segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Gauss: O Príncipe dos Matemáticos

Nos fins do século XVIII e durante a primeira metade do século XIX, o mundo foi agraciado com alguns intelectos notáveis da História, nos mais diversos ramos das artes, ciências e outros saberes. E entre esses gênios do Oitocentos esteve o brilhante matemático, astrônomo e físico alemão, Gauss o qual ficaria conhecido na História, pelo epíteto de "O Príncipe dos Matemáticos". 

"Para qualquer pessoa familiarizada com a Matemática, o nome Carl Friedrich Gauss (1777-1855) é sinônimo de genialidade surprema, de talento inexplicável, de raciocínio lógico em seu estado mais puro. Titã, Colosso de Rodes, Príncipe dos Matemáticos, foram alguns dos codinomes que seus colegas, com justificado respeito e admiração, concederam-lhe ao longo de uma das mais espetaculares carreiras já vistas nas Ciências Exatas". (GARBI, 2009, p. 269). 

Carl Friedrich Gauss em retrato de 1828.
Nesse texto procurei esboçar alguns aspectos da vida e obra de Gauss, mostrando suas grandes contribuições para essas três ciências mencionadas. No entanto, não me prendi a analisar ou explicar suas teorias e cálculos, pois é um campo que me foge do conhecimento. 

Introdução - uma mente prodigiosa:

"A Revolução Francesa e o período napoleónico criaram condições muito favoráveis para o desenvolvimento continuado das matemáticas. O caminho estava aberto para a revolução industrial no continente europeu. Isto estimulou o estuo das ciências físicas e criou novas clases sociais com uma nova visão da vida, interessadas na ciência e na educação técnica. As ideias democráticas invadiram a vida académica; o criticismo ergueu-se contra as formas antiquadas de pensamento; as escolas e as universidades tiveram de ser reformadas e rejuvenescidas". (STRUIK, 1997, p. 225).

"Os matemáticos do século XIX não se encontravam mais nas cortes reais ou nos salões da aristocracia. A sua principal ocupação não consistia mais em ser membro de uma academia culta; eram frequentementes empregados por universidades ou escolas técnicas e eram professores, assim como investigadores. Os Bernoulli, Lagrange e Laplace tinham ensinado apenas ocasionalmente. Agora a responsabilidade em ensinar aumentava; os professores de Matemática tornaram-se educadores e examinadores da juventude. O internacionalismo dos primeiros séculos tendia a ser destruído pelo crescimento das relações entre os cientistas de cada país, embora tivesse permanecido a troca de opiniões internacional. O latim científico foi gradualmente substituído pelas línguas nacionais". (STRUIK, 1997, p. 226).

Nesse cenário convidadivo para o desenvolvimento da matemática, principalmente na França, Itália e Alemanha, Gauss encontrou terreno apropiado e promissor para se dedicar aos estudos matemáticos. Mas antes de conhecer seu trabalho, vejamos alguns aspectos da sua vida e formação escolar até que finalmente poder entrar na universidade e se formar em Matemática. 

Carl Friedrich Gauss nasceu em 30 de abril de 1777, em Brunswick (também grafada como Braunschweig), no norte da Alemanha (ainda na época chamada de Sacro Império Romano-Germânico). A cidade de Brunswick era a então capital do Ducado de Brunswick-Lüneburg.

Mapa do Ducado de Brunswick-Lünenburg até o ano de 1806.
Seu pai se chamava Gerhard Diederich Gauss, o qual trabalhava em vários ofícios como jardineiro e pedreiro. Sua mãe se chamava Dorothea Benze Gauss, uma dona de casa. Ambos eram pobres e de baixo nível de escolaridade. No entanto, foi no seio dessa família pobre que nasceu uma das mentes mais brilhantes da Matemática.

Ao longo da vida Gauss foi equiparado a dois outros gênios da Matemática, Arquimedes de Siracusa e Isaac Newton, mas sendo um homem modesto, sempre dizia que a comparação era injusta, pois eles realmente foram gênios, e Gauss se dizia ser um homem apenas inteligente. Mas de qualquer forma seu talento para a matemática foi descoberto ainda cedo. 

Aos três anos enquanto estava em companhia do pai, o qual realizava alguns cálculos para pagar alguns pedreiros, Gauss observou que o pai havia errado na conta. Gerhard intrigado, indagou ao filho porque ele achava aquilo, então o menino pediu que o pai refizesse os cálculos e apontou o erro. Gerhard ficou surpreso ao ver que seu pequeno filho realmente estava certo. Após isso, Gauss se mostrou uma criança bastante atenta, curiosa e que aprendia fácil. Sua mãe embora possuísse um baixo nível de escolaridade, lhe ensinou muita coisa, e em pouco tempo Gauss se alfabetizou praticamente por conta própria, partindo de seu interesse em querer aprender a escrever antes mesmo de entrar na escola. 

Aos sete anos entrou na escola, aos nove já surpreendia seus professores, resolvendo alguns cálculos que para crianças de sua idade eram considerados bastante complexos. Em certa ocasião, seu professor de aritmética, Büttner passou um exércicio bastante difícil: somar os número inteiros de 1 a 100. Em poucos minutos, Gauss foi o primeiro aluno a se levantar e se dirigir ao professor, levando seus cálculos com o resultado de 5.050.

Ao invés de seguir um pensamento tradicional em se somar cada número, Gauss dividiu os 100 números pela metade, no que resultou em 50 pares (1 e 100, 2 e 99, 3 e 98...) então percebeu que cada par resultava em 101, então multiplicou 50 po 101, chegando ao resultado de 5.050. Büttner ficou bastante surpreso com aquilo, pois não esperava que uma criança de nove anos, encontrasse uma alternativa para se efetuar aquele cálculo. Ele passou a ver no jovem Gauss um talento para matemática. O professor e seu monitor, Johann Martin Christian Bartels, passaram a orientar Gauss e a lhe ensinar matemática mais avançada. 

"A amizade que se desenvolveu entre Gauss e Bartels foi intensa, duradoura é benéfica a ambos: juntos discutiram inúmeras questões importantes da Matemática e motivaram-se mutuamente nos estudos e nas pesquisas. Quando tinha cerca 13 anos Gauss começou a questionar sobre  a independência ou não, do postulado das paralelas em relação aos demais. Dois anos depois conjecturou que, caso ele fosse independente e pudesse ser formulado de outras maneiras, diferentes tipos de geometria poderiam ser criados". (GARBI, 2009, p. 270). 

Aos 15 anos Carl Gauss já pensava em teorias complexas que matemáticos bem mais experientes também questionavam. Até então a geometria de Euclides predominava por quase dois mil anos, e ao longo desse tempo, muitos matemáticos tentaram ir além do modelo euclediano, Gauss naquele momento não conseguiu superar o modelo de Euclides, mas estava convicto que era possível descobrir novas formas de se estudar geometria, superando a geometria euclediana. 


“A Idade de ouro da Geometria grega se iniciou com Euclides (330?-260?), com a publicação da obra Elementos. É o livro, depois da Bíblia, com o maior número de traduções e edições (a primeira, na Europa, foi em 1482). Pouco se sabe da vida de Euclides, que chega mesmo a ser contestada por alguns autores. Euclides é tido como nascido em Atenas, onde fundou uma Escola de Matemática, e, depois, a célebre Escola de Matemática do Museu de Alexandria. Outros matemáticos, antes dele, condensaram noções de Geometria em livro, como Hipócrates de Quíos e Eudoxo; já nesses autores havia certo encadeamento lógico das proposições, definições mais estritas e apelo à Razão mais frequente que o recurso à intuição ou à construção gráfica. Com Euclides essa tendência chegaria à perfeição. Depois dele, segundo muitos autores, nenhum outro conseguiu edificar um sistema geométrico diferente, que no século XX foi possível aperfeiçoar, mas não modificar. Embora se tenha concluído, no século XIX, que se o famoso Postulado das paralelas, sobre o qual repousa quase toda a Geometria euclidiana, tivesse sido formulado de outra forma, teria dado origem a novas geometrias, igualmente válidas e coerentes, nada, até agora, invalida ou retira qualquer parcela de mérito da obra de Euclides”. (ROSA, 2012, p. 147-148). 

Aos 14 anos, Bartels apresentou Gauss ao respeitado matemático Zimmermann, o qual por sua vez apresentou o jovem ao duque Ferdinand, senhor de Brunswick-Lünenburg. O duque era um homem que apreciava a convivência com os intelectuais e tinha admiração pelas artes e ciências. Ele ficou encantando com a prodigiosa mente de Carl Gauss, então se comprometeu em se tornar seu patrono nos estudos. Pelos anos seguintes até Carl se formar na universidade, e depois concluir seu doutorado, os custos da sua educação foram bancados pelo duque. 

"Aos 15, Gauss dominava totalmente os segredos das séries infinitas e produziu a primeira prova rigorosa do teorema geral do binômio de Newton (expoentes reais quaisquer). Dos 15 aos 18 estudou os Principia e as obras mais importantes de Euler e Lagrange, tendo ficado profundamente impressionado com as realizações do "mestre de todos nós"". (GARBI, 2009, p. 271).

Aos 18 anos, ingressou na Universidade de Göttingen, sendo seus estudos custeados pelo duque Ferdinand, como já mencionado. No entanto, Garbi (2009, p. 271-272) chamou a atenção para um caso curioso. Quando Gauss ingressou na universidade, ele no primeiro momento ficou em dúvida em se fazer o curso de Matemática ou de Letras, pois após os números, as letras eram sua grande paixão. Gauss se tornou um poliglota, sabendo falar e escrever em grego, latim, inglês, francês, dinarmaquês, etc. De qualquer forma ele acabou optando em se tornar matemático, mas manteve seu interesse pela linguística até o fim da vida. 

Durante seus anos na universidade, Gauss se aprofundou cada vez mais no estudo da Matemática, a ponto de considerá-la a "Rainha das Ciências" e a Teoria dos Números sendo a "Rainha dos Matemáticos"



“Gênio precoce, Gauss, aos 19 anos (1796), já consignava em seu famoso diário: i) a descoberta do método para a construção, com régua e compasso, de um polígono regular de 17 lados (heptadecágono) e de não ser possível a construção de um de sete lados (heptágono); ii) o desenvolvimento do método dos quadrados mínimos; iii) a descoberta de que todo inteiro positivo é soma de três números triangulares; iv) a descoberta da periodicidade dupla de certas funções elípticas, e, pouco depois, a periodicidade dupla para o caso geral”. (ROSA, 2012, p. 46). 

“Sua extraordinária, diversificada, fecunda, pioneira e extensa contribuição em Matemática pura inclui demonstrações dos teoremas fundamentais da Álgebra e da Aritmética, demonstração da Lei da Reciprocidade Quadrática, formulação da Lei dos Resíduos Quadráticos, Álgebra linear, integração numérica, séries infinitas, equações diferenciais, seções cônicas, funções hipergeométricas, Geometria diferencial, Geometria não euclidiana, Teoria potencial, Análise vetorial, Probabilidades e Estatística (curva de Gauss, distribuição de Gauss)”. (ROSA, 2012, p. 44-45). 

Ele também começou a desenvolver a Teoria das Congruências, teoria essa que praticamente desenvolveu sozinho na época, vindo a publicar a respeito, anos depois. Entre suas descobertas acerca dessa teoria estava sua explicação da equação xn – 1 = 0, a qual ele explicou com o uso da teoria das congruências e da álgebra, que era possível desenhar com régua e compasso um círculo de n partes iguais, desde que fossem números primos do tipo n = 22 + 1. Assim, Gauss conseguiu resolver a Equação Ciclotônica, algo que já vinha algumas décadas sendo um problema não resolvido. Embora tenha publicado essa descoberta em 1801, ela datou de 1796, como ele mesmo disse:

"O dia foi 29 de março de 1796 e o acaso não teve qualquer participação. Antes disso, em verdade, durante o inverno de 1796 (meu primeiro semestre em Göttinge), eu já havia descoberto tudo relativamente à separação das raízes da equação (xn – 1)/(x – 1) = 0  em dois grupos. Após intensas considerações sobre o relacionamento de todos as raízes umas com as outras, bases aritméticas, eu consegui, durante um feriado em Braunschweig, na manhã do mencionado dia (antes de sair da cama), vislumbrar aquelas relações da forma mais clara, de modo que pude imediatamente aplicá-las ao caso do polígono de dezessete lados e às verificações númericas". (GARBI, 2009, p. 272).


Em 1798, Gauss concluiu os estudos (em termos de hoje, ele graduou-se), então, no mesmo ano ingressou na Universidade de Helmstedt, ficando hospedado na casa do matemático Johann Friedrick Pfaff (1765-1825), respeitado matemático na região. Pfaff havia tomado conhecimento do jovem prodigioso Carl F. Gauss, então decidiu dar-lhe apoio durante sua breve estada em Helmstedt, além de ter sido seu orientador. 

Em 1799, Gauss defendeu sua tese (alguns chamam de dissertação) intitulada: Demonstratio nova theorematis omnem functionem algebraicam rationalem integram unius variabilis in factores reales primi vel secundi gradus resolvi posse (Uma demonstração de uma função algébrica intregante racional de uma variável e uma nova prova do teorema dos fatores reais de todo o primeiro o segundo grau, para ser capaz de ser resolvido).

"A dissertação deu a primeira prova rigorosa do chamado "teorema fundamental da álgebra", que afirma que qualquer equação algébrica de grau n com coeficientes reais tem, pelo menos, uma raiz e, consequentemente, n raízes". (STRUIK, 1997, p. 228). 

Gauss foi o responsável por cunhar o termo "teorema fundamental da álgebra", além do termo "números complexos" e várias outras termonologias matemáticas. Sua tese foi ímpar, sendo apenas superada por seu livro, lançado dois anos depois. 

Com essa tese, Gauss encerrava sua fase na universidade como estudante, e iniciava a fase de professor e pesquisador. Alguns historiadores da matemática assinalam que os anos de 1796 a 1806 são sua fase áurea nos estudos matemáticos, pois após tal época, ele passaria a se dedicar a assuntos da física, astronomia e geodésia, para posteriormente retornar a matemática. 

O matemático-astrônomo:  

Giuseppe Piazzi
No ano de 1801, Gauss inaugurou seu interesse pela astronomia. Enquanto mantinha seus estudos nos campos da aritmética, álgebra e geometria, ele passou a se interessar por astronomia devido a um acontecimento ocorrido no dia 01 de janeiro de 1801, curiosamente o início do século XIX. Nessa data, o padre, matemático e astrônomo italiano Giuseppe Piazzi (1746-1825) descobriu o planeta-anão Ceres, que fica localizado no cinturaão de asteróides entre as órbitas de Marte e Júpiter. Na época da sua descoberta ele foi considerado um asteróide, além do fato que não se soube estipular sua órbita. Gauss maravilhado com aquela descoberta decidiu calcular a órbita de Ceres. Para isso ele desenvolveu o "método dos mínimos quadrados" no que resultou numa equação de oitavo grau, a qual lhe permitiu identificar a órbita de Ceres com sucesso. 

A resolução da órbita de Ceres foi um grande feito, pois Piazzi após ter-lo descoberto, não conseguiu calcular sua trajetória, e o astro sumiu de vista, então ele recorreu a Gauss, lhe escrevendo uma carta e enviando as informações que coletou. Gauss passou o longo do ano, tentando solucionar essa questão, apenas em dezembro ele conseguiu identificar a órbita de Ceres e o quadrante no espaço onde o astro apareceria. Com base em seus cálculos e projeções, ele identificou onde o asteróide iria aparecer entre os dias 25 de novembro e 31 de dezembro daquele ano. Os astrônomos foram informados sobre isso, e de diferentes países da Europa, eles conseguiram avistar Ceres. Carl Gauss, na época com 24 anos, mostrava um feito assombroso, até então raramente visto naqueles tempos. 

Em setembro de 1801, Gauss com o apoio do seu patrono, o duque Ferdinand, conseguiu publicar seu livro Disquisitiones Arithmaticae, o qual dedicou a obra a seu patrono, agradecendo por ter financiado seus estudos nos últimos anos, ter bancado a publicação desse livro, como também o apoio moral dado. Nesse livro, escrito desde 1798, Gauss apresentou algumas das suas teorias, métodos e resoluções de problemas matemáticos.

"As Disquisitiones arithmeticae reúnem todos os grandes trabalhos sobre teoria dos números anteriores a Gauss e enriquece-a de tal maneira que o começo da teoria moderna dos números é muitas vezes datado pela publicação deste livro. O seu núcleo é a teoria das congruências qaudráticas, formas e resíduos; culmina na lei dos resíduos quadráticos, o theorema aureum, para o qual Gauss deu a primeira prova completa. Gauss estava tão fascinado por este teorema como pelo teorema fundamental da álgebra, tendo mais tarde publicado ainda cinco demonstrações. [...]. As Disquisitiones também contêm estudos de Gauss sobre a divisão do círculo, por outras palavras, sobre as raízes da equação xn = 1. Conduziram ao notável teorema segundo o qual um polígono regular de 17 lados (mais geralmente, de n lados, n = 2p + 1, p = 2k, n primo, k = 0, 1, 2, 3...) pode ser construído apenas com régua e compasso, uma extensão surpreendente da geometria do tipo grego". (STRUK, 1997, p. 228).


Frontispício de Disquisitiones Arithmeticae (1801).
O livro foi publicado em setembro daquele ano, e em dezembro, Gauss publicava sua resolução acerca da órbita de Ceres. Gauss encerrava o ano de 1801, o início do século XIX, com o prestígio elevado em meio a sociedade científica alemã. Seu livro foi um marco para a matemática da época, e sua resolução da órbita de Ceres, foi outro feito memorável.

No ano seguinte, o astrônomo alemão Heinrich Olbers (1758-1840) em 28 de março, enquanto observava Ceres, descobriu um asteróide, o qual o batizou de Palas. Gauss tomou conhecimento sobre esse novo astro, e decidiu calcular sua órbita, com isso, Gauss se iniciara cada vez mais no estudo da astronomia. 

Em 1805, Gauss casou-se com Johanna Elisabeth Rosina Osthoff (1780-1809). Com ela, eles teve três filhos: Joseph, Wilhelmine (Minna) e Louis. Os relatos dos amigos e os próprios relatos de Gauss, revelam que ele realmente foi muito apaixonado por sua esposa. No entanto, o casamento foi breve, pois Johanna faleceu seis anos depois do matrimônio, ao dar a luz ao terceiro filho. Isso abalou bastante Gauss. 

No ano de 1806, as tropas de Napoleão atacaram a Prússia e o sul da Alemanha, o duque Ferdinand, então com 70 anos, foi convocado a liderar um exército para combater o imperador francês. Naquele ano, o duque de Brunswick morreu no campo de batalha, sendo gravemente ferido. Gauss chegou a ver o comboio que trazia o corpo do falecido duque de volta a capital, além de ter ido ao velório dele. 

A situação pioraria, pois o governo francês ocupou o ducado, e passou a cobrar uma indenização as famílias ricas e de classe média. Gauss foi obrigado a pagar a quantia de 2 mil francos, na época um valor bastante alto, e ele não possuía dinheiro para pagá-lo, além disso, recusou-se a pedir empréstimo e a aceitar a ajuda de amigos. Gauss considerava aquilo um absurdo, uma exploração. Sua recusa de cooperar com os franceses poderia ser considerado um ato de insurbodinação, o que ameaçava de jogar Gauss na prisão.

Pierre Simon Laplace
Mas para a sua sorte, ele recebeu uma ajuda inesperada. O renomado matemático, astrônomo e físico francês Pierre Simon Laplace (1749-1827), o qual era amigo de Napoleão, se ofereceu para pagar a quantia de 2 mil francos, em nome de Gauss. Após fazer isso ele enviou uma carta para ele, na qual lhe informou que havia pago a quantia, além de transmitir suas considerações e admiração a Gauss, o chamando de "o maior matemático do mundo". Anos depois, Carl pagou a Laplace tal quantia, acréscida com juros. Laplace não quis aceitar, mas depois da insistência de Carl, ele aceitou, mas pediu apenas os 2 mil francos, mas Gauss fez questão de pagar o valor atualizado com a correção monetária. Não obstante, embora tenha sido poupado de ir para a cadeia, graças ao generosidade de Laplace; Gauss havia perdido seu patrono, o qual lhe custeava gastos, inclusive ajudou a pagar parte das depesas com o casamento. 

Sem o apoio financeiro que recebia do duque, além de receber um salário baixo por sua atividade como professor, Gauss viveu alguns meses difícies para poder sustentar a casa e a família. No ano de 1807, a Universidade de São Petersburgo ofereceu-lhe emprego; os russos tinham interesse naquela mente brilhante, no entanto, os alemães temendo perder seu grande matemático, decidiram fazer uma contra-proposta. No ano de 1807, Gauss foi nomeado diretor do Observatório da Universidade de Göttingen, além de ser eleito para o cargo de professor de Astronomia. 

Em 1809 ele publicou seu primeiro importante trabalho no campo da astronomia, o livro Theoria motus corporum coelestium, no qual apresentava seus métodos, fórmulas e cálculos utilizados para se resolver o problema da órbita de Ceres e Palas, como também fazer uso deles para outras aplicações. Em 1812 publicou um artigo sobre séries hipergeométricas, em 1813 escreveu sobre os elipsóides gerais, em 1814 publicou acerca da quadratura mecânica, e em 1818, sobre as pertubações seculares. Todos trabalhos no campo da geometria, voltada para aplicação no estudo da astronomia. 

Nesses anos que vão de 1809 a 1820, ele voltou a se casar, tomando como segunda esposa, Friederica Wilhelmine Waldeck, como quem permaneceu até o fim da vida. Com ela teve mais três filhos: Eugen, Wilhem e Therese

Em 1810 foi agraciado com o Prêmio Lalande, pelo seus trabalhos no campo da astronomia, principalmente devido a seu livro publicado no ano anterior. Pelo restante da década, Gauss continuou a se dedicar a astronomia, mas também a estudar matemática pura e aplicada, o problema é que ele escreveu muito, mas publicou pouco, algo que outros gênios como Isaac Newton e Leonardo da Vinci também fizeram. E no caso de Leonardo, foi ainda mais problemático, pois nenhum de seus estudos e pesquisas foi publicado, tudo foi mantido em seus diários e cadernos de anotações. 

No caso de Gauss, seus netos descobriram várias anotações do avô; apenas em matemática foram mais de cem anotações, sobre teorias, problemas, cálculos, ideias, teoremas, dúvidas, hipóteses, etc. De qualquer forma, sigamos adiante.

Interesse pela geodésia:

Geodésia é o termo que possui três aplicações, o que varia seu estudo. A geodésia pode ser estudada na geografia, no intuito de se analisar a representação do planeta de forma total ou parcial, para a produção de mapas, projeções e outros tipos de estudos, o que inclui além da superfície do planeta, o campo magnético e o campo gravitacional.


Na matemática, a geodésia estuda as superfícies curvas, sejam elas relacionadas ou não ao planeta e outros astros. Na física, a geodésia representa o estudo de trajetória de um móvel ou corpo em linha reta num espaço curvo, estando sob influência da gravidade. No caso de Gauss, ele estudou geodésia pelo âmbito da matemática e da física.

"Depois de 1820, Gauss começou a estar activamente interesado em geodesia. Aqui combinou um extenso trabalho aplicado de triangulação com a investigação teórica. Um dos resultados foi a sua exposição do método dos mínimos quadrados (1821-1823), que tinha sido investigado por Legendre (1806) e Laplace. A mais importante contribuição desse período da vida de Gauss talvez fosse a teoria das superfícies em Disquisitiones generales circa superficies curvas (1827), onde tratou do assunto de uma forma muito diferente daquela que foi utilizada por Monge". (STRUK, 1997, p. 229).


“Gauss demonstrou grande interesse pela Geodésia: determinou, pela primeira vez, o tamanho e a forma aproximados da Terra com a utilização do método dos mínimos quadrados e de um heliótropo que construíra (instrumento que refletia o raio solar a grandes distâncias e que se destinava a traçar raios luminosos retos sobre a superfície da Terra); escreveu Untersuchungen über gegenstande der hoheren geodäsie (1843 e 1846)”. (ROSA, 2012, p. 46).

Desenho do heliótropo inventado por Gauss em 1822.
O físico-matemático:
 
A partir da geodésia, Gauss começou a se interessar pela Física, chegando a estudar óptica, mecânica, eletricidade e magnetismo, deixando algumas importantes contribuições nesses campos da Física, embora, lembrando que muito que ele estudava e descobriu não chegou a ser publicado em vida, vindo a ser conhecido vários anos depois de sua morte. 


“No terreno da Física, construiu um magnetômetro para medir as forças magnéticas; calculou a posição dos polos magnéticos a partir de observações geomagnéticas; elaborou, em 1832, um conjunto de unidades para medir os fenômenos magnéticos, sendo que a unidade de densidade do fluxo magnético recebeu o nome de “Gauss”. Escreveu Gauss, entre outros livros, o Theoria attractionis corporum spheroidicorum ellipticorum homogeneorum methodus nova tractata, com estudos sobre teoria potencial, o Allgemeines Theorie des Erdmagnetismus, de 1839 (só poderia haver dois polos na Terra), e o Allgemeine Lehrsätze... (1840), sobre a Teoria das forças inversamente proporcionais ao quadrado da distância (Teoria potencial). [...]. No campo da Mecânica, escreveu Über ein neues allgemeines Grundgesetz der Mechanik e Principia generalia theoriae figurae fluidorum in statu aequilibrii, ambos baseados na Teoria potencial”. (ROSA, 2012, p. 46-47).

Entre 1833 e 1834, quando contava com 57 anos, Gauss em parceria de seu amigo, o físico Wilhelm Weber (1804-1891) construíram um telégrafo elétrico, o primeiro do mundo (desde o século XVIII pesquisas para se criar um dispotivo parecido, já vinham sendo desenvolvidas, mas se obter sucesso). Os dois amigos fabricaram tal aparelho no intuito de se comunicarem a partir de suas casas, quando não teriam tempo para ir um a casa do outro. É importante lembrar, que o telefone só seria inventado mais de trinta anos depois. 

Estátua de Gauss e Weber, representando os dois amigos debatendo acerca do telégrafo elétrico.
Além de fabricarem dois aparelhos, também custearam a implantação de mais de um quilômetro de cabos, os quais ligavam suas casas. Assim, os aparelhos foram conectados, e através de um código binário, eles passaram a transmitir informações utilizado a polarização da corrente elétrica, em positivo e negativo para gerar esse código. Posteriormente o telégrafo seria aperfeiçoado por outros inventores e estudiosos.

Réplica do telégrafo elétrico criado por Gauss e Weber.
Em 1838 Gauss ganhou a Medalha Copley, premiação concedida pela renomada Royal Society de Londres. Naquele ano, ele ganhou o prêmio em conjunto com o físico e químico inglês Michael Faraday (1791-1867). Gauss recebeu a medalha por suas pesquisas no campo do magnetismo, e Faraday, no campo da eletricidade.

A velhice:

Para alguns a velhice era a fase de se descansar, mas pra Gauss não foi assim. Aos 60 anos ele decidiu aprender mais uma língua, a última que aprenderia; neste caso, escolheu aprender russo. Estudou por conta própria, e dois anos depois já se correspondia com amigos na Universidade de São Petersburgo, escrevendo perfeitamente em russo, além de saber falar bem nessa língua. Gauss possuiu uma facilidade para aprender idiomas, raramente visto em muitas pessoas. Ainda na velhice, ele continuou a estudar física, mas retornou o estudo da matemática aplicada. Devido a reter suas pesquisas, publicou muito pouco nas décadas de 1840 e 1850, deixando reservado aos seus diários e cadernos suas descobertas.

Carl Friedrich Gauss pintando por G. Biermann (1887).
Gauss publicou mais de dez livros, abordando temas da matemática pura e aplicada, geodésia, física e astronomia. Publicou alguns artigos, embora em pouca quantidade, pois como mencionado, muito foi mantido em sigilo por ele. Foi o criador ou co-criador de mais de sete invenções. 

Passou a maior parte da vida em Göttingen, onde morou por 45 anos. Faleceu aos 78 anos, em 23 de fevereiro de 1855, vítima de gota. Foi sepultado em Albani-Friedhof. Deixou esposa, quatro filhos, duas filhas e vários netos. Entre as homenagens prestadas ao ilustre matemático, esteve uma medalha de ouro que o rei Jorge V de Hannover mandou fazer especialmente para ocasião, onde na medalha ele a dedicava ao ilustre "Príncipe dos Matemáticos". 

NOTA: Os Princípios Matemáticos da Filosofia Natural (Philosiphiae Naturalis Principia Mathematica) publicado em 1687, foi a obra-prima de Isaac Newton, apresentando suas Três Leis, a teoria da Gravidade e outros assuntos. Ainda hoje é considerado um livro de leitura nada fácil, mesmo para matemáticos experientes. No entanto, Gauss aos 15 anos o leu com bastante afinco e facilidade, ficando ainda mais admirado com a obra de Newton, um de seus ídolos.
NOTA 2: O teorema áureo foi proposto em 1742, pelo renomado matemático e físico suíço Leonhard Euler (1707-1783), o qual esboçou seu enunciado, mas não chegou a resolver esse problema. Em 1798, o matemático Legendre (1752-1833) publicou uma demonstração sobre o teorema, mas ela não foi satisfatória e conclusiva. Apenas em 1801, Gauss resolveu tal teorema, apresentando 3 formas diferentes de resolvê-lo. Nos anos seguintes, ele apresentou outras formas. O enunciado do teorema diz o seguinte: Se nenhum dos primos p ou q pertence à progressão aritmética 4k + 1 então uma das congruências tem solução se e somente se a outra não tem solução. Se algum dos primos pertence à progressão 4k + 1 então ou ambas as congruências tem solução, ou nenhuma das duas tem solução.
NOTA 3: Na matemática existem algumas referências aos trabalhos de Gauss, as quais levam o seu nome: curva de Gauss, inteiro de Gauss, lei de Gauss e teorema de Gauss. Na física há também um teorema de Gauss, o qual diz respeito ao estudo do campo elétrico. 
NOTA 4: Em 1949 foi criado pela Sociedade Científica de Brunswick, a Medalha Carl Friedrich Gauss, para parabenizar os melhores trabalhos científicos do ano.  
NOTA 5: A mãe de Gauss passou grande parte da vida morando com o filho, pois Dorothea Gauss faleceu aos 97 anos.
NOTA 6: Gauss admirava a invenção das ferroviais, tendo feito questão de ver as obras e a inauguração da estrada de ferro em Brunswick e nas redondezas.  

Referências Bibliográficas: 
GARBI, Gilberto G. A Rainha das Ciências: um passeio histórico pelo maravilhoso mundo da matemática. 4a ed, São Paulo, Editora Livraria da Física, 2009.
ROSA, Carlos Augusto de Proença. História da ciência: da antiguidade ao renascimento científico, vol. 1. 2a ed, Brasília, FUNAG, 2012, 3v. 
ROSA, Carlos Augusto de Proença. História da ciência: o pensamento científico e a ciência do século XIX, vol. 2, tomo II. 2a ed, Brasília, FUNAG, 2012. 3v
STRUIK, Dirk J. História concisa das matemáticas. Tradução de João Cosme Santos Guerreiro. 3a ed, Lisboa, Gradiva, 1997. 
GRANDE Enciclopédia Larousse Cultural, v. 9, São Paulo, Nova Cultural, p. 2668.    

LINKS:  
Aparelhos criados por Gauss - em alemão
Livros escritos por Gauss - em latim e alemão

Um comentário:

  1. Fico fascinado por mentes brilhantes, que se desenvolvem praticamente sozinhas e alcançam notável progresso!

    Sergio L B Orsini

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