Apesar de realmente existirem jazidas de esmeralda no Brasil, no entanto, no passado, no período Colonial (1500-1816), demorou-se para descobrir jazidas e minas dessa preciosa joia, fato esse que os poucos exemplares encontrados atiçavam a cobiça e expectativas de exploradores, os quais na ausência de ouro e prata, empreendiam expedições pelas selvas e sertões atrás das pequenas pedras verdes. Todavia, essa busca levou ao surgimento de lendas sobre serras que seriam recheadas por minas de esmeraldas a tal ponto que quem as descobrisse, tornar-se-ia o homem mais rico do mundo.
Desde que os portugueses chegaram em 1500 nas terras que se tornaram o Brasil, havia o interesse de saber se existiriam metais preciosos ou joias naquele território. Os franceses, espanhóis e holandeses também procuraram por jazidas e minas. Mas na maior parte das vezes consistiam de meros boatos, e somente quantidades ínfimas de ouro, esmeraldas e diamantes eram encontradas, já que os povos indígenas do Brasil não tinham o hábito de praticar a mineração, tampouco apresentavam grande interesse por tais bens preciosos; diferente de povos como os Incas, Astecas e Maias.
Por conta disso, muitos anos se passaram e lendas sobre minas de ouro, prata, esmeraldas e diamantes foram surgindo, além de histórias de cidades perdidas que lembravam a fabulosa El Dorado da tradição difundida pelos espanhóis. No entanto, algumas capitanias ganharam mais destaques do que outras por supostamente serem a localização da lendária serra das esmeraldas. Dessa forma, arrisco a dizer que o Brasil vivenciou uma "corrida das esmeraldas" que durou quase 150 anos, e somente findou-se quando descobriu-se as minas de ouro. Embora que posteriormente jazidas de esmeraldas foram finalmente encontradas, mas o interesse por essa gema já tinha diminuído.
Assim, o presente texto comentou a respeito desse sonho verde em encontrar a lendária Serra das Esmeraldas, a qual supostamente estaria situada nos sertões da Bahia, do Espírito Santo ou em Minas Gerais.
A Serra da Piedade, em Caeté, no estado de Minas Gerais, foi considerada no século XVII como podendo ser a lendária serra das esmeraldas. |
Em busca das esmeraldas na Bahia
As menções mais antigas sobre a existência de esmeraldas ainda datam da primeira metade do século XVI. Os capitães donatários de Pernambuco e Bahia, em 1538, ainda nos primórdios da colonização portuguesa, apresentaram interesse em desbravar os sertões atrás de esmeraldas, ouro e prata. Tentou-se solicitar do rei, direito de promover entradas sob patrocínio real, mas D. João III recusou as propostas. Além disso, não se sabe se expedições foram realizadas por outros homens nesse período. (MAGALHÃES, 1978, p. 30).
Durante as décadas de 1550 e 1560 os governadores-gerais do Brasil ordenaram entradas para desbravar os sertões baianos, mas a maioria foi abortada devido a ataques de indígenas, doenças, acidentes e falta de alimentos; as que tiveram sucesso em explorar o território, não descobriram nenhuma mina ou jazida.
Todavia, em 1571 ou 1572 ocorreu a entrada comandada por Sebastião Fernandes Tourinho, a qual partiu de Porto Seguro e passou meses em campo. Tourinho e seus homens teriam percorrido os sertões baianos e alcançado o que hoje são terras de Minas Gerais. Nessa longa expedição ele e seus homens acharam pedras verdes e retornaram para Porto Seguro, apresentando o relativo sucesso obtido. A ideia de que poderia haver uma mina de esmeraldas em algum lugar no interior das Capitanias da Bahia ou de Porto Seguro, levou o governador enviar Antônio Dias Adorno para realizar nova missão a fim de encontrar possíveis minas, no entanto, Adorno retornou em 1574, não obtendo sucesso, apesar que localizou jazidas de cobre e ferro. (DELVAUX, 2009, p. 117-118).
A entrada de Tourinho repercutiu consideravelmente na época, fato esse que o cronista Pero de Magalhães Gândavo (c. 1540 - c. 1580) comentou a respeito da existência de uma serra de esmeraldas nos sertões da Capitania de Porto Seguro. Seu livro foi publicado em 1576 e dizia o seguinte:
"A
esta Capitania de Porto Seguro chegaram certos índios do sertão a dar novas
dumas pedras verdes que havia numa serra muitas léguas pela terra dentro, e
traziam algumas delas por amostra, as quais eram esmeraldas, mas não de muito preço.
E os mesmos índios diziam que daquelas havia muitas, e que esta serra era muito
formosa e resplandecente. Tanto que os moradores desta capitania disto foram
certificados, fizeram-se prestes cinqüenta ou sessenta portugueses com alguns
índios da terra e partiram pelo sertão dentro com determinação de chegar a esta
serra onde estas pedras estavam". (GÂNDAVO, 2008, p. 75).
Os governadores da Bahia e de Porto Seguro continuariam a enviar entradas para os sertões atrás de minas de esmeraldas, ouro e prata, inclusive nessa época a lenda da serra de Sabarabuçu passou a ser difundida, em que alguns diziam ser uma serra com minas de prata, situada em Sergipe del Rey ou no interior da Bahia, mas outros falavam que era uma serra com minas de esmeraldas, situada no Espírito Santo.
A serra das esmeraldas no Espírito Santo
Ainda no século XVI a lenda de que haveria minas de esmeraldas no Espírito Santo passou a ser difundida, embora não se saiba exatamente quando ela começou. Fato esse que entradas e expedições particulares foram realizadas pelos sertões daquela capitania. Em alguns casosm alguns exemplares foram encontrados, atestando em parte a veracidade da lenda, até porque como foi visto posteriormente, alguns exploradores mentiram a respeito de terem achado esmeraldas no intuito de ganharem patrocinadore; também ocorreu a condição de alguns homens confundirem cristais e outras gemas verdes como sendo esmeraldas.
Apesar disso, as tentativas de buscar essas gemas preciosas não pararam. Exemplo esse que no Espírito Santo, a família Coutinho que detinha controle daquela capitania, alguns de seus membros dedicaram-se a caça de esmeraldas por até três gerações consecutivas como o caso de Marcos de Azeredo Coutinho, o Velho, seu filho Domingos de Azeredo Coutinho (1596-1664) e o neto Marcos de Azeredo Coutinho (1619-1680), foram alguns membros dessa família que dedicaram-se as bandeiras em busca de esmeraldas.
Segundo informações dadas pelo Conselho Ultramarino, em 1611, Marcos de Azeredo teria sido um dos descobridores da "terra das esmeraldas", o problema é que nem ele mesmo sabia onde exatamente ficava essa localidade, e as pedras verdes achadas eram turmalinas, que naquele tempo não era consideradas tão preciosas como hoje em dia. Na ocasião, Marcos foi com amigos, parentes e criados explorar os sertões da capitania da sua família. Apesar de não terem encontrado esmeraldas de verdade, ainda assim, seus filhos e neto dariam continuidade as expedições atrás desse lugar. Além de que outras pessoas também passariam a se interessar por isso.
Turmalinas verdes são facilmente confundidas com esmeraldas. |
Na década de 1630 outras bandeiras foram armadas para explorar o sertão capixaba atrás das jazidas de esmeraldas que os Coutinho alegavam existir. E isso incluiu até mesmo os jesuítas como o padre Inácio de Siqueira que conseguiu da Coroa portuguesa um alvará de crédito de 4 mil cruzados para montar uma bandeira atrás das esmeraldas. A expedição se prolongou de 1634 a 1641, havendo várias viagens, as quais todas resultaram infrutíferas. No entanto, os Coutinho tentaram em 1644, encontrar definitivamente a tal serra lendária, na ocasião, Domingos, seu irmão Antônio e o filho Marcos de Azeredo, viajaram naquela época, mas também falharam em encontrar as esmeraldas. (REIS, 2010, p. 6).
Apesar do fracasso, Domingos Coutinho não desistiu e recorreu ao patrocínio real, e em 1647, ele, seu irmão e filho realizaram nova entrada, seguindo com muitos indígenas na missão para desbravar o território e se proteger de tribos rebeldes. A expedição daquele ano encontrou algumas pedras verdes, possivelmente turmalinas, já que na prestação de contas com a Coroa, constatou-se não se tratarem de esmeraldas.
Após novo fracasso, Domingos, Antônio e Marcos adiaram por muitos anos novas tentativas de buscar esmeraldas, fato esse que somente em 1660, pai e filho empreenderam nova tentativa, partindo de Vila Velha do Espírito Santo, navegando pelo Rio Doce, o Rio Coarici-Mirim, o Rio Veado e outras localidades. Na ocasião, gemas foram achadas o que teria incluído supostamente um diamante, embora haja dúvidas quanto a isso. No entanto, as gemas encontradas foram enviadas à Lisboa, atestando-se terem valor significativo, mesmo não sendo esmeraldas.
Expedições atrás de esmeraldas continuaram através dos anos, mas sendo infrutíferas e com o tempo a família Coutinho desistiu da ideia. Fato esse que em 1674, o capitão donatário Antônio Luís Gonçalves da Câmara Coutinho, vendeu a capitania para Francisco Gil de Araújo, embora que esse somente assumiu o cargo de governo em 1678, antes dele o capitão-mor João Gonçalves de Oliveira governou de forma interina. (REIS, 2012, p. 4-5).
Durante o governo de Francisco Gil, o qual deu atenção a questões mais concretas e urgentes, como reformar a capital Vila Velha e realizar obras nas fortificações da capitania e até construir novos fortes, o capitão interino João Gonçalves passou a deter por decreto real, o direito de armar bandeiras para capturar indígenas e explorar os sertões capixabas, indo até mais além. No entanto, João Gonçalves também era homem que sonhava com a serra de esmeraldas, fato esse que numa carta redigida por ele, informava que em 1672 havia ouvido dizer as esmeraldas ficava na serra do Sabarabuçu, uma localização lendária que ficaria situada em território hoje correspondente a Minas Gerais, tendo sido confundida com a Serra da Piedade. Em 1675, ele organizou os preparativos para uma bandeira até essa serra, o que o levou a se desentender com o capitão donatário Francisco Gil, que conseguiu impedir a bandeira atrás de esmeraldas. (REIS, 2012, p. 7).
Fernão Dias: o caçador de esmeraldas
Fernão Dias Paes (c. 1608-1681) foi um dos mais famosos bandeirantes da história brasileira, tendo dedicado sua vida a essa ocupação, participando de várias expedições por São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e talvez o Uruguai, para caçar indígenas, guerrear, mapear territórios e procurar por riquezas minerais.
Em 1671 o governador-geral do Brasil, Afonso Furtado de Castro do Rio de Mendonça, recomendou ao bandeirante Fernão Dias que armasse bandeira para encontrar a lendária Sabarabuçu, a qual seria a serra das esmeraldas que os capixabas procuravam desde o começo do século XVII. Lisonjeado por ter sido a escolha principal do governador-geral (alguns historiadores apontam que na verdade, ele teria apresentado a ideia a Mendonça), Dias aceitou a proposta. Em 1672 o governador-geral nomeou o bandeirante como "governador das esmeraldas", caso ele obtivesse sucesso em sua bandeira, passando a deter posse sobre aquelas terras e sua exploração, e evidentemente tendo que negociar com o governo. (DELVAUX, 2009, p. 154).
Estátua do bandeirante Fernão Dias Paes, alcunhado de o "caçador de esmeraldas". |
Em 1673 os bandeirantes Matias Cardoso de Almeida e Bartolomeu da Cunha Gago partiram na frente, para preparar rotas, postos de parada, hortas e estoques de suprimentos. Assim, em 1674 foi a vez de Fernão Dias iniciar a bandeira, no entanto, a empresa demorou mais do que imaginado. Até hoje não se tem certeza quais caminhos as três bandeiras realizaram pelo interior de São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Minas Gerais, já que normalmente as bandeiras não costumavam serem registradas de forma regular e com detalhes. Além disso, pelo fato de não encontrarem minas de esmeraldas, nem de ouro e prata, com o tempo alguns bandeirantes abandonaram as expedições, o que levou Fernão Dias ter que retornar a São Paulo várias vezes e postergar novas expedições. Em 1675 o governador-geral Mendonça faleceu em Salvador, mas Dias estava confiante de que o novo governador manteria a palavra sobre os títulos e mercês caso a serra das esmeraldas fosse encontrada.
Os anos se passaram e em 1681, Fernão Dias redigiu em carta que havia encontrado pedras verdes que ele julgava serem esmeraldas. Mas não havia sinal da tal serra ou jazidas, apesar de que ele estivesse confiante que Sabarabuçu estivesse por perto, no entanto, ele faleceu devido a uma forte febre, no meio da expedição, em território hoje pertencente a Minas Gerais, em data incerta. Na época ele já era um homem idoso e morreu tentando encontrar as esmeraldas que sonhava. (MAGALHÃES, 1978).
Com a descoberta de jazidas de ouro na década de 1690, a busca por esmeraldas foi deixada de lado, pois no XVIII teve início a corrida do ouro.
NOTA: Fernão Dias tornou-se popular nas artes, sendo tema de poemas, romances e filmes. Destaco: O poema O caçador de esmeraldas (1902) de Olavo Bilac; a peça O Governador das Esmeraldas (1911) de Carlos Góes; os romances A bandeira de Fernão Dias (1928) e O sonho das esmeraldas (1936), ambos de Paulo de Setúbal; o filme O Caçador de Esmeraldas (1979).
Referências bibliográficas:
DELVAUX, Marcelo Motta. As minas imaginárias: o maravilhoso geográfico nas representações sobre o sertão da América Portuguesa - séculos XVI a XIX. Dissertação (Mestrado em História), Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal de Minas Gerais, 2009.
GÂNDAVO, Pero de Magalhães. Tratado da Terra do Brasil: história da Província de Santa Cruz, a que vulgarmente chamamos de Brasil. Brasília, Senado Federal, 2008.
MAGALHÃES, Basílio de. Expansão geográfica do Brasil Colonial. 4a ed. São Paulo, Nacional, 1978. (Coleção Brasiliana, vol. 45).
REIS, Fabio Paiva. O imaginário metalista luso-brasileiro colonial: a Serra das Esmeraldas na segunda metade do século XVII. Revista Cordis, n. 4, 2010, p. 1-12.
REIS, Fabio Paiva. Disputas administrativas na periferia do Império Português: o Espírito Santo nas buscas pela serra das esmeraldas. Revista Onis Ciência, Braga, v. 1, ano 1, n. 1, maio/agosto 2012, p. 5-17.
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