sábado, 5 de junho de 2021

A educação no Império Inca

 A educação no Império Inca


Dra. Adriana Patrícia Ronco


Neste trabalho analisamos a educação no Império Inca através dos escritos do Inca Garcilaso de la Vega em sua principal obra os “Comentários Reales”, que desde o século XIX se converteu num livro de referência para os historiadores do Império Inca, já seja para reafirmar seus dados ou para questionar a veracidade de seus escritos. Neste livro, Garcilaso fala sobre a história do povo inca, sua cultura, política, economia e costumes, baseado nas lembranças de sua convivência na infância e juventude com sua mãe e familiares incas. Consultamos e comparamos com outros escritos de cronistas e historiadores o que ajudou na organização e complementação para a análise do tema proposto.

O Império Inca se estendia desde Cuzco no Peru até a Colômbia, ao norte e até o Chile e a Argentina, ao sul, e o Tahuantinsuyo (como os Incas nominavam seu Império) teve uma extensão de 950 mil km², com uma população de 10 milhões de pessoas. Acredita-se que em fins do século XIII os Incas chegaram à região onde fundaram Cuzco, sua capital, iniciando sua expansão e dominando toda a região até a chegada dos espanhóis em 1532.

Os Incas estabeleceram e organizaram a sociedade baseados em modelos morais, de convivência e obediência. As leis básicas do Tahuantinsuyo eram: Ama Súa (não seja ladrão), Ama Lulla (não seja mentiroso) e Ama Kella (não seja preguiçoso), eram as três regras que todo habitante devia cumprir.

Segundo Garcilaso de la Vega os Incas que deram forma ao sistema educativo foram:

Manco Capac: O primeiro Inca, mítico, fundador do Império e civilizador, reconhecido como o Filho do Sol, foi quem ensinou aos povos conquistados sobre a religião, a construir canais, casas, pontes, estradas, a cultivar a terra, a caçar, e a se vestirem. Mama Ocllo, sua esposa, ensinou às mulheres a tecer suas roupas com a lã da vicunha, lhama e alpaca, cozinhar, a cuidar da casa e das famílias. (VEGA, s/d, v. 1, p.39-48)

Inca Roca: O sexto Inca é considerado o precursor da educação formal. Fundou as escolas de Cuzco chamadas Yacachayhuasi, com objetivo de preparar a nobreza inca para governar. (VEGA, s/d, v. 1 p.203-204)

Pachacutec: Reorganizador e renovador dos costumes, educação, milícias construiu templos para adorar o sol em todas as regiões e fundou as Casas para as Escolhidas nas províncias. (VEGA, s/d, v. 2 p.79-83)

A estrutura da organização política e da sociedade estava no ayllu, unidades de parentesco que reconheciam um antepassado comum. A pertinência a esta célula da sociedade dava direito a terra, implicava direitos e especialmente obrigações, a família era endogâmica, patriarcal e monogâmica.

A educação estava dividida em dois níveis: um dirigido à nobreza que era formal e durava 4 anos, os jovens assistiam a escolas chamadas Yachay Huasi (Casas do Saber) e as mulheres da elite as Acllahuasi (Casa das Escolhidas). Na Casa das Serpentes se reuniam os amautas com os quipucamayoc, encarregados de ensinar a história de cada Inca. Esta tradição foi implementada na época do Inca Pachacutec (1438-1471); historiadores se reuniam após a morte do Inca para fazer cantos com suas obras de governo e administração, para isso pesquisavam toda sua vida e avaliavam se deviam ser louvados ou não, quem aprovava esses cantares era o Conselho de Anciãos.

A educação ideada e institucionalizada pelos Incas estava baseada em três pontos fundamentais: uma educação formal dirigida aos nobres, uma educação não formal dirigida ao povo, e a utilização do idioma quéchua como única forma de comunicação.

Educação Nobiliária ou Formal: Estava dirigida a uma parcela minoritária da sociedade. Era a que recebia a elite de sangue e privilegio: sacerdotes e militares; o objetivo era fundamentalmente político. Recebiam uma educação sistêmica de aritmética, geometria, física, meteorologia, geologia, engenharia, astronomia, língua, retórica, religião, história, conhecimentos esotéricos, medicina, estratégia política e militar, artes marciais e a arte dos quipus; eles assistiam as Yachay Huasi.

No capítulo XIX do livro IV dos “Comentários Reales” o Inca Garcilaso de la Veja, baseando-se no Padre Blas Valera, indica que o Inca Roca fez várias leis onde se estabelecia que só os nobres deviam apreender as ciências e que o povo não podia ter esse conhecimento. As primeiras escolas foram instaladas em Cuzco durante seu reinado. O objetivo não era:

[…] enseñanza de letras, que no la tuvieron, sino por práctica y por uso cotidiano y por experiencia, para que supiesen los ritos, preceptos y ceremonias de su falsa religión y para que entendiesen la razón y fundamento de sus leyes y fueros y el número de ellos y su verdadera interpretación; para que alcanzasen el don de saber gobernar y se hiciesen más urbanos y fuesen de mayor industria para el arte militar, para conocer los tiempos y los años y saber por los nudos las historias y dar cuenta de ellas; para que supiesen hablar con ornamento y elegancia y supiesen criar sus hijos, gobernar sus casas. Enseñábanles poesía, música, filosofía y astrología; esse poco que de cada ciencia alcanzaron. A los maestros llamaban amautas, que es tanto como filósofos y sabios, los cuales eran tenidos en suma veneración [...]. (VEGA, s/d, v. 1 p. 203-204).

O Inca Garcilaso de la Vega, no capítulo X, do libro séptimo, fala das Casas de Ensino, chamadas de Yachay Huasi, localizadas num bairro especifico de Cuzco, onde o Inca Roca tinha fundado as primeiras. Ali moravam os sábios e professores, os amautas, que é o filosofo e o haráuec, que eram os poetas. Os filhos e filhas da nobreza assistiam a essas escolas, não só dos que moravam em Cuzco, mas também dos folhos dos curacas e chefes de outras regiões e povos, e com isso asseguravam a fidelidade dos povos conquistados, já que poderiam ser considerados como espécie de reféns.

As mulheres que eram educadas nas Acllahuasis (Casa das Escolhidas) seriam sacerdotisas ou Virgens do sol. Muitas ficavam à disposição do Inca que as dava em matrimonio a nobres e curacas de diversas regiões: era outra forma de penetração de poder. As mulheres escolhidas também assistiam a uma educação formal.

Educação Elementar, popular ou não formal: o povo não participava da administração do Estado e não era formado para isso. A educação era pragmática. O homem comum continuou a ser formado para exercer atividades relacionadas com a produção: agricultura, pecuária, artesanato, técnicas hidráulicas, mineração, obras públicas, soldados e chasquis; a educação era através da socialização.

O ponto era deixar ao povo com uma educação prática, impartida através dos próprios pais e da comunidade as quais pertenciam. Não tinham acesso a uma educação sistemática, só eram obrigados a aprender o quéchua. Era parte da política do estado a responsabilidade coletiva (GUERREIRA. 2008, p. 130-131). A educação tinha duas vertentes: a de ensinar e dar conselhos e os castigos corporais para os filhos rebeldes ou que se desviavam do caminho certo. A educação era baseada num planejamento integrado e pragmático, que assegurava o êxito dos recursos econômicos e a submissão da sociedade.

Segundo Guerreira (2008.p. 132-141) o aprendizado era progressivo, iniciava-se desde pequenos e eram incorporados à vida familiar através de rituais. Entre 4 e 5 anos, um tio cortava as unhas e o cabelo e dava um nome. As atividades desenvolvidas nessa idade eram: recolher flores para obter tinturas, para as meninas, e cuidar para que os pássaros não comessem os cultivos, para os meninos. Entre os 10 e 12 anos, ficavam aos cuidados de pessoas mais idosas que os instruíam à responsabilidade, obediência, austeridade, disciplina, aprendizado de ofícios, educação física, preparo para integrar o exército ou ser chasquis (corredores que transportavam, correio), os jogos para crianças, os esportes, danças populares de caráter mágico-religioso, ginástica rítmica, educação higiênica. As meninas a cargos das idosas eram instruídas às tarefas domésticas, tecelagem, pastoreio, tarefas agrícolas, artesanato, canto e baile. A língua e a música eram matérias ensinadas a homens e mulheres. Outro ritual era celebrado no passo da puberdade à idade adulta.

O Terceiro elemento da educação era a utilização da língua, a ruma-simi, a língua do homem, chamada de quéchua pelos espanhóis, era o instrumento de penetração e consolidação do poder dos Incas em todos seus domínios. O aprendizado do quéchua foi obrigatório. Devemos lembrar que o império era constituído por uma grande variedade de tribos e línguas diferentes, e unificar o idioma foi um recurso coercitivo do estado sobre a população. A oratória, a repetição e a memorização eram os recursos pois não tinham desenvolvido uma verdadeira escrita.

No capítulo XXXV do livro VI, dos “Comentários Reales”, Vega faz referência ao Inca Pachacútec, conhecido como o reformador do mundo, ele aumentou o número de preceptores e professores e estabeleceu que todos os habitantes do Tahuantisuyo falassem a língua oficial, o quéchua. (VEGA,s/d,v.2. p.79).

Ao respeito da língua a ser falada no Império, no capítulo 1 do livro VII, Vega reafirma:

“Entre otras cosas que los Reyes Incas inventaron para buen gobierno de su Imperio, fue mandar que todos sus vasallos aprendiesen la lengua de su corte, que es la que hoy llaman lengua general, para cuya enseñanza pusieron en cada provincia maestros Incas de los de privilegio; y es de saber que los Incas tuvieron otra lengua particular, que hablaban entre ellos, que no la entendían los demás indios ni les era lícito aprenderla, como lenguaje divino. Esta, me escriben del Perú, que se ha perdido totalmente, porque, como pereció la república particular de los Incas, pereció también el lenguaje de ellos. Mandaron aquellos Reyes aprender la lengua general por dos respectos principales. El uno fue por no tener delante de sí tanto muchedumbre de intérpretes como fuera menester para entender y responder a tanta variedad de lenguas y naciones como había en su Imperio. Querían los Incas que sus vasallos les hablasen boca a boca (a lo menos personalmente, y no por terceros) y oyesen de la suya el despacho de los negocios, alcanzaron cuánta más satisfacción y consuelo da una misma palavra dicha por el Príncipe, que no por el ministro. El otro respecto y más principal fue porque las naciones extrañas (las cuales, como atrás dijimos, por no entenderse unas a otras se tenían por enemigas y se hacían cruel guerra), hablándose y comunicándose lo interior de sus corazones, se amasen unos a otros como si fuesen de una familia y parentela y perdiesen la esquiveza que les causaba el no entenderse”. (VEGA,s/d,v.2. p.87).

Os incas utilizaram os quipus, que era uma serie de cordas de algodão e lã de diferentes cores, texturas e comprimento atados a uma corda matriz onde se realizavam os que significavam números e estavam ordenados por dezenas, centenas e milhares com base decimal. Por exemplo, utilizavam o amarelo para representar o ouro, o branco para a prata, e o vermelho para contar os soldados. Garcilaso de la Vega sustenta:

"De la Aritmética supieron mucho y por admirable manera, que por nudos dados em unos hilos de diversos colores daban cuenta de todo lo que en el reino del Inca había de tributos y contribuciones por cargo y descargo; sumaban, restaban y multiplicaban por aquellos nudos, y, para saber lo que cabía a cada pueblo, hacían las particiones com granos de maíz y piedrezuelas, de manera que les salía cierta su cuenta. Y como para cada cosa de paz o de guerra, de vasallos, de tributos, ganados, leyes, ceremonias y todo lo demás de que se daba cuenta, tuviesen Contadores de por sí y éstos estudiasen en sus ministerios y en sus cuentas, las daban con facilidad, porque la cuenta de cada cosa de aquéllas estaba en hilos y madejas de por sí como cuadernos sueltos y aunque un indio tuviese cargo (como cantador mayor) de dos o tres o más cosas, las cuentas de cada casa estaban de por sí: adelante daremos más larga relación de la manera del contar y cómo se entendían por aquellos hilos y nudos". (VEGA,.T.I.p.112-113).

Os quipucamayos, não eram membros da alta nobreza, eram os especialistas na elaboração e interpretação dos quipus. Sabiam de matemática, estatística, economia, sociologia e política. Com os quipus faziam contas e levavam registro dos tributos que cada ayllu devia pagar, contavam a população, os dias, semanas, meses e anos, nascimentos, mortes, migrações, produção e comércio. Eram lidos em chaves porém seu conteúdo secreto, era de uso contável e estatístico. Sobre eles fala o Inca Garcilaso de la Vega:

"A estos quipucamayus acudíam os curacas y los hombres nobles en sus províncias a saber las cosas historiales de sus antepasados deseaban saber o cualquier outro acaecimiento notable que hubiese pasado en aquella tal provincia. Por éstos como escribanos y como historiadores, guardaban los registros, que eran los quipus anuales que de los sucesos dignos de memoria se hacían, y, como obligados por el oficio estudiaban perpetuamente en las señales y cifras que en los nudos había para conservar en la memoria la tradición que de aquellos hechos famosos tenían, porque, como historiadores, habían de dar cuenta de ellos cuando se la pidiesen, por el cual oficio eran reservados". (VEGA,T.II.p.26-27)

Também utilizaram uma forma de representação gráfica chamada Kilca, pictografia a base de desenhos e pinturas. Era uma escrita ideográfica e havia uma espécie de Museu onde, com este tipo de escrita, contavam a vida dos diferentes Incas.

A educação era ministrada por diferentes professores:

Os Amautas: eram os professores dos nobres, eram os detentores dos conhecimentos, dominavam a filosofia, a ideologia, a política, a legislação, a astronomia e a história.

O Harawicu: eram os poetas, dedicados a relatar a história dos Incas e dos principais senhores do império. Passam a História, os costumes e a moral através da tradição oral. Estes poetas tinham uma grande capacidade para guardar na sua memória todos os conhecimentos que deviam passar à comunidade.

Os Hampicamayoc: eram os que praticavam a medicina mágica e racional, conheciam ervas, faziam remédios de origem mineral, vegetal e animal, curavam hérnias, a melancolia e realizavam trepanações de crânio, controlavam hemorragias, febre, diarreia e vômitos.

O Willac Umu: era o sumo sacerdote, dirigia as cerimônias religiosas e ensinava poesia litúrgica.

A Mamacuna: transmitiam às meninas da elite as tarefas domésticas e as do sacerdócio.

Segundo Jaime Cerrón Palomino e Roberto Aguirre Palomino, (1989.p. 33) a organização escolarizada estava dividida em quatro períodos e em cada um se ministravam disciplinas específicas.

Legenda: Os cinco anos de estudos na educação inca. Fonte: RONCO, Adriana Patrícia. A educação no Império Inca, 2017, p. 23. 

Considerações finais

Como foi desenvolvido no trabalho, a educação no incario esteve dirigida aos integrantes da nobreza, que tinha a responsabilidade de governar o Tahuantinsuyo, numa educação formal; no entanto o povo recebia uma educação prática para desenvolver os ofícios, a produção e a obediência.

Utilizaram diferentes métodos como a transmissão oral. Através dela passavam os ensinamentos nas escolas chamadas de Yachay Huasi, onde instruíam a nobreza, os Amautas e os Harawicu, sábios e poetas eram os encarregados de educar.

A literatura foi desenvolvida, transmitida e conservada pela técnica da memorização e devia ser ensinada em todo o império pelos professores, especialmente os preparados e que eram enviados a todos os povos que constituíam o Estado, e se cantavam as façanhas dos Incas e a história, a religião e os costumes.

A moral era ensinada e transmitida pelas famílias. A tradição e os bons costumes agiam como exemplo permanente do ensino, tanto nas escolas como nas famílias que integravam a população comum e era responsável pela educação de seus filhos.

O Império utilizou o idioma, quechua como uma forma de educação, socialização e submissão dos povos conquistados. Foi obrigatório o aprendizado desse idioma em todas as regiões.

A educação formal tinha por objetivos o formar os administradores e governantes, capacitar as classes altas da nobreza, militares, sacerdotes e garantir que o poder permanecesse nas classes privilegiadas, e que o povo fosse obediente e dócil.

A educação do povo era totalmente prática: formava agricultores, artesãos, pastores, construtores e todo tipo de ofícios manuais.

A educação era dividida por classes e por sexo. Porém as mulheres nobres estudavam na Escola das Escolhidas.

REFERÊNCIAS

FAVRE, Henri. Os Incas. Jorge Zahar Editor. Rio de Janeiro.1987

GARCILASO DE LA VEGA, Inca. Comentarios reales de los Incas. Venezuela: Biblioteca Ayacucho, s/d A. 2 v.

GUERREIRA, Maria Concepción. Política y Educación en el Estado Inca. In: Soberanes Fernández, José Luis; Martínez de Codes, Rosa María (Coord.) Homenaje a Alberto de La Hera. Instituto de Investigaciones Jurídicas de la UNAM. Biblioteca Jurídica Virtual. México. 2008.

TODOROV, Tzvetan. A conquista da América: a questão do outro. São Paulo: Martins Fontes, 1983. 257p.

PALOMINO, Jaime Cerron; PALOMINO, Roberto Aguirre. Historia y filosofía de la educación peruana. Huancayo. 1989.

MARTINS, Cristiana Bertazoni. Representações do Antisuyu em el primer nueva corónica y buen gobierno de Felipe Guaman Poma de Ayala. Revista de História da USP 153 (2º - 2005), p.117-138.

MURRA, John. Capítulo 2: As sociedades andinas anteriores a 1532. In: BETHELL, Leslie (org.). História da América Latina. A América Latina Colonial. Vol. 1. Tradução de Maria Clara Cescato. – São Paulo: Editora da Universidade Estadual de São Paulo; Brasília: Fundação Alexandre Gusmão, 1998

WACHTEL, Nathan. Capítulo 5: Os índios e a conquista espanhola. In: BETHELL, Leslie (org.). História da América Latina. A América Latina Colonial. Vol. 1. Tradução de Maria Clara Cescato. – São Paulo: Editora da Universidade Estadual de São Paulo; Brasília: Fundação Alexandre Gusmão, 1998.

WACHTEL, Nathan. Los vencidos: los indios del Perú frente a la conquista española (1530-1570). Madrid: Alianza Editorial, 1976. 408 p.

Fonte: RONCO, Adriana Patrícia. A educação no Império Inca. Revista Augustus, v. 22, n. 43, 2017, p. 18-24. 

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