terça-feira, 14 de abril de 2020

Rudolf Diesel e o motor a diesel

No final do século XIX, o engenheiro mecânico alemão, Rudolf Diesel inventou seu próprio modelo de motor a combustão interna, o qual se tornou um primor tecnológico por sua versatilidade em ser potente, ter múltiplos usos, ser relativamente econômico e ser um dos primeiros motores a funcionar de forma eficiente utilizando-se biocombustível. O presente texto procurou contar um pouco da história desse importante engenho que até hoje é utilizado, embora os motores a combustão à base de gasolina e etanol predominem, os motores a base de óleo diesel não perderam seu espaço e mérito. 

Rudolf Diesel: 

Rudolf Diesel
Rudolf Diesel nasceu em Paris em 1858, sendo naturalizado alemão posteriormente. Ele era o segundo filho de Theodor Diesel e Elise Diesel. Seus pais migraram para a França atrás de oportunidades, indo morar em Paris em 1854. O casal teve três filhos. Theodor trabalhava com encadernação de livros, emprego que pagava pouco. Assim a família Diesel vivia com problemas de falta de dinheiro. Rudolf estudou numa escola protestante em Paris, e em 1870 com o advento da Guerra Franco-Prussiana (1870-1871), os Diesel abandonaram Paris e mudaram-se para Londres, seguindo com outros imigrantes alemães que viviam na capital francesa. Após alguns meses na Inglaterra, Rudolf foi enviado a Augsburgo na Alemanha, para viver com seus tios Christopher e Barbara. Seu tio era professor de matemática no Königliche Kreis-Gewerbeschule (Faculdade Profissional de Royal County). (MOLLENHAUER; SCHREINER, 2010, p. 3). 

Em Augsburgo, Diesel descobriu a paixão pela engenharia, estando determinado a fazer o Curso de Engenharia. Em 1880 ele graduou-se em engenharia mecânica, conseguindo a oportunidade de emprego em ser ajudante de um de seus professores, o doutor Carl von Linde, que havia ido trabalhar em Paris, com isso, Diesel voltou para sua cidade natal, ajudando seu professor nos projetos dele. Diesel e Linde formaram uma parceria de cooperação de vários anos, produzindo peças, máquinas e aparelhos. Nesse tempo ele casou-se e teve três filhos. Finalmente em 1893, ele mudou-se com a família para Berlim, onde dedicou-se a criar seu próprio motor a combustão, projeto que ele já vinha trabalhando já algum tempo. (MOLLENHAUER; SCHREINER, 2010, p. 3). 

Diesel no começou do século XX, mudou-se para os Estados Unidos, a fim de tentar dar prosseguimento a seus inventos e a comercialização de seu motor. Porém, os Estados Unidos era dominado por motores a vapor e a combustão interna abastecidos por petróleo e gasolina. Diesel teve dificuldades em convencer empresários, fabricantes e engenheiros de usarem seu motor, o que rendeu prejuízos financeiros e sua saúde foi abatida. Anos depois de infrutífero sucesso comercial, Diesel viajou para a França e de lá sem sorte também, seguiu para a Inglaterra. Ele morreu misteriosamente enquanto atravessava de navio o Canal da Mancha em 1913. Seu corpo foi encontrado dias depois boiando. Não se sabe se ele foi morto, cometeu suicídio ou caiu da embarcação e não o viram. (MOLLENHAUER; SCHREINER, 2010, p. 6). 

O motor Diesel: 

Motores a combustão surgiram no século XVIII e existiam em vários modelos, sendo movidos por diferentes formas de combustível como petróleo, vapor, gás, gasolina e alguns tipos de óleos. Alguns já possuíam até ignição elétrica. Quando Diesel decidiu trabalhar com motores, estava decidido a criar um modelo compacto, potente e mais eficiente dos quais eram normalmente comercializados. Pois alguns motores eram usados em trens, embarcações e veículos pesados, sendo motores grandes, pesados e não necessariamente eficientes e potentes. 

Antes de falar do motor invetado por Rudolf Diesel, se faz necessário comentar brevemente como funciona um motor a combustão interna. Hoje em dia existem diferentes tipos de motor que funcionam dessa forma, mas na época de Diesel, o principal modelo era o desenvolvido pelo engenheiro alemão Nikolaus Otto (1854-1891), que aperfeiçoou patentes da época e lançou em 1866 um motor a combustão de quatro tempos, o que significava que ele funcionava com quatro cilindros e pistões. 


Representação de um motor a combustão interna de quatro tempos.
O motor de Otto ainda hoje é utilizado em veículos devido a sua fácil produção e facilidade de funcionamento. Basicamente ele gera energia mecânica através de um ciclo termodinâmico, onde mistura-se combustível com ar, comprimindo ambos dentro de um cilindro e depois eles entram em combustão quando são iniciados por uma ignição controlada. O resultado dessa pequena combustão interna que ocorre no cilindro, movimenta o pistão e as peças a ele conectadas, gerando potência para movimentar outras peças as quais juntas permitem que veículos ou máquinas funcionem. Os gases residuais dessa combustão são expelidos pelo escapamento. 

Explicado a grosso modo como um motor a combustão interna funciona, é preciso salientar que havia também motores a vapor, e até mesmo motores elétricos que usavam baterias, todavia, Diesel optou por trabalhar com a combustão interna. Na época ele estava procurando uma forma de aperfeiçoar os motores a vapor, utilizados nas locomotivas, navios e alguns automóveis e caminhões, e até para fazer funcionar maquinário. Assim, partindo do princípio básico de como um motor a combustão interna opera, onde injeta-se ar e combustível dentro de um cilindro para esses serem inflamados, gerando uma descarga de energia que movimenta as peças, Diesel manteve essa premissa basicamente sem alteração, as mudanças que ele propôs foi alterar algumas das etapas de como isso era feito. 

Ele começou a trabalhar em seu motor pelo menos em 1891 ou 1892, quando deu entrada numa patente de motor no Escritório Imperial de Patentes na Alemanha. Somente no ano seguinte sua patente foi validada sob a numeração DRP 67207, intitulada Método de trabalho e design de motores a combustão (Arbeitsverfahren und Ausführungsart für Verbrennungsmaschinen)

Patente do motor a combustão de Rudolf Diesel, 23 de fevereiro de 1893. 
Sobre seu motor, Diesel escreveu o seguinte: 

"O método de trabalho para motores de combustão caracterizados por ar puro ou outro gás (ou vapor) indiferente com um funcionamento de um pistão  para comprimir o ar puro com tanta intensidade em um cilindro que a temperatura gerada como resultado está muito acima da temperatura de ignição do combustível utilizado, pelo que, devido ao pistão de expulsão e à expansão do ar comprimido (ou gás) acionado como resultado, o combustível é fornecido gradualmente do ponto morto em diante que a combustão ocorre sem aumentar significativamente a pressão e a temperatura, após o término do fornecimento de combustível, a massa de gás no cilindro de trabalho se expande ainda mais". (MOLLENHAUER; SCHREINER, 2010, p. 3, tradução minha). 

Como dito anteriormente, o motor Diesel segue o princípio do motor Otto, a diferença está nas etapas de funcionamento. No motor Diesel, o combustível não é injetado ao mesmo tempo que o ar, onde primeiro o cilindro é preenchido com ar pressurizado e este é comprimido, e logo após ser comprimido, a bomba injetora, libera uma pequena quantidade de combustível que sofre reação com o ar comprimido e aquecido, e ambos são incendiados pela vela de ignição, gerando assim uma combustão ainda mais potente. Depois os gases residuais são expelidos pelo sistema de escapamento. Lendo pode parecer bem simples a ideia, mas na época foi uma inovação, pois o motor Diesel consumia menos combustível, além de gerar maior potência, o que gerava mais energia para o trabalho ser executado.


Esquema representando o funcionamento de um motor Diesel. 
Estando de posse de sua patente, Diesel conseguiu um contrato da empresa Krupp, para construir um motor protótipo, o qual foi concluído em julho de 1893, porém, durante os testes usando-se petróleo como combustível, o motor acabou explodindo. Assim, Diesel voltou para a prancheta de desenho e cálculo e teve que reelaborar a estrutura de seu motor. Somente em 1894 é que o segundo protótipo ficou pronto. Nesse período ele solicitou novas patentes de peças para seu motor. No ano de 1895 o segundo protótipo foi testado de forma eficiente várias vezes. (MOLLENHAUER; SCHREINER, 2010, p. 4). 


Réplica do segundo protótipo de motor Diesel, o primeiro a funcionar de forma eficaz. 
Em 1896, Diesel apresentou um terceiro protótipo já com algumas diferenças em relação aos anteriores, além de demonstrar melhor desempenho de funcionamento. Finalmente em 1897 é que seu motor foi reconhecido como sendo capaz de ser utilizado em máquinas, isso após quatro anos de testes. Um empresário canadense solicitou comprar alguns desses motores para mover seu maquinário fabril. No ano seguinte, Diesel mudou-se para os Estados Unidos, fechando acordo com algumas empresas para produzir seus motores. Os quais eram produzidos para operar maquinários essencialmente. Apesar desses acordos comerciais, nem sempre significou que os negócios deram certo. Pois Diesel perdeu dinheiro com investimentos ruins. (MOLLENHAUER; SCHREINER, 2010, p. 4). 

Além de operar maquinários, nos anos seguintes o motor Diesel ganhou novas utilidades. Os primeiros barcos comercializados com este motor, começaram a ser vendidos em 1903, as locomotivas a diesel surgiram apenas a partir de 1912, no ano seguinte surgiu tratores, mas somente em 1923, caminhões a diesel começaram a ser comercializados. Todavia, os carros a diesel somente surgiram na década de 1930, tendo como grande incentivador, o inventor e empreendedor Clessie Cummins (1888-1968) que adaptou um motor Diesel para seu carro e viajou de Los Angeles a Nova York em 1931, mostrando a eficiência do motor. Nos anos seguintes ele convenceu montadoras de automóveis a investir nestes motores. (MOLLENHAUER; SCHREINER, 2010, p. 8). 


Clessie Cummins usando um dos automóveis com motor a diesel. Na década de 1930 ele ajudou a incentivar a produção de automóveis com motor a diesel. 
O óleo a diesel e o biodiesel: 

O primeiro motor protótipo fabricado por Diesel, utilizou petróleo como combustível, no que resultou na explosão do mesmo. Então Diesel nos anos seguintes decidiu testar diferentes misturas para servirem de combustível para seu motor. 

Entre os anos de 1894 e 1897, Diesel testou misturas alternativas de petróleo até chegar em uma que viria dar a origem ao óleo diesel. Ele chegou a usar gasolina, mas essa não demonstrou-se adequada a combustão que ele queria. Porém, o óleo diesel, se revelou mais adequado. No caso, esse combustível é produzido a partir do refino do petróleo, apresentando altos índices de hidrocarbonetos, além de possuir grande quantidade de carbono e hidrogênio, e baixas quantidades de enxofre, nitrogênio e oxigênio. Em comparação com a gasolina, o óleo diesel tem maior poder de combustão. O óleo diesel oficialmente foi apresentado na World's Fair de Paris em 1911. (DEMIRBAS, 2007, p. 74). 


Três diferentes tipos de óleo diesel usados atualmente. No caso, o tipo de óleo diesel varia de acordo com sua utilidade. Locomotivas, aviões, navios e grandes maquinários usam um óleo mais potente do que usado em carros e motocicletas. Até mesmo caminhões, tratores e ônibus já usam um diesel diferente também. 
Todavia, até Diesel chegar a uma mistura adequada, vários tipos de óleo diesel foram feitos, porém, nesse ponto reside seu engenho e visionarismo em buscar combustíveis alternativos e até mesmo autossustentáveis. Embora seja evidente que Diesel provavelmente não teria a percepção de que o petróleo poderia um dia se tornar escasso, no entanto, ele sabia que esse produto era raro em alguns países, então isso o levou a procurar tipos alternativos de combustível. 

O primeiro teste relativamente bem sucedido dele, foi apresentado em 1900 na Exposição Mundial de Paris, onde a Companhia Otto exibiu um motor Diesel movido com uma mistura de óleo diesel e óleo de amendoim, sendo esse o primeiro registro oficial de biodiesel que apresentou teste prático. Na época os visitantes da feira não perceberam que aquele motor de exposição era movido a óleo vegetal, tendo ficado surpresos com isso. Entretanto, o uso de biodiesel não foi algo viável naquele momento, até porque o óleo de amendoim foi apenas usado em um motor pequeno de testes. Posteriormente Diesel fez testes usando óleo de soja, gordura animal e outros tipos de óleo vegetal, notando que eles sendo refinados e tratados, serviam para movimentar motores testes. Mas ainda não eram eficientes para serem usados em motores de veículos ou de maquinários, por não possuírem poder de combustão adequado para fazer os motores funcionarem de forma eficiente. (DEMIRBAS, 2007, p. 74). 

Entretanto, o uso de biodiesel naquele tempo não despertou o interesse da indústria, pois eram combustíveis pouco eficientes e deixavam resíduos no motor, que necessitavam limpeza regular, assim optou-se pela gasolina e o óleo diesel. Posteriormente a ideia de explorar o biodiesel foi abandonada, somente retornada após a década de 1970, época que ocorreu as crises do petróleo, e assim decidiu-se investir em combustíveis alternativos como o etanol, energia solar, energia eólica e o biodiesel. Atualmente o biodiesel é mais sofisticado e eficiente do que há um século. 

NOTA: As primeiras motocicletas comercializadas com motores a diesel, surgiram na década de 1980. 
NOTA 2: Aviões a diesel foram usados durante a Segunda Guerra Mundial. 
NOTA 3: O ator Vin Diesel não pertence a família Diesel, esse nome é artístico.
NOTA 4: Atualmente nos Estados Unidos, Brasil e outros países, o biodiesel é produzido principalmente a partir da soja.
NOTA 5: A Mercedes-Benz foi a primeira empresa de automóveis a adotar uso de biodiesel em alguns veículos da sua linha. 
NOTA 6: Resíduos de óleos usados para a fritura de alimentos podem ser utilizados para se fazer biodiesel. Atualmente restaurantes e lanchonetes em alguns países vendem o óleo de fritura usado para empresas que fabricam biodiesel. 
NOTA 7: Embora o biodiesel seja uma alternativa ao consumo de combustíveis fósseis, em alguns países existem leis que reduzem o acesso a tal combustível ou até mesmo o proíbe. E em geral o biodiesel é usado para completar a produção diesel, não sendo usado sozinho. 

Referências bibliográficas: 
DEMIRBAS, Ayhan. Biodisel: a realistc fuel alternative for Diesel Engines. Berlin: Springe Science, 2007. 
MOLLENHAUER, Klaus; SCHREINER, Klaus. History and Fundamental Principles of the Diesel Engines. In: MOLLENHAUER, Klaus; TSCHÖKE, Helmut (eds.). Handbook of Diesel Engines. Berlin: Springer, 2010, p. 3-30. 
RAMOS, Luiz Pereira [et. al]. Biodiesel. Revista Biotecnologia, Ciência e Desenvolvimento, n. 31, 2003, p. 28-37. 

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