ideias e opiniões. Contudo ele quis mostrar que há uma
grande diferença entre a família e o Estado, enquanto vivemos com nossas
famílias crescemos em um mundo regido por suas regras, as pessoas que temos
mais contato são nossos pais e irmãos. Contudo, é necessidade dos homens terem
que uma hora abandonar o lar e seguir por contra própria. Nessa questão, o
individuo estaria a mercê das leis do Estado, ele teria que aprender a se
comportar e a viver perante a um novo grupo de pessoas.
Para
se explicar tal fato, Sérgio usou o exemplo da questão industrial. Antes da Revolução
Industrial (iniciada na metade do século XVIII na Inglaterra), tudo era
produzido de forma artesanal, cada artesão conhecia seu produto do inicio ao
fim de sua elaboração. E essas pequenas fábricas eram organizadas pelas
próprias famílias, mas com a chegada da revolução, os operários agora passaram
a ter seu trabalho especializado em determinada atividade, e o que antes era
algo de família, passou a ser um verdadeiro "governo" de pessoas. Em
uma fábrica agora passou-se a ter vários patamares, do mais baixo que era o
operário até o mais alto, que era o dono ou os donos, toda uma hierarquia funcionária
fora criada. A sociedade agora passou a se ver cada vez mais distante daqueles
que comandavam. Condição essa que Sérgio atribuiu à questão da individualidade,
algo que aprendemos a conviver cada vez mais nesta sociedade progressiva. Por
outro lado ele defende essa idéia, quando diz que a criança desde cedo deve
aprender a fazer suas próprias escolhas, se libertando do domínio da mãe e do
pai.
Fato
esse que era visto claramente no período colonial, imperial e até hoje. Sérgio
Buarque cita como exemplo, de como os pais mandavam os filhos irem estudar fora
do país, para voltarem formados como doutores. Muitos pais queriam que seus
filhos fossem médicos ou advogados. Filhos estes que quando voltavam,
retornavam influenciados pelas novas ideias européias, e com uma nova visão do
mundo. Retornavam maduros, pois passariam a conviver longe do núcleo familiar,
e tendo que realizar suas próprias decisões
O
último ponto a ser tratado neste capitulo é a questão religiosa, na qual, o
autor fala que ao mesmo tempo a sociedade tinha muita fé, como também não parecia
ter nenhuma. Enquanto ele fala que em muitas casas de antigamente, as pessoas
preferiam ter uma capela em sua própria casa, como forma de estarem mais
próximas de Deus, mesmo assim muitas ainda não mostravam total devoção. Questão
essa relatada por alguns estrangeiros os quais relatam o descaso e até falta de
respeito por muitos brasileiros, a determinadas festividades religiosas.
“Os
homens mais distintos delas participam apenas por hábito, e o povo comparece
como se fosse a um folguedo”. Pág. 151.
Tal condição era defendida, por alguns
devido ao fato do clima levar as pessoas a se excitarem mais, ou ficarem mais
fervorosas, fato esse no qual algumas festas religiosas, acabavam tomando um
cunho mais folclórico e comemorativo, do que ser uma questão de fé.
“No Brasil
é precisamente o rigorismo do rito que se afrouxa e se humaniza”. Pág. 149.
CAPÍTULO SEIS: Novos Tempos
No
capitulo seis o autor inicia abordando a questão a respeito do bacharelado,
algo que antigamente no Brasil era sinônimo de status e respeito, contudo o
intrigante é que ele fala que muitos bacharéis não seguiam a carreira para que
se formaram, apenas possuíam o diploma como forma de terem status. O autor fala
que muitos destes homens procuravam uma forma de conseguir se engajarem em
outra profissão, ou até mesmo trabalharem em vários empregos ao mesmo tempo.
“Ocupar cinco ou seis cargos ao mesmo tempo e não exercer nenhum é coisa nada
rara”. Pág. 156.
Questão essa que Sérgio Buarque fala que muitos dos bacharéis
recém formados procuravam emprego como funcionários públicos, ou procuravam
empregos nas profissões liberais, cargos estes muitos almejados. Tal fato
reforça a ideia de quando ele fala que o bacharelado era mais como um status do
que um indicio de uma carreira propriamente dita. Condição essa, na qual vale
ressaltar que grande parte da população era analfabeta, e somente eram os
poucos que tinham a condição de se formarem nas universidades estrangeiras.
Ou
outro assunto a ser abordado é a questão do Positivismo no Brasil, prática esta
que acabou sendo bem aceita entre os políticos e a aristocracia, os quais viam
no positivismo uma forma de colocarem todas as ideias apoiadas na proclamação
da República. Contudo a questão da república era algo de difícil compreensão.
Para o autor a república fora um mal entendido.
"Trouxemos
de terras estranhas um sistema complexo e acabado de preceitos, sem saber até
que ponto se ajustam as condições da vida brasileira e sem cogitar das mudanças
que tais condições lhe imporiam". Pág.
160.
A
formação de uma nação democrática e republicana fora concebida, nos ideais
positivistas, dos quais muitos não tiveram a preocupação de se realmente tudo
isso iria funcionar. Até então o país nunca havia tido um governo oficialmente
democrata. Todo o planejamento de uma reforma política chegou ao Brasil através
dos intelectuais e bacharéis que viam da Europa para o Brasil, os quais muitos
estavam influenciados pelas ideias liberais e democráticas.
“Nossa
independência, as conquistas liberais que fizemos durante o decurso de nossa
evolução política vieram quase de surpresa”. Pág. 160.
Mas
tais mudanças não foram só vistas no meio político, no próprio meio social e
educacional, se via a influência de tais valores. Como já fora dito, os
responsáveis por tal feito, consistiam num pequeno grupo, em meio a uma massa
de analfabetos, realidade essa que procurou ser combatida pelo governo. Contudo
o autor ressalta que muitos dos escritores da época, a maioria era de famílias
ricas, e muitos destes estavam mais próximos da realidade que envolvia o
governo e a vida do país. Mas a exceção destes, Sérgio Buarque cita Machado de
Assis, como sendo um dos grandes responsáveis por tratar de questões que
envolviam a sociedade antes e depois da república, ele criara mundos, os quais
fugiam da realidade da época, uma fase de intensa transição de valores e
conceitos.
A exemplo destes conceitos, o autor cita o “amor bizantino” pelos
livros, algo que teve como ilustre representante D. Pedro II, o qual seu amor
pela literatura, fora um dos símbolos da intelectualidade oficial do país. Mas
essa questão ressalta a condição que posteriormente muitos buscaram nos livros
uma forma de fugirem da realidade. O autor fala que o Brasil durante o período
da república tinha vergonha de sua fase imperial, e via na república uma forma
de conseguirem alcançar suas metas sem dependerem de um único líder, mais sim
através de seus direitos e da democracia.
Neste
capitulo Sérgio Buarque revela um pouco da conturbada situação que o país
vivia, na transição de duas épocas, e o impacto disto na sociedade. No próximo
capitulo, ele revelará quais foram tais mudanças.
CAPÍTULO SETE: Nossa Revolução
Para
Sérgio o ano de 1888, ano da abolição da escravatura no Brasil, é uma
data a qual marca a divisão de dois períodos no Brasil, da passagem do império
para a república.
“A grande revolução brasileira não é o fato que se
registrasse em um instante preciso; é antes um processo demorado e que vem
durando pelo menos há três quartos de século”. Pág. 171.
O
Brasil entrava em um novo contexto social, em uma época que muitos dos países
vizinhos que já haviam se tornado independentes e aderidos a governos republicanos.
O Brasil, agora era o primeiro país de colonização portuguesa a se tornar uma
república. As demais colônias portuguesas na África e Ásia, só ganharam suas
independências no século XX. País este cercado pelas influências dos outros
países de colonização espanhola, e pelo próprio Estados Unidos. O autor fala
que nessa época a cultura do país ainda era largamente influenciada pela
cultura ibérica, e o “americanismo” não havia conseguido influenciar essa nova
nação republicana.
Outra
questão que Sérgio Buarque aborda é a substituição da cultura da cana de açúcar
pelo café, atividade essa que se revelou muito lucrativa, e que teve seus altos
e baixos. Os antigos senhores de engenho agora se tornavam os barões do café,
os velhos engenhos eram substituídos pelas modernas usinas, a aristocracia
rural agora disputava lugar com a aristocracia comercial e industrial. A
sociedade e a política passavam por grandes transformações e os velhos hábitos
iam desaparecendo.
Condição
essa que os demais países latinoamericanos também estavam passando. Sérgio
Buarque também fala que tanto o Brasil quanto os demais países tiveram a base
nos ideais da Revolução Francesa.
"As
palavras mágicas liberdade, igualdade e fraternidade sofreram a interpretação
que pareceu ajustar-se melhor aos nossos velhos padrões patriarcais e
coloniais, e as mudanças que inspiraram foram antes de aparato do que de
substância". Pág. 179.
Baseados
nestas ideias os líderes da revolução buscaram criar um novo país, tendo a
sociedade baseada nos novos costumes e nas novas influências. Porém tomando
oposição a essas ideias, o “caudilhismo” surge como forma de se criticar o
liberalismo promovido pelos ideais da Revolução Francesa, como também por
outros núcleos. O autor fala que para se superar a doutrina democrática, a qual
se ver dividida em liberalismo e caudilhismo (organização de poder centralizada
na figura de um caudilho (chefe), sendo comum nas ex-colônias espanholas), deve
ser primeiro se vencer estas duas antíteses, as quais marcaram o cenário
político e social da época.
"O
mundo está farto de tais movimentos. O ideal seria uma boa e honesta revolução,
uma revolução vertical e que trouxesse à tona elementos mais vigorosos,
destruindo para sempre os velhos incapazes". Pág. 181.
Com
este confronto entre ideais, o governo se ver dividido no controle das velhas
oligarquias rurais, as quais disputam lugar com a recém chegada democracia
liberal, a qual também disputa autonomia contra a ditadura de alguns caudilhos.
Ditaduras essa vista em países vizinhos e depois no próprio Brasil. No fim o
autor fala que os preceitos políticos e sociais, baseados no liberalismo, se
veem de forma inútil e onerosa de superfetação, e que para isso, devemos buscar
novos meios e perspectivas para mudar nossa realidade, a qual se ver em uma
harmonia falsa. O autor busca criticar a forma de como a política brasileira
evoluíra do período imperial para o republicano, e como este, como ele já havia
dito não passara de um mal entendido.
Para mim Sérgio Buarque, esse último capítulo representa uma crítica de Sérgio ao governo brasileiro, primeiramente a chamada "república do café com leite", onde as oligarquias paulistas e mineiras controlavam o país; daí passamos para o Golpe de 1930, quando Getúlio Vargas assumiu a presidência e ali arquitetou para permanecer. Se tomarmos em consideração que o livro fora publicado durante o governo de Vargas, o qual havia iniciado em 30, um governo provisório mais acabou ficando 15 anos no poder, dá para se entender porque o Sérgio fala a respeito de caudilhismo e ditadura, pois em 1937, um ano depois do lançamento do livro, Vargas deu início ao que ficou conhecido como Estado Novo, legitimando-se antidemocraticamente na presidência até 1945.
Embora Raízes do Brasil tenha sido lançado a mais de 70 anos, os assuntos tratados por Sérgio Buarque de Holanda se tornaram profundamente marcantes para se entender um pouco do desenvolvimento cultural e social do povo brasileiro e do país.
NOTA: Sérgio Buarque teve nove filhos sendo um dos mais conhecidos o cantor, músico e compositor Francisco "Chico" Buarque de Holanda.
NOTA 2: Sérgio era primo em primeiro grau do famoso crítico literário, lexicógrafo, professor, tradutor, filósofo e ensaísta brasileiro Aurélio Buarque de Holanda Ferreira (1910-1989) conhecido principalmente no Brasil por ter sido um dos idealizadores do Dicionário Aurélio.
NOTA 3: A influência do Positivismo fora tão marcante nos fins do império e começo da república, que influenciou a frase que se encontra na bandeira nacional brasileira "Ordem e Progresso" adveio de uma frase de Augusto Comte, idealizador do Positivismo que dizia: "O Amor por princípio e a Ordem por base; o Progresso por fim".
NOTA 4: Em 2004 o cineasta brasileiro Nelson Pereira dos Santos lançou o documentário Raízes do Brasil, falando a respeito da vida e carreira de Sérgio Buarque, da produção de seu livro e a influência da obra hoje no século XXI.
Referência Bibliográfica:
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26 ed, São Paulo, Companhia das Letras, 1997.
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