Uma história não contada: o campo de concentração para flagelados de 1915 em Fortaleza-Ceará
Lidiany Soares Mota Travassos
A
SECA NO CEARÁ
O
longo período de estiagem no Ceará desde o ano de 1913 fazia com que a
chegada dos retirantes à capital cearense afetasse e alterasse o cotidiano dos
habitantes locais. Os espaços urbanos, como ruas e praças, tornavam-se moradias
para esses desabrigados. A cidade que, para alguns, deveria ser distinta da
imagem de pobreza trazida pelos retirantes transforma-se, segundo jornalistas e
memorialistas, em caos e desordem. O centro, a cada dia, recebia novos
integrantes, que vinham em busca de auxílios e das frentes de trabalhos.
Alguns
proprietários de terras, políticos, membros ilustres da sociedade, jornalistas
e médicos e que traziam debates sobre a seca, em sua maioria, como fenômeno
natural e que precisava ver essa multidão de famintos contida. Jornais de
oposição como o – O Cearense – traziam manchetes que exigiam uma
atitude capaz de manter a ordem e de afastar os retirantes das principais áreas
de contato com a população citadina. Os indícios dos debates deixados ao longo
da história do Ceará nos levam a crer que os estudos e a compreensão do papel
da multidão de retirantes flagelados é relevante para analisar como o poder
público estava organizando a cidade e quais as mobilidades e tensões que essas
pessoas consideradas por muitos representantes da elite local como
indesejáveis, estavam provocando no espaço urbano de Fortaleza, tendo a seca
de 1915 como estopim.
O
medo de saques, violência gerada pela loucura da fome e a propagação de
doenças, eram fatores que pressionavam o poder público a buscar nos campos de
concentração uma alternativa para conter a leva de famintos que dia após dia,
mais se aproximava da cidade. O medo das autoridades diante dos flagelados da
seca tinha um precedente. Em 1877, uma leva de cerca de 110 mil famintos
saiu dos sertões e tomou as ruas de Fortaleza, assombrando os moradores. No
livro A Fome, o mais consistente relato sobre o cenário de 1877
nas ruas da capital, o farmacêutico, cientista social e escritor Rodolfo
Teófilo assim descreve o que viu:
“A peste e a fome matam mais de 400 por dia! O
que te afirmo é que, durante o tempo em que estive parado em uma esquina, vi
passar 20 cadáveres: e como seguem para a vala! Faz horror! Os que têm rede vão
nela, suja, rota, como se acha; os que não a têm, são amarrados de pés e mãos
em um comprido pau e assim são levados para a sepultura. E as crianças que
morrem nos abarracamentos, como são conduzidas! Pela manhã os encarregados de
sepultá-las vão recolhendo-as em um grande saco; e, ensacados os cadáveres, é
atado aquele
sudário de grossa estopa a um pau e conduzido para a sepultura”. (TEÓFILO,
1890)
O
objetivo do campo de concentração era evitar que os retirantes alcançassem Fortaleza,
trazendo “o caos, a miséria, a moléstia e a sujeira”, como informavam os
boletins do poder público à época. Em 1915 criou-se o Campo de Concentração
do Alagadiço, nos arredores da capital cearense, cenário do livro O
Quinze de Rachel de Queiroz (1930). Ele chegou a juntar oito mil
esfarrapados, que recebiam alguma comida e permaneciam vigiados por soldados. À
medida que a vida urbana tornava-se mais complexa e afeita às influências exteriores
a exemplo das alterações feitas pelo governo francês, com suas remodelações em busca
do aformoseamento da cidade, maior era a exigência de implementar a higiene dos
espaços e a busca por uma higiene também para os corpos como uma norma de
distinção social e decência.
Já
no século XVIII muitas cidades européias, a exemplo de Paris e Inglaterra
passaram por grandes mudanças no rural e principalmente no urbano. Mudanças estas
profundamente geradas pelas relações entre a burguesia e o operariado, o que
refletia as disparidades entre ricos e pobres. A vida sócio-econômica passa a
ser influenciada pelos grandes núcleos populacionais, por epidemias, situações
de violência e revoltas urbanas passaram a ser mais freqüentes. A cidade
representava um espaço de desigualdades e de tensão entre classes sociais.
Tornou-se
necessário alterar o espaço urbano para que este se adequasse a estas
transformações sociais. A cidade e seu grande número de habitantes necessitavam
de uma melhor organização quanto ao lixo produzido, à sujeira, à contenção de epidemias
enfim, a tudo que pudesse gerar doenças que se proliferassem pela água, ar e
terra. As intervenções nas cidades passaram a fazer parte das preocupações de
médicos e sanitaristas.
O
CAMPO DE CONCENTRAÇÃO DO ALAGADIÇO
No
contexto de 1915, o Campo de Concentração do Alagadiço deixava muito a desejar quanto
aos cuidados no tocante à higiene dos flagelados que ali permaneceram. Rodolfo
Teófilo, farmacêutico e escritor, figura atuante na secas de 1877 e de 1915 assim
descreveu sua primeira visita ao campo de concentração dizendo estar diante de
em breve um “Campo Santo”:
“Em
um quadrilátero de quinhentos metros de face estavam encurralados cerca de sete
mil retirantes. Percorri todos os departamentos daquele depósito de seres
humanos. Abrigavam-se à sombra de velhos cajueiros. Via-se aqui e ali, uma ou
outra barraquinha coberta de esteira ou de estopa, mas tão miserável era a
coberta que não impedia que a atravessassem os raios de sol. A cozinha era
também ao tempo. Em algumas dúzias de latas, que haviam sido de querosene,
ferviam em trempes de pedra grandes nacos de carne de boi, misturados a maxixes,
quiabos e tomates. Achei esquisitas as verduras e mais ainda os tomates. Pendia
de um galho de cajueiro um quarto de boi. Pude então avaliar a péssima qualidade
da carne, só digna de urubus. Informaram-me que aquela era boa, comparada a outras
que mandara o fornecedor. Disse-me pessoa idônea que as reses que morriam de magras
ou do mal, eram mandadas para o ‘campo de concentração’”. (TEÓFILO, 1980).
Percebemos
que não existem acomodações apropriadas para os desvalidos, que ficavam
expostos ao sol e dependendo da caridade das senhoras da Igreja Católica que visitavam
o campo e levavam ajuda em alimentos e roupas para muitos que nem mais as tinham.
O local onde eram depositadas as matérias fecais dos flagelados também era
bastante preocupante ficando a sotavento (lado oposto ao lado do qual sopra o
vento) no fundo do cercado, ao poente. Vale destacarmos que esta área era
coberta apenas por pequenos arbustos, onde os famintos, conforme destacado por
Teófilo ficavam numa promiscuidade de bestas e
defecavam, ficando as fezes expostas às moscas.
Os
locais de provisão de água doce, as chamada aguadas, também eram preocupantes, visto
que ficavam em buracos à flor da terra. Expostos desse modo, a todo tipo de
doenças causadas pela falta de higiene. Localizado a oeste da cidade, por meio
do governo provincial de Benjamim Liberato Barroso (militar e
engenheiro), de modo a deixar os retirantes concentrados mais distante dos bairros
de famílias mais abastadas da cidade. Desse modo, o processo era o de segregar
à pobreza e as doenças a este espaço. A então Inspetoria de Obras Contra as
Secas – IOCS, aliada ao governo provincial era a instituição responsável
pela criação e administração do campo de concentração. Inicialmente apenas um
local cercado por arame farpado, com algumas árvores que davam alguma sombra,
para onde os retirantes eram levados quando desciam dos trens que chegavam às
estações mais próximas de Fortaleza, como a do Alagadiço. Estas pessoas eram
encaminhadas para estes locais e lá poderiam construir seus barracos com o
material que dispusessem ou que encontrassem.
O
papel do interventor (normalmente um engenheiro da própria IOCS) era ser responsável
pela gerência do campo, ou seja, organizar aqueles que iriam para as frentes de
trabalhos (construção de açudes, praças, estradas, calçadas, etc.),
distribuição da ração (como era chamada a comida), manutenção da ordem dentro
do campo, garantida por soldados que patrulhavam a área de modo a manter a
ordem e a moral.
Nossa
hipótese é de que, apoiados nos indícios advindos das fontes pesquisadas, o Higienismo
teria ditado as decisões para a criação do abarracamento para os inúmeros flagelados
da seca de 1877. Baseados em relatórios como o Relatório do Inspector de saúde pública
Antonio Domingues da Silva de 31 de maio de 1876 e Relatório do
Inspector de saúde pública Dr. João da Rocha Moreira de 29 de maio de
1877, nos mostram a preocupação dos sanitaristas quanto à proximidade com
esta população de famintos e doentes e da necessidade de mantê-los num local
separado do restante da população de Fortaleza.
Já
em 1915, o Higienismo, fortemente atrelado a Eugenia teria incentivado a
criação do campo de concentração do Alagadiço em 1915, visto que já não era
mais possível a livre circulação pela cidade por parte dos flagelados. Estes
passaram a ser vigiados por soldados e tinham
suas vidas controladas pelos inspetores do campo. Estes, amparados pela autoridade
dos guardas, ditavam as regras de convivência, a alimentação, ou seja, a
chamada ração; assim como a distribuição dos remédios aos doentes. Muitos se
recusavam a tomar as vacinas e o medo da propagação das doenças a exemplo do
que ocorreu em 1877, com a epidemia de varíola, fez com que muitos flagelados,
sem o tratamento adequado aliado as debilidades físicas e todos os sofrimentos
causados pela seca chegassem ao óbito.
Nosso
objetivo é identificar os debates que consubstanciaram a criação os campos de concentração
para flagelados da seca no Ceará em 1915, buscando ter uma interface entre os debates
presentes nos âmbitos das teorias sanitaristas e a teoria de evolução social.
Buscamos ainda compreender a seca da forma como está era vista pela maioria das
personalidades da época e os indícios que demonstram que o higienismo esteve
presente no cenário da seca de 1877 e esteve aliado aos ideais da eugenia em
1915, fortalecendo o cenário que criaria o Campo de Concentração do Alagadiço.
PRINCIPAIS
FONTES ANALISADAS
Temos
por base a análise dos debates de personalidades importantes para a formação das
idéias que se faziam circular sobre a seca no período estudado (1915), a
opinião de intelectuais, proprietários de terras e/ou fazendeiros (cartas aos
jornais), políticos (discursos e atas), engenheiros que foram interventores da
IOCS nos campos de concentração do Ceará (relatórios de obras e funcionamentos
do campo de concentração do Alagadiço - 1915), escritores, médicos e/ou
sanitaristas, revistas e jornais, presentes em pastas como a das Obras da
IOCS e Socorros públicos catalogadas pelo acervo documental do Arquivo Público
de Fortaleza. Usamos ainda dissertações, teses e obras literárias.
Para
tratarmos do pensamento dos principais atores que participaram do contexto das secas
de 1877 e 1915 no Ceará destacamos Capanema (engenheiro da época do 2º
Reinado enviado para uma expedição de reconhecimento da situação de seca do
sertão, das possibilidades de solução e de dados como solo, vegetação etc.), José
do Patrocínio (jornalista enviado pelo imperador D. Pedro II para
saber a realidade da seca no Ceará - 1879), Nogueira Acioly (político
que representava uma tradicional família cearense, que na época da seca de 1901
fazia oposição as investidas de Rodolfo Teófilo para tentar sanar problemas com
vacinação contra a varíola), Rodolfo Teófilo (cientista, romancista,
poeta, farmacêutico, investigador incansável e benfeitor da comunidade.), Tomás
Pompeu de Sousa Brasil (Senador cearense que publicou o 1º livro sobre o
clima e as seca em 1877) e Miguel Arrojado Lisboa (Interventor da IOCS).
Para
entendermos melhor o papel da imprensa no Ceará a respeito da seca temos, os Jornais:
O Retirante. Período: anos de 1877 e 1878, que se posicionou a
favor dos retirantes que chegavam a então capital da província do Ceará,
adotando, por um viés literário, um discurso contestatório e de denúncia; outro
seria o A Lucta. Que em outubro de 1915 A Lucta noticiou a
chegada dos engenheiros chefes responsáveis pela tomada do início das construções
da Comissão de Obras Novas Contra as Secas. Período: jan a dez/1915.
Ambos encontrados na biblioteca do Instituto Histórico e Geográfico Cearense.
A
TEORIA SANITARISTA E A TEORIA DE EVOLUÇÃO SOCIAL
Para
proporcionarmos uma interface entre os debates presentes nos âmbitos das
teorias sanitaristas e a teoria de evolução social, fizemos uso de análises dos
artigos que retrataram o debate nacional em torno da teoria higienista. Importante
salientar que a palavra “higiene” não só significava polir os espaços urbanos,
como a limpeza de ruas e praças; neste termo estavam embutidas ações constrangedoras
e disciplinadoras, nas quais se revelavam a moral e a estética requerida pela elite.
O
HIGIENISMO NO BRASIL
Vale
destacarmos que o higienismo brasileiro só pode se definir, devido sua tensão constitutiva,
ou seja, pelo que tinham de comum, por um objetivo central: o estabelecimento de
normas e hábitos para conservar e aprimorar a saúde coletiva e individual. É somente
neste aspecto
que podemos encontrar certa homogeneidade. Fora isto, podemos encontrar uma mentalidade
higienista em uma generalidade difusa e heterogênea, tanto no âmbito político quanto
no científico (Hochman; Lima, 1996; Hochman, 1993).
Deste
modo, defendemos que o “movimento higienista” ou sanitarista do início do século
XX no Brasil extrapola a periodização tradicional que lhe imputa o término nos
anos 30 ou 40, e prossegue com suas tradições e ideais heterogêneos até o fim
do século XX, e muito possivelmente, até hoje, no início do século XXI, não
ganhando características que determinem uma diferenciação histórica absoluta
entre as duas intervenções (Góis Junior, 2003).
Contudo
existem análises mais tradicionais e restritas em relação ao movimento higienista.
Na publicação da obra História da Vida Privada no Brasil, em
volume dirigido por Fernando Novais (1997) e organizado por Nicolau
Sevcenko, Paulo César Garcez Marins, no capítulo “Habitação e
Vizinhança: limites da privacidade no surgimento das metrópoles brasileiras”
atribuiu uma homogeneidade ao discurso higienista, caracterizando-o como um movimento
social orientado pelos interesses das classes dirigentes. Nos seus estudos
sobre a urbanização, o autor considera o discurso higienista um reflexo do pensamento
das elites, que pretendiam perseguir o povo em suas próprias habitações. Em
suas palavras as populações pobres seriam:
“Acusadas
de atrasadas, inferiores e pestilentas, essas populações seriam perseguidas na
ocupação que faziam das ruas, mas sobretudo ficariam fustigadas em suas habitações”.
(Marins, 1998, p.133).
Nesta
posição de análise o “movimento higienista” seria um aliado das elites econômicas
em todas suas manifestações, como se reflete na passagem abaixo:
“A
ambição de arrancar do seio da capital as habitações e moradores indesejados
pelas elites dirigentes começou a se materializar com as medidas visando à
demolição dos numerosos cortiços e estalagens, espalhados por todas as
freguesias centrais do Rio de Janeiro, o que se procedeu sob a legitimação
conferida pelo sanitarismo.” (Marins, 1998, p.141).
Usamos
ainda artigos de autores do cenário local cearense tais como o artigo de Maria
Clélia Lustosa Costa, intitulado Teorias médicas e gestão urbana: a
seca de 1877-79 em Fortaleza. Neste artigo publicado na Revista
Scielo de 2004 percebemos uma remontagem das novas
teorias médicas sobre a origem das doenças que influenciaram normas e regulamentos
de controle do comportamento da população e do espaço urbano. Neste trabalho,
apresentaram-se e discutiram-se as idéias, práticas médicas e ações
administrativas adotadas durante a seca de 1877-79 em Fortaleza,
capital da província do Ceará. Já no artigo A cidade e o
pensamento médico: uma leitura do espaço urbano, publicado na Revista Mercator
- Revista de Geografia da UFC, ano 01, número 02, 2002, a autora argumenta que os
médicos, fundamentados em teorias que localizam a doença no meio ambiente,
elaboram discurso que se propõe a medicalizar o espaço e a sociedade,
influenciando as práticas e as políticas urbanas.
Tratados
de Higiene Pública sugerem normas de construção, repercutindo nos Códigos de
Posturas e legislações. Uma nova concepção de cidade emerge e um novo espaço
urbano se estrutura com base no discurso médico neo-hipocrático dominante no
século XIX. Normas que sugerem localizações de espaços que remontem perigo a
saúde da população fossem redirecionados, de modo a se instalarem na direção
oeste de Fortaleza, o que faria com que as doenças, segundo concepções
miasmáticas da época, fossem levadas com o vento para mar a dentro, não
atingindo aos moradores da capital. Como ocorreu com a construção do Campo de
Concentração do Alagadiço na tentativa de evitar, assim, novo surto de varíola.
A
EUGENIA NO BRASIL
Para
os debates acerca da teoria da evolução social usamos artigos tais como os de Maria
Lúcia Boarini, intitulado Higienismo e Eugenia: discursos que não
envelhecem, publicado em Psicologia Revista, vol. 13,
n.1, SP. Educ. 2004. p. 59-72, que discute o fato de ser estranho aos olhos da
autora atribuir o sucesso ou insucesso do indivíduo unicamente às suas
características pessoais ou biológicas (cor da pele, gênero etc.), estranheza
maior causa a constatação de que estes discursos são recorrentes há, no mínimo,
um século. Outra obra de Boarini que merece destaque é seu livro Higiene
e raça como projetos: higienismo e eugenismo no Brasil, de 2003. Nesta
obra, Higienismo e eugenismo, apesar de, habitualmente, não fazerem parte dos
conceitos mais abordados pelas teorias 'psi', fazem parte da inextrincável teia
de complexas e polêmicas discussões que hoje permeiam os mais diversos temas
ligados à bioética. Muitas discussões sobre os dois temas estão na ordem do
dia, suscitadas pelo avanço das ciências e das biotecnologias.
Mas
um outro olhar, de cunho histórico-crítico, também tem se voltado para eles, no
sentido de assinalar suas marcas e raízes, em nosso país. Trata-se, na verdade,
de um olhar múltiplo e complexo, que percorre a linha do tempo, através da
produção de pesquisadores de áreas diversas das ciências humanas e sociais,
como a psicologia, a psicanálise, a história, a filosofia e a educação. Outro
destaque é a dissertação de mestrado transformada em livro de Pietra Diwan,
Raça Pura: uma história da eugenia no Brasil e no mundo
(Contexto, 2007), nesta obra Diwan nos apresenta ao mundo moderno no qual temos
o dever de sermos belos, magros, ter cabelos lisos e parecer
"naturais" diante do espelho, de nós mesmos, diante dos outros. E, para
conquistar mais saúde, juventude e beleza, os caminhos científicos e
industriais não cessam de se multiplicar.
A autora nos faz perceber que o
Brasil atualmente é o segundo país no mundo em número de cirurgias plásticas,
só perdendo para os Estados Unidos. Assim, evoluir a cada geração, se superar,
ser saudável, ser belo, ser forte. A democratização da beleza, para alguns; ou
a vulgarização dos corpos, para outros; todas essas afirmativas estão contidas
na concepção de eugenia. Diwan (2007) destaca que com este status de disciplina
científica, a eugenia pretendeu implantar um método de seleção humana baseado
em premissas biológicas. E isso através da ciência que sempre se dizia neutra e
analítica, segundo as explicações de seu mentor Francis Galton.
OS
RESULTADOS DE 1877 E DE 1915
Os
levantamentos parciais das mortes nas épocas de seca no sertão são
assustadores. Somente entre 1877 (ano da grande seca em que morreram 5%
da população brasileira (Segundo VILLA, 2001) e 1913, portanto ainda sem
os números da seca de 1915 (ano de criação do Campo de Concentração do
Alagadiço). O governo federal, por intermédio da Inspetoria de Obras Contra
as Secas - IOCS estimava que dois milhões de pessoas houvessem morrido em
conseqüência da miséria e fome da estiagem. As estatísticas oficiais, que não
conseguiam abarcar todos os alistados nos “currais”, como eram chamados os
campos de concentração pelos flagelados da seca, dão conta de que a população
de Fortaleza, que somava em 1910, um número de 65.816 habitantes,
aumentou em 1920, para 78.536 habitantes, isto é, cinco anos após a
implantação do Campo do Alagadiço, o que pode vir a ser um indício de que
alguns flagelados optaram por se estabelecer em Fortaleza após o fechamento do
Campo do Alagadiço ainda em 1915.
ALGUMAS
CONCLUSÕES
Alguns
modelos e ações higienistas, aliados a antigas teorias sanitaristas que já apareceram
em 1877 dentro da intervenção nos espaços urbanos com a criação dos abarracamentos
para flagelados da seca, se repetiram entre 1914 e 1915. Nesse período teorias miasmáticas,
ou seja, de que doenças eram transmitidas pelo ar, influenciaram na localização
do que veio a ser o primeiro campo de concentração do Ceará, ou seja, o
Alagadiço. Notamos que as grandes somas de dinheiro que eram destinadas ao
campo de concentração no combate à seca não eram encaminhados de forma total
para os desvalidos.
Não
sendo observados na alimentação, na limpeza do local ou mesmo na construção de habitações
melhores. Percebemos o descaso por parte da Inspetoria de Obras Contra as Secas
no tocante ao local de depósito das matérias fecais, que deixava os flagelados
expostos aos olhos de qualquer um assim como a exposição a inúmeras doenças,
visto que ficavam às moscas. O evento da vacina em 1901, onde o próprio
presidente da província, Nogueira Acioly, fez campanha contra a vacina
produzida por Teófilo dizendo que esta vacina iria matar os flagelados
ao invés de curar, pode ter sido o resultado por inúmeras mortes por parte dos
que se negaram a ser vacinados.
A
água também ficava a céu aberto, em buracos no chão. Isto demonstra que muitas das
doenças que os mesmos vieram a ter e resultar em óbitos podem ter sido
resultado direto do local e das péssimas condições de vida a que estavam
sujeitos no campo de concentração, o que nos remete a péssimas condições
sanitárias e nos fazem pensar sobre a teoria de evolução social que
privilegiava os sãos, os bem-nascidos, bem alimentados, com boa capacidade
física e mental. O que possibilitaria o desenvolvimento do local e não um possível
fardo social, o que era fortemente combatido pelos teóricos da eugenia, como
Francis Galton.
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