segunda-feira, 14 de junho de 2021

Diferenças entre a mitologia grega e a mitologia nórdica

Decidi escrever essa simples postagem a partir de uma aula sobre mitologia nórdica que ministrei para crianças de 10 a 12 anos. Na ocasião, elas focaram muito na comparação entre as duas mitologias, as quais são as mais populares da Europa. Sendo assim, no presente texto, apresento as respostas para as dúvidas gerais, não apenas de crianças, mas de adultos também. 

1) Imortalidade dos deuses

Uma das diferenças básicas entre os deuses gregos e deuses nórdicos, diz respeito a imortalidade. Os deuses gregos, mas também alguns dos titãs e outros seres, eram imortais. Inclusive os deuses gregos bebiam o "néctar", uma bebida mágica que lhes concedia a imortalidade. Há narrativas de semideuses e humanos que foram agraciados com essa bebida e se tornaram imortais. 

Na mitologia nórdica os deuses eram mortais, inclusive há mitos que falam da morte de alguns deles como Balder, Thor, Odin, Freyr, Heimdall e Kvasir. Todavia, os deuses nórdicos consumiam maçãs mágicas que eram guardadas pela deusa Iduna, cujas frutas prolongariam a vida deles, retardando sua morte por velhice. 

Iduna e as maçãs. James Doyle Penrose, c. 1890. 

2) Os heróis

A mitologia grega está recheada de narrativas sobre heróis, suas façanhas e tragédias. Vários heróis gregos eram semideuses ou nobres, e alguns possuíam poderes ou recebiam armas ou equipamentos mágicos. 

Na mitologia nórdica a situação é um pouco diferente. Não há uma grande quantidade de heróis, embora haja menções há vários atos de heroísmo, principalmente nas sagas lendárias, sagas de reis e sagas de cavalaria. Entretanto, o herói nórdico na maior parte das vezes era um humano comum, tendo realizado apenas alguma proeza bélica, embora haja histórias de heróis que lutaram contra monstros, empreenderam jornadas ou realizaram outras façanhas, como Sigurd, Starkad e Volund

No caso, Sigurd é lembrado por ter matado o dragão Fafnir e libertado a donzela de escudo ou valquíria, Brynhild de seu sono imposto por Odin. Já Starkad era um meio-gigante conhecido como grande guerreiro, tendo participado de várias batalhas. Por fim, Volund era um príncipe elfo que era exímio ferreiro e criou asas que lhe permitiram fugir do local onde estava preso. 

3) Os semideuses

Na mitologia grega é muito comum a presença desses homens e mulheres, os quais por serem meio-deuses costumavam herdar habilidades especiais ou receberem bênçãos de seus pais ou mães, ou até mesmo atrair admiração, inveja e ódio. 

Mas na mitologia nórdica esse conceito de semideus não existia. Alguns dos deuses nórdicos como Odin, Thor e Bragi, eram semideuses, por conta de suas mães serem gigantas. Porém, como essa ideia não existia nessa mitologia, essa condição semidivina é irrelevante. 

4) Humanos filhos dos deuses

Outra característica marcante nos mitos gregos é a grande quantidade de personagens humanos que são filhos de deuses ou deusas. No caso, Zeus destaca-se por ter uma vasta prole. Todavia, na mitologia nórdica isso não é algo enfatizado. Nos mitos narrados na Edda Poética e na Edda em Prosa (as duas principais fontes sobre a mitologia nórdica), não há menções dos deuses tendo filhos com humanos. Em geral os deuses mantinham descendência com outros deuses ou gigantes, não se misturando com as outras raças, como os anões, elfos, humanos e espíritos da natureza. 

Entretanto, nas sagas de reis, existem narrativas que apontam que algumas dinastias reais da Noruega e da Suécia, seriam descendentes de filhos de Odin e Freyr. Porém, não são histórias com desenvolvimento, além de haver alguns casos de teor evemerista e propaganda política para exaltar monarcas e suas linhagens. 

5) Deuses promíscuos

Zeus, Dionísio, Afrodite, Ares, Apolo, entre outros deuses gregos, eram conhecidos por sua vida extraconjungal bastante intensa. O que inclusive é tema de mitos específicos sobre adultérios, filhos bastardos, traições, enganos, amantes, etc. 

Na mitologia nórdica isso praticamente não existe. O deus que mais tem filhos citados é Odin, mas os mitos não focam muito em seus casos amorosos, sendo o mais conhecido o que narra sua relação de três dias e três noites com a giganta Gunnlod, considerada a mãe de Bragi, o deus da poesia. Apesar que Odin afeiçoou-se de Gunnlod, não necessariamente por interesse nela, mas para poder conseguir sua confiança e roubar o hidromel da poesia

Odin e Gunnlod. Johannes Gehrts, 1901. 

Já Thor que foi pai de três a quatro filhos, com duas mulheres diferentes, também não possui narrativas conhecidas sobre seus casos amorosos. Por outro lado, no poema Lokasenna (Escárnios de Loki), o gigante Loki afronta a honra das deusas Frigga, Freyja, Sif, Iduna e Gefjion, acusando-as de serem adúlteras. No caso, ele insinua isso especialmente para Freyja, que era a deusa da fertilidade e da fecundidade, o que acaba associando-a com a sexualidade também. Porém, não temos narrativas desses supostos casos extraconjugais de Freyja, apenas algumas insinuações em alguns poemas e sagas curtas. 

6) Geografia mitológica

A mitologia grega abunda em mitos associados a locais reais da Grécia, das ilhas gregas e outros territórios europeus, asiáticos e africanos no Mediterrâneo e no Mar Negro. Além disso, existem mitos que narram a origem de montanhas, cavernas, lagos, rios, ilhas, cidades e povos, os quais foram criados ou fundados por deuses, heróis ou outros personagens míticos. Temos mitos sobre a fundação de Atenas, Esparta, Tebas, Delfos, etc. 

Na mitologia nórdica isso não existe propriamente. Os lugares citados nos mitos são ficcionais ou se referem a territórios reais, mas não há mitos associados com a origem deles. Para não dizer que não existe nada a respeito, temos algumas narrativas com poucos detalhes que falam que a deusa Gefjion criou um lago na Suécia e foi morar numa ilha na DinamarcaEmbora a toponímia escandinava possua referência aos nomes de Odin, Thor, Freyja, Frigga, Freyjr e Ull, não se conhece mitos associados a tais localidades. 

7) Genealogia mitológica

Essa é uma das grandes características da mitologia grega, sua complexa e vasta genealogia. Inclusive há mitos que enfatizam suas linhagens e parentescos. Porém, na mitologia nórdica isso não era algo que recebia atenção. Poucos mitos citam a linhagem dos deuses ou de outros personagens. Além disso, há muitos deuses e gigantes que não se sabe quem seriam seus parentes, se eram casados ou se tinham filhos. 

Para não dizer que essa linhagem é totalmente inexistente, na Edda em Prosa, encontra-se menções a linhagem de Odin, partindo de seu bisavô Buri (o primeiro deus). Também temos a linhagem de Loki, informando quem eram seus pais, irmãos, suas esposas e filhos. 

No contexto nórdico as genealogias estavam mais ligadas a pessoas reais, algo visto nas sagas de família e nas sagas de reis, em que as árvores genealógicas ganham maior atenção. Porém, a família dos Volsungos, trata-se de um dos poucos mitos nos quais aborda-se em detalhes, aspectos de vários membros dessa família, indo de seu fundador até seu membro mais famoso, o herói Sigurd

8) Monstros

Enquanto a mitologia grega abunda em diferentes tipos de monstros como o Minotauro, a Medusa, os centauros, os ciclopes, a Hidra, a Quimera, os sátiros, as sereias, entre vários outros, a mitologia nórdica é escassa nesse sentido. Os monstros são essencialmente animais gigantescos como Fenrir e Jormungand, dragões e gigantes mais bestializados (pois havia gigantes cultos, sábios e pacíficos). 

10) Elfos e anões

Uma diferença marcante diz respeito que nos mitos nórdicos temos a presença desses dois seres, os quais estão ausentes nos mitos gregos. Embora haja menção em alguns mitos gregos a anões, mas não seriam iguais aos anões da mitologia nórdica. 

11) Gelo e Fogo

Alguns mitos nórdicos enfatizam a dicotomia gelo e fogo, frio e calor, algo visto no mito de origem do universo narrado na Edda em Prosa, o qual narra sobre como o frio de Niflheim encontrou o calor de Muspelheim e criaram névoa e água. Por sua vez, na mitologia grega, essa oposição entre os dois elementos não é tão marcante. 

12) Mundos dos mortos

Na mitologia grega temos como os principais mundos dos mortos o Hades, o Tártaro e os Campos Elíseos. Já na mitologia nórdica temos Valhala, Hel, Folkvang, Náströnd, as Helgafell (montanhas sagradas), os Três Céus, e outras localidades. Apesar de que nos mitos nórdicos tenhamos menções a mais mundos dos mortos, no entanto, os que mais comumente são citados nos mitos, são Valhala e Hel. 

13) O fim do mundo

A mitologia grega não possui um mito que aborde o fim dos tempos, apesar de que Hesíodo relatou o mito sobre as Cinco Eras da Humanidade, falando que cada uma dessas eras chegou ao fim. No caso da mitologia nórdica temos o Ragnarök (destino final dos deuses), um mito bastante popular hoje em dia, por conta de seu caráter escatológico e apocalíptico, apresentando a batalha entre alguns deuses contra os gigantes e monstros, a destruição do mundo e o surgimento de uma nova era. 

A batalha dos deuses condenados. Friedrich Wihelm Heine, 1882. 

14) Variedade de deuses

Na mitologia grega existe mais de cem deuses, embora muitos sejam pouco conhecidos. Todavia, nessa mitologia existem deuses para os mais diferentes motivos, lugares, sentimentos, emoções, ideias, astros, elementos da natureza, etc. 

Já na mitologia nórdica a lista de deuses é bem mais modesta. Na Edda em Prosa temos um apanhado das principais divindades: Odin, Thor, Freyr, Freyja, Frigga, Sif, Gefjion, Njörd, Balder, Nanna, Vidar, Vali, Hoder, Heimdall, Iduna, Bragi, Buri, Bór, Vili, Vé, Hoenir, Lodurr, Kvasir, Rán, Sól, Mani, e alguns outros deuses citados brevemente. Além disso, muitos deuses citados não possuem uma função claramente definida. 

15) Representações iconográficas

Os gregos retrataram seus mitos de forma vasta e colorida (apesar das estátuas de mármore hoje em dia serem brancas). As representações incluíam estátuas, pinturas em murais nos templos, mosaicos, frescos, pinturas em vasos, escudos, etc. 

No caso da mitologia nórdica as representações iconográficas foram em menor quantidade e algumas que eram feitas de madeira, tecido e ferro, não sobreviveram a deterioração, sendo assim, são encontradas em menor número. Além disso, até onde se sabe, os nórdicos não tiveram o costume dos gregos de criar muitas estátuas dos deuses e produzirem uma vasta arte sobre tais temas. 

Sendo assim, no quesito nórdico, temos pinturas em pedras gravadas, pedras rúnicas, hogbacks, tampas de túmulo, caixões de pedra, murais de igrejas, estatuetas, medalhões, pingentes, etc. Embora haja relatos de que haveriam estátuas e pinturas em templos, em escudos ornamentais, vasos, tapeçarias (algumas ainda existem), etc.  

Possível representação de Odin, montando Sleipnir. Adiante deles o que poderia ser uma valquíria. Detalhe da pedra de Tjängvide (c. VIII-X), Gotland, Suécia. 

16) Fontes escritas

A mitologia grega foi preservada principalmente através da poesia, hinos, peças de teatro, coletâneas de mitos, livros de história e geografia. No quesito poético, os poemas mais famosos são a Ilíada, a Odisseia, a Teogonia, o Trabalho e os Dias, etc. Na dramaturgia temos os clássicos Prometeu Acorrentado, Édipo Rei, Medeia, a trilogia da Oresteia, As Troianas, Antígona, entre outras. 

No caso da prosa, historiadores como Heródoto e Diodoro Sículo escreveram sobre diferentes mitos em seus livros. Geógrafos como Estrabão, Pausânias, Ptolomeu, entre outros, também citam mitos. No quesito de coletâneas de mitos temos o livro A Biblioteca de Pseudo-Apolodoro. Por sua vez, vários poetas e escritores romanos e bizantinos também preservaram elementos da mitologia grega, e até criaram suas próprias versões. 

No caso da mitologia nórdica as fontes são bem menores. Basicamente temos a Edda Poética (coletânea de poemas) e a Edda em Prosa (manual de mitologia e poesia), ambos escritos no século XIII, na Islândia. Essas são as duas principais obras sobre os mitos nórdicos. Outras fontes são alguns poemas escáldicos, algumas sagas lendárias e reais, e algumas crônicas como a Gesta Danorum (séc. XII). Mas em geral esses poemas, sagas e crônicas abordam temas mais associados a reis e heróis, não enfatizando tanto os deuses, gigantes e outros seres e elementos da mitologia nórdica. 

Referências bibliográficas:

BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia grega, vol. 1. Petrópolis, Vozes, 1986. 3v

LANGER, Johnni (org.). Dicionário de mitologia nórdica: deuses, mitos e ritos. São Paulo, Hedra, 2015. 



2 comentários:

  1. Gostei, estava querendo aprofundar meu conhecimento sobre as mitologias e suas diferenças.. :D

    ResponderExcluir
  2. Grata por apresentar de forma simples e resumida sobre a história. Agora posso interagir com meu filho que tanto admira essas mitologias.

    ResponderExcluir