PIRATAS E CORSÁRIOS NA IDADE MODERNA
Autor: Nelson Rocha Neto
Orientador: Geraldo Pieroni
Embora este texto tenha ficado extenso ele é bem maior, pois consiste numa monografia apresentada em 2009. Porém, visando a disponibilidade nele neste blog, devido ao interessante assunto abordado, e infelizmente pouco debatido em fontes brasileiras, disponibilizo parte do trabalho que dá foco a pirataria, pois o primeiro capítulo em si foi dedicado pelo autor a comentar o contexto econômico e político das grandes navegações. De qualquer forma, o texto integral está disponibilizado no link no final desta postagem.
As imagens aqui utilizadas foram escolhidas por mim, embora no texto original haja poucas imagens. Os grifos também foram feitos por mim.
INTRODUÇÃO
Desde o desenvolvimento das navegações, surgiram os piratas. Até
mesmo nas épocas remotas das navegações dos primeiros mercadores do
Mediterrâneo, os bandoleiros do mar já faziam seus saques. No mar Egeu, os
piratas cários prejudicaram todo o comércio grego. Em todos os mares em que
havia a atividade marítima é na antigüidade que encontramos igualmente próspera
a pirataria. Nos mares da Ásia, os malaios, pareciam nascidos exclusivamente
para exercer a arriscada, porém lucrativa, atividade de bandoleiro do mar.
Na Idade Média, surgiram pelo Mediterrâneo piratas cristãos e
muçulmanos; sabe-se que as atividades realizadas por eles não tiveram limites.
Desde a segunda metade do século VIII, os normandos, com seus barcos, estudavam
as correntes atmosféricas, deixando-se levar pelo vento. Apareceram pelas
costas da Espanha, saquearam Santiago e Compostela e outras cidades. De pagãos
converteram-se ao cristianismo, estabeleceram-se na Sicília ao sul da Itália,
onde fundaram reinos expulsando os muçulmanos que ali residiam. Os piratas
normandos, adentraram a Jerusalém, passando-se por Cruzados, na esperança de
enriquecer, atraídos pelo generoso botim das terras orientais. No litoral da
Península Ibérica, grupos de espanhóis muçulmanos instalavam-se no Mediterrâneo
oriental. Formados por renegados de suas cidades, aterrorizaram Alexandria,
apoderando-se de todo o comércio.
Embora as práticas dos assaltos pelo mar sejam remotas, podemos
dizer que a “Era de glória” da pirataria estende-se por volta dos séculos XVI
ao XVIII. Considerada a “Idade do Ouro” da pirataria, devido à comercialização
de mercadorias via marítima entre diversas nações. Por volta do ano de 1724, o
inglês Charles Rivington, em Londres, publicou a obra: Uma história geral dos
roubos e crimes de piratas famosos, de autoria do capitão Charles Johnson. A
obra vendeu cerca de um milhão de exemplares, tornando-se um best seller repentinamente,
ganhando um segundo volume no ano de 1726. Escrito de forma jornalística,
Charles Johnson narra os feitos dos piratas mais famosos do Reino Unido, fato
este que permaneceu a principal fonte de referência sobre os hábitos, costumes
e comportamento dos bandoleiros de alto-mar do início do século XVIII. Pouco se sabe sobre a origem do capitão Charles Johnson que não
deixou nenhum outro registro conhecido escrito. Historiadores divergem sobre a
origem obscura de Charles Johnson. Registros da marinha real inglesa constam um
capitão chamado Charles Johnson em serviço no período de 1700.
Também um
profissional escritor do teatro de comédia tinha o mesmo nome, e que permaneceu
por muito tempo em cartaz em Londres, com a peça sobre a vida do pirata Henry
Avery, intitulada: O pirata de sucesso. Devido ao forte apelo popular, o tema
atraiu muitos escritores profissionais, como por exemplo, Daniel Defoe, o
escritor da obra Robson Crusoé, um conhecido jornalista e autor da época.
Dentre as obras de Defoe, constam novelas sobre piratas e biografias sobre o
pirata Henry Avery, além de altos de processos de piratas famosos de sua época.
Durante muito tempo, a obra de Charles Johnson foi
atribuída a Daniel Defoe. Dotado de uma escrita moderna e popular, considerada
por muitos como um jornalismo pioneiro, Defoe possivelmente acabou servindo de
inspiração para diversos redatores com a mesma liberdade de apropriação da
informação alheia, em uma época em que o jornalismo transitava entre o
anonimato e era politicamente manipulado.
Dentre as supostas identidades do capitão Charles
Johnson, David Cordingly, o curador da exposição inglesa sobre piratas e
organizador da re-edição inglesa da obra, afirma que Johnson realmente existiu.
Já o historiador Phillip Gosse, argumenta que “o autor, embora insista em
condenar aquele modo de vida, demonstra conhecimento em detalhe de métodos,
regras e procedimentos da pirataria”, levantando assim, uma hipótese de Charles
Johnson ter sido um pirata.
Independente da origem do
capitão Charles Johnson, o fato é que sua obra constituiu a primeira crônica
historiográfica sobre piratas. Baseado nos registros oficiais e extra-oficiais,
Charles Johnson assume uma postura de jornalista e até mesmo de um historiador,
recontando as histórias dos piratas. Johnson manipula as informações,
servindo-se das técnicas e vícios do jornalismo sensacionalista, incluindo
factóides ao lado de informações oficiais e depoimentos pessoais, recriando
diálogos e reflexões das personagens envolvidas.
Além dos piratas descritos por Charles Johnson, os
corsários também apareceram ao longo da história. O relato de sir Richard
Hawkins contrapõe alguns pontos referentes ao estratagema e organização em alto
mar. Oriundo de uma família nobre, o navegador Richard Hawkins não se define
como um corsário e despreza qualquer ato considerado de pirataria.
Thomas Cavendish, o Navegador. |
A busca pelo rico butim, que as empresas de
navegação poderiam oferecer, atraiu muitos marinheiros com a esperança de
enriquecerem facilmente. Dentre esses marinheiros estava Anthony Knivet, que se
alistou na empresa do capitão Thomas Cavendish, o qual, atraía jovens com a
promessa financeira de enriquecer mediante a autorização e pilhagem de navios e
cidades. Para a historiadora portuguesa Ana Maria Pereira
Ferreira, é difícil distinguir Corso e Pirataria no ponto de vista jurídico. A
pirataria não é justificável, não dependendo de nenhuma autoridade, já o corso
exerce-se em determinadas situações, seja contra um Estado inimigo ou armando
represálias contra estrangeiros, sempre protegidos pela “carta de corso”
concedida pelo Estado de origem ou que contrata os serviços de um corsário.
Suas pesquisas estão baseadas nos estudos do Direito Português e nos aspectos
econômicos e sociais do corso e da pirataria.
O foco dos historiadores Eric
J. Hobsbawm e Jean-Claude Schmitt concentra-se no estudo a partir das margens
da sociedade, buscando contá-la a partir da uniformidade em áreas pouco
pesquisadas. Os relatos dos piratas e corsários fornecem muitas informações quanto
ao meio-ambiente do banditismo, permitindo-nos reconstituir acontecimentos
remotos para a compreensão do nosso próprio período. Esse interesse dos
historiadores pelas margens deve-se, ainda mais, ao desenvolvimento da nossa
própria sociedade.
Atualmente quando falamos em
piratas e corsários, somos remetidos as “Jolly Roger”, à bandeira da caveira e
das tíbias cruzadas, que tinham um significado claro nos códigos de sinais do
século XVII. Porém, a “Jolly Roger” hoje em dia, serve apenas como uma curiosidade,
vista como um ícone de certa rebeldia. Não apenas das ilhas das Caraíbas,
passando por Cuba a Trinidad, todos aproveitam a “herança dos piratas”, como
também do lado da “Spanish Main”, o caribe continental, revivem e re-aproveitam
a história dos piratas.
A Jolly Roger do pirata Edward England. Possivelmente a bandeira pirata mais conhecida popularmente. |
1.4. Opulenta prosperidade
Em aproximadamente 1724, o Capitão Charles Johnson
alertava a população inglesa publicando um livro intitulado: Uma História
Geral dos Roubos e Crimes de Piratas Famosos, que logo na sua introdução
faz uma interessante análise sobre a propagação da pirataria ao longo da
história, que segundo o autor, tornaram o terror do mundo mercantil:
“[...] não será despropositado, a modo de
introdução, mostrar, através de alguns exemplos extraídos da História, o grande
perigo que paira sobre os navios e colônias de reinos e comunidades de nações,
devido ao crescimento desse tipo de ladrão. Os piratas só se fortalecem por
negligência dos governos em algum período particular de trepidação histórica,
que não os destroem antes de reforçarem seus bandos. Esse é o caso, quando se
permite um pirata que seja percorrer os mares sem merecer qualquer atenção dos
governos. Pouco a pouco, esse pirata vai se tornando cada vez mais poderoso, às
custas de sangue e riquezas dos outros, para só então ser suprimido”. (JOHNSON,
1724, p. 23).
Podemos ver essa crítica
inserida na epígrafe que abre este capítulo. A estrofe do poema datado de 1583
de autoria desconhecida, embora anterior aos escritos do senhor Charles
Johnson, reflete com indiferença o protecionismo exercido pelo Estado na
manutenção da exploração naval mercantil, atividade que se mostrava muito
lucrativa.
Para ajudar-nos na compreensão desde trabalho, o
historiador Eric J. Hobsbawm traça-nos variações sobre a propagação do
banditismo:
“O bando de salteadores está fora da ordem social
que aprisiona os pobres; é uma irmandade de homens livres, e não uma comunidade
de pessoas submissas. Contudo, não pode apartar-se inteiramente da sociedade. Suas
necessidades e atividades, sua própria existência, fazem com que ele estabeleça
relações com o sistema econômico, social e político convencional”. (HOBSBAWM,
1976, p. 81).
Navio francês sob o ataque de piratas. Aert Asthonisz, óleo em painel de carvalho, 1615. |
Tendo em vista estes aspectos,
no capítulo a seguir será abordada a questão da pirataria e do corso inseridos
nesse contexto. Podemos dizer que a pirataria foi apenas banditismo? Existia um
código de leis que regia a disciplina em alto-mar? Qual era a diferença entre
um pirata e um corsário? Estas são apenas algumas reflexões que retomaremos no
capítulo seguinte.
2. Os irmãos da costa do Caribe
Minha viagem não foi a única, nem foi a última. Foi a mais famosa
e a menos frutífera. Começou uma empreitada coberta de empecilhos, mas parecia
de glória quase certa, terminando numa tragédia, que só me deu cicatrizes e
prejuízos. Vim, vi, mas não venci. Mesmo assim, dou-me por satisfeito, se Deus
proteger a quem me leia com algum proveito. (Richard Hawkins, 1603).
A conquista do Novo Mundo e o contínuo tráfego de riquezas
que trazia consigo, vieram a ser prontamente uma poderosa isca atrativa nas
águas do Atlântico para pirataria do Mundo Antigo, que até então, havia
tomado conta do Mediterrâneo e demais mares interiores. O brilho dos tesouros
da América e das Índias prontamente atraíram bandoleiros dos mares dispostos a
se apoderarem do botim que aquelas terras de domínios ibéricos extraiam. Logo,
com a formação das primeiras frotas navais lusitanas na Índia, piratas
franceses saqueavam a costa ocidental da África por volta do ano de 1504. Mais
tarde, os interesses voltaram-se para as Antilhas, visando a dominação do
comércio espanhol, o centro comercial da América. O El Dorado, atraía em
larga escala navegadores de todo o Velho Continente. (ENCICLOPÉDIA Universitas,
1952).
Um galeão espanhol |
Galeões espanhóis carregados com um atraente botim de ouro e prata
atraíam, como um poderoso imã, o interesse de bandidos para o desespero de
alguns desavisados comerciantes. Por volta do ano de 1536, novamente os
franceses saqueavam portos no Panamá e Havana, mantendo também, posteriormente,
ataques regulares na região da Flórida. Devido aos inúmeros ataques franceses
bem sucedidos, não tardou para que a rivalidade naval entre as nações inglesa e
posteriormente a holandesa atingissem seu auge, deflagrando uma guerra que
perduraria por décadas entre os soberanos Filipe II e Elizabeth I. Graves
conseqüências atingiram a Espanha e Portugal, sendo que esta última estava sob
poder castelhano. (ENCICLOPÉDIA Universitas, 1952). Os ataques dos piratas não se limitavam apenas as embarcações
espanholas e portuguesas, atacavam também as povoações das desguarnecidas ilhas
litorâneas. Os franceses apoderaram-se das várias pequenas Antilhas,
praticamente abandonadas pelos ibéricos, como a parte norte do Haiti, conhecida
até então por Hispaniola, além dos territórios de Dominica, Guadalupe,
Marigalante, Martinica, Santa Lucia e Tortuga. Houve uma tentativa de expandir
seus domínios mediante a fundação de uma colônia no Brasil, a França Antártica,
não limitando suas atividades ao mar das Antilhas e proximidades. Os
britânicos, dentre suas conquistas nos mares caribenhos estão os territórios:
Antingue, Barbados, Bermudas, Montserrat entre outros.
Mapa com as principais ilhas do Caribe, Bahamas e Antilhas. |
O conflito entre Espanha e Holanda deveu-se à luta pela
independência desta última, onde diversas contendas eclodiram, cabendo a
Holanda a posse dos territórios de: Curaçao, Tobago e Santo Eustáquio.
(TAPAJÓS, 1960) Estas ilhas das Índias Ocidentais, segundo Charles Johnson,
concentraram mais piratas do que em qualquer outra parte do mundo. A principal
razão deste contingente marginal residia nas muitas ilhas desertas que
continham atracadouros seguros, servindo para a manutenção e limpeza das suas
embarcações, além de outros interesses: Essas ilhas têm abundância do que, de
modo geral, precisam com mais urgência: água fresca, madeira boa, frutas,
legumes, aves, tartarugas, mariscos e muito peixe. Trazendo apenas uma bebida
forte, os piratas podem ficar ali o tempo que quiserem. Descansam e preparam
seus barcos para novas expedições, sem a menor pressa ou preocupação de que
notícias da sua presença cheguem aos ouvidos de quem possa vir perturbá-los.
(JOHNSON, 1724, p. 28-29).
Estas ilhas, também conhecidas por Keys, uma
denominação para designar as pequenas ilhas como entrepostos comerciais,
constituíram uma população de agricultores, caçadores e açougueiros. Mulatos,
mestiços e alcatraces, designação para nascidos da mistura do negro e
índio, constituíram a diversidade das etnias nas Índias Ocidentais.
(ESQUEMELING, 1678).
2.1 Piratas, Corsários, Bucaneiros e Flibusteiros
Durante a primeira metade do século XVI até meados
do século XVIII, podemos apontar que o principal campo de ação da pirataria
realizou-se nas ilhas dos mares do Caribe. No entanto, faz-se necessário uma
definição de termos com o intuito de evitarmos possíveis confusões entre
piratas, corsários, bucaneiros e flibusteiros.
A origem do termo pirata vem
do grego, peiratès, designado desde a Antigüidade para: aquele que
procura fortuna no mar. Na Grécia Antiga, poetas conhecidos como aedoi declamavam
cânticos dedicados em sua maioria a temas místicos, com o auxílio de
instrumentos musicais de corda. Dois exemplos destes poemas épicos cantados
estão nas obras clássicas gregas: Ilíada e Odisséia. Na obra Odisséia, é
descrita a viagem de retorno de Ulisses da cidade de Ílion ou Tróia até seu
lar, localizado na ilha de Ítaca. (FUNARI, 2004).
Estes poemas estão atribuídos aos tempos Homéricos.
A princípio, os aqueus, conforme designado em alguns escritos egípcios,
desenvolveram os segredos da arte da navegação tornando-se os povos do mar, embora
o esmero na arte da navegação na antigüidade esteja comumente atribuído aos
fenícios. No trecho retirado da obra Odisséia, Homero relata duas supostas
origens da escravidão: a guerra e a pirataria. O guerreiro Ulisses relembra da
fama que os marinheiros cretenses tinham perante Ítaca, onde abundavam as práticas
de rapinagem marítimas ainda em desenvolvimento. (HOMERO, 1981).
“O industrioso Ulisses lhe replicou: “Ah! Porqueiro
Eumeu, começaste por andar errante da pátria e dos progenitores, sendo ainda
criança. Pois bem, fala-me com toda sinceridade. Saquearam então uma cidade de
largas ruas, onde residiam teu pai e tua venerável mãe? Ficaste só, junto das
ovelhas e dos bois, e os piratas te raptaram em suas naus e vieram vender-te,
por bom preço, ao dono deste palácio?”” (HOMERO, 1981, p. 143).
Vemos então que Homero, independente da veracidade
de sua existência tão discutida entre os historiadores, cunhou a palavra que
designaria os homens que comerciavam escravos, pilhavam e destruíam cidades
costeiras e embarcações.
Com o passar dos séculos, a “pirataria” (VAINFAS,
2000, p. 487) na Idade Moderna, designou os marinheiros constituídos das mais
diversas nacionalidades, que viviam das pilhagens de navios ou dos saques as
cidades das Antilhas ou do litoral. Posteriormente, isso se tornou um
procedimento autônomo, sem proteção legal dos Estados, estimulado cada vez mais
por interesses materiais sem considerações morais ou religiosas. (VAINFAS,
2000).
Uma carta de corso francesa |
Em contrapartida, os corsários, também chamados de gentleman
pirate, constituíam-se, em sua maioria, por piratas que recebiam de seus
soberanos cartas de corso ou cursus tendo liberdade para assaltar e aprisionar
embarcações e povoações inimigas dos Estados pelo qual disponibilizavam seus
serviços. Praticavam atos de guerra, não sendo vistos como simples bandoleiros
do mar. (TAPAJÓS, 1960). Observamos a autoridade da afirmação de E. Hobsbawm
sobre a definição categórica referente à oficialização do pirata em corsário
que trabalhava representando o governo, cujo oferecesse seus serviços: “[...]
capitães de veleiros na era pré-industrial podiam tentar a sorte em golpes de
pirataria (ou o contrário), mesmo quando não usassem os bons ofícios dos
governos para se transformarem em corsários, isto é, piratas oficiais.”
(HOBSBAWM, 1969, p. 84).
Quanto aos bucaneiros, a origem do termo vem
do francês, boucaniers, designação para os primeiros colonizadores da
ilha de Hispaniola ou Haiti, formados por homens que se dedicavam à caça
de porcos e gado selvagem. Exportavam couro e carne moqueada no bouc,
uma espécie de grelha usada para preservar a carne para a venda e consumo,
técnica idealizada pelos selvícolas Arawak das Caraíbas. Estes colonos,
que tiravam seu sustento através do boucan, passaram a ser conhecidos
por bucaneiros. Eles não atendiam às leis e diretrizes dos governos vigentes.
(TAPAJÓS, 1960).
Desenho de um boucan. A partir dessa palavra surgiu a palavra bucaneiro, que posteriormente se tornou sinônimo para pirata. |
O termo flibusteiro não tem uma origem definida.
Historiadores divergem sobre sua origem nas derivações do inglês; free-booters
ou flyboats, ou do neerlandês; vlieboot ou vrij vuiter. Em
ambas as línguas, os significados assemelham-se a barcos voadores, barcos
rápidos ou navegantes livres. Independente da origem, os bucaneiros, ao
manterem contato com piratas contrabandistas e mercadores, formaram um mundo à
parte na ilha de Hispaniola, logo depois transferido para Tortuga.
Essa troca de relações originou uma nova sociedade de foragidos organizada
auto-intitulada: Irmãos da Costa ou Frères de la Cote, que
pilhavam as populações litorâneas, tendo como bases de operações a baía de Tortuga
e Port Royal, localizado na Jamaica e também em Madagascar.
(TAPAJÓS, 1960).
Vimos então que a diferença entre corsário e pirata
está no ponto de vista jurídico. A pirataria representa uma ação básica, não
transferindo nenhuma justificação nem estando subordinado a nenhuma autoridade.
O corso tem o consentimento do Estado, exercendo-se em situações definidas
como, por exemplo, opondo-se contra súditos de um estado inimigo ou
repreendendo estrangeiros mesmo que em períodos de paz. (FERREIRA, 1985). Caso
de Richard Hawkins, que se intitulava um livre empreendedor inglês, abençoado
pela graça divida e pela bondade da coroa britânica.
Sir Richard Hawkins |
"Pirata ou “corsário” é alguém que, em tempo de paz
ou suspensão de hostilidades entre principados, pilha, rouba e tira proveito de
navios vindos de países sem conflitos com o seu. Os ingleses, porém, não
estavam em paz, nem se sabia de qualquer tratado assinado, decretando boas
relações de amizade da Inglaterra com a Espanha. Assim sendo, estávamos em
guerra. Toda guerra, por princípio, implica em assaltar navios de país inimigo.
Isto, portanto, não é nem pode ser considerado um ato de pirataria". (HAWKINS,
1603, p. 411).
Percebemos pelas palavras de Sir Richard Hawkins, oriundo de uma
famosa família de navegadores da aristocracia inglesa do século XVI, um apreço
pelo corso, confundindo-se nas definições entre corsário e pirata. É nítido
que, como um homem de seu tempo, Hawkins não se veja como um corsário, embora
empregue artifícios do corso para explicar suas atitudes contra embarcações de
nações inimigas em tempos de guerra. O senhor Hawkins mostra-se preocupado com
o avanço da pirataria na Inglaterra, relatando a punição exemplar a todos
aqueles que desacatassem a lei e a ordem dos mares, eximindo a proveniência de
atos de pirataria oriunda do Reino Unido:
“Piratas são empreendedores desonestos, que traficam
o que colhem, pilhando inocentes sem licença ou aprovação de seus príncipes.
Muitas vezes, pilotam navios com modelo e bandeira inglesa, mas foram
seqüestrados dos nossos portos ou roubados de seus mestres em meio a uma longa
viagem. Em qualquer território do Reino Unido, sempre que descobertos, estes
desordeiros são recolhidos para cárceres em terra firme. O castigo imposto
pelos lordes revela-se mais severo do que se caíssem nas mãos de um povo
estranho, onde seus crimes não fossem conhecidos”. (HAWKINS, 1603, p. 412).
Quatro piratas chineses que foram presos em Hong Kong, 1863. |
É compreensível a dificuldade de distinguirmos a
pirataria e o corso na análise da realidade. Não podemos rotulá-los de forma
arbitrária. Suas raízes etimológicas e seus reflexos no cotidiano perfilam-se
na facilidade com que o pirata e o corsário trocam de papéis. Embora peiratès
e cursus contenham praticamente a mesma designação: aquele que
procura fortuna no mar, seus vestígios servem para evidenciar a debilidade dos
limites, a imaginação e a instabilidade das personagens, não definindo,
portanto uma tipologia. (FERREIRA, 1985).
A pirataria e o pirata assumem-se, pois, como forma
primária de banditismo. O corso representa o início da responsabilidade
internacional e, em paralelo, o aproveitamento da marginalidade para fins de
interesse público. Nesse sentido, o corso torna-se num facto político e
conseguir dominá-lo terá o duplo propósito, nem sempre conciliável, de o
subordinar aos desígnios da estratégia bélica e, em tempo de tréguas, reduzi-lo
o mais possível. (FERREIRA, 1985, p. 5).
Corsário, pirata e mercador são frutos de uma única realidade,
pois, com o desenvolvimento das trocas mercantis, ocasionou um meio de vida a
todos. Com a amplitude mercantil, proveniente das cidades mediterrâneas em
meados do século XII, foram marcados pelo avanço da pirataria e por
conseqüência do corso punitivo. Nos séculos seguintes, o agravamento deveu-se a
multiplicação dos conflitos e vários fatores contribuíram para a difusão dos
salteadores:
“Existem, decerto, notáveis variações de região para
região. Tais variações se devem em parte à geografia, em parte à tecnologia e à
administração, e em parte à estrutura social e econômica. O banditismo floresce
quase invariavelmente em áreas remotas e inacessíveis, tais como montanhas,
planícies não cortadas por estradas, áreas pantanosas, florestas, ou estuários,
com seu labirinto de ribeirões, e é atraído por rotas comerciais ou estradas de
grande importância, nas quais a locomoção dos viajantes, nesses países
pré-industriais, é lenta e difícil. Freqüentemente, basta a construção de
estradas modernas, que permitam viagens fáceis e rápidas, para reduzir bastante
o nível de banditismo. Favorecem-no a ineficiência administrativa e a
burocracia”. (HOBSBAWM, 1969, p. 14).
Porto Príncipe sob ataque pirata liderado por Henry Morgan, 1668. |
Turbas de salteadores formados
por membros de castas criminosas ou grupos de proscritos maltrapilhos
procuravam as boas graças através da rapinagem em alto-mar, carecendo de raízes
locais, não estando confinados pelos limites de um território, formando parte
de uma ampla rede de um submundo atuante em áreas de pilhagem estratégicas,
como feiras e mercados ou um quartel-general para operações mais abrangentes.
Podemos tomar como sinônimos os termos: piratas, bucaneiros e flibusteiros para
a melhor compreensão deste trabalho, visto que englobam basicamente a mesma
categoria de piratas que pilhavam pelo seu próprio proveito. Veremos a seguir,
outros aspectos das práticas do corso e da pirataria que puseram em polvorosa
Estados e mudaram parâmetros do desenvolvimento marítimo.
2.2. A política interna e a
disciplina de bordo dos navios
Resta-nos perguntar: Como estavam constituídos os bandos de
salteadores que reformularam os contornos do mundo em que vivemos? Navegantes
vistos a todo o momento nos portos e estaleiros, foco das rodas de conversas da
nobreza e dos populares. Tripulações formadas, principalmente, por ex-soldados,
mercadores e uma malta de escorraçados de suas moradias nos campos, pela fome
ou pela peste. Pilotos almejando experiência ou ascensão profissional. Fidalgos
dispostos a servir ao rei, à igreja e às suas próprias necessidades
financeiras; compostos também, por estrangeiros das mais variadas origens.
Veremos adiante, que a vida em alto-mar não carregava o romantismo imortalizado
e descrito pelo escritor escocês Robert Louis Stevenson na sua obra A Ilha
do Tesouro.
A duração das viagens era de difícil previsão,
guiada dentro dos limites impostos pelos ventos e pelas marés. As condições de
vida a bordo durante as longas viagens eram precárias, não apenas para os
padrões contemporâneos, mas também, para os padrões de vida da época. Todos os
navios faziam água. Mesmo com o emprego das bombas hidráulicas, a água cobria
continuamente o fundo do casco do navio, resultando na proliferação dos ratos,
insetos e vermes, misturados ao desleixo dos hábitos higiênicos da tripulação.
(HALE, 1974).
“Em matéria de provisão, as longas viagens criavam
uma enorme calamidade, conseqüência do grande número de homens necessários para
executar os trabalhos no convés. Era preciso reservar mantimentos ao longo das
viagens, entretanto, alguns fatores dificultavam o trabalho da conservação e
estoque dos alimentos: “a tendência do trigo e dos biscoitos de bordo a se
estragarem ou serem atacados por bichos; e a rapidez com que os barris de vinho
ou de água mais bem feitos mostravam vazamentos sob o constante balanço do
navio”.” (HALE, 1974, p. 81).
A capacidade de um comandante de navegar por onde quisesse estava
limitada com os problemas referentes à alimentação, obrigando-o a navegar
indiretamente por rotas alternativas, assumindo grandes riscos na busca de
assegurar um abastecimento de víveres para a tripulação. A dieta ideal para os
marinheiros seria a ingestão de 3500 calorias por dia, em média, se fosse
constantemente disposta. A comida de bordo oscilava durante as viagens, de
festins que correspondiam aos hábitos alimentares dos que viviam em terra e a
tempos de escassez.
Os alimentos bons para o consumo esgotavam ao fim de poucos
dias, obrigando-os posteriormente a consumirem alimentos prejudicialmente
salgados e secos, por vezes, transformados em uma massa viscosa tomada por
vermes, e a água putrefata, dependendo assim, os marinheiros, das chuvas para
renovar o estoque de água para o consumo. O marujo inglês Anthony Knivet
descreve como estava a tripulação capitaneada pelo navegador Thomas Cavendish,
ou Candish como preferiam seus contemporâneos, pouco depois de um mês de
partida de Plymounth, na Inglaterra, até Ilha Grande, no Brasil:
“Nossos homens brigavam por comida como se fossem
judeus, e não cristãos, e aqueles que conseguiam o melhor bocado escondiam-se
em algum buraco, ou embaixo de alguma árvore na mata, e assim ficavam enquanto
tivessem o que comer”. (KNIVET, 1625, p. 38).
Vemos que com a fome estabelecida a bordo, era
necessário que determinados homens desembarcassem em alguma terra incógnita,
para a coleta de víveres na tentativa de saciar a fome de toda a tripulação,
porém, o clima frio das noites em alto-mar dificultava esta tarefa. Usamos para
exemplificar a precariedade das roupas da tripulação, outro relato do senhor
Knivet:
“[...] chegando ao clima frio sem roupas eu tinha pouca esperança
de sobreviver, pois naquele lugar um homem podia estar bem de manhã e à noite
morto de frio. Aconteceu comigo de ir a terra buscar algum alimento, pois as
provisões de nosso navio eram poucas, e, ao voltar a bordo, meus pés estavam
molhados e eu não tinha uma muda de roupa. Quando acordei na manhã seguinte,
meus pés estavam tão dormentes que não conseguia mexer as pernas. Ao tirar
minhas meias, alguns dedos saíram junto, e vi que meus pés estavam negros feito
fuligem e não conseguia mais senti-los de todo. Não mais conseguia caminhar”.
(KNIVET, 1625, p. 51).
Além da fome generalizada, e o frio, as doenças
propagavam a bordo e a tripulação vivia confinada, na maioria das vezes
superlotada, infestada de piolhos e pulgas, além de literalmente apodrecer,
quase sempre, sofrendo da doença profissional dos marinheiros: o escorbuto. Uma
empresa com destino à Índia, por exemplo, era considerada de sucesso se apenas
20% da tripulação morresse vítima do escorbuto. (HALE, 1974). A bordo de sua
embarcação, o Dainty, Richard Hawkins descreve-nos alguns sintomas da
doença que deixava um navio sem mãos capazes de trabalhar e fazia com que os
homens perdessem a razão:
“Um por um, os homens foram atacados por um tipo de
edema ou inchaço, que os marinheiros se acostumaram a chamar de escorbuto. Esta
doença é sempre mencionada como um perigo predominante das zonas tórridas e dos
países de clima quente. [...] o escorbuto aumenta o mal-estar dos homens com
uma tormenta por dentro do corpo, que é dominado por uma indolência
insuportável. [...] muitos só conseguem se mover carregados nos braços. Outros
são enlouquecidos pelo desespero e pedem sem parar que uma alma caridosa os
ponha a dormir para sempre com um tiro. [...] A doença provoca um desejo
insaciável de beber água, causando um inchaço geral do corpo, principalmente
nas pernas e nas gengivas. Muitos vêem seus dentes se soltarem da queixada sem
sentirem qualquer dor”. (HAWKINS, 1603, p. 109).
Para evitar as enfermidades na tripulação, o capitão procurava
estabelecer uma rotina de bordo, desviando as recordações referentes aos seus
lares e afastá-los do jogo, além de outros pensamentos e do ócio, que para o
capitão-mor, poderia significar problemas futuros: “o vigor da juventude faz
com que muitos percam a cabeça, causando grandes alterações e perturbações,
altamente prejudiciais à harmonia dos homens a bordo.” (HAWKINS, 1603, p. 92).
Percebemos que era necessário separar a tripulação em grupos, onde cada qual
era incumbido de realizar as tarefas impostas pelo seu superior.
Em alguns navios, as tarefas eram delimitadas para
três dias da semana: no primeiro dia, treinamentos com as armas; no segundo
dia, manutenção e conservação do navio e no terceiro dia, higienização da
tripulação. Os dias alternavam-se entre um dia de labuta e um dia de folga, no
qual, cada grupo realizava todas as tarefas uma vez por semana. Na chegada do
sétimo dia ninguém trabalhava, caso as condições marítimas favorecessem,
reservavam para render graças à Divina Providência. Entretanto, era também, um
dia de intensa atividade coletiva:
“O Sabbath [...] os homens tinham que cumprir suas
obrigações com o próximo em público. Acertavam velhas contas, pediam desculpas
a quem tinham abusado, enganado ou ofendido. As confissões públicas eram
julgadas pela maioria, que passava o tempo determinando quantos golpes de
palmatória merecia cada condenado por faltas graves com seus companheiros”.
(HAWKINS, 1603, p. 93).
Sabemos que a maioria das embarcações durante a
Idade Moderna funcionavam como se fossem empresas ou organizações militares,
havendo uma hierarquia de bordo com tarefas bem definidas. Faziam parte dessa
hierarquia o capitão, os mestres e a tripulação, cada um com sua tarefa a ser
desenvolvida para o sucesso da empresa.
Gravura de 1736 retratando o navio Queen Anne's Revenge, capitaneado pelo Barba Negra. |
Os mestres deveriam ser os mais
instruídos e fluentes nas lides da arte da navegação, eram os principais homens
de confiança de um capitão. Dentre suas obrigações, estavam escolher suas
equipes e auxiliá-los nas divisões das tarefas como, por exemplo: a orientação
e disposição das velas, cuidados com as cordas, presilhas, entre outras, seja
no mar ou no porto.
O piloto-mor estava incumbido do manejo do
leme, timão e instrumentos que colocasse nas mãos de seus assistentes,
observando sempre como o navio velejava, os ventos, o clima, anotando a posição
do sol ou estrelas.
O mestre barqueiro e seus assistentes estavam
responsáveis pela manutenção do navio, mantendo-o sempre limpo e arrumado e os
botes sempre equipados. Suas tarefas englobavam manutenção das redes de
proteção, velas bem reparadas, janelas polidas e protegidas, portinholas
fechadas, entre outras. Deveriam relatar também, pontos do navio que
precisassem de eventuais reparos e reforços ao mestre carpinteiro. Os
mestres barqueiro e carpinteiro trabalhavam na maioria das tarefas em conjunto.
O mestre despenseiro era o responsável pela
conservação dos víveres e outros artigos de primeira necessidade, respondendo
pela boa ordem do porão do navio. Estava sob seu cargo, as quantidades precisas
e suficientes para matar a fome da tripulação, sempre mantendo informado o
capitão sobre o estoque dos alimentos. Deveria manter discrição sobre a
quantidade dos víveres junto ao resto da tripulação.
O canhoneiro e os artilheiros eram os
responsáveis pela lubrificação e polimento de toda a artilharia do navio.
Orientando a posição dos canhões, preparação das buchas e cartuchos, separação
de pólvora, e tudo mais que se utilizava em combate, desde armas que
utilizassem pólvora até as armas brancas. Os artilheiros dependiam da constante
vigilância do canhoneiro para o disparo certeiro. Determinavam o ângulo correto
e quantidade da pólvora para um disparo preciso.
O capitão era a alma do navio. Eleito pela maioria da tripulação,
intervinha quando as circunstâncias exigiam uma satisfação pública. Além de
convocar reuniões com os mestres, organizar celebrações festivas, sermões ou
discursos. Era o responsável em aplicar as leis e punições de bordo, manter os
mestres sempre ocupados e dar um jeito da tripulação cumprir o que mandavam
seus superiores. Abaixo, temos um exemplo de uma votação para capitão,
conclamado pelo pirata Lorde Dennis, após a morte do capitão Howel Davis pelas
mãos dos portugueses. Bartholomew Roberts acabou eleito como novo capitão, no
qual, agradeceu com as seguintes palavras: “Uma vez com as mãos na lama, sei
que serei melhor comandante do que marinheiro.” (JOHNSON, 1724, p. 214).
“Nós, os homens a bordo, somos a origem de todo o
poder do capitão” [...] “Nós podemos destituir do cargo qualquer petulante que
exceda sua autoridade. Se resistir, podemos executá-lo e jogá-lo no mar para
que sua memória sirva de aviso a seus sucessores. Assim, meu conselho é que
escolhamos um homem de coragem mais ou menos honesto enquanto ainda estamos
sóbrios.” (JOHNSON, 1724, p. 214).
Quem deve ser o capitão? Howard Pyle, 1911. Nessa época as pinturas já sofriam influência da imagética dos romances piratas, daí haver deturpações em alguns sentidos. |
“O capitão deveria estabelecer o bom convívio de
seus subordinados a todo custo, mesmo arrancando sangue do lombo dos
inconformados. Deduzimos que nestas condições que “só uma ideologia e a
disciplina férrea podem impedir que em tais circunstâncias os homens se
degenerem em lobos [...]”.” (HOBSBAWM, 1969, p. 65).
Uma medida utilizada pelo capitão Richard Hawkins
para evitar as rebeliões e motins, tão freqüentes nas viagens em alto-mar, e ficar
a par de todas as atividades recorrentes em sua embarcação, foi fazer valer a
lei da palmatória. Servindo também com uma maneira de punir a todos os
tripulantes que não estavam agraciados pela Divina Providência, pois,
praguejavam e desacatavam seus superiores, usando expressões de baixo calão que
eram atribuídas aos infortúnios obtidos com o decorrer da viagem. Logo, a
palmatória mostrou-se eficiente, corrigindo as atitudes da tripulação:
“Em qualquer lugar do mundo, os marinheiros são famosos por desobedecer
a Deus e desacatar seus superiores, vociferando pragas e maldições virulentas
com incontáveis expressões do mais baixo calão. [...] Ficou estabelecido que,
diariamente, depois das orações da manhã, a tripulação de cada navio escolheria
um corregedor. Ele era obrigado a passar o dia inteiro prestando atenção nas
conversas dos outros. Carregava uma tábua ou palmatória amarrada na cintura e
uma Bíblia na mão esquerda. Sempre que visse e ouvisse alguém praguejando ou
dizendo palavrões, era tarefa sua castigar o “boca suja” no ato, com uma
lambada nas mãos ou nas nádegas. [...] Assim, este vício de linguagem foi
totalmente corrigido”. (HAWKINS, 1603, p. 122-123).
Constituía também como parte da tripulação o escrivão,
encarregado de relatar sobre a viagem e cuidar do livro de contabilidade; o grumete,
aprendiz de marinheiro; o pajem que servia os oficiais de bordo; o barbeiro
que era o responsável pelos escassos cuidados com a higiene da tripulação.
Posteriormente, com o desenvolvimento da empresa das navegações, não tardou
para que representantes da Igreja católica embarcassem na missão de difundir os
ensinamentos cristãos aos marinheiros e aos silvícolas infiéis das novas
terras.
Embora fosse restrito o número de tripulantes
instruídos nas letras, alguns poucos homens liam, em sua maioria, romances de
cavalaria ou folhetos religiosos. Os músicos de bordo estavam empregados na
tarefa de divertir a tripulação quanto para enviar sinais. Porém, o modo mais
comum de espantar o tédio eram os jogos proibidos, como por exemplo, cartas e
dados, além das celebrações festivas, caso o tempo e as provisões permitissem.
Temos um exemplo de um momento de diversão dos tripulantes da armada de Richard
Hawkins, que descontavam sua vingança nos tubarões, culpados por muitos dos
ferimentos e aleijamentos diários causados nos homens-do-mar:
"Quase todos os dias, a tripulação não descansava até pegar dois ou
mais tubarões. Não que gostassem tanto assim de comê-los. [...] Nos meus
navios, os homens pegavam tubarões para se divertir. [...] Os tubarões vivem
muito tempo fora d’água, prolongando por várias horas a agonia de tudo o que
sofriam nas mãos dos marujos. Depois de uma luta corporal intensa, dois homens
seguravam o bicho e um terceiro amarrava uma tora de madeira no rabo. Em outro,
amarravam uma bacia vazia na cauda e punham os dois tubarões a dançar no
convés. Também punham uma canga ou arreios na cabeça do tubarão e apostavam
quem aguentava mais montado no seu lombo, enquanto o peixe corcoveava mais do
que cavalo xucro. Se o tubarão derrubasse todos que tentassem domá-lo feito um
potro, ganhava o direito de voltar para o mar com vida. Antes, porém,
arrancavam seus olhos inteiros para secar ao sol e usá-los como bolas de gude.
[...] Os homens demonstravam uma capacidade inesgotável para inventar novos
jogos e passatempos, vingando-se nos tubarões com entusiasmo e regozijo".
(HAWKINS, 1603, p. 127).
“Para a embarcação chegar ao
seu destino, era necessária a condução da tribulação sob o comando de um
capitão e seus mestres, com o intuito de lutar sob a insígnia de alguma corte
ou motivados por um interesse comum de fazer fortuna. “A guerra faz a fortuna
desses homens de armas familiarizados com a violência, mas cada trégua lança-os
de volta nas estradas”.” (SCHMITT, 1990, p. 276).
2.3. A diplomacia dos canhões
“Se o infortúnio me atormenta, a fortuna me
contenta” (HAWKINS, 1603, p. 62), já dizia Richard Hawkins. Destinos cobertos
de percalços transformavam-se em venturas cobertas de glórias. A Era da
pirataria engloba o século XVI até meados do XVIII, onde monopólios comerciais
estavam à mercê de um bando de ladrões, livres das amarras da lei e da ordem,
para tomar qualquer atitude ou pilhar o que lhes chamassem a atenção, até que a
forca ou o canhão os eliminasse. Não seria exagero considerarmos que nenhuma
nação dominava os mares, mas sim, os corsários e piratas, “o banditismo [...]
cresce e toma proporções epidêmicas em épocas de tensão e desagregação social.
Tais épocas são também aquelas em que as condições para essas explosões de
violência se tornam mais favoráveis.” (HOBSBAWM, 1969, p. 64). Considerados uma
ameaça para os mercadores e as autoridades, que tentavam edificar um império,
ninguém era mais temido nas rotas comerciais do que os comandantes piratas que
delas roubavam ouro e mercadorias, não necessitando assim, de outra alternativa
de diálogo, senão o das armas.
Entre alguns piratas das Caraíbas, vigoravam as
mesmas leis comuns; a corsários de outros mares, o lema era: “Sem presa, a
empresa não paga.” (ESQUEMELING, 1678, p. 72). Fortalecendo assim, o primeiro
artigo dos contratos dos piratas. Um fator, que contribuiu imensamente para a
difusão da pirataria na Era Moderna, foi a guerra que se estabeleceu entre as
nações Inglaterra e Espanha.
O conflito anglo-espanhol (1585-1604) permaneceu inconclusivo até
meados do século XVIII, deixando milhões de marinheiros dispensados das
esquadras de suas nações. Esse conflito resultou na destruição da Invencível
Armada, uma enorme esquadra organizada, por volta de 1588, pelo soberano
espanhol Filipe II (1527-1598), com o intuito de frear as incursões inglesas
nos domínios espanhóis. A armada era composta por cerca de 30.000 marinheiros a
bordo de 130 navios de artilharia pesada, visto que, uma parcela da tripulação
era formada por portugueses e o que havia de mais avançado na época em termos
de navegação lusitana. Filipe II dispunha de alguns dos melhores galeões de
guerra do mundo.
Navio ingleses enfrentam a Invencível Armada em 1588. |
Não tardou para que a rainha da Inglaterra Elisabeth
I, também conhecida pelos ingleses como Isabel I, financiasse a primeira viagem
de circunavegação inglesa, capitaneada pelo corsário Francis Drake (1545-1596)
e seguidos pelo exemplo da bem sucedida empreitada de Drake, outros corsários
destacaram-se, como por exemplo: John Hawkins, tio de Francis Drake e pai de
Richard Hawkins; Robert Withrington e Christopher Lister, que organizaram
incursões a Salvador na Bahia; Thomas Cavendish, que saqueou Santos, São
Vicente, Espírito Santo e Ilha Grande; James Lancaster que em companhia do
pirata holandês Venner, apresentaram-se no porto de Recife; Henry Morgan que
posteriormente tornou-se governador da Jamaica, entre muitos outros. (TAPAJÓS,
1960).
O notório pirata Henry Morgan (c. 1635-1688). |
“Ao longo da Idade Moderna, muitas batalhas entre as nações
mercantis eclodiram, e nesse período de conflito, quase todos os marinheiros
encontravam-se empregados em embarcações, porém, elas sempre eram intercaladas
com períodos de paz. Durante estes períodos pacíficos, parte do contingente das
esquadras era dispensada de seus serviços, resultando em multidões de
marinheiros desocupados que perambulavam pelos portos. Os marinheiros que
continuavam no oficio trabalhavam dobrado por um baixo salário, o que aumentava
cada vez mais o descontentamento contra os mercadores para quem trabalhavam,
como o Capitão Charles Johnson nos relata: Nunca se soube de um “man-of-war”
comissionado que, depois de anos de serviço, não dispense um contingente de
homens que passam a disputar as vagas nos navios, oferecendo-se para trabalhar
três vezes em cada 24 horas. Os mercadores se aproveitam da situação, baixando
ainda mais os salários dos marujos. Os que conseguem se manter no mar ganham
pouco, trabalham mais e comem menos. Essa exploração alimenta o
descontentamento entre os homens, tornando-os ansiosos por qualquer mudança”.
(JOHNSON, 1724, p. 17).
Logo, os navios nos tempos de guerra tornavam-se os
berçários dos piratas nos tempos de paz. Charles Johnson esboça uma
interessante comparação entre os bandoleiros das estradas e os dos mares, ou
seja, para o senhor Johnson, os piratas em alto-mar tinham a mesma sagacidade
dos ladrões em terra firme:
“Os ladrões conhecem as estradas mais movimentadas,
onde é mais provável acharem uma boa vítima. Os piratas também conhecem bem as
melhores latitudes para interceptar navios. Quando sentem falta de mantimentos,
material de navegação ou qualquer coisa em especial, trafegam ao longo das rotas
mercantis, onde têm certeza de que encontrarão uma presa”. (JOHNSON, 1724, p.
18).
Atraídos pelo exotismo e pelo medo dos possuidores,
estes profissionais do crime e da mendicidade formulavam um vocabulário próprio
para a comunicação entre os bandos mais organizados ou ladrões informais.
Progredia assim, uma cultura própria, com seus signos, regras de honra, suas
práticas e seu vocábulo enigmático, as gírias dos especialistas da rapinagem,
mendicância e do crime. (SCHMITT, 1990).
“Para a economia do banditismo, era necessário que estabelecessem
relações com o sistema econômico, social e político de seu meio. Careciam de
pouca coisa, além daquilo que seus companheiros consumiam, podendo dar-se por
saciados em poder adquirir em grande número, sem o esforço da labuta do homem
comum. Examinemos, em primeiro lugar, a economia do banditismo. Os ladrões têm
de comer, e de se abastecerem de armas e munições. Têm de gastar o dinheiro que
roubam, ou vender os resultados de seus saques. A rigor, no mais simples dos
casos, eles necessitam de muito pouca coisa [...]” (HOBSBAWM, 1969, p. 81).
Piratas levando rum para comprar escravos. Desenho do livro The Pirates Own Book de Charles Ellms, 1837. |
Grande parte destes bandidos viviam em uma economia
monetária, mesmo que os que estivessem em sua volta não utilizassem grande
quantidade de dinheiro, como por exemplo, os camponeses. Onde e como conseguiam
equipamentos, como arcabuzes, mosquetes, pistolas, sabres, cintos, botas, e
outros utensílios? Comprando e vendendo, pois, uma vez que possuíssem demasiada
quantia em dinheiro do que o povo local, seus custos poderiam constituir
matéria prima necessária na economia, sendo redistribuída, através de
comerciantes, e, por conseguinte, sendo mais efetiva na medida em que os
bandidos gastariam parte de seus recursos em determinada região aumentando seus
gastos e transações.
“Tudo isso significa que os bandidos necessitam de
intermediários, que os ligam não só ao resto da economia local, como também às
redes maiores de comércio. [...] Pois, nos lugares onde os bandidos se
especializam em assaltar viajantes - como o fazem os bandidos sensatos, se têm
a sorte de viver nas proximidades de rotas importantes de transportes -,
necessitam de informações a respeito de embarques e comboios, e não lhes é
possível passar sem algum mecanismo para a revenda do botim, que pode muito bem
consistir de mercadorias para as quais não existe procura local. Obviamente, os
intermediários são ainda necessários para os sequestradores que exigem resgate
pela libertação de seus prisioneiros”. (HOBSBAWM, 1969, p. 83).
Richard Hawkins relata sobre o comércio de grandes lucros e muito
praticado pelos comerciantes, o tráfico negreiro. A transação entre nativos e
navios, na maior parte dos casos, era realizada em terra firme. Os negros eram
negociados em Angola para serem vendidos na região do Rio da Prata, onde
trabalhariam nas minas. Temos assim uma idéia sobre o investimento dos
intermediários e o destino do capital empregado:
“O comércio beneficia Cochanilla, um porto de
entreposto [...] Lá, encontram-se muitas barcas estreitas, de homens que vêm
comerciar o ano inteiro. Dizem que carregam todo o tipo de mercadoria,
abastecendo Potosi e os povos do Paraguai. O dinheiro que ganham retorna para
suas vilas, que ficam distribuídas pela costa do Brasil”. (HAWKINS, 1603, p.
161).
Os piratas e corsários contribuíam, assim, para a
acumulação de capital local, seja negociando mercadoria escassa em determinado
lugar, agiotando, sequestrando personalidades influentes ou roubando caravanas
passageiras. No entanto, um salteador jamais se tornaria um fidalgo, pois, “nas
sociedades em que floresce o banditismo, a nobreza e a fidalguia não são
recrutadas entre a plebe.” (HOBSBAWM, 1969, p. 83). Levado pela maquinação da
riqueza e do poder, um bandido, pelo quanto mais bem sucedido fosse,
representaria em parte a casta marginal da sociedade e integraria parte do
sistema da elite. (HOBSBAWM, 1969).
“[...] os representantes da autoridade e das classes
dominantes repetem incansavelmente que a malta provém do submundo da cidade,
que o amotinado e o criminoso são a mesma coisa. Em tempos de revolta, a
liberdade de matar e de saquear atrai sem dúvida muitos marginais, que talvez
ignorem tudo acerca dos motivos da insurreição. [...] Contudo, essas revoltas
não são obras dos marginais, mesmo que estes participem e se aproveitem delas:
as dissensões políticas no seio das classes dirigentes (entre nobreza e
patriciado, entre patriciado e burguesia...) [...]”. (SCHMITT, 1990, p. 283).
O salteador transita além da necessidade de estabelecer contatos
comerciais, formando um centro de força armada, constituindo por vezes, o
“braço” político. O bando simboliza um objeto com o qual o sistema local
necessita firmar temporariamente a convivência entre elementos e grupos
antagônicos, buscando uma restauração do equilíbrio prejudicado pelas desavenças.
(HOBSBAWM, 1969).
Em determinadas regiões, os governos vigentes
aprenderam como firmar relações diplomáticas com os salteadores. De certa
forma, estes bandidos encontravam-se integrados a uma sociedade estabelecida.
Adiante, veremos um exemplo sobre essa relação entre o soberano e o pirata. Na
qual, é descrita a boa relação que mantinha a Inglaterra e Holanda, cabendo ao
capitão-mor, no caso, Thomas Cavendish, fazer cumprir a lei, caso apreendesse
alguma embarcação que não fosse espanhola ou portuguesa, primeiramente
investigando se estavam sob serviço de soberanos que mantinham boas relações
comerciais:
“Seis ou sete dias depois de partir da costa da
Inglaterra, demos com dezenove naus flamengas durante a noite. Desconhecendo
seu objetivo, nossa almiranta capturou-lhes uma enquanto o restante escapou.
Pela manhã, o mestre de nossa presa flamenga foi trazido perante o capitão-mor
e dele tivemos notícias de que uma frota de navios havia partido de Lisboa para
o Brasil, o que nos alegrou bastante. A nau flamenga vinha com um carregamento
de sal, do qual o capitão-mor tirou três toneladas para sua própria provisão. O
flamengo também nos mostrou uma licença que possuía para navegar pelos mares,
selada e assinada por Sua Majestade. Logo que nosso capitão-mor a viu, ordenou
que todos a bordo devolvessem tudo o que haviam tomado da nau flamenga, e ele
próprio pagou pelo sal que havia pego”. (KNIVET, 1625, p. 34).
Desde por volta do século XVI,
a Inglaterra foi o maior aliado comercial de Portugal, e em pequena escala, do
Brasil. Porém, após a deterioração das relações com a Espanha e a anexação de
Portugal por Filipe II, o comércio com os ingleses nas costas brasileiras
substituiu-se pelo privateer, ou seja, navios privados ingleses tinham
autorização da coroa para saquear e atacar embarcações de outras
nacionalidades, em troca deveriam pagar parte do botim para o governo. (HUE,
2007).
Embarque no Triton pelo corsário Hasard. Ambroise-Louis Garneray, data desconhecida. |
Essa prática logo se difundiu entre outras nações,
como por exemplo, na França e na Holanda. Devastavam vilas, incendiavam engenhos,
saqueavam navios, tentavam reduzir ao máximo as fontes de lucro das nações
rivais, porém, não chegavam a destruí-las por completo.
Para as abordagens mar adentro de outras
embarcações, estrangeiras ou inimigas, a “escória dos mares” seguia alguns procedimentos.
Primeiro, propunham a possibilidade de uma rendição pacífica. Preparavam a
tripulação para a abordagem e disparavam um tiro de alerta com o outro navio
fora do alcance da artilharia. Utilizavam a técnica de intimidar o inimigo,
exibindo as peças da artilharia e armas dos tripulantes. Segundo, indagavam
sobre as intenções da tripulação do barco que cruzava o seu caminho e
questionavam se as nações a quem serviam, mantinham boas relações. Embora não
fosse uma regra, era considerado um procedimento corriqueiro em todos os mares,
o emprego da palavra porque poupava por muitas vezes as companhias mercantis de
constrangimentos, contratempos e pendengas judiciais, como esta que o senhor
Hawkins nos relata:
“Um militar de alta credibilidade me contou que dois
men-of-war ingleses se confundiram numa noite escura e se assaltaram de
sobressalto. Os navios terminaram de borco, os homens salvaram-se agarrados nos
seus detritos espalhados pelo mar. Além de danos, sofreram perdas de carga e
homens. O general que me contou o caso disse que isto aconteceu “única e
exclusivamente” pelo fato das tripulações meterem os pés pelas mãos e trocarem
tiros antes de trocarem algumas palavras”. (HAWKINS, 1603, p. 77).
Já o Capitão Charles Johnson, narra-nos a abordagem feita pelo
capitão pirata inglês Henry Avery, a uma embarcação que julgava ser proveniente
de um mercador holandês. Porém, quando a embarcação identificou-se hasteando
uma bandeira de procedência mongol, sorrateiramente Henry Avery abordou-a,
demonstrando estar fortemente armado e que a luta seria sangrenta. A bordo do
navio mongol, encontrava-se a filha predileta do Grand Mongol, que
seguia em peregrinação ao santuário sagrado de Meca. Embora estivessem
fortemente armados, a embarcação guardava muitos artigos valiosos de luxo,
ouro, prata, entre outros, preferiram a rendição temendo pela vida da filha do Grand
Mongol.
O pirata Henry Avery e seu escravo. Xilogravura do livro A General History of the Robberies and Murders of the most notorious Pyrates, 1725. |
“Alguns piratas acharam que o capitão talvez não
fosse o bravo que se dizia, temendo enfrentar navio tão grande. Henry Avery,
entretanto, estava apenas enganando a vítima. Enquanto manobrava o navio como
se hesitasse atacar, as chalupas da companhia foram silenciosamente cercando a
presa, uma pela proa, outra pelo quarto do castelo. Nesses barcos, homens
armados até os dentes se preparavam para tomar o navio à força, quando este
recolheu a bandeira e se entregou, evitando derramamento de sangue”. (JOHNSON,
1724, p. 54-55).
Este episódio cancelou a viagem dos mongóis à Meca e
deflagrou uma tensão nos soberanos da Inglaterra e da Mongólia. Assim, o Grand
Mongol, organizou batalhões de infantaria e artilharia para expulsar
qualquer inglês que se encontrasse pela costa da Índia. O fato causou alarde na
Companhia das Índias Orientais, que temiam uma retaliação, fazendo com que o
governo inglês se retratasse perante o soberano mongol e não rompessem suas
relações comerciais. (JOHNSON, 1724).
Fatos como esses comprovam a integração do corso e da pirataria no
seio dos interesses da coroa, na qual, estabelecia um conjunto de regras que
possibilitasse distinguir os conceitos de inimigo, neutro e aliado, indexando
parâmetros para a garantia dos cumprimentos dos contratos. Porém, em alto-mar,
algumas regras eram ignoradas, juramentos esquecidos e o desenvolvimento
alcançado através da diplomacia entre as nações, diluíram-se com a deflagração
das guerras. (FERREIRA, 1985).
Muitos governantes, com a
desculpa de impedir o comércio de atravessadores estrangeiros emitiam grande
número de concessões para navios de guerra, autorizando-os a apresar todas as
embarcações estrangeiras encontradas a menos de cinco léguas da costa de suas
ilhas. Essa medida tomou enormes proporções, saindo de controle dos governos,
aumentando significativamente a rapinagem em alto mar, ocasionando a revolta de
uma parcela da sociedade, exigindo dos governos uma maneira de suprimir a ação
dos piratas.
2.4. Quem se rende, se arrepende
O pirata era considerado um “hostis humanis generis”, ou
seja, um inimigo da humanidade, o qual, não poderia estabelecer um acordo ou
juramento. Os príncipes e Estados que descuidassem de seus deveres, não
favorecia os instrumentos para conter esse tipo de roubo, sucumbido na própria
desgraça. (JOHNSON, 1724, p. 427). Percebemos que o sistema político, na
circunstância geradora da pirataria, deflagrou dois efeitos: desenvolveu,
preservou e propagou o banditismo, e conseqüentemente, integrou-o ao sistema
político. Possivelmente estes efeitos existiram mais sólidos onde a figura do
Estado fazia-se ausente ou ineficaz, por conseguinte, tornavam as sedes
regionais de poder inconstantes.
“Todas as sociedades rurais do passado estavam habituadas à
escassez periódica - más colheitas e outras crises naturais - e a catástrofes
ocasionais, imprevisíveis em si, mas que certamente viriam a ocorrer mais cedo
ou mais tarde, como guerras, conquistas ou o rompimento do sistema
administrativo do qual eram uma parte pequena e remota. Todas essas catástrofes
tendiam a multiplicar o banditismo de um tipo ou de outro. Todas elas tendiam a
passar, muito embora as perturbações políticas e as guerras tendessem também a
deixar atrás de si bandos de salteadores e outros tipos de marginais por um
considerável período de tempo, sobretudo se os governos eram fracos ou
divididos”. (HOBSBAWM, 1969, p. 16).
Essa proliferação de bandoleiros tornou-os um perigo
iminente a todo “homem de respeito”. (HOBSBAWM, 1969, p. 93). A partir deste
momento, perdeu-se a estrutura para a integração dos salteadores na vida
política conforme à regra comum. O bandoleiro passou a subsistir relegado a
margem da sociedade e da lei.
Nos períodos em que a paz reinava entre as nações,
surgiram inúmeras desculpas para aumentar as apreensões de embarcações. O
método mais usual era a detenção dos bens transportados, corrompendo o mais
honesto marinheiro. Os atos de pirataria geravam coléricos atos, contribuindo
assim, para que a represália recaísse em qualquer navio que tivesse a mesma
insígnia do corrompedor. Esta ação acabava por sair da área da guerra privada e
colocava em perigo a própria segurança das nações. (FERREIRA, 1985).
Com o fim das guerras, os
corsários e os piratas, para os governos, não tinham mais serventia alguma,
devido ao elevado custo de manter suas frotas, acabou levando os soberanos a
anularem as antigas comissões e autorizações das práticas das apreensões
marítimas. O modo de vida que tantos marinheiros estavam habituados, logo,
estava repentinamente interditado por lei. Grande parcela destes marinheiros
estava composta por soldados, os quais incorporaram seus conhecimentos de
disciplina militar ao modo de vida marítimo, que, para garantir seu sustento,
facilmente prosseguiram operando por conta própria.
“Entre esses marginais, desempenhavam papel
importante os soldados, os desertores e ex-militares. [...] Homens que voltavam
de longe, sem amo nem terra, representam um perigo para a estabilidade da
hierarquia social. Os ex-militares, tal como os desertores, constituem
matéria-prima natural para engrossar as fileiras do banditismo”. (HOBSBAWM,
1969, p. 28).
A disciplina imposta pelo Estado sustentava a idéia
de conter as atividades da multidão ociosa, transformando-os de perturbadores
da paz em preservadores da ordem. Charles Johnson relata uma das medidas que os
governadores adotavam, com o intuito de controlar as atividades marginais de
seus ex-parceiros do crime:
“[...] quando a multidão de desocupados ameaça a
segurança pública. Os governantes costumam convocar “patrulhas de bando”,
empregando bandidos e desordeiros aposentados e arrependidos para percorrer as
ruas da “city” e controlar seus semelhantes e ex-parceiros de bagunça. As
quadrilhas de delinqüentes, então, perdem seus homens mais destacados para
cargos oficiais nas patrulhas e se dissolvem”. (JOHNSON, 1724, p. 69).
Xilogravura retratando o enforcamento do pirata Major Stede Bonnet, no livro A General History of the Robberies and Murders of the most notorious Pyrates, 1725. |
Porém, ao invés de dissolverem as atividades da
pirataria, o Estado, agravou a proliferação da criminalidade. Com o
desenvolvimento econômico, as elites passaram a encarar os bandos como ameaças
que deveriam ser destruídas, “e não como mais um entre os fatores que entram no
jogo do poder.” (HOBSBAWM, 1969, p. 93). Não tardou para que a criação de uma
legislação suprimindo a pirataria entrasse em vigor na Inglaterra e em outras
partes da Europa. Destacaremos alguns artigos da lei contra a pirataria em
vigor na Inglaterra, por volta do ano de 1724:
“Assim, eram investigados, ouvidos e julgados como atos de
pirataria: a captura de navios e mercadorias de um determinado país aliado; o
serviço prestado por marinheiros a embarcações de nação hostil para com a
coroa; caso o ato de pirataria fosse acometido em mar aberto, seus responsáveis
seriam julgados pelas leis da nação que os capturou; piratas dominados durante
um levante de presos, deveriam ser enforcados no mastro principal do navio, sem
qualquer solenidade judicial, e caso alguma autoridade em terra negasse
julgá-los, as vítimas poderiam fazer justiça com as próprias mãos; o roubo de
navio ancorado, com a tripulação em terra, por ladrões vindos em botes;
seqüestro e detenção do mestre do navio sob exigência de um resgate; roubos e
assassinatos cometidos em mar aberto ou em águas fora da jurisdição do
almirantado; os condenados por crime de pirataria deveriam ser enforcados, sem
a assistência de um sacerdote, não tendo assim, direito à extrema unção,
perdendo também, todos os seus bens, não repassados aos seus herdeiros; acordo
feito com pirata, motim a bordo e fuga com o navio; receptação, proteção e
participação nos lucros. O julgamento dos piratas nos processos deveriam
acontecer separadamente”. (JOHNSON, 1724).
Piratas e corsários construíram a fortuna dos seus
soberanos, porém, foram sendo excluídos gradualmente. O Estado, cada vez mais
centralizado, elaborou um conjunto de normas que reduziu o fenômeno da
pirataria e justificou a pilhagem diante às outras nações. (FERREIRA, 1985). A
perseguição aos piratas, generalizou-se por volta do século XVIII.
Além das leis de punição contra a pirataria,
conscientemente foram elaboradas pelas autoridades, estruturas de integração,
baseadas no modelo familiar, buscando fortalecer um plano de enquadramento social.
“[...] fidalgos rurais
empobrecidos proporcionam uma fonte inesgotável de elementos marginalizados. As
armas são privilégio seu; a luta, sua vocação e a base de seu sistema de
valores. Boa parte dessa violência é institucionalizada em atividades como a
caça, a defesa da “honra” pessoal e familiar, duelos, desagravos, etc., ou
canalizada por governos cuidadosos para fins politicamente úteis ou pelo menos
inofensivos, com o serviço militar ou a administração colonial”. (HOBSBAWM,
1969, p. 31).
O historiador Jean
Claude-Schmitt, utiliza a hipótese básica de que “uma sociedade se revela por
inteiro no tratamento de suas margens.” (SCHMITT, 1990, p. 285). Oferecendo
duas possibilidades de tratamento para os marginais: uma de integração e outra
de exclusão. Desde por volta da Idade Média, o tratamento dispensado pelo
soberano a certos ofícios urbanos, mesmo estes desempenhando um importante
papel na economia urbana, eram julgados como atividades desonestas. Alguns
exemplos de ofícios indignos e impuros estavam relacionados às profissões de:
açougueiro e carrasco, limpador de fossa, tintureiro, tecelão, comerciante,
entre outros. Todos estes ofícios, de alguma forma, estavam ligados a
atividades “heréticas”, visto que estas, punham em contato com o sangue, e a
usura era vista com desconfiança e reprovação pela Santa Igreja, todos estes
estavam maculados pelo seu trabalho. (SCHMITT, 1990).
Devemos nos lembrar que a concepção de trabalho,
como entendemos hoje, não tinha uma definição. Empregava, a maior das hipóteses,
a “pena física e moral, conseqüência do Pecado original”, no qual, era uma
“oferenda feita a Deus de todo esforço.” (SCHMITT, 1990, p. 269).
Em todas as épocas, por exclusão ou integração dos
marginalizados, estabeleceu-se o raciocínio de vantagem social. O Estado
instituiu a idéia de que os marginalizados pudessem contribuir beneficiando
materialmente e coletivamente os cofres públicos. Os Estados auxiliaram a
integração dos comerciantes, usurários, tecelões e, por outro lado, rejeitaram
os ociosos fisicamente capazes de produzir com o fruto de sua labuta. Portanto,
foi na Era Moderna que a margem transferiu-se para a periferia.
Mas, como o governo determinou a apreensão dos depredadores do
comércio, fato este, que acarretava em incontáveis prejuízos para as nações? O
recurso extremo para todas as vítimas da pirataria, residia em um julgamento
das presas, investigado perante a queixa dos prejudicados, buscando uma
validação dentro da lei. Desenvolviam-se, juridicamente, medidas práticas,
selecionando e reprimindo uma fonte de lucro tradicional que tinha como base o
oceano. (FERREIRA, 1985).
“Embora tenhamos destacado uma força considerada
suficiente para a supressão dos ditos piratas, achamos cabível, para mais
efetivamente terminar com eles, seguir recomendação do nosso Conselho
particular, emitindo esta proclamação. Nós, desta maneira, prometemos e
declaramos perdoado a qualquer um dos ditos piratas, que - até o dia 5 de
setembro, do ano da graça de 1718 - venha se entregar a um dos nossos secretários
de estado na Grã-Bretanha e Irlanda, a governador ou vice-governador de
qualquer plantação de além-mar. Cada um e todos estes piratas que se
entregarem, conforme dito acima, devem receber a graça do perdão para crimes
cometidos antes do dia 5 de janeiro de 1716”. (JOHNSON, 1724, p. 36).
Este é um trecho da proclamação assinada pelo rei
George com a finalidade de eliminar os piratas que infestavam as ilhas do
Caribe. Em nome de Sua Majestade inglesa, o capitão Wood Rogers, foi incumbido
da missão de fundar um governo na ilha de Providence. (JOHNSON, 1724).
Edward Teach, o Barba Negra |
O inglês Edward Teach, nascido em Bristol, na Inglaterra, por
algum tempo navegou como marinheiro de
privateers, patrulhando a costa da Jamaica. Porém, nos seus anos de serviço
à marinha real inglesa, Teach nunca ascendeu a um posto de comando ou de
confiança por seus superiores. Em meados do ano de 1716, Teach adentrou para o
bando do capitão Benjamin Hornigold, pouco antes deste entregar-se às
autoridades em Providence, nos termos do perdão real em vigor. Assim, Teach
alcançou o posto de capitão da embarcação, construindo uma carreira de roubos
pelas Índias Ocidentais, no qual, sua fama foi tão grande entre os marinheiros
que passou a ser conhecido por Blackbeard, ou seja, Barba negra, chamado assim
devido a sua densa barba que cobria a sua face. (JOHNSON, 1724). Atraídos pelo beneficio do perdão real, Barba negra
e cerca de vinte tripulantes entregaram-se ao governador da Carolina do Norte,
Charles Eden, pois, com essa anistia, garantiriam vínculos de amizade com as
autoridades. Assim, o governador Eden, realizou um tribunal do vice-almirantado
sob sua jurisdição. O vice-almirantado devolveu para os ex-piratas, o navio, Queen
Ann’s Revenge, que teria sido capturado de próprios mercadores ingleses em
tempos de paz, sob a justificativa de recompensá-los por ataques realizados aos
espanhóis no passado. (JOHNSON, 1724).
“Um sensato chefe de salteadores cuidará de se aliar
apenas à facção local dominante, capaz de lhe garantir proteção efetiva, mas
mesmo que não aceitar tutela, pode estar bastante seguro de que os figurões
locais o tratarão como um aliado em potencial e, conseqüentemente, como um
homem com quem se devem manter boas relações”. (HOBSBAWM, 1969, p. 90).
Por volta do ano de 1718, Barba negra agiu protegido
por uma licença de mercador, na região das Bermudas, saqueando assim, um navio
francês carregado de cacau e açúcar. Um tribunal foi organizado para saber a
procedência da carga, não chegando à conclusão alguma, visto que, o navio
francês, fora levado ao governador sem nenhum marinheiro a bordo. Inocentado de
prática ilegal da pirataria pelo júri, Barba negra rendeu boa carga para os
armazéns públicos. (JOHNSON, 1724). Charles Johnson narra-nos a complacência
envolvendo o governo com as atividades de Barba negra:
“Posavam de comerciantes, vendendo os frutos dos saques a outros
barcos. Faziam amigos dando presentes caros a pessoas importantes. As miudezas
roubadas eram trocadas por alimentos. Nem sempre esses rufiões cultivavam a
honestidade ou o espírito de generosidade. Às vezes pagavam, às vezes tiravam
descaradamente das mãos do dono o que lhes agradasse. Não pagavam nada, nem
diziam nada, sabendo que ninguém ali teria coragem de lhes apresentar a conta”.
(JOHNSON, 1724, p. 83).
Diante da intensidade das ações predatórias de Barba
negra, plantadores, barqueiros e comerciantes pressionaram as autoridades para
tomarem as devidas providencias mediante a tamanha desgraça que se abatera
sobre os mares do Caribe. Alexander Spotswood, governador da Virginia,
promulgou a Lei de Incentivo a Detenção e Morte de Piratas, por volta de 1719.
Naquela ocasião, foi recrutado ao primeiro tenente da marinha britânica, Robert
Maynard, a missão de captura ou morte do bando de Barbanegra:
“O tenente só não morreu porque um dos seus homens,
vendo-o todo ensangüentado, veio em seu auxílio e abriu um horripilante talho
no pescoço do pirata. Teach caiu cuspindo sangue pela boca e Maynard
levantou-se, sofrendo apenas um pequeno corte nos dedos. A luta corporal continuou,
deixando o mar ao redor do navio tingido de sangue. Barba negra se levantou,
recebeu mais um tiro da pistola de Maynard, mas ficou de pé e continuou lutando
com fúria, até receber 25 ferimentos, cinco dos quais à bala. Caiu morto
tentando engatilhar a pistola”. (JOHNSON, 1724, p. 90).
A captura do pirata Barba Negra, 1718. A batalha do pirata Barba Negra e o tenente Maynard na baía Ocracoke. Jean Leon Gerome Ferris, 1920. |
Charles Johnson busca narrar os fatos de forma
sensacionalista para prender a atenção do leitor. Constatamos que, pela
narrativa, o bandido, no caso o pirata Barba negra, tornou-se um símbolo,
embora, essa transformação tenha acontecido de certa forma passageira.
Integrados ao Estado, os
estabelecimentos das estruturas jurídicas e instituições regulamentadoras da
pirataria e do corso, transformaram-se em um modelo de guerra naval, autorizado
pelos soberanos e administrado contra as nações inimigas, com a finalidade de
provocar o maior dano possível ao comércio estrangeiro e seu abastecimento
bélico. Justificando a marginalidade do pirata, pois, ele não passa de “um fora
da lei não somente a nível externo, mas no próprio país de origem.” (FERREIRA,
1985, p. 55). Fato que moldou os piratas e corsários, produtos dos governos
vigentes.
CONCLUSÃO
A relação dos piratas e corsários entre os governos
é um fenômeno curioso, pois suas façanhas pessoais não impediram que fossem um tanto
transitórias. Os piratas constituem a história recordada, confrontando com a
história oficial dos livros. Adaptando parte da história que é menos um
registro de fatos e daqueles que os realizaram, quando dos códigos dos
resultados teoricamente fiscalizados, mas que na prática sem controle, moldaram
o mundo dos piratas.
A história a partir das margens busca uma renovação
do centro, e este procedimento contribui necessariamente para uma história em
construção, remetendo-nos do centro à periferia e da periferia ao cerne do
objeto de estudo, sobretudo, através dos discursos e das práticas marginais e
exclusivas, manifestadas por transformações dos sistemas sociais e econômicos.
A multiplicação do corso e da
pirataria na Idade Moderna está relacionada com a crise do século XIV, na qual,
afetou a economia rural e o mercado urbano de trabalho. Os detentores do poder,
confiaram os primeiros indícios da acumulação primitiva do capital,
repreendendo e posteriormente corrigindo as atitudes dos ociosos, procurando
coagir os salários em períodos de diminuição da mão-de-obra, visando manter os
lucros dos mestres dos navios e esvaziar das ruas todos os desocupados em
períodos de salários escassos, pondo fora de perigo a ordem social.
É no decurso da Idade Moderna, que presenciamos o
estabelecimento das estruturas jurídicas e institucionais que estabeleceram as
distinções e regulamentações dos exercícios dos corsários e dos piratas. O
corso converteu-se em um modelo de guerra naval, consentido pelo Estado,
submetido contra as embarcações das nações inimigas, com o intuito de causar
vasto prejuízo ao seu comércio. Já o pirata é, em teoria, um fora da lei não
exclusivamente no nível externo, mas em sua própria nação de origem, diminuindo
as diferenças e confundindo-se em uma rotina o lícito do ilícito.
A condição da pirataria e do corso na Era Moderna
projetou o acabamento dos mecanismos de controle e concepções jurídicas, não
conduzindo a uma pacificação nas disputas marítimas. As normas comportamentais
governativas dissipavam-se com a desordem interestatal.
As conquistas ultramarinas
iniciadas pela expansão ibérica, gradualmente motivaram outras nações marítimas
a reagirem para a expansão dos seus domínios. Assim, o corso e a pirataria
lucraram com a conivência e o amparo dos próprios governos. Logo, o oceano,
tornou-se comum a todas as nações. Todavia, no Oceano Índico, os ibéricos
sustentaram o mesmo sistema de rapinagem marítima que sofriam no Oceano
Atlântico, buscando os mesmos interesses financeiros. A história do corso e da
pirataria levou muitos séculos para decompor seus costumes e proveitos, a
procura da fortuna pelo mar, aprumou a inversão das figuras do pirata e do
corsário.
FONTES:
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