segunda-feira, 4 de julho de 2022

As invasões mongóis do Japão em 1274 e 1281

No século XIII o poderoso império sino-mongol de Kublai Khan almejava conquistar o Japão, o qual era considerado supostamente um país rico contendo minas de metais preciosos, algo inclusive comentado por Marco Polo, que na época se encontrava na China, a serviço do khan. No entanto, Kublai e seus generais acreditavam que o exército japonês não fosse tão poderoso, logo, a conquista daquele arquipélago não seria difícil, mas a empresa militar para se conquistar o Japão se revelou mais problemática do que os mongóis imaginavam. O presente texto conta um resumo histórico sobre as duas campanhas empreendidas por Kublai Khan. 

Antecedentes:

O Império Mongol teve início em 1206, quando Temudjin foi nomeado Genghis Khan (1162-1227) e reconhecido como imperador da Mongólia. Tendo unificado as tribos mongóis, Genghis iniciou uma violenta e ambiciosa campanha pela Ásia Central, expandindo seu recente império. Em vinte anos de guerras, Genghis conquistou um império territorial superior aos domínios de Alexandre, o Grande e do Império Romano. (CONRAD, 1976). 

Com sua morte em 1227, seus filhos, netos, sobrinhos e generais deram continuidade ao império e até o dividiram criando reinos para si. Isso gerou brigas entre a família, no entanto, alguns dos filhos e netos mantiveram o título de grã-cã (imperador), atuando como uma figura unificadora do vasto império mongol. O quinto grã-cã foi Kublai Khan (1215-1294), neto de Genghis, o qual fundou a Dinastia Yuan na China, conquistando para si todo o território chinês, assumindo o controle na década de 1260. (BURGAN, 2005)

Apesar de ser senhor de um imenso império, Kublai era ambicioso como seu pai, avô, tios e primos, e desejava expandir os domínios mongóis. Todavia, ao invés de governar a partir da Mongólia, Kublai trocou sua corte para Pequim (antiga Cambaluque), passando a adotar a língua chinesa e sua cultura como parte de sua identidade e costumes. Condição essa que Kublai chegou a ser criticado pelos primos, sendo visto mais como um chinês do que um mongol de verdade. Mas Kublai ignorou isso e focou em consolidar seus domínios no Extremo Oriente, enquanto primos disputava territórios no Oriente Médio ne o leste europeu. (BURGAN, 2005).

Mas enquanto o império mongol estava mais coeso e fortalecido, sobretudo nos domínios de Kublai, a realidade do Japão era um pouco parecida. No século XIII o arquipélago nipônico vivenciava o Período Kamakura (1192-1333), também chamado e Xogunato Kamamura (ou Kamakura bakufu em japonês), tratando-se de um regime militar em que a monarquia deixava de possuir o controle político do império e esse passava para as mãos do xogum (comandante militar) e de seus regentes (shikken). (SANSOM, 1958)

Neste caso, na década de 1180 em meio a disputas territoriais e pelo poder, o clã Minamoto saiu com a vitória, fundando o xogunato e transferindo a capital para Kamakura. O imperador sem possuir um exército que se opusesse ao xogum, só restava aceitar seu governo (embora alguns imperadores fizeram guerras contra xoguns). Diante disso, os imperadores que viveram em regimes de xogunato detinham autoridade simbólica e religiosa, mas a autoridade político e militar pertenciam aos xoguns e regentes. (SANSOM, 1958)

Além da criação de um regime militar, o feudalismo se espalhou pelo país, instituindo o controle de clãs sobre vilas, cidades e províncias, a servidão foi sendo reelaborada, ocorreu novas formas de demarcação de terras, reconfigurou-se as classes sociais, incluindo a nova classe dos samurais, os quais deixaram de serem apenas guerreiros, para se tornarem soldados de elite e uma classe com privilégios, direitos e deveres. Assim, quando os mongóis invadiram o Japão, o xogunato já estava consolidado e o domínio samurai também. 

Primeira invasão mongol (1274)

Nos anos de 1268, 1269, 1271 e 1273, Kublai Khan enviou embaixadores para negociar com os japoneses sua rendição, a fim de que o país se torna parte do império mongol. Mas em todas as missões, o pedido foi prontamente negado. os japoneses são conhecidos como um povo orgulhoso e o código de honra samurai falava mais alto, era inadmissível que o país fosse vassalo de um monarca estrangeiro. Por conta disso, o xogum Koreyasu no Minamoto (1264-1326) recusou ao lado dos regentes, qualquer possibilidade de render-se aos mongóis (TURNBULL, 2010). 

Kublai Khan decidiu invadir o Japão a partir da Coreia, território conquistado por seu exército no começo da década de 1270, embora que o reino coreano já tivesse sido alvo de outras incursões mongóis, que acabaram falhando. Com a conquista da Coreia. Território bastante estratégico para a guerra contra o Japão, principalmente por sua proximidade com aquele país. 

Os mongóis são um povo que não teve contato com o mar, e ainda hoje a Mongólia fica distante do mesmo. Sendo assim, os mongóis nunca desenvolveram uma marinha, tampouco técnicas de navegação e tecnologia naval, por outro lado, eles se tornaram habilidosos com a equitação. Mas para compensar a falta de conhecimento náutico, Kublai recorreu aos chineses e coreanos, dois povos que detinham esses saberes, possuíam navios, conheciam aqueles mares, além de terem sido conquistados por ele, e agora eram obrigados a servir nas fileiras de seu exército. (TURNBULL, 2010). 

Para a invasão, Kublai aproveitou o exército enviado à Coreia, o qual seria usado para se invadir o Japão, já que a distância é bem menor do que a distância entre China e Japão. Dessa forma, o primeiro alvo dos mongóis era a ilha de Tsushima, situada na metade do caminho, a qual historicamente já tinha contatos políticos e econômicos com os coreanos há bastante tempo. Inclusive em 1269 uma embaixada mongol foi enviada a ilha para negociar apoio ao governo mongol. Sendo assim, a ilha não era totalmente desconhecida dos invasores. (SANSON, 1958). 

Localização da ilha de Tsushima no Japão, o primeiro alvo da invasão mongol de 1274. 

Com os preparativos prontos, o ataque foi ordenado no final de outubro, iniciando-se em 2 de novembro com o embarque das tropas na Coreia, estimado em 8 mil guerreiros que embarcariam em 900 embarcações, entre navios e barcos. Dois dias depois a armada chegou à Tsushima. No dia 5 teve início o desembarque em Komoda, em Sasuura. A força defensiva de Tsushima era liderada pelo governador (jito) So Sukenuni (1207-1274), um idoso na época, mas que foi a campo para defender seu território e povo. Sua tropa era pequena frente aos milhares de soldados mongóis, chineses e coreanos, condição essa que a ilha foi subjugada em menos de duas semanas. Segundo os relatos medievais, Tsushima possuía apenas 80 samurais e algumas dezenas de soldados e arqueiros. Com a vitória em Komoda, os mongóis se espalharam pela ilha, ocupando-a nos dias seguintes. Sukenuni acabou falecendo em combate posteriormente. (TURNBULL, 2010). 

No dia 13 de novembro a armada atracou na ilha de Ike, pela noite. No dia seguinte ocorreu a invasão e a ilha foi facilmente rendida. O governador Taira no Kagetaka possuía 100 samurais a disposição, além de algumas dezenas de habitantes que foram armados para poderem resistir. Porém, o exército mongol não teve nenhuma dificuldade para cercar o castelo e subjugar a força de resistência. A ilha foi conquistada no dia 14. (TURNBULL, 2010). 

Em seguida expedições menores foram enviadas para saquear a península de Matsuura na ilha de Kyushu (a terceira ilha principal do Japão). Em 18 de novembro ataques em Imazu ocorreram, no entanto, as forças mongóis foram focadas na Baía de Hakata, onde ocorreram os principais conflitos. Para surpresa dos mongóis as forças japonesas em Hakata se mostraram mais numerosas e resistentes, retardando o avanço da operação de invasão. (SANSON, 1958). 

Localização da Baía de Hakata no sul do Japão. Pode-se ver também Tsushima e Ike, outras duas ilhas anteriormente invadidas pelos mongóis. 

Nos dias 19 e 20 de novembro ocorreram nas praias de Hakata duas batalhas importantes, as quais reuniu centenas de samurais e outros guerreiros contra o exército mongol. Mesmo em menor número, os samurais eram uma força a ser respeitada e eles conseguiram vencer as tropas mongóis enviadas, em sua maioria soldados e arqueiros mongóis e chineses. Aqui observa-se um problema de estratégia militar, pois acreditando-se que a infantaria leve e a arquearia seria suficiente para subjugar os postos defensivos nas praias, os dois primeiros ataques foram falhos, pois os samurais com seus arcos e cavalos, massacraram o inimigo. (TURNBULL, 2010).

Samurais em descanso. 

É preciso salientar que os mongóis empregavam diferentes tipos de guerreiros e armas, o que incluía o uso de bombas, tendo sido a primeira vez que japoneses viram o emprego desse armamento explosivo. 

Com as derrotas sofridas em nos dias 19 e 20, a campanha de invasão foi ordenada bater em retirada. As escassas fontes medievais não informam quantos guerreiros morreram de ambos os lados, apenas informam que ocorreram milhares de mortes, além de uma tempestade danificou vários navios chineses e afundou alguns barcos deles. No entanto, a retirada dos mongóis, os quais estavam em maior número, parece ter sido mais uma escolha de não arriscar-se naquela campanha, do que resultado das baixas sofridas. Condição essa que as ilhas de Tsushima e Ike foram desocupadas em seguida. O que alguns historiadores consideram que essa primeira invasão tenha tido um caráter de testar as forças inimigas, até porque os generais mongóis poderiam ter prolongado a campanha. 

Em 1275 Kublai Khan enviou novo embaixador propondo uma última chance para a rendição, mas os japoneses recusaram a afronta e mataram o embaixador, enviando sua cabeça de volta. Depois disso Kublai centrou sua atenção em subjugar a resistência da Dinastia Song no sul da China, conflito esse que durou três anos seguintes, somente em 1280 foi que ele decidiu planejar novo ataque ao Japão. (TURNBULL, 2010). 

Segunda invasão mongol (1281)

Durante o ano de 1280 Kublai Khan tratou de providenciar os preparativos para um novo ataque ao Japão, mas empecilhos foram encontrados. A guerra de três anos contra os Song havia custado muitos recursos e homens, além de que parte do exército ainda se encontrava no sul da China mantendo a ordem e caçando rebeldes e traidores. Além disso, Kublai pretendia enviar um contingente militar maior do que da outra vez, o que demandava mais navios e barcos, além de mais armas, cavalos, armaduras e suprimentos. Apesar dos empecilhos, os recursos foram reunidos. (SANSON, 1958). 

Dessa vez, Kublai delegou ao general Ara khan para liderar a invasão, o qual decidiu realizá-la em duas frentes de ataque: uma parte do exército sairia da Coreia como da outra vez, mas outra parte partiria diretamente da China. Segundo as crônicas chinesas do período, o exército de invasão era formado por 140 mil homens e 1.500 embarcações, mas hoje se considera tais números demasiadamente exagerados para inflar as campanhas de Kublai. No entanto, não se sabe quantos homens exatamente foram enviados, mas o contingente da segunda invasão foi superior ao da primeira. (TURNBULL, 2010). 

Com isso, a frente coreana ou exército oriental iniciou a operação em 22 de maio de 1281, quando começou a se deslocar para os portos, em que novamente atacou-se Tsushima em 9 de junhoEnquanto o ataque de Tsushima resultou em êxito, as tropas mongóis trataram de dominar a ilha de 700 km de comprimento, por sua vez, no dia 14 de junho, Ike foi invadida. No entanto, passados esses anos os japoneses não ficaram de braços cruzados, eles decidiram agir e se preparam para a nova invasão. (SANSON, 1958). 

Após a invasão de 1274 e a proposta de rendição de 1275, o xogum ordenou que os daimiôs e jitos tratassem de fortificar seus territórios, pois os mongóis tentariam um novo ataque. A demora para uma nova invasão foi favorável aos japoneses, pois deu tempo para treinar mais guerreiros, construir muros, muralhas, fossos e fortes. Sendo assim, quando os mongóis retornaram em 1281, os japoneses já estavam esperando por um ataque e estavam melhor organizados e preparados para se defender. 

Samurais em um dos muros erigidos em Hakata em 1281. Pintura feita por volta de 1293. 

Tsushima e Ike foram novamente subjugadas pela frente coreana, no entanto, o desafio eram as ilhas centrais. O exército mongol chegou a Hakata em 23 de junho, e uma divisão foi destacada para se atacar a província de Nagato, localizada ao norte de Hakata. No entanto, ao chegar em Hakata os mongóis notaram suas defesas como muros, paliçadas e redutos, o que dificultaria o desembarque ali, com isso, parte da frota desembarcou nas pequenas ilhas de NokiShiga (a ilha foi conectada a ilha maior posteriormente), enquanto barcos e pequenos navios eram enviados para saquear a região; por sua vez, grande parte do exército continuava nos navios ancorados diante de Ike. (TURNBULL, 2010). 

Localização dos muros e defesas pela baía de Hakata. As zonas em rosa concentravam as defesas como paliçadas e redutos. Fonte: TURNBULL, 2010, p. 57. 

Entre os dias 23 e 30 de junho o exército mongol realizou ataques pela baía, fracassando em romper as defesas inimigas, inclusive os japoneses não apenas lutaram em terra, mas em determinados momentos enviaram barcos para abordar os navios coreanos e atacar sua tripulação. Apesar das ofensivas nipônica por via marítima terem sido pequenas, ainda assim, tais atos mostravam uma mudança nas ações japonesas, que ao invés de ficarem apenas na defensiva, decidiu-se empreender ataques, inclusive no mar. (TURNBULL, 2010). 

Barcos japoneses atacam navios dos mongóis. Pintura datada de cerca de 1293. 

Com a forte resistência das tropas japonesas em Hakata, no começo de julho a frente chinesa ou exército sul chegou ao Japão, indo atacar Hirado (perto de Nagasaki) e seus arredores. Com isso, parte das tropas da frente coreana, as quais aguardavam em Ike e Hakata, foram deslocadas para Hirado, pois se considerava que ali as defesas japonesas estivessem mais fracas, o que favorecia a invasão. Dessa vez os mongóis não estavam decididos a abandonar a campanha tão facilmente, condição essa que eles passaram o mês de julho realizando ataques por Hirado, Hakata e Nagato, mas encontrando resistência dos samurais. (SANSON, 1958). 

Mas se a ideia era que Hirado e a Baía de Imari seriam mais fáceis de serem tomadas, se revelou um erro. A região também havia sido fortificada e reforçada com tropas. Os mongóis passaram julho empreendendo pequenos ataques naquele território sem sucesso efetivo. A pequena ilha de Takashima na baía se mostrou um reduto forte e deveria ser tomado custe o que custasse, com isso, em agosto decidiu-se investir no ataque aquela localidade. A Batalha de Takashima ocorreu em 12 de agosto. Foi um conflito duro, mas os japoneses conseguiram resistir ao primeiro ataque, levando os mongóis a recuarem, mas eles pretendiam atacar novamente. Entretanto, a sorte não estava ao lado dos mongóis, os ventos da mudança sopraram, mas sopraram de uma forma violenta e inesperada. (SANSON, 1958). 

Nos dias 13 e 14 de agosto ocorreu uma tormentosa tempestade que derrubou os mastros dos navios e até mesmo gerou fortes ondas que naufragou barcos e navios. Em terra, árvores foram derrubadas e algumas casas perderam seus telhados ou foram danificadas. Hoje acredita-se que essa tempestade teria sido um tufão, mas em 1281 os japoneses consideraram que aquela poderosa tempestade era um sinal divino e a chamaram de kamikaze ("vento divino"), pois aquela tempestade teria sido enviadas pelos deuses para derrotar os mongóis. E, de fato, realmente acabou dando certo. Devido a terem perdido muitas embarcações e homens, no dia 15 foi ordenado a retirada das tropas. Dessa vez, as perdas foram tão impactantes, que não era viável manter a campanha de conquista. (TURNBULL, 2010). 

Pintura mostrando o kamizake assolando os navios mongóis, enquanto parte do seu exército afoga-se. Os samurais são representados por suas bandeiras na praia. Alguns espíritos do vento foram pintados também. Autoria e data desconhecidos. 

Kublai Khan cogitou fazer uma terceira invasão, mas após duas derrotas, ele adiou os planos. Com o passar dos anos outras guerras surgiram, focando a atenção do imperador para outras localidades de seu império, além disso, o monarca passou a ter problemas de saúde devido a obesidade, além de ter a saúde emocional abalada pela morte de alguns filhos e esposas. Com isso ele acabou desistindo de invadir o Japão, e os japoneses embora tenham se mantido em estado de alerta desde 1281, passaram a comemorar a grande vitória daquele ano. Santuários, cemitérios e monumentos foram construídos para a celebração da vitória e a memória dos mortos. 

NOTA: O governo do xogunato mantinha aspectos monárquicos e feudais, condição essa que o título de xogum poderia ser hereditário ou passar para outros membros do mesmo clã, além de que os xoguns e regentes seguiam costumes reais. Além disso, o sistema feudal foi mantido no país até o término dos xogunatos no século XIX. 

NOTA 2: O jogo Ghost of Tsushima (2020) retrata de forma fictícia as invasões mongóis a Tsushima e Ike em 1274. 

NOTA 3: O jogo Shogun: Total Warrior (2000) ganhou uma expansão focada nas campanhas mongóis de 1274 e 1281. 

NOTA 4: Marco Polo chegou a China em 1275, em companhia de seu pai e tio. Logo, ele não vivenciou os bastidores da primeira invasão mongol, mas passou a ouvir a respeito dela. Todavia, em 1281 ele estava a parte dos preparativos. 

Referências bibliográficas:

BURGAN, Michael. Empire of the Mongols. New York, Facts on Files Inc, 2005. 

TURNBULL, Stephen. The mongol invasions of Japan 1274 and 1281. Illustrated by Richard Hook. Oxford, Osprey Publishing, 2010. (Series Campaign 287). 

SANSON, George. A history of Japan to 1334. Tokyo, Charles E. Tuttle Company, 1958. 

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