segunda-feira, 9 de novembro de 2020

Espártaco e a Terceira Guerra dos Escravos (73-71 a.C)

Espártaco provavelmente seja o mais famoso gladiador conhecido, e sua fama em parte deve-se a ele ter liderado uma revolta de escravos em 73 a.C, a qual ganhou proporções gigantescas, se tornando uma guerra civil que durou quase dois anos. Tornando Espártaco uma lenda viva. Por outro lado, sua fama também advém das artes, através de poemas, romances, pinturas e filmes que enalteceram sua figura como escravo rebelde que ousou confrontar a poderosa República Romana. 

Passado desconhecido

Os historiadores da época como Plutarco, Apiano de Alexandria, Florus, Diodoro Sículo, Paulo Orósio e Caio Salustio, concordam entre si que Espártaco seria de origem trácia, embora não se saiba exatamente em que lugar do vasto território chamado de Trácia pelos romanos, ele teria nascido. A Trácia compreendia um território que hoje abrangeria o nordeste da Grécia, sul da Bulgária e o norte da Turquia na porção europeia. Os trácios eram conhecidos como um "povo bárbaro", mas com costumes helenizados, ou seja, alguns sabiam falar grego, adotavam alguns costumes deles. De acordo com Plutarco, Espártaco seria um homem culto e com costumes helênicos, embora que Florus e Apiano o descrevessem como sendo um bárbaro como qualquer outro trácio. (SHAW, 2001). 

Outro dado interessante, é que Espártaco não era o nome seu nome verdadeiro. Inclusive não se sabe como ele realmente se chamava. Pelo que se atesta, quando ele chegou a Cápua, alguém lhe deu o nome de Espártaco devido a sua origem trácia, pois tal nome era referência ao rei Espártoco I, que fundou em 438 a.C o Reino do Bósforo (compreendendo atualmente território grego e turco). A Dinastia dos Espartocidas governou aquela região por quase trezentos anos, vindo a ser subjugada pelos romanos. 

Se desconhece se Espártaco teria esposa e filhos, seu local de nascimento e até o ano em que nasceu. Embora os historiadores da época apontem que ele teria mais de trinta anos, quando foi levado para Cápua. Nesse ponto, os historiadores da época concordam que Espártaco teria servido as legiões orientais romanas, embora Floro escreveu que ele teria sido um mercenário, não um soldado efetivo. No entanto, não se sabe exatamente porque ele foi vendido como escravo ou porque foi feito escravo, mas devido a ser um guerreiro, isso interessou o vendedor de escravos a vendê-lo para se tornar um gladiador. (SHAW, 2001). 

Detalhe da estátua de Espártaco, esculpida por Denis Foyater, 1830. Atualmente situada no Museu do Louvre, em Paris. 

O ludo de Batiato e a revolta dos gladiadores

Naquele tempo os jogos de gladiadores eram um grande espetáculo pela República Romana. As arenas ficavam lotadas. Homens e até mesmo mulheres, se exibiam naqueles jogos mortais. Alguns gostavam da adrenalina, do risco e da fama ganhados, outros eram simplesmente forçados a lutarem por suas vidas. A maioria dos gladiadores eram escravos e prisioneiros de guerra, mas havia casos de homens livres que se ofereciam para pagar dívidas ou tentar a sorte como gladiadores. 

Em Cápua, no sul da Itália, ficava situada o ludo (escola de gladiadores) de Lêntulo Batiato. Um conhecido lanista (treinador de gladiadores) da região, o qual era conhecido por fornecer bons guerreiros para as arenas locais. Batiato no ano de 73 a.C. comprou uma leva de escravos, o que incluiu Espártaco. Porém, diferente do que se pensa, Espártaco não foi um gladiador ao longo de anos, na verdade não se sabe exatamente em que mês ele chegou à Cápua, o que indica que ele teria sido um gladiador por poucos meses ou apenas por semanas até eclodir uma revolta.

Não se sabe ao certo como a revolta se iniciou, se Espártaco teria a planejado ou não. Quem melhor comenta isso é Plutarco, mas ele pouco informa, dizendo que pelo menos 200 gladiadores iniciaram uma revolta no ludo contra os maus-tratos e outros problemas. Houve conflito entre eles e os guardas, vários ficaram feridos e alguns morreram, porém, Plutarco informa que 75 deles, já Floro falou em 30 fugitivos. Mas entre os fugitivos estava Espártaco. Esses gladiadores que conseguiram escapar, saquearam armas e comida pelo caminho, enquanto seguiam sem um rumo certo. A guarnição de Cápua foi informada sobre a fuga deles, ainda assim, os gladiadores foragidos conseguiram escapar dela. 

O início de uma grande rebelião

Os gladiadores se refugiaram no Monte Vesúvio, famoso vulcão italiano, lembrado por ter destruído Pompeia e Herculano, algo que ocorreria anos depois. Mas naquele momento, o Vesúvio estava adormecido. Ali, os fugitivos montaram acampamento e permaneceram tempo indefinido. Plutarco informa que Espártaco já estaria no comando daquele bando de foragidos, mas ele teria outros "chefes" para ajudá-lo, sendo esses gladiadores também, chamados de Crixus, Oenomaus, Castus e Gannicus. Floro, Orósio e Apiano citam apenas Crixus e Oenomaus, dizendo que os outros "chefes" eram gladiadores de origem gaulesa. (FIELDS, 2009, p. 12). 

Rota da fuga dos gladiadores, saindo de Cápua e indo se refugiar no Vesúvio. 

Entretanto, após alguns dias da fuga, o pretor Caio Cláudio Glabro, foi ordenado pelo governo para caçar, capturar ou executar os gladiadores que escaparam do ludo de Batiato. Plutarco e os demais historiadores, relataram que a tropa de Glabro teve dificuldades para alcançar o acampamento dos rebeldes, devido a localidade íngreme e bem posicionada, instalada no vulcão. Todavia, os gladiadores fugitivos conseguiram contra-atacar a tropa de Glabro, forçando ele bater em retirada. Tal condição é interessante, pois atesta que aqueles homens não apenas sabiam lutar, mas sabiam organizar estratégias e executá-las, pois eles estariam em menor número, apesar de que em questão de terreno, a vantagem fosse eles. (SHAW, 2001, p. 132). 

Aqueles gladiadores eram uma ameaça, pois poderiam motivar revoltas, levando a nova fuga de gladiadores e até de outros escravos. A tropa de Glabro tentou cercar o acampamento dos fugitivos, mas falharam quanto a isso, sendo atacados pela retaguarda, levando Glabro a declarar retirada. Nesse momento, salienta-se que os rebeldes se apossaram de equipamentos, armamentos e suprimentos do acampamento romano. Além de terem conseguido ajuda local, provavelmente de escravos que trabalhavam em fazendas. 

Com a derrota do pretor Glabro, o governo enviou o pretor Públio Varínio para capturar e executar os rebeldes. Dessa vez foi enviado uma tropa maior. Segundo Plutarco, Varínio comandava dois mil soldados. Provavelmente um número bem exagerado, pois Espártaco e seus homens também conseguiram derrotar a tropa de Varínio. Se realmente ele estivesse no comando de dois mil soldados durante a batalha, dificilmente algumas dezenas de gladiadores, talvez até cem ou duzentos deles (considerando reforços que tenham recebido), conseguiriam bater de frente o contingente de meia-legião. Entretanto, a história relatada informa que estando os rebeldes em desvantagem, Espártaco ordenou que Lúcio Cossino, que era o comandante de Varínio, fosse capturado e usado como refém. Cossino foi capturado em Salinas, enquanto ia a um banho público. Entretanto, Cossino conseguiu escapar, frustrando os planos dos rebeldes. Embora eles tenham conseguido vencer Varínio em algumas pequenas batalhas, o grupo teria deliberado seguir para o norte, rumo aos Alpes, na tentativa de fugir para a Gália. (SHAW, 2001, p. 133). Entretanto, o governo republicano decidiu tomar medidas mais enérgicas.

A Terceira Guerra dos Escravos (73-71 a.C)

A Primeira Guerra dos Escravos ou Guerra Servil, ocorreu entre 135-132 a.C. tendo ocorrido a partir da revolta de escravos na ilha da Sicília. O conflito durou três anos, até finalmente ser sufocado. Já a Segunda Guerra dos Escravos (104-100 a.C.) ocorreu também na Sicília, na época o "celeiro de Roma", concentrado milhares de escravos que trabalhavam nas plantações de trigo, oliveiras e na criação de cabras. Por tal condição, a ilha foi palco de duas revoltas de escravos que levou a se tornarem guerras civis, a ponto da República enviar tropas legionárias para conter essa guerra, antes que ela se alastrasse para o continente. (FIELDS, 2009). 

Se por um lado essas duas guerras servis acabaram ficando restritas a Sicília, embora tenha motivado pequenas revoltas na península, a Terceira Guerra foi diferente, pois mobilizou revoltas pela parte central e sul da Itália, mobilizando milhares de pessoas. 

Espártaco e seus homens teriam partido em direção ao norte, com a expectativa de alcançar os Alpes. No começo do ano de 72 a.C. os dois cônsules da época, Lúcio Gélio Publícola e Gneu Cornélio Lêntulo, enviaram tropas para atacar as forças rebeldes, resultando na derrota delas, o que forçou Espártaco e seus líderes a desistirem de marchar para o norte e recuarem para o sul, indo em direção a Lucânia. Nessa ocasião, Crixus separou-se do contingente principal, a fim de realizar outra missão na Apúlia. Semanas depois, Crixus e seus homens foram derrotados, e ele foi morto em combate. (SHAW, 2001, p. 134). 

Apesar da vitória dos cônsules Publícola e Lêntulo, o exército de escravos continuava a percorrer o interior da península, atacando fazendas, vilas e reunindo esforços. O comandante Cássio, que foi enviado para atacar Espártaco e a parte central do exército rebelde, foi derrotado, o que levou Espártaco a avançar novamente para o norte, através da Apúlia, na tentativa de encontrar uma passagem até os Alpes. Nesse momento, Marco Licínio Crasso (114-53 a.C), chamado de o "homem mais rico de Roma", começou a pleitear energicamente no Senado, que medidas mais drásticas fossem tomadas. Com a derrota do comandante Cássio, era visível que o exército rebelde ainda era poderoso e informações diziam que ele estava marchando para o norte. Crasso apresentou ao Senado, a possibilidade de um ataque dos rebeldes à Roma. (FIELDS, 2009, p. 13).

Busto de Marco Licínio Crasso

O Senado convencido de que poderia haver um risco à Roma, além de serem motivados por outros fatores não totalmente conhecidos, decidiram encarregar Crasso para combater Espártaco e sua revolta de escravos. Na época ele teria sido eleito propretor, o que permitiu receber uma legião ao seu dispor, com a qual ele usou para interceptar os rebeldes, forçando-o a recuar de volta para o sul. Tendo vencido esse primeiro confronto, Crasso reorganizou seu exército e marchou pela península atrás de Espártaco e seu exército de escravos. Na época cogitou-se que eles tentariam migrar para a Sicília, a fim de montar base lá e encintar nova revolta por ali. (SHAW, 2001, p. 135). 

Em azul a rota do exército de escravos de Thurii até ser interceptada pelo exército de Crasso. Depois os rebeldes recuaram para o sul da península, sendo seguidos por Crasso e suas tropas. 

Com a fuga do exército de escravos, agora desmoralizados pela derrota sofrida para o exército de Crasso, o prepretor decidiu que seria o momento de pressionar ainda mais para derrotá-los de uma vez, antes que eles se refugiassem na Sicília. 

Era o ano de 71 a.C, quando as forças rebeldes chegaram ao sul da península, a travessia pelo estreito de Messina somente era possível por barco, no entanto, o porto de Reggio havia sido alertado sobre a aproximação do exército rebelde. Sem poder ter acesso a embarcações, os rebeldes não tinham meios para atravessar o estreito, com isso eles acabaram desistindo de sitiar Reggio, e optaram em retomar até a região da Lucânia. Enquanto isso ocorria, Crasso ordenou que suas legiões montassem acampamentos e postos de vigia no caminho, a fim de monitorar o avanço das tropas inimigas e se possível, realizar pequenos ataques no intuito de desmoralizá-la e enfraquecê-la. Todavia, o exército rebelde conseguiu resistir a essas tentativas. Plutarco informou que Cassus e Gannicus se separaram do exército principal, levando consigo 6 mil guerreiros no intuito de manter as legiões de Crasso ocupadas, enquanto o restante das forças rebeldes, comandadas por Espártaco, conseguiam avançar para o norte. Apesar dessa tentativa, Cassus e Gannicus acabaram fracassando por não conseguirem segurar as legiões romanas. (FIELDS, 2009). 

Além disso, para a infelicidade dos rebeldes, o general Cneu Pompeu Magno (106-48 a.C), havia retornado de suas campanhas na Hispânia e marchava com suas legiões para apoiar a campanha de Crasso. Todavia, o confronto final ocorreu próximo aos montes da Petélia, onde Espártaco e seu exército foram cercados pelas tropas de Lúcio Quinto e Cneu Tremelio Scrofa, ambos comandantes a serviço de Crasso. Durante o conflito ali ocorrido, Espártaco foi morto, parte de seu exército foi rendido, e outros fugiram, sendo capturados ou executados pelas legiões de Pompeu ou por outros comandantes que continuaram a persegui-los nas semanas seguintes. Segundo Plutarco, Crasso participou dessa batalha e Espártaco tentou matá-lo, chegando perto de fazer isso, mas Floro e Osório, escreveram que Espártaco não teria se aproximado de Crasso. (SHAW, 2001, p. 136). 

A morte de Espártaco. Hermann Vogel, 1882. 

Considerações finais

Espártaco e outros de seus aliados caíram mortos nessa batalha. O corpo dele jamais foi achado. Provavelmente jogado em alguma vala coletiva ou abandonado ao relento, pois os historiadores romanos relataram que nessas últimas batalhas, milhares teriam perecido. Além disso, Crasso para inibir novas revoltas, ordenou que parte dos prisioneiros fossem executados, sendo crucificados ao longo da Via Ápia, a principal estrada que seguia do sul da península até Roma. Segundo Apiano, seis mil prisioneiros foram crucificados. (SHAW, 2001, p. 136). 

Mas embora Crasso tenha comandado as tropas e ações que levaram a pôr um fim a Terceira Guerra dos Escravos, Pompeu reclamou para si esse feito, tendo escrito ao Senado, dizendo que graças a sua intervenção a "guerra foi vencida", creditando a Crasso, a vitória em "algumas batalhas" e a captura de escravos. Isso gerou atrito entre os dois, apesar que eles voltariam a trabalhar juntos anos depois, quando se uniriam a um proeminente general chamado Júlio César (100-44 a.C). 

A fama de Espártaco e seu exército de escravos não findou-se após sua morte. Historiadores e escritores da época escreveram sobre essa guerra, além disso, surgiram pichações em homenagem ao líder rebelde. Mas apesar disso, nenhuma outra grande revolta como aquela ocorreu novamente. E com o tempo a fama de Espártaco caiu no esquecimento, vindo a ser resgatada no século XIX pelos pintores e escritores, que creditaram aquele escravo trácio, o ideal de um líder rebelde. 

NOTA: Vários filmes foram produzidos sobre Espártaco, mas o mais famoso é Spartacus (1960), estrelando Kirk Douglas no papel do gladiador. 
NOTA 2: O seriado Spartacus (2010-2013) possui quatro temporadas, sendo uma delas uma prequel focada em Crixus e Gannicus. Nesse seriado, acompanhamos a história de Spartacus, desde sua captura para ser vendido como escravo até sua morte. 
NOTA 3: O escritor Ben Kane, conhecido por seus livros sobre a Roma Antiga, escreveu uma duologia sobre Espártaco. 
NOTA 4: No leste europeu existem vários times esportivos chamados Spartacus. 
NOTA 5: Não se sabe exatamente quantos escravos aderiram a guerra, os historiadores da época apontam valores que vão de 10 a 60 mil pessoas. Entretanto, das três guerras de escravos, a terceira foi que reuniu mais gente, embora tenha sido a mais curta em duração. 

Referências bibliográficas: 
FIELDS, Nic. Spartacus and the Slave War 73-71 BC. Illustrated by Steve Noon. Oxford, Osprey Publishing, 2009. 
SHAW, Brent D. Spartacus and the Slave Wars: a brief history with documents. Boston, Palgrave Macmillan, 2001. 

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