sexta-feira, 26 de janeiro de 2024

Nikola Tesla, o gênio renegado

Tesla foi um dos maiores gênios da humanidade entre os séculos XIX e XX, homem de engenho estupendo, era uma mente inventiva a frente de seu tempo, desenvolvendo diversas tecnologias e até aprimorando outras. Apesar de sua genialidade, nem todos o admiravam, mas tinham inveja dele, por conta disso, Tesla ganhou inimigos que tentaram minar sua reputação e até prejudicaram seu trabalho. Neste texto conheceremos um pouco da história desse gênio que acabou sendo renegado e quase esquecido. 

Retrato de Nikola Tesla em 1890. 

Nascimento e juventude

Nikola Tesla nasceu em 10 de julho de 1856 no vilarejo de Smiljan, na época, parte do Império Austríaco, atualmente território da Croácia. Apesar disso, Tesla não era nem austríaco e nem croata, mas sérvio. Seu pai era Milutin Tesla (1819-1879), um padre ortodoxo que se casou com Duka Mandíc (1822-1892), filha de um padre também e descendente de uma família de artesãos e fabricantes de ferramentas. Tesla era o quarto filho de um total de cinco, sendo seu irmão mais velho chamado Dane, enquanto os demais filhos eram três mulheres de nome Milka, Angelina e Marica. Seu irmão mais velho morreu num acidente de cavalo, quando Tesla tinha cinco anos, fazendo conviver pouco com este e crescer ao lado das irmãs. (O'NEILL, 2007, p. 9).

Tesla foi estudar na escola local de Smiljan, sendo alfabetizado, aprendendo matemática básica e aspectos da doutrina ortodoxa. Em 1862 seu pai conseguiu um emprego como pároco em Gospic Lika, mudando-se com a família para lá. Tesla realizou seus estudos do ensino fundamental por lá. Já adolescente, em 1870 foi enviado para estudar o ensino médio em Karlovac, tendo conseguido ingressar no Ginásio Real Superior, onde as aulas eram lecionadas em alemão, o que ajudou Tesla a aprender outra língua. (O'NEILL, 2007, p. 19-23).

Ainda na infância e adolescência, Nikola Tesla mostrava uma grande curiosidade por investigar o mundo, explorar a natureza e fazer experimentos, desde coletar insetos, como brincar com objetos, água, fogo etc. Percebe-se que o menino desde cedo tinha o interesse por ciência. Hoje cogita-se que Tesla poderia ser considerado uma criança superdotada, conceito desconhecido naquele tempo. 

Durante o ensino médio ele passou a se interessar por matemática e física, desenvolvendo a pretensão de seguir carreira como engenheiro. Além disso, nesse tempo ele começou a ler os livros de Mark Twain (1835-1910), popular escritor americano de livros de aventura como Tom Sawyer (1876) e As Aventuras de Huckleberry Finn (1885). As obras dos dois meninos se aventurando pelo interior dos Estados Unidos, fascinaram o jovem Tesla pelos anos seguintes, tornando-se alguns de seus livros prediletos. (O'NEILL, 2007, p. 30).

Em 1873 ele concluiu a escola e voltou para casa, onde foi acometido de cólera e ficou gravemente doente por meses, chegando perto de morrer. Antes de isso acontecer, seu pai Milutin cogitava enviar o filho para o seminário, para que ele se tornasse padre, mas Tesla não tinha interesse na carreira do sacerdócio, assim, após se recuperar, seu pai decidiu atender o pedido do filho, o qual disse querer estudar engenharia. (O'NEILL, 2007, p. 31).

No ano de 1874, tendo melhorado da cólera, Tesla teria que se alistar no exército, mas ele não queria servir, então saiu de casa, indo para Tomingaj, passando a ajudar caçadores e lenhadores, vivendo aventuras pela floresta, enquanto ele disse que seguia lendo os livros de Twain, que lhe faziam companhia e bem-estar para sua mente. Tesla permaneceu vários meses ali até que em 1875 voltou para casa e de lá seguiu para cursar a faculdade de engenharia no Politécnico Austríaco em Graz, onde se destacou por ser um aluno pontual, assíduo e tirar excelentes notas, pelo menos no primeiro ano da faculdade, mas a realidade mudaria drasticamente. (SEIFER, 2001). 

Jovem sem-rumo

Tesla acabou se envolvendo com jogos de cartas e sinuca, onde jogava fazendo apostas, se tornando indisciplinado e perdendo dinheiro, o que o levou a perder sua bolsa de estudos. Seu pai sabendo disso, lhe cortou a mesada durante o terceiro ano da faculdade. Sem conseguir dinheiro e trabalho, Tesla abandonou o curso de engenharia em 1878, mas não voltou para casa, devido a vergonha de encarar sua família e dizer a eles que desistiu do curso por conta do vício em jogo e apostas. Assim, ele mudou-se para Maribor, conseguindo um emprego de desenhista e fazendo alguns "bicos", mas nessa época ele ainda tinha problemas com o jogo. (SEIFER, 2001). 

Seu pai viajou a Maribor para pedir que o filho voltasse para casa, mas ele se negou. Tempo depois teve um colapso nervoso e foi enviado para sua casa em 1879, no mesmo ano seu pai faleceu aos 60 anos. Naquela época Tesla tinha 23 anos, estava desempregado, não concluiu o curso de engenharia, tinha problemas com o vício em jogos de apostas e se recuperava de um colapso nervoso. Ainda naquele ano ele conseguiu o emprego como professor numa escola local, até que alguns tios compadecidos dele, lhe enviaram dinheiro para ele ir estudar na Universidade Carolina, porém, como ele não sabia tcheco, tampouco se recusou a estudar grego (que era disciplina obrigatória), Tesla não se matriculou, aproveitando o dinheiro dos tios, ele assistia aulas aleatórias na universidade, como as de física, matemática, engenharia e filosofia. Mas quando o dinheiro começou a escassear, ele mudou-se para Budapeste, indo atrás de emprego. (O'NEILL, 2007, p. 39-40). 

Em Budapeste ele passou a trabalhar na Central Telefônica de Budapeste, fundada por Tivadar Puskas (1844-1893), inventor húngaro que conseguiu subsídio do governo para instalar o telefone na capital. Inicialmente Tesla atuou como desenhista e no escritório, depois ele foi transferido para o cargo de eletricista, o qual lhe agradava mais, pois ali ele poderia interagir com as máquinas e aparelhos que lhe fascinavam. Graças ao seu bom desempenho como eletricista, em 1882, Puskas o enviou para trabalhar na Societè Eletcrique Edison, uma subsidiária francesa da Continental Edison Company, sediada em Paris. Na capital francesa ele passou a trabalhar com a instalação da rede elétrica de alguns bairros, o que o levou a trabalhar em projetos de aperfeiçoar o aparato elétrico, baseado nos inventos de Thomas Edison. (CARLSON, 2013, p. 63).

Os primeiros anos nos Estados Unidos

Thomas Alva Edison (1847-1931) já era um respeitado e rico empresário americano no final do século XIX, tendo criado empresas para fazer instalações elétricas nos Estados Unidos e em alguns países europeus como a França. Edison que ficou famoso por inventar uma lâmpada incandescente que era duradoura e poderia ser produzida em massa, despontava como o magnata da eletricidade, assim, para Tesla, o qual era interessado por eletricidade, trabalhar para a maior empresa do ramo naquele tempo, seria o sonho. 

No ano de 1884 o gerente de Tesla, o senhor Charles Batchelor foi transferido para a Edison Machine Works, em Nova York, ele solicitou que o jovem Nikola Tesla fosse junto, pois ele fez um excelente trabalho na filial francesa. Embora Tesla nunca tenha concluído a universidade por problemas envolvendo o vício em jogo, ele nunca foi um aluno de tirar notas ruins o incompetente para o curso. (CARLSON, 2013, p. 64).

Sede da Edison Machine Works, em Nova York, no ano de 1881. 

Mas a estadia de Tesla na Edison Machine Works foi breve. Ele trabalhou cerca de seis meses ali. Apesar de seu potencial e esforço, Tesla era considerado apenas como um eletricista acima da média, mesmo tendo trabalhado duro nesse período, consertando geradores e bobinas, fazendo instalações elétricas, com direito a trabalhar até mais de oito horas diárias e ao longo da madrugada. Não se sabe o motivo pelo qual ele pediu demissão exatamente, pois ele nunca o contou, mas possívelmente esteja associado com as bonificações nunca pagas, inclusive ele chegou a dizer que Edison teria prometido pagar 50 mil dólares por um conjunto de baterias que ele estava desenvolvendo, mas Edison disse que era apenas piada; sobrecarga de trabalho e o valor de ele não ser reconhecido.  (JONNES, 2004, p. 109-110).

Ainda no ano de 1885, Nikola Tesla decidiu patentear alguns de seus inventos, como alguns geradores que ele desenvolveu e o uso do sistema de iluminação de arco, além de outras invenções que ele desenvolveu nos últimos anos enquanto trabalhou nas empresas de Thomas Edison. A ideia que Tesla tinha era conseguir patrocinadores para investir em seus inventos e graças a ajuda do advogado de patentes Lemuel W. Serrell, ele conseguiu o contato de dois empresários interessados. 

Dessa forma os empresários Robert Lane e Benjamin Veill se interessaram pelos inventos de Tesla e acharam tudo aquilo promissor, então eles investiram capital e abriu uma empresa chamada Tesla Electric Light and Manufacturing, para ele projetar sistemas elétricos para ruas e fábricas. Não era exatamente o que Tesla queria, pois basicamente ele retomou o trabalho que fazia na empresa de Edison, a diferença que ele agora era o diretor da companhia, mesmo assim, ele gostava de trabalhar ao lado dos eletricistas e operários. Entretanto, Tesla acabou tendo problemas como seus sócios em 1886, ao notar que seu salário era demasiadamente baixo para seu cargo, além de que a promessa de ele receber parte das ações da empresa demorou a se realizar e quando ele as recebeu, o valor era mais baixo do que esperado. Tesla notando que Lane e Veill se aproveitaram dele, abandonou a companhia. (JONNES, 2004, p. 111-112).

Após sair da empresa que levava seu nome, a qual foi fechada em seguida, Tesla viveu meses difíceis entre 1886 e 1887, estando desempregado, sem endereço fixo, tendo que recorrer a pousadas e hospedagens baratas, tendo que passar fome algumas vezes. Por ser imigrante e falar um inglês ainda ruim e carregado de sotaque, Tesla teve dificuldades de arranjar emprego; além disso, ele não tinha amigos e nem familiares ali. Em seu diário ele relatou que viveu um ano fazendo trabalhos diários e quando surgiam. Para Tesla, aquele foi o pior ano de sua vida. Mas a realidade somente melhoraria um pouco em 1887. (O'NEILL, 2007, p. 54). 

Era inverno de 1887, Tesla ainda estava sem emprego fixo e trabalhava como escavador de valas, e ele aproveitava para conversar com os outros trabalhadores, falando de sua experiência como eletricista e até dizendo que havia patentes registradas, um capataz ouviu aquilo e contou ao seu chefe, o senhor Alfred K. Brown, o qual trabalhava para a Western Union Telegraph Companion, uma das maiores empresas de telégrafos do país e do mundo. Brown ouviu algumas ideias de Tesla, especialmente as sobre novas baterias, motores, geradores e o uso da corrente alternada, então ele decidiu investir capital nos projetos de Tesla, chamando seu amigo o advogado Charles F. Peck; assim, os dois montaram um laboratório para ele no sul da Fifth Avenue (atual West Broadway). Ironicamente o local ficava situado algumas quadras da Edison Machines Works, onde dois anos antes Tesla sugeriu a Edison investir na corrente alternada, mas ele se negou, dizendo que era muito perigosa e cara. (O'NEILL, 2007, p. 54). 

Até então a rede elétrica na maioria dos países era baseada na corrente contínua (CC), considerada mais segura e barata, inclusive amplamente difundida por Thomas Edison. Essa corrente opera com cargas positivas ou negativas, sem misturar elas. No entanto, a CC possui suas limitações, sendo recomendada principalmente para instalações de baixa tensão, pois quando se parte para a alta tensão ela se torna ineficiente e acaba saindo mais caro para compensar isso. Assim, Tesla apontava em seus estudos e experimentos que usinas de energia, usinas de transmissão, grandes geradores, motores e alternadores, deveriam fazer uso da corrente alternada (CA), pois era um processo mais eficiente, pois a corrente a cada tantos segundos alternava entre positivo e negativo, e não saia tão caro como Edison e outros apoiadores da CC alegavam. Todavia, essa disputa só iria piorar com o tempo, como será visto adiante. 

Patente EUA 381, 968 mostrando um motor de indução baseado na corrente alternada. A patente foi desenvolvida por Tesla e registrada em 1887. 

O início da Guerra das Correntes

O termo Guerra das Correntes refere-se a disputa comercial para se implantar nos Estados Unidos o uso de sistemas elétricos baseados na corrente alternada. Entretanto, no país vigorava os sistemas operantes em corrente contínua, os quais inclusive usavam as patentes de Thomas Edison, o que lhe garantia monopólio sobre a eletricidade do país. Logo, vendo que a CA se tornava uma ameaça, nem tanto por Tesla, que ainda seguia sendo um inventor desconhecido, mas sim por conta do empresário George Westinghouse (1846-1914), que atuava na indústria elétrica e vinha fazendo nos últimos anos campanha pela adoção da CA no país. 

O empresário George Westinghouse investiu no potencial de Tesla. 

No ano de 1888 o trabalho de Nikola Tesla começou a receber reconhecimento. Na época ele contava com seus 32 anos e foi convidado a palestrar sobre seus inventos e o uso da corrente alternada no Instituto Americano de Engenheiros Elétricos, em 16 de maio. Tratou-se da primeira palestra acadêmica de Tesla, em que ele finalmente estava diante de outros doutores e estudantes de engenharia elétrica e engenharia mecânica. Durante sua palestra, alguns dos presentes trabalhavam para a Westinghouse Electric & Manufacturing Company e esses ficaram entusiasmados com as patentes de Tesla e contataram o senhor Westinghouse, o qual se mostrou bastante interessado e fez negócio. (O'NEILL, 2007, p. 57). 

Tesla e seus sócios Brown e Peck fecharam acordo para produzir motores e transformadores polifásicos de corrente alternada para a empresa de Westinghouse que ofereceu 60 mil dólares por tudo. Além disso, ele contratou Tesla como consultor em 1888, lhe pagando um salário de 2 mil dólares por mês, valor bastante alto para o período. Assim, Tesla se mudou para Pittysburg para instalar um sistema de CA para mover os bondes elétricos da cidade, mas acabou não dando muito certo, tendo que se optar pelo uso da CC também. (CARLSON, 2013, p. 110-112). 

As notícias de que a Westinghouse Electric estava investindo na corrente alternada chegaram até Edison e seus sócios e isso provavelmente os irritou e deixou temerosos, pois em 1889 teve início a difusão de notícias em jornais e por boatos de que a CA era não apenas cara, mas instável e insegura, podendo causar curtos-circuitos e até incêndios. Edison e seus apoiadores dava início singelamente a Guerra das Correntes que somente pioraria com o tempo. Entretanto, esse conflito comercial não começou de imediato, apesar de seu anúncio em 1889, pois em 1890, o Banco Barings (1762-1995) entrou em crise em 1890 e quase faliu. Muitas das ações da Westinghouse Electric e parte do seu financiamento vinham desse tradicional banco britânico. Com isso, a empresa teve que cortar gastos e alguns dos projetos de Tesla foram paralisados, o que agradou Edison e os defensores da corrente contínua. (CARLSON, 2013, p. 130-131). 

A bobina de Tesla (1890-1891)

Nikola Tesla teve que encerrar vários projetos em parceria com George Westinghouse devido a crise bancária entre 1890 e 1891, mas depois disso alguns dos projetos foram retomados. Todavia, o dinheiro que ele ganhou entre 1887 e 1890 lhe concedeu segurança financeira. Seu alto salário e à venda de motores, geradores e outras máquinas o ajudou a construir um patrimônio financeiro que lhe deu segurança por vários anos, assim, ele decidiu se dedicar aos seus inventos. Um deles adveio de sua ida a Exposição Universal de Paris em 1889, ano que inclusive foi inaugurada a famosa Torre Eiffel. Lá ele tomou conhecimento dos trabalhos do físico alemão Heinrich Hertz (1857-1894) com o eletromagnetismo e as ondas de rádio, algo que deixou Tesla fascinado. 

Inspirado na bobina de Ruhmkorff, Tesla desenvolveu seu modelo, pois o anterior não suportava um sistema elétrico de carga alternada, levando-o ao superaquecimento e derretimento dos componentes internos. Assim, Tesla passou quase um ano trabalhando no projeto para desenvolver sua própria bobina, valendo-se de separar alguns componentes com uma camada de ar, a qual se aqueceria, mas não danificaria as peças. (CARLSON, 2013, p. 122).

Nikola Tesla testando uma bobina criada por ele. O intuito era mais para espetáculos para fascinar a plateia e atrair potenciais investidores. 

A bobina de Tesla como ficou conhecida inicialmente foi utilizada para exibições de descargas elétricas de alta tensão, pois ela consegue facilmente produzir pequenos raios visíveis ao olho humano, que é algo ainda hoje fascinante para muita gente. Por sua vez, Tesla aperfeiçoou o equipamento patenteando-o em 1891. Sua bobina deixou de ser meramente um experimento para poder ser usada na geração de energia de alta tensão, além de ter sido usada inicialmente para energizar transmissores de rádio e até na eletroterapia com versões compactas. (O'NEILL, 2007, p. 71). 

Porém, um dos planos de Tesla era criar torres de bobinas e fornecer energia elétrica sem fiação, usando-se o princípio do eletromagnetismo para isso. Ele chegou a investir tempo e dinheiro nisso, fazendo até experimentos públicos e dando palestras a respeito. Tesla estava confiante de que a tecnologia poderia ser melhorada a ponto de não se precisar mais de cabos, apenas se instalar estações geradoras com bobinas melhoradas, as quais forneceriam energia elétrica sem fio. Uma ideia bastante ousada e a frente de seu tempo. Atualmente o uso de fornecimento de energia elétrica sem fiação ainda é pouco explorado. Alguns celulares já estão aplicando essa tecnologia. 

A Exposição Universal de Chicago (1893)

Em 1892 Nikola Tesla foi eleito vice-presidente do Instituto Americano de Engenheiros Elétricos, cargo que manteve até 1894, tendo nesse período ganhado apoio de muita gente no instituto e o interesse de outros pelo país por suas ideias sobre corrente alternada, e agora sua obsessão de desenvolver uma tecnologia de transmissão energética sem fio, considerada fascinante por uns, mas para outros era tida como algo impossível. De fato, ambas as reações estavam certas. Realmente era algo estupendo, mas também impossível para ser concretizado de forma eficiente como Tesla sonhava. Apesar disso, ele seguiu insistindo no assunto. 

De qualquer forma, entre 1893 e 1894 ele estava investindo na difusão do uso do sistema polifásico, o qual utiliza três ou mais fases para conduzir energia elétrica numa corrente alternada. A ideia era promissora e estava dando certo, pois conseguia tornar o uso da CA em algo viável. Inclusive ainda hoje o sistema polifásico é utilizado na indústria e em instalações elétricas de alta tensão. 

Dessa forma, a Westinghouse Electric solicitou que Tesla apresenta-se seu novo projeto na Exposição Universal de 1893, que foi realizada em Chicago. Se na exposição de 1889, Nikola Tesla havia participado como espectador, agora ele estava apresentando alguns de seus inventos como suas bobinas, motores de indução, sistema elétrico sem fio e o sistema polifásico, que inclusive foi utilizado para iluminar toda a exposição que durou seis meses. (SEIFER, 2001, p. 120-121). 

Um dos experimentos mostrados por Tesla na exposição de Chicago foi o uso de um "ovo de Colombo" para apresentar os efeitos do eletromagnetismo gerado por um motor de indução de energia alternada. Um ovo feito de cobre e com bobinas no interior, ficava sobre uma plataforma eletromagnética que ao receber a energia, começava a girar no seu próprio eixo. O experimento foi uma sensação na época, inclusive a ideia de que objetos poderiam serem movidos por eletromagnetismo era algo ainda em início de estudo. 

O ovo de Colombo usado por Tesla em experimento eletromagnético durante a Exposição Universal de 1893, em Chicago. 

Ainda durante a exposição universal, Tesla mostrou outro de seus grandes inventos, um gerador a vapor de corrente alternada, também chamado de oscilador eletromecânico. Para ele a expectativa era que aquele gerador fosse uma solução para gerar grandes quantidades de energia para movimentar os circuitos elétricos de um sistema polifásico. A ideia era promissora, mas apresentava alguns problemas como grande barulho, além de causar muita vibração. Inclusive uma lenda urbana mais tarde promovida pelo próprio Tesla, disse que o tremor sentido em Nova York em 1898, foi causado por um dos geradores a vapor em fase de teste. (CARLSON, 2013, p. 181-183). 

Também no ano de 1893, Nikola Tesla prestou consultoria para a Companhia de Construção da Hidrelétrica das Cataratas do Niágara, sendo convidado pelo próprio presidente da empresa, Edward Dean Adams (1846-1931). Na época a hidrelétrica estava em construção e Adams pediu que Tesla lhe apresentasse o melhor projeto para construir os geradores e as instalações elétricas. Ele sugeriu adotar o sistema bifásico de corrente alternada já empregado pela Westinghouse Electric, sua parceira de negócios desde 1888. A ideia foi acatada, mas o irônico é que os direitos de transmissão da energia foram dados a General Electric, pertencente a Thomas Edison. (O'NEILL, 2007, p. 85-86). 

Experimentos com raio-x (1894-1896)

Um fato curioso é que no ano de 1894, Mark Twain, o escritor preferido de Tesla, foi visitar seu laboratório na Quinta Avenida. Tesla relatou que foi uma grande honra receber Twain, que por sua vez, ficou fascinado com os inventos tecnológicos do inventor sérvio. 

Fotografia de 1894 mostrando Mark Twain segurando um dos inventos de Tesla, enquanto esse o observa ao lado. 

Além da visita de Twain, o ano de 1894 foi marcado pelo início das pesquisas de Tesla sobre a radiação, nessa época o raio-x ainda não havia sido descoberto e a radiação era ainda mal compreendida. Apesar disso, Tesla como outros pesquisadores faziam uso dos tubos de Crookes para estudar os raios catódicos. Em 1895 o o físico alemão Wilhelm Röntgen (1845-1923) realizando estudos com o tubo de Crookes, veio a descobrir o raio-x. 

A notícia foi divulgada nos meses seguintes, Tesla sabendo agora sobre a descoberta, retomou suas próprias pesquisas, chegando a tirar um raio-x de uma de suas mãos. Entretanto, ele depois acabou abandonando o interesse devido ao risco dos experimentos, afinal, a radiação ainda era desconhecida, Henri Becquerel começou a estudá-la em 1896 e nos anos seguintes foi se descobrindo seus riscos à saúde. O próprio Tesla chegou a relatar em suas anotações que sofreu algumas pequenas queimaduras e mal-estar durante os experimentos com raio-x. (CHENEY, 2001, p. 134-136). 

The Nikola Tesla Company (1895)

Com o sucesso obtido em 1893 com a Exposição Universal de Chicago, Tesla ganhou vários pedidos de compra de motores, geradores e outros maquinários, além da venda de licenças de patentes e convites para se tornar sócio de empresas de energia elétrica. Um dos interessados foi Edward Dean Adams da hidrelétrica das Cataratas do Niágara. Adams investiu dinheiro ao lado dos dois sócios de Tesla, Brown e Peck, e depois outros investidores entraram em cena, assim, em 1895 foi fundada a Nikola Tesla Company com o intuito de desenvolver maquinário, aparelhos e patentes para o desenvolvimento da eletricidade. (CARLSON, 2013, p. 206). 

Todavia, a nova empresa sofreu um duro golpe naquele ano. O laboratório da Quinta Avenida pegou fogo, o incêndio foi tão intenso que quase todo o prédio ruiu. A maior parte dos inventos, aparelhos, maquinário, anotações e materiais foram perdidos. Inclusive muita coisa que Tesla havia usado na exposição universal foi destruído pelas chamas. 

O rádio controle (1898)

Interessado em conseguir acordos com as Forças Armadas, Tesla desenvolveu um dispositivo experimental controlado por ondas de rádio de curta distância. A ideia era produzir torpedos teleguiáveis por controle remoto, o que ajudaria bastante a Marinha. Ele chamou seu invento de telautomaton. Uma amostra feita com um barco controlado remotamente foi uma sensação em Nova York, mas para a infelicidade de Tesla, a Marinha e o Exército não tiveram interesse no invento. Ele ainda insistiu por mais algum tempo, mas a ideia foi abandonada. (CARLSON, 2003, p. 231). 

O protótipo de barco movido a rádio controle, criado por Tesla em 1898. 

O telautomaton foi o primeiro projeto de Tesla pensando no interesse militar e planejado para se tornar uma arma, pois o pequeno barco a controle remoto atuaria como um torpedo ou um barco-bomba. A ideia apesar de fantástica para a época acabou se concretizando mais tarde. Atualmente temos drones e mísseis teleguiados, mesmo que não usem sinais de rádio como proposto por Tesla, mas a ideia de serem armas operacionalizadas remotamente, segue o mesmo princípio. 

Laboratório no Colorado Spring (1899-1900)

Ainda interessado em aperfeiçoar sua tecnologia de condução elétrica sem fio, utilizando o ar como condutor elétrico, Tesla decidiu investir pesado nisso, para isso, ele resolveu construir um laboratório numa montanha, o local escolhido foi Colorado Springs, uma pequena cidade distante mais de dois mil quilômetros de Nova York. Todavia, ele não possuía dinheiro para isso, então foi pedir investimentos, o escolhido foi o milionário empresário John Jacob Astor IV. Tesla o conhecia, pois frequentava alguns de seus hotéis luxuosos. No caso, Astor ficou interessado e investiu 100 mil dólares para construir o laboratório de Tesla, o valor bastante alto para época, hoje passaria dos milhões. 

Laboratório de Tesla em Colorado Springs, 1899. 

Graças ao dinheiro de Astor IV, o laboratório foi construído rapidamente. Uma subestação de energia de El Paso, cidade próxima, forneceu a energia em corrente alternada para as pesquisas de Tesla. Ali ele construiu grandes bobinas, motores e geradores para projetar raios a fim de estudar a transmissão elétrica sem fio, mas também tentar criar um telégrafo sem rio, além de estudar ondas de rádio e outras coisas. Tesla estava tão obcecado com isso que chegou a dizer algumas vezes para alguns jornalistas que teria supostamente captado transmissões de rádio estranhas, que poderiam advir de fora do planeta. (SEIFER, 1998, p. 220-221). Na época, a ideia de vida inteligente em outros planetas estava em alta. Bastante lembrar que o livro Guerra dos Mundos (1897), tinha sido lançado dois anos antes. 

Os estudos de Tesla gerando milhares de megavolts foram conduzidos ao longo de meses a ponto de fritar os geradores da subestação de El Paso. Apesar desse contratempo, Tesla aproveitou em 1900 para voltar a Nova York. Ele precisava de mais dinheiro para um novo projeto ousado: construir uma torre para gerar energia sem fio, com intuito de iluminar parte da cidade de Nova York. 

A Torre de Wardenclyffe (1901-1906)

Em 1901 de volta a Nova York, Tesla se reuniu com potenciais investidores, permitindo que eles comprassem várias ações da sua empresa, assim como, vendeu direitos de uso de algumas de suas patentes e outras autorizações. Um dos seus principais investidores foi John Pierpont Morgan (1837-1913), rico banqueiro e empresário, conhecido por financiar muita coisa. O valor arrecadado foi maior do que o investido no laboratório no Colorado Springs. Assim, em posse de 150 mil dólares, Tesla comprou um terreno em Wardenclyffe, em Long Island, a alguns quilômetros de Nova York. (CARLSON, 2013, p. 314). 

A ideia de Tesla era que sua torre permitiria ser usada para transmissão de telégrafo sem fio, algo que ele pretendia ser inovador, mas seu concorrente o físico e inventor Guglielmo Marconi (1874-1937) conseguiu realizar uma transmissão a distância antes dele, transmitindo um sinal de Londres a Terra Nova no Canadá. Aquilo irritou Tesla como ele relatou em seus escritos, inclusive ele considerava Marconi um oportunista por ter copiado suas ideias. De qualquer forma, a torre que Tesla pretendia construir não serviria apenas para o telégrafo, mas para se tornar um condutor de energia elétrica de corrente alternada sem fio. (CARLSON, 2013, p. 315). 

A torre de Tesla em Wardenclyffe, em 1904. Um dos maiores fracassos de Tesla. 

A torre foi inaugurada em 1902, tendo mais de cinquenta metros de altura. Tesla se mudou com seu laboratório para lá, a fim de tornar a torre operacional o quanto antes. O problema é que embora Tesla fosse genial, em alguns casos suas ideias eram demasiadamente loucas. Ele tinha a pretensão de que até final de 1903 ele conseguiria fazer uma transmissão de energia sem fio através do Atlântico para a Europa. O problema é que isso era impossível e ainda hoje segue impossível. Com o término de 1903, somado a propaganda negativa feita por Thomas Edison contra a corrente alternada, Tesla começou a se ver em apuros novamente. 

Era o ano de 1904 e a torre ainda não estava operante. Tesla solicitou mais dinheiro para Morgan e outros investidores, mas esses começaram a negar, pois acreditavam que a ideia de transmitir energia elétrica sem fio ainda não era possível de ser feita. No ano de 1905 Tesla estava bastante endividado. O laboratório no Colorado Springs havia sido paralisado. Astor IV procurava por retorno de seu investimento alto. Além disso, Tesla havia contraído uma dívida elevada no Hotel Waldorf-Astoria. Soma-se a isso, que ainda em 1905, J. P. Morgan disse que não colocaria mais nenhum dinheiro no projeto da torre de Tesla, se não tivesse nenhum resultado eficiente. Para piorar a situação, sem conseguir investimentos para continuar com sua pesquisa e necessitando pagar as dívidas, Tesla vendeu a torre e o terreno de Wardenclyffe e voltou para Nova York. Inclusive nessa época ele passou mal e teve um colapso nervoso novamente, ficando acamado por algum tempo. (CARLSON, 2013, p. 317-320). 

A crise da Guerra das Correntes (1903)

O ano de 1903 foi problemático para a reputação de Nikola Tesla, o qual já vinha passando por problemas com seus projetos em Wardenclyffe. Naquele ano Thomas Edison agiu de forma bastante desleal e canalha. Anteriormente ele havia pedido para alguns funcionários eletrocutarem animais de rua como cães e gatos, mas também vacas e cavalos, mostrando que a corrente alternada era bastante perigosa porque concederia choques, pois a corrente contínua não causaria isso. A tortura e matança desses animais eram realizadas esporadicamente pelas praças e ruas de Nova York. Porém, o ápice dessa crueldade ocorreu no começo de 1903. 

Em 4 de janeiro de 1903 a equipe de Edison decidiu fazer um experimento com energia elétrica gerada por uma corrente alternada, mostrando os perigos da mesma. Eles iriam eletrocutar a elefanta de circo chamada Topsy (c. 1875-1903). Naquele tempo, já se cogitava matar Topsy, pois no ano anterior ela num ataque de fúria matou um espectador e já havia atacado alguns membros do circo. Logo, o dono do Luna Park, o qual Topsy pertencia, aceitou em troca de dinheiro, ceder a elefanta para o terrível teste. 

A elefanta Topsy foi eletrocutada até a morte em 1903, por conta da Guerra das Correntes. 

Uma equipe da Edison Manufactiring gravou a execução que ocorreu em Coney Island, o ato virou um curta-metragem intitulado Electrocuting an Elephant, que foi vendido na época. O vídeo pode ser achado facilmente hoje em dia. Na ocasião Topsy havia sido envenenada anteriormente, porém, o choque que ela recebeu foi tão alto, que ela morreu em menos de dois minutos. Houve protestos na época por conta do alto, mas como Topsy já havia sido condenada a morte, o caso foi abafado. No entanto, após esse ato cruel, a empresa de Edison parou de executar animais. 

A turbina de Tesla (1906)

Tentando se recuperar do fracasso da torre em Wardenclyffe, ele desenvolveu o projeto de uma turbina sem pás, que utilizaria gases para mover a turbina. Baseado na mecânica de fluídos, Tesla esperava aperfeiçoar essa tecnologia, com a qual ele trabalhou nela pelos anos seguintes, se tornando inclusive seu ganha pão até pelo menos 1922. Condição essa que seu projeto acabou até dando certo, levando-o a criar vários modelos, alguns foram utilizados em fábricas e hidrelétricas como a Hidrelétrica de Waterside em Nova York, onde foram instaladas turbinas de Tesla entre 1910 e 1911. (SEIFER, 1998, p. 397-398). 

Uma turbina de Tesla. 

Dívidas, Nobel esnobado e processos (1915)

A situação para Tesla piorava, mesmo tendo conseguido dinheiro e investimentos por conta de suas turbinas, Tesla ainda tinha várias dívidas. Além disso, seus investidores anteriores estavam mortos. Morgan morreu 1913, e seu filho se recusou a patrocinar Tesla, considerando suas ideias loucas. Westinghouse, que foi seu investidor por vários anos, faleceu em 1914. Astor IV não queria mais saber de Tesla após o fiasco no Colorado e em Long Island. Outros de seus apoiadores também haviam desistido de lhe dar dinheiro. 

A situação piorou um pouco, pelo menos em termos pessoais e emocionais, quando na premiação do Nobel de Física de 1915, não foi concedido a ele. Na época surgiu um boato que naquele ano o prêmio seria dado a Tesla e Edison, isso até chegou a ser noticiado em alguns jornais ingleses e americanos, mas a associação do Nobel desmentiu rapidamente isso. O prêmio foi dado para William Henry Brigg e seu filho William Lawrence, pelos seus estudos com estruturas de cristais a partir do uso do raio-X. Na época teve gente que achou ruim Tesla não ter vencido. Inclusive ele nunca ganhou nenhum prêmio Nobel, embora tenha sido indicado. (CHENEY, 2005, p. 240). 

Endividado e esnobado, Tesla tentou conseguir dinheiro processando o italiano Marconi, alegando que ele teria plagiado suas ideias quanto ao telégrafo sem fio. Todavia, os tribunais americanos consideraram as acusações infundadas. Marconi já havia apresentado uma patente do projeto em 1897, registrada outra em 1900 nos Estados Unidos, e em 1903 já estava trabalhando com comunicação a rádio. A tentativa de Tesla de conseguir algum dinheiro por isso falhou. Após tal acontecimento, ele começou a trabalhar em pequenos projetos para diferentes empresas. 

Os anos renegados (1918-1930)

Durante quase quinze anos Nikola Tesla passou a vida renegado por distintos fatores. Com o término da guerra, ele falhou em conseguir acordos com as Forças Armadas para comprar seus inventos, além disso, a crise financeira que havia se iniciada na década anterior ainda perdurava, Tesla contraiu dívidas de aluguel, conta de luz, conta de água, telefone, salários atrasados, diárias dos hotéis etc. Por conta disso, seu nome ficou sujo na praça, como costuma-se dizer. 

Somando-se a isso, ele perdeu oportunidades de negócios e voltou a ser renegado por seus opositores. Seu grande investidor, George Westinghouse faleceu em 1914, além de que sua empresa começou a não ganhar mais contratos e ficar financeiramente comprometida. Tesla também deixou de ser convidado regularmente para palestras e eventos. 

Entre 1919 e 1922 ele se mudou para Winconsin, onde conseguiu emprego na companhia Allis-Chamers, para aperfeiçoar sua turbina, motores e geradores. Foi um período de equilíbrio para suas finanças e sua saúde mental, já que não esteve totalmente isolado, apesar que mesmo com mais de 50 anos de idade, ele trabalhasse várias horas por dia. Porém, as tentativas de aperfeiçoar as turbinas como ele planejava não deram certo. Tesla vendeu os uso da patente e voltou para Nova York. (SEIFER, 1998, p. 398-399). 

Nessa época, Tesla desenvolveu grande apreço por pombos, passando-os a alimentá-los diariamente. Sua obsessão pelos pássaros foi tamanha que em 1923 ele foi convidado a se retirar do Hotel St. Regis, após um ano em estar morando ali, pois os hóspedes e funcionários reclamavam da aglomeração de pombos em torno da janela do quarto de Tesla e a sujeira que eles faziam ali. Embora tenha mudado de hotel, Tesla decidiu ir alimentar seus companheiros alados nos parques para evitar problemas como os estabelecimentos. Essa prática o acompanhou quase até o fim da vida. (O'NEILL, 2007, p. 349). 

Nesse período de isolamento em seus quartos de hotel, Tesla aparecia pouco publicamente, indo apenas a festas de alguns amigos quando era chamado, ou participava de alguma palestra, entrevista ou ia receber alguma premiação ou homenagem ocasionalmente, diferente da época em que toda semana ele tinha compromisso social. 

Em 1928 ele também chegou a projetar um avião biplano com hélices móveis, que permitiriam ele alçar voo como um helicóptero, porém, o projeto nunca foi construído e tinha alguns problemas aerodinâmicos. Tesla abandonou a ideia. Além disso, sua situação financeira piorou, obrigando-o a ter que fechar seu laboratório na Avenida Madison (o último que restava) e fechar seus escritórios. Somava-se a isso ter que despedir seus empregados. Sua empresa inclusive faliu. Tesla passou a sobreviver do dinheiro que recebia pelo uso de patentes e autorizações que ele concedeu nos últimos anos. (CHENEY, 2001, p. 249-252). 

Reconhecimento pela carreira (1931)

A realidade de Tesla mudou um pouco a partir das homenagens feitas para ele quando completou seus 75 anos. Em 1931 ele se tornou capa da famosa Revista Time, em seu número 3, volume XVIII, trazendo matérias que elogiavam sua grande contribuição para o desenvolvimento tecnológico da eletricidade e outros inventos. O que o tornava um grande cientista contemporâneo. Isso ajudou a mídia a voltar a ter interesse nele, após mais de uma década quase esquecido. 

Capa da Time de 1931 em celebração aos 75 anos de Nikola Tesla. 

Tesla aproveitou a publicidade que ganhou com a revista Time e passou a ser convidado a dar entrevistas e participar de eventos entre 1932 e 1933. Ele nesse período divulgou várias ideias, algumas tidas como loucas, a ponto de se questionar se o velho inventor estava mentalmente são. Para se ter noção, Tesla alegou estar desenvolvendo um motor que funcionaria a raios cósmicos, que estava trabalhando em receptores de rádio que permitissem captar frequências individuais, que ele estava estudando uma nova fonte de energia (embora nunca revelou propriamente qual seria); ele até salientou que estava estudando fotografia, pois achava que poderia desenvolver uma forma de criar uma câmera ocular para capturar os pensamentos. Embora algumas ideias até fazem sentido hoje, mas há noventa anos isso era surreal. E vale lembrar que Tesla já teve ideias questionáveis anteriormente como sugerir o uso de eletroterapia, indução eletromagnética para incentivar as ondas cerebrais a pensar, usar ozônio para diferentes finalidades. (CARLSON, 2003, p. 280-285). 

O raio da morte (1934)

Entre os inventos estranhos e questionáveis do velho Tesla, um que chamou atenção foi o suposto "raio da morte" como a imprensa se referiu na época, apesar que Tesla o chamasse de teleforça. O aparato nunca foi construído, era apenas um esboço de várias ideias envolvendo a concentração de uma grande quantidade de energia a qual aqueceria alguns metais como o mercúrio, e esse seria projetado por um cano na direção do alvo designado, disparando um feixe de energia concentrado e destrutivo. 

A ideia de se criar um raio da morte não era novidade, na literatura de ficção científica, o livro A Guerra dos Mundos (1898) de H. G. Wells havia mostrado trípodes marcianos disparando raios mortais. A ideia incentivou físicos e inventores de diferentes países a tentarem criar algo do tipo. Tesla foi apenas mais um dos interessados em criar essa hipotética máquina mortífera. Todavia, as Forças Armadas dos Estados Unidos, Reino Unido e de outros países não tiveram interesse, pois não era o único projeto do tipo e o que havia sido apresentado, todos falharam. Inclusive hoje em dia tal tecnologia nem existe. 

Ainda em 1934, Tesla seguiu dando entrevistas, apresentando ideias excêntricas. Ele também foi condecorado com a Medalha John Scott, concedida pelo Franklin Institute e a Prefeitura da Filadélfia, dada aos homens e mulheres que desenvolveram invenções que melhoravam a vida das pessoas. Depois disso Tesla ainda continuou a aparecer na mídia pelos três anos seguintes. 

Aposentadoria e morte (1943)

No ano de 1937, Nikola Tesla recebeu a Grã-Cruz da Ordem do Leão Branco, concedida pelo embaixador da Checoslováquia e uma medalha de honra do embaixador da Iugoslávia. Foram as últimas condecorações que ele recebeu em vida. Ambos os presentes foram dados numa cerimônia solene no Hotel New Yorker, onde Tesla vivia desde 1934, graças a Westinghouse que decidiu pagar suas despesas e lhe fornecer um salário simbólico naquele ano. 

Todavia, em certa noite de 1937, ele estava passeando na rua, seguindo para ir a um parque que costumava passear, próximo do hotel, quando foi atropelado. Se desconhece a extensão dos ferimentos sofridos, mas ele fraturou algumas costelas. Com as dores que passou a sentir nos anos seguintes, isso reduziu seus passeios, obrigando-o a ficar mais tempo em seu quarto de hotel, raramente saindo do mesmo. Ainda mais pelo fato de que Tesla por alguns anos realizava suas refeições no próprio quarto, já não indo mais a restaurantes ou lanchonetes como antes. 

Notícia de jornal de 8 de janeiro de 1943, anunciando a morte de Tesla. 

Nikola Tesla morreu em 7 de janeiro de 1943, no quarto 3327, do Hotel New Yorker, aos 86 anos. A autopsia apontou que ele sofria de trombose, a qual afetou seu coração. Tesla era conhecido por não gostar de ir ao médico, tampouco se preocupar com sua saúde. Seu corpo foi achado por uma das camareiras do hotel, que tinha ido fazer a limpeza do quarto. 

No dia 10 de janeiro o prefeito de Nova York leu uma homenagem a Tesla, o qual viveu na cidade desde 1884, ausentando-se por poucos anos. O funeral ocorreu no dia 12, na Catedral de São João, o Divino. O corpo de Tesla foi cremado como havia sido pedido por ele. Nenhum familiar compareceu ao velório, já que ele praticamente não tinha contato com eles, no entanto, amigos, conhecidos e admiradores foram assistir as missas. 

Considerações finais

Nikola Tesla foi um homem curioso em vários aspectos. Dono de uma mente engenhosa, patenteou mais de 270 invenções em diferentes países, embora a maioria não lhe trouxe sucesso. Despontou como um visionário da tecnológica elétrica e áreas afins, apesar que lhe faltava experiência como empreendedorismo e política, o que prejudicou seus negócios e empresa. Ele também era poliglota e possuía uma memória fotográfica potente. Sobre sua criatividade, ele referia-se a ela como um dom, pois tinha visões ou sonhos das invenções que elaborava. 

Tesla era um homem alto, magro, pálido, de olhos claros e mãos grandes. Na época de sua fama, especialmente entre 1887 e 1920, era mais comum vê-lo sociabilizando, aparecendo sempre vestido de forma elegante aos eventos, feiras, palestras, universidades, restaurantes, festas etc. Ele era descrito como sendo sério, mas gentil e cortês. Não era um falador ou uma pessoa cômica. Gostava de falar de ciência, invenções, poesia, filosofia, música e restaurantes. 

Tinha uma vida dedicada ao trabalho, sendo metódico com seus horários, hábitos e compromissos. Costumava tomar café da manhã, almoçar e jantar sempre nos mesmos horários, assim como, sair para suas caminhadas de forma pontual ou quase isso, a única atividade física que fazia. Além disso, ele não ia ao médico, também não gostava de ir a clínicas e nem hospitais. 

Tesla era obcecado por suas pesquisas, fato esse que seus amigos e as pessoas que o conheceram relatavam que ele trabalhava várias horas por dia, incluindo de madrugada e pouco dormia. Tesla mesmo escreveu em seu diário e anotações que realmente não gostava de dormir, eventualmente tirava alguns cochilos para compensar as poucas horas de sono. 

Ele nunca se casou e não teve filhos, isso foi uma escolha própria, pois disse que vivia pelo seu trabalho, já que se tivesse esposa e filhos isso iria distrai-lo. Além disso, Tesla também tinha poucos amigos, vivendo a maior parte da vida sozinho em quartos de hotéis, colecionando dívidas por onde passava. Ele também nunca retornou ao seu país original, tampouco foi visitar sua família, escrevendo cartas esporadicamente para suas irmãs. 

Nikola Tesla também teve seus problemas. Fosse o vício em jogo durante sua vida de universitário, que o levou a perder sua bolsa de estudos e a mesada, levando-o por vergonha a abandonar o curso; ele também contraiu muitas dívidas, mesmo tendo ficado rico na década de 1890. Isso se deveu a má gestão de seu dinheiro, os altos gastos com seus laboratórios e experimentos, negócios que deram errado, pessoas que o engaram, mas também o fato de ele ter ganho a fama de ser mal pagador, tendo legado várias dívidas em hotéis, restaurantes e nos prédios alugados para seus laboratórios e escritórios. 

Além disso, Tesla não era a favor do feminismo, considerando um erro as mulheres quererem direitos iguais aos dos homens e adotarem hábitos e ofícios masculinos; ele não concordava com a Liga das Nações (a qual viria a se tornar a ONU), dizendo que era um erro; Tesla simpatizou com ideias eugênicas, chegando a comentar que isso poderia responder alguns problemas relacionados ao subdesenvolvimento de alguns povos e países; guardou rancor por Thomas Edison até o fim da vida deste, inclusive dedicou alguns comentários rudes em alguns jornais; como também tinha uma visão negativa sobre a religião, considerando-se mais um agnóstico (talvez ateu, ele nunca deixou isso claro). 

NOTA: Na Igreja Ortodoxa os padres não são obrigados ao voto de celibato, então eles podem se casar. Porém, uma vez feito o voto celibatário, esse é para o restante da vida, não podendo ser renunciado. 
NOTA 2: Em seus escritos Tesla dizia que alguns de seus inventos foram oriundos de sonhos que ele teve com máquinas, aparelhos e cálculos. 
NOTA 3: O filme A Guerra da Corrente (2017) mostra alguns momentos envolvendo a disputa entre Thomas Edison e George Westinghouse, além da participação de Nikola Tesla. 
NOTA 4: No jogo Red Dead Redemption 2 (2018) temos um inventor inspirado em Nikola Tesla. O qual inclusive possui inventos similares ao dele. Trata-se de uma homenagem ao gênio sérvio. 
NOTA 5: O jogo Evil West (2022) faz uso de tecnologia elétrica avançada para o final do século XIX. Um dos inventos tecnológicos é uma manopla elétrica, cuja parte da tecnologia é inspirada em invenções de Nikola Tesla. 
NOTA 6: A Tesla, Inc (2003) é uma empresa de automóveis elétricos que ganhou destaque nos últimos anos, sobretudo após ter sido comprada por Elon Musk
NOTA 7: O Museu Nikola Tesla foi fundado em 1952 e fica em Belgrado, na Sérvia. 

Referências bibliográficas:

CARLSON, W. Bernard. Tesla: Inventor of the Electrical Age. Princeton, Princeton University Press, 2013. 
CHENEY, Margaret. Tesla: Man of Out Time. New York, Simon & Schuster, 2001. 
JONNES, Jill. Empires of Light: Edison, Tesla, Westinghouse, and the Race to Electrify the World. [s.l, Random House, 2004. 
O'NEILL, James. Prodigal Genius: The Lifes of Nikola Tesla. San Diego, The Book Tree, 2007. 
SEIFER, Marc J. Wizard: The Life and Times of Nikola Tesla. [s.l], Citadel, 1998. 

segunda-feira, 1 de janeiro de 2024

Uma história dos animes

A história dos animes, os famosos desenhos animados japoneses, ocorre em paralelo ao dos mangás, embora que na segunda metade do século XX, ambos caminhos se cruzaram, tornando os mangás fontes para os animes, tendência que se mantém até hoje. O presente texto conta alguns aspectos da história do desenvolvimento dos animes de seus primórdios no começo do XX até chegarmos ao contexto atual com animes em 3D e serviços de streaming de animes. 

O conceito de anime

A palavra anime é uma abreviação da palavra inglesa animation, sendo termo desenvolvido na segunda metade do século XX para se referir aos desenhos animados. Antes disso, os japoneses usavam termos como manga-eiga ("filmes cartunescos") e dôga ("filme animado"). O primeiro termo advinha da palavra mangá, já usada desde o final do XIX para se referir as histórias em quadrinhos produzidas no país. De fato, os animes vão surgir com forte influência dos mangás, por isso o termo manga-eiga. (CLEMENTS, 2013). 

Todavia, alguns autores como Alfons Moliné (2004) e Frederik S. Schodt (1997) defendem que a palavra anime viria da palavra francesa animé (animado), já que os japoneses tiveram influência da cultura francesa no final do XIX, com direito a consumir revistas francesas naquela época. No entanto, essa hipótese é contestada por outros estudiosos, os quais apontam a forte influência da indústria cinematográfica americana no Japão e como essa contribuiu para a popularização dos animes a partir da década de 1960. 

Outro aspecto a ser considerado é que a palavra anime no Japão refere-se aos desenhos animados, sejam eles nacionais ou estrangeiros. Sendo assim, produções da Walt Disney, Pixar, Warner Bros, Hannah-Barbera, seriam para os japoneses animes também. Porém, no resto do mundo convencionou-se adotar o termo anime apenas para se referir aos desenhos animados de origem japonesa ou que seguem seu estilo artístico e temático. 

Os primórdios dos animes (c. 1907-1920)

Oficialmente os primeiros animes são datados de 1917, porém, foi descoberto um curta-metragem intitulado Katsudo Sashin ("Imagens em Movimento"), datado de cerca de 1907. Esse desenho de autoria desconhecida, apresenta um menino vestido com roupa de marinheiro enquanto escreve kanjis. A animação bem simples tem apenas 4 segundos de duração. Ela divide a opinião dos historiadores e estudiosos do tema, seria um anime de fato? Ou apenas um teste ou brincadeira? 

Cena colorizada de Katsudo Sashin (c. 1907), talvez o primeiro anime conhecido. 

Clements (2013) comenta que há relatos da exibição de filmes franceses e americanos no Japão entre 1900 e 1910, o que aponta que cidades como Tóquio já teriam projetores para exibir filmes. Tais aparelhos foram levados por estrangeiros, juntos aos filmes que eram curtas-metragens em preto e branco e sem áudio. No entanto, tratava-se de filmes live-action, porém, alguma animação poderia ter sido exibida também nesse período, já que elas estavam desenvolvimento. Além disso, o autor sublinha que algumas animações desse período não seriam animações propriamente, mas truques visuais para dar a sensação que os desenhos se movimentavam. Apesar disso, o autor sublinha que antes de 1917 não temos segurança de quantos animes teriam sido produzidos, pois tais registros se perderam com o tempo.

Sendo assim, alguns dos primeiros animes conhecidos eram curtas-metragens simples, em preto e branco e sem áudio. Um dos primeiros foi Namakura Gatana (1917). Trata-se de um anime de 4 minutos de duração produzido por Jun'ichi Kouchi (1886-1970), cuja narrativa apresenta um atrapalhado samurai que está irritado pelo fato de sua catana está cega, apesar que ele consegue ferir um de seus dedos ao passá-lo no fio da espada, mas ao tentar cortar outras coisas e até confrontar pessoas, a espada não corta. Esse anime teria sido exibido no cinema. Além desse desenho, também é conhecida outras duas produções do autor, intituladas Chamebo Kukijuno maki (1917) e Hanawa Hekonai Kappa matsuri (1917). (CLEMENTS; MCCARTHY, 2006). 

Cena de Namakura Gatana (1917), um dos mais antigos animes conhecidos. 

Outro desenhista que se destacou nos primórdios dos animes foi Oten Shimokawa (1892-1973), o qual trabalhava como ilustrador e cartunista para revistas e jornais. São conhecidas cinco obras do autor: Imokawa Mukuzo Genkanban no Maki (1917), Dekobo shingacho - Meian no shippai (1917), Chamebo shingacho - Nomi fufu shikaeshi no maki (1917), Imokawa Mukuzo Chugaeri no maki e Imokawa Mukuzo Tsuri no maki (1917). No caso, Shimokawa se notabilizou pelos curtas-metragens do personagem Imokawa Muzuko, um personagem que lembra uma espécie de ursinho, o qual vive aventuras com seus amigos. Trata-se de um anime cujos personagens são animais antropomórficos. (CLEMENTS, 2013).

Cena de Imokawa Mukuzo Genkanban no Maki (1917).

Dessa forma, Kouchi e Shimokawa são considerados como os "pais dos animes", por terem sido os primeiros animadores a se destacarem e produzirem alguns animes em 1917. Apesar que temos um terceiro nome, trata-se do cameraman Shibata Masaru (1897-1991), o qual ajudou na animação de alguns filmes de Shimokawa como Chamebo shin gacho e Chamebo-zu. Apesar disso, seu nome não é creditado entre os "pais dos animes", mesmo que tenha ajudado no uso da câmera para gravar os desenhos de Shimokawa. (TSUGATA, 2003). 

Após esses animes de 1917, nos anos seguintes mais produções foram sendo desenvolvidas. Vale lembrar que tais produções eram amadoras, pois seus idealizadores não eram profissionais em animação, além de nem existir ainda estúdios de animação ou de cinema no Japão, mas isso viria a mudar na década seguinte. 

Os primeiros estúdios de anime (1920-1939)

A partir da década de 1920 surgiram os primeiros estúdios de animes no Japão, embora fossem estúdios bem simples, contando com poucos recursos, tecnologia e funcionários. Alguns eram formados por grupos de amigos ou entusiastas por animação, desenhos e cinema. O estúdio Kitayama Eiga Seisakujo foi fundado em 1921 pelo animador e diretor Kitayama Seitaro (1881-1945), sendo considerado o primeiro estúdio de anime a ser criado. (CLEMENTS, 2013).

Kitayama já trabalhava com animes desde 1917, tendo participado da produção e direção dos desenhos. Segundo o que foi apurado por registros históricos, ele esteve envolvido em mais de dez animes anteriormente, todavia, de seu estúdio somente são conhecidos três animes: Kiatsu to Mizuage Ponpu (1921), Shokubutsu Seiri: Sheishoku no Maki (1922) e Usagi to Kame (1924). Outros desenhos devem ter sido produzidos, porém, em 1923 ocorreu o grande terremoto de Kanto, o qual destruiu parte das cidades de Yokohama, Chiba, Suzuoka, Tóquio, entre outras. O estúdio de Kitayama ficava em Tóquio e foi um dos prédios destruídos durante o sismo. Além desse estúdio, outros ficavam localizados na capital japonesa e também foram destruídos. Sendo assim, se desconhece quantos animes foram perdidos na ocasião, já que até os registros da produção dos estúdios foram destruídos. (CLEMENTS, 2013).

A lebre e a tartaruga no anime Usagi to Kame (1924), um dos filmes lançados pelo estúdio de Kitayama após o grande terremoto de 1923.
Fonte: AniSearch.com. 

Em 1923 foi fundado o estúdio de animação Yokohama Cinema Shokai, que manteve-se operante por vinte anos, tendo produzido 44 animes. Várias das produções do estúdio eram baseadas em contos e fábulas, trazendo animais como protagonistas, algo comum no período. No entanto, o estúdio também produziu desenhos com temática esportiva (uma novidade na época), envolvendo basebol (que viria a se tornar bastante popular no país), jogos olímpicos e atletismo. Como destaque tivemos os animes Doubutsu Olympic Taikai (1928), Doubutsu Sumo Taikai (1931) e Doubutsu undokai (1931). No entanto, esta temática cresceu nos anos seguintes. (WADA-MARCIANO, 2008). 

Nos anos 1920 e 1930 os animes foram influenciados por desenhos animados americanos, naquela época chegaram ao Japão animações do Gato Félix (1919), Oswald the lucky rabbit (1927), Mickey Mouse (1928), Betty Boop (1930), Looney Tunes (1930), além de outros desenhos do Walt Disney. Tais produções causaram forte impacto na produção de mangás, como também foram fortes concorrentes para os animadores, pois rapidamente as crianças e adolescentes passaram a se interessar mais pelos produtos estrangeiros do que nacionais, ainda mais pela condição de tais desenhos serem de melhor qualidade e alguns já tinham até efeitos sonoros e música, algo que carecia em muitos animes ainda. (LEVI, 2006). 

Dois Mickeys e Betty Boop numa cena do anime olímpico Mabo no Daikyoso (1936). Esse curta-metragem apresenta duas influências marcantes da década de 1930, a temática esportiva e os desenhos animados americanos. 

Apesar dessa concorrência alguns animadores e estúdios viram após 1923 oportunidades. Os estrangeiros levavam não apenas rolos de filmes, mas também câmeras e projetores, além do contato com técnicas novas para a animação. Alguns animadores conseguiram ter acesso a tais tecnologias e técnicas, empregando na feitura de animes melhor animados. Condição essa que de 1924 a 1938 houve uma produção massiva de animes, mesmo que a maioria fossem curtas-metragens ainda em preto e branco e sem som. (LEVI, 2006). 

Uma mudança marcante nos animes da década de 1930 foi a introdução do áudio. Naquela década surgiram mais animes com emprego de efeitos sonoros, trilha sonora, mas também surgiu os primeiros animes dublados. Um deles foi Chikara to Onna no Yo no Naka ("O mundo do poder e as mulheres"), lançado em 1933 e dirigido por Kenzo Masaoka (1898-1988), um diretor de animações prolífico da época preto e branco dos animes, tendo dirigido mais de vinte animações. Nesta história cômica de Chikara to Onna no Yo no Naka, somos apresentados a um caso de adultério, em que o marido cansado de sua esposa rabugenta, decide traí-la com uma secretária de seu trabalho. Infelizmente o anime está perdido, não havendo cópias conhecidas deles, mas os registros trazem o elenco de dubladores do mesmo. (CLEMENTS; MCCARTHEY, 2006). 

Cena do anime Chikara to Onna no Yo no Naka (1933), o primeiro anime falado. Infelizmente o desenho está perdido, não se conhecendo cópias dele. 

Apesar do progresso do anime Chikara, não significou que os estúdios de animes adotaram a dublagem de imediato, pois ainda era algo difícil de ser feito e caro. Fato esse que vários animes do período até a década de 1950, ainda contavam apenas com efeitos sonoros e trilha sonora, a dublagem ainda demorou mais algum tempo para se normalizar. 

Animes para a propaganda de guerra (1939-1945)

Com o advento da Segunda Guerra Mundial, o governo imperial japonês utilizou o cinema para fazer propaganda política-militar, incentivando o alistamento, defendendo a invasão da Coreia, da China e de outros territórios, ou seja, dando motivos para o povo apoiar a causa imperialista. Isso também foi aplicado por outros países também. Mas no caso japonês, alguns desenhos acabaram servindo para essa finalidade e isso já era feito antes mesmo da Segunda Guerra eclodir, pois o Japão estava em conflito com a China. 

Como exemplo temos Sora no Momotaro (1931), no qual acompanhamos Momotaro voando em seu avião e mostrando os territórios vizinhos os quais o Japão ambicionava conquistar. A ideia foi retomada em Umi no Momotaro (1932), em que dessa vez o personagem usava um navio para mostrar as fronteiras marítimas do país e a potencialidade de conquistar novas áreas. Ideias assim foram retomadas a partir de 1939 quando o governo criou a Lei do Filme (ou Lei do Cinema), incentivando a abertura de cinemas pelo país, além de financiar contratos com estúdios de animação e de cinema para a produção de material nacionalista e de propaganda política. (POSHEK, 1997). 

O governo também criou seu departamento de animações chamado Tokubetsu Eiga-ban (1939), formado a partir da Toho Cultural Film Departement e do estúdio Nihon Eigasha, os quais se tornaram um estúdio governamental direcionado para a produção de conteúdo político, militar e educativo. Por conta do contexto da guerra, tornou-se comum a produção de animes relacionados as forças armadas, destacando-se a marinha e aeronáutica do país. Vários animes foram produzidos no período da guerra, mas muitos foram perdidos, restando hoje apenas o conhecimento de documentos que os citam. (CLEMENTS, 2013). 

O anime Ahiru Rikusentai (1940) era inspirado no Pato Donald, trazendo uma esquadrão de patos soldados. Fonte: AniSearch.com. 

O governo solicitou que desenhos de caráter nacionalista fossem produzidos para incentivar o patriotismo desde cedo, inculcando valores que agradavam o governo, assim, as crianças cresceriam assistindo tais desenhos educativos, patrioticamente corretos e dignos. A temática esportiva, especialmente associada com as Olímpiadas que despontou na década de 1930, foi mantida. Sobre isso, Jonathan Clements (2013) destaca o fato de que o jovem menino Mabo se tornou o garoto propaganda de 12 filmes lançados entre 1936 e 1943, mostrando-o como atleta, soldado, marinheiro e piloto de avião. 

Animes educativos também passaram a serem produzidos por financiamento do governo, tais desenhos ensinavam valores como honra, coragem, determinação, obediência, amor a família, amor à pátria, etc. Havia casos de animes sobre temáticas históricas e geográficas também. No entanto, animações mostrando o Japão em guerra contra o Ocidente, assim como, chineses e coreanos também foram produzidas, um destaque foi o filme Momotaro no Umiwashi (1943), que trouxe novamente o jovem Momotaro, personagem oriundo do folclore, mas que se tornou garoto propaganda da guerra. Nesse filme, ele é um comandante ao lado de animais antropomórficos como macacos e coelhos, os quais estão abordo de um porta-aviões rumo ao campo de batalha. O filme era longo para os padrões da época, tendo 37 minutos de duração, embora não fosse dublado ainda. 

Momotaro liderando seu exército de macacos durante a guerra, no anime Momotaro no Umiwashi (1943). 

Embora o período da guerra tenha determinado que os animes deveriam seguir conteúdos e temáticas específicos voltados para a propaganda política e militar, além do incentivo ao nacionalismo e o patriotismo, nem tudo foi ruim. Graças ao financiamento público, novos estúdios surgiram e outros receberam investimento para melhorar sua tecnologia e contratar mais gente. A produção de animes cresceu consideravelmente vendo-se o lançamento de dezenas de animes nesses seis anos, além de que os filmes passaram a serem mais extensos, passando dos 20 ou 30 minutos de duração. 

Animes dublados e a televisão (1940-1960)

Após a Segunda Guerra, os grandes estúdios de animação começaram a surgir, assim como, passou-se por uma nova transição nos animes, que foi a gradativa mudança para as animações faladas ou dubladas. No entanto, foi nesse período que também surgiram clássicos mangás e animes, pois de 1917 a 1950 muitos dos animes produzidos seguiam temáticas parecidas: eram narrativas cômicas envolvendo animais, pessoas ou seres antropomórficos. Alguns animes eram adaptações de contos populares ou fábulas japonesas, marcados pela presença de dois animais como protagonistas e uma moral no final da narrativa. Além disso, houve casos de animes que mostravam apenas paisagens como cidades e campos, sem ter um personagem ou narrativa. Outros eram baseados em casos do dia a dia, prática de esportes e tivemos os animes de temática militar por conta da guerra. 

Pouco tempo depois do término da guerra, os animadores Kenzo Masoaka e Zenjiro Yamamoto, veteranos da área, fundaram o Nihon Doga Eiga em 1948, conhecido em inglês como Japan Animated Films, mais tarde renomeado para Toei Animation em 1956, que viria a se tornar um dos maiores estúdios de animes do país. Produzindo até hoje desenhos de sucesso. De qualquer forma, o Nihon Doga foi um dos estúdios pioneiros na nova fase da história dos animes, agora marcada pelo pós-guerra. O estúdio passou a lançar curtas-metragens e médias-metragens, ainda em preto e branco, mas já dublados. Mais tarde produziu filmes coloridos. (CLEMENTS, 2013). 

Porém, com o crescimento do mercado de mangás na década de 1950, isso ajudou no surgimento de novos gêneros literários que foram adaptados para os animes, além de tramas mais complexas e originais. Um dos responsáveis por isso foi o mangaká Osamu Tezuka (1928-1989), que emplacou mangás de sucesso como Kimba, o Leão Branco (1950-1954), Astro Boy (1952-1968), A Princesa e o Cavaleiro (1953-1956). Embora tais narrativas tenham feito sucesso como mangás, curiosamente elas não foram adaptadas de imediato para os animes, pois diferente de hoje em que no ano seguinte um mangá que faz sucesso já começa a ser adaptado, na década de 1950 a situação era outra. Os estúdios ainda optavam por produzir curtas-metragens para o cinema. Entretanto, a realidade estava para mudar à medida que o serviço de televisão se estabelecia no país. (PHILIPPS, 2008). 

O Japão foi um dos primeiros países do mundo a desenvolver a rede televisiva, algo que começou em 1939, sendo explorada na época da guerra. Fato esse que nos anos 1950 algumas importantes transmissoras de televisão foram criadas como a NHK (1950), a Nippon TV (1953), a TBS (1955), a TV Fuji (1957) e a TV Asashi (1957), as quais foram as grandes emissoras de televisão naquele período, algumas delas como a NHK e a TBS surgiram anteriormente como emissoras de rádio, mas adotaram a nova tecnologia de comunicação. 

A década de 1950 para os animes foi marcada por três inovações: a criação das emissoras de televisão, o lançamento de animes dublados e coloridos. Sobre isso destacamos dois casos: Mole's Adventure (1958) foi o primeiro anime colorido e dublado lançado para a televisão, sendo exibido pela Nippon TV. Ele contava apenas com 9 minutos de duração, apresentando uma aventura simples de uma toupeira em uma fazenda. Era um desenho voltado para o público infantil bem jovem. (CLEMENTS; MCCARTHEY, 2013). 

Mole's Adventure (1958) foi o primeiro anime colorido a ser exibido na televisão japonesa. 

Todavia, a mudança veio mesmo com Hakujaden (Serpente Branca), filme produzido pela Toei Animation e lançado ainda naquele ano. Tratava-se de um longa-metragem de 78 minutos, que narrava o famoso conto chinês da Serpente Branca, tratando-se de uma produção para o público juvenil e adultoO filme foi lançado no cinema e fez relativo sucesso no país, além de se tornar produto de exportação, sendo exibido na Itália em 1959 no Festival de Veneza, e depois foi lançado nos Estados Unidos em 1961 com o título de Panda and the Magic Serpent, tendo sofrido vários cortes que alteraram parte da trama, tornando o filme um fiasco comercial. Ainda assim, Hakujaden foi o primeiro filme de anime a ser exibido nos EUA. (CLEMENTS; MCCARTHEY, 2013). 

O casal Bai Niang e Xu Xian do filme Hakujaden (1958), o primeiro filme de anime colorido. 

Adentrando a década de 1960 ainda teríamos animes em preto e branco, mas eles passaram a serem dublados, além de se tornarem serializados pelos canais de televisão, iniciando assim o costume de assistir desenho animado na televisão. Um exemplo disso foi o anime Astro Boy (1963-1968), sucesso de Osamu Tezuka nos anos 1950, ganhou sua adaptação para desenho animado, mostrando as aventuras do robô-menino Atom, num Japão futurista. O anime acabou sendo dublado para o inglês e outros idiomas como espanhol, francês e italiano ainda naquela década. (PHILIPPS, 2008). 

O anime de Astro Boy (1963-1968) era originalmente em preto e branco e depois foi colorido. Ele é considerado o primeiro anime de sucesso a ser exibido na televisão japonesa, transmitido pela TV Fuji.   

Nos anos 1960 as emissoras de televisão japonesa haviam notado o potencial do mercado de animes, fato essa que algumas começaram a investir em aumentar a sua grade de animes. A TV Fuji foi uma das precursoras disso, despontando na exibição de vários animes de sucesso, os quais tinham episódios novos exibidos semanalmente. Isso deu início a transmissão periódica de animes na televisão, além de ampliar a quantidade de episódios feitos, se antes os animes eram curtas-metragens, agora graças a influência da serialização dos mangás, os animes passaram a ganhar episódios de 20 minutos (em média), sendo transmitidos semanalmente. À medida em que um mangá fazia sucesso, ele ganhava mais capítulos, ampliando sua narrativa, e se o anime também fizesse sucesso, ele se estendia. Astro Boy foi um dos poucos animes daquele período a passar de 100 episódios. 

A procura por mangás de sucesso para movimentar o mercado de anime crescia na década de 1960, condição essa que Mach GoGoGo (1966-1968), narrativa sobre um jovem piloto chamado Go Mifune, se revelou num sucesso instantâneo. Histórias de corrida eram raras nos mangás, além disso, corridas de automóveis estavam em moda naquele período. Apesar de voltado para o público adolescente, o mangá cativou leitores adultos também por conta da temática automobilística. Um ano após seu lançamento já era um fenômeno no Japão e depois foi traduzido para o inglês sendo renomeado para Speed Racer, ganhando fãs nos Estados Unidos. O mangá foi rapidamente adaptado para anime, que foi exibido entre 1967-1968, tendo uma temporada de 52 episódios que eram exibidos na TV Fuji

Speed Racer foi um anime que fez rápido sucesso no final dos anos 1960 e foi levado para os Estados Unidos e depois ao Brasil, na década de 1970. 

Outra produção famosa nos anos 1960 foi Cyborg 009, mangá criado em 1964 por Shotaro Ishimori, que narrava as missões de um grupo de nove ciborgues que passam a lutar contra uma organização criminosa mundial chamada Black Ghost. A trama virou sucesso e Shotaro publicou o mangá até 1981, nesse período houve dois filmes lançados em 1966 e 1967, e depois em 1968 saiu o anime. Curiosamente o anime foi lançado em preto e branco devido ao orçamento menor do que dos filmes, os quais eram coloridos. 

O primeiro anime de Cyborg 009 (1968) ainda era em preto e branco, numa época que produções assim já estavam decaindo.  

Dessa forma, a década de 1960 encerrou-se com o estabelecimento definitivo dos animes na televisão japonesa, além da exportação de filmes para o exterior e até a tradução de algumas séries animadas como Astro Boy, Speed Racer e Cyborg 009, que foram exibidos nos Estados Unidos, Brasil, Espanha, Itália e França. Isso tudo contribuiu para que a partir da década seguinte os animes se tornassem mais populares até virarem um fenômeno nos anos 1980 e 1990. 

Novos públicos e temáticas (1970-1980)

No começo dos anos 1970 um anime que despontou foi Ashita no Joe (1970-1971), sendo considerado o primeiro spokon (narrativas de esporte) de sucesso. O mangá foi produzido de 1968 a 1973, porém, o anime teve apenas uma temporada, mesmo assim, bastante longa para os padrões da época, contando com 79 episódios. A trama acompanhava os desafios e sonhos do jovem boxeador Joe Yabuki, um garoto considerado delinquente juvenil que ganhou a oportunidade de encontrar um rumo para sua vida ao entrar no boxe. A narrativa era voltada para o público juvenil-adulto, abordando temas como solidão, frustração, miséria, esperança, violência urbana, além de que alguns personagens bebiam e fumavam também. Embora abordasse a temática da luta, não tratava-se de um desenho necessariamente violento como alguns shonen vieram a ser mais tarde. 

O jovem boxeador Joe Yabuki, protagonista de Ashita no Joe. 

No quesito de animes cômicos e infantis destacou-se Doraemon, criado em 1969 por Fujiko Fujio, o gatinho azul tornou-se um sucesso estrondoso, ganhando um anime em 1973, porém, foi seu anime de 1979, o qual foi transmitido mundialmente, fazendo sucesso em países como Espanha, Itália e França, condição essa que Doraemon ganhou fama definitiva, de forma que o anime do gatinho azul ainda hoje é produzido, sendo um dos animes com mais episódios já feito. 

O anime de Doraemon foi lançado em 1973, mas foi com a versão de 1979 que o personagem se tornou um sucesso em outros países. 

Entretanto, a década de 1970 foi um período que marcou o interesse por animes mais maduros no sentido de ainda manter a comédia, mas a dirigindo para o público adolescente e adulto. Esse foi o caso do anime de Lupin III, criado por Monkey Punch, inspirado no personagem Arsène Lupin de Maurice Leblanc e no espião James Bond de Ian Fleming. Monkey Punch combinou ideias de ambos os personagens criando um ladrão franzino, engraçado e astuto, que acompanhado de seu grupo formado pelo pistoleiro Daisuke Jigem, o samurai Goemon Ishikawa, e a bela ladra Fujiko Mine, cometiam roubos através do mundo, sendo perseguidos pelo inspetor Zenigata, que tenta prendê-los a todo custo. 

Lupin III foi publicado como mangá de 1967 a 1972, rendendo um anime de 23 episódios produzido pela Tokyo Movie Shinsha, sendo exibido entre 1971-1972. Enquanto o mangá possui um teor mais adulto, envolvendo romance policial, temas adultos (bebidas, fumo, apostas, nudez etc.), o anime teve que suavizar algumas dessas coisas por conta da faixa etária na televisão, entretanto, o primeiro filme da franquia, intitulado Lupin III: O Segredo de Mamo (1978), trouxe tudo que ficou de fora no anime por conta da censura. 

Capa brasileira do primeiro filme de Lupin III. 

O filme foi o primeiro longa-metragem do personagem no cinema, contendo seu humor irreverente, piadas sexistas, piadas de duplo sentido, consumo de cigarros e bebidas alcoólicas, tiroteios, cenas de ação mirabolantes, trama maluca, referências a personagens históricos e obras de artes, elementos de ficção científica, ecchi (erotismo) e até nudez. Inclusive o filme é famoso por mostrar a nudez da Fujiko Mine em alguns momentos, além de um Lupin mais tarado. Características que mostram que se tratava de um filme para o público adulto. 

Nos anos 1980 enquanto os shonen ainda iriam se popularizar, algo comentado no tópico a seguir, animes de comédia ainda eram populares como Don Dracula (1982) e Dr. Slump (1981-1986), o primeiro sucesso de Akira Toriyama (antes de ele lançar Dragon Ball), todavia, o interesse pela comédia romântica cresceu nesse período, originando desenhos como Urusei Yatsura (1981-1986), o qual contava com suas doses de ecchi, afinal em vários momentos a protagonista vestia-se apenas com biquíni ou usava pouca roupa. Essa questão da comédia e do ecchi é algo visto também em Ranma 1/2 (1989-1992), trama que brinca com a troca de gênero do protagonista, numa época que o debate de identidade de gênero ainda era pouco conhecido. 

Personagens principais de Ranma 1/2.

Porém, além desses casos cômicos, animes sobre temática espacial e ficção científica se destacaram nesse período, principalmente influenciados por Mobile Suit Gundam (1979-1980) que popularizou os animes de robôs gigantes (mechas), criando toda uma franquia que ganharia novos animes, mangás, filmes e jogos. Alguns animes influenciados por Gundam foram Macross: Guerra das Galáxias (1982), Voltron (1984) e Bubblegum Crisis (1987-1991).

Gundam popularizou os animes mecha. 

O interesse por animes policiais também cresceu na década de 1980, sendo produções voltadas para adolescentes e adultos, algo visto em Cat's Eye (1983-1984), que narra as aventuras de três irmãs ladras; City Hunter (1987-1988) que acompanhava as investigações de crimes por um detetive particular e um ex-policial, e Patlabor (1989), o qual apresenta uma força-tarefa policial que faz uso de robôs gigantes. 

Arte promocional das Cat's Eye, anime policial que destacou-se por ter protagonistas femininas, algo raro na época.

A popularização do shonen (1980-2000)

Os mangás shonen consistem em narrativas dirigidas ao público masculino adolescente entre seus 12 e 18 anos, tratando-se de histórias sobre heroísmo, batalhas, superação, esforço e amizade. São popularmente chamados no Brasil de "animes de lutinha" devido a grande ênfase dada a esse tipo de ação. Assim, a partir da popularização dos mangás shonen dos anos 1980, houve um crescimento considerável na produção de animes que adaptavam esses mangás, gerando uma disputa de audiência na tv japonesa, ao mesmo tempo em que esses animes atraíram a atenção de estúdios e distribuidoras de outros países, que passaram a dar maior atenção a esse tipo de produto. (DENISON, 2015). 

Nos anos 1980 animes de aventura e comédia ainda estavam alta, mas começaram a despontar os shonen como Dragon Ball Z, Os Cavaleiros do Zodíaco e Jojo's Bizarre Adventure. Os dois primeiros fizeram rápido sucesso nos Estados Unidos, Brasil e México, sendo até exibidos também em parte da Europa como França, Portugal e Espanha. Todavia, a popularidade de DBZ e CDZ nos anos 1990 no Brasil e Estados Unidos alavancou o interesse do público ocidental por animes, já que normalmente os animes exibidos eram de comédia, mais voltada para o público infantil ou filmes de longa-metragem que passavam raramente na tv aberta ou no cinema, tendo que se recorrer ao VHS para assisti-los. 

Os Cavaleiros do Zodíaco e Dragon Ball Z foram os animes shonen que ajudaram a popularizar o consumo de animes no Ocidente. 

Com o sucesso desses shonen, isso alavancou desenhos até de outras classificações como Yu Yu Hakusho, Sakura Cards Captors, Sailor Moon, Samurai X, Yu-Gi-Oh!, Pokémon, Digimon, Slum Dunk, Hunter x Hunter até chegarmos ao começo dos anos 2000 com Naruto, One Piece,  Bleach, Fullmetal Alchemist, InuyashaShaman King, Medabots, Beyblade, Death Note etc. 

No Brasil, a TV Manchete foi pioneira na exibição de animes, destacando-se com Yu Yu Hakusho e Cavaleiros do Zodíaco. Muitas das produções eram até pouco conhecidas na época. Entretanto, o boom pelos animes na televisão brasileira ocorreu na década de 1990, onde a Manchete passou a disputar com a Globo e a Band esse mercado. Posteriormente a Manchete fechou e nos anos 2000 o SBT assumiu seu lugar na concorrência. A Record também tentou ingressar nesse mercado, mas não conseguiu sustentar a concorrência. Já na tv fechada no Brasil, o canal americano Cartoon Network se tornou o principal distribuidor de animes no país. Depois dele foi a Fox Kids

No Brasil o auge dos animes na tv aberta foi entre 1994 e 2005. 

Apesar da popularização dos animes de ação e aventura (usando aqui um conceito ocidental), não significou que tudo estava bem. Autoridades japonesas, americanas, brasileiras e de outros países questionavam dois elementos principais nesses desenhos televisionados: a violência e o erotismo (ecchi). No Japão houve censura de questões mais pesadas presentes nos mangás que foram adaptadas para os animes, mas isso variava de produção para produção e do canal televisionado. Por exemplo, o anime de Dragon Ball (1986-1989) possui altas cenas de ecchi, mas não foi censurado no Japão, porém, em outros países isso ocorreu várias vezes. Por sua vez, no anime Yu Yu Hakusho (1992-1994) o protagonista Yusuke Urameshi não fuma como ocorre no mangá. 

Além disso, alguns animes voltados para o público adulto foram também lançados nos anos 1990 como Bastard, Berserk, Ghost in the Shell, Neon Genesis EvangelionTrigon, Serial Experiments Lain, Cowboy Bebop e o filme Perfect Blue (1997), todos com temáticas mais sérias, violentas, psicológicas e até com altas doses de ecchi, apesar que alguns animes para o público adolescente como Tenchi Muyo!, foram censurados em outros países por conta dos elementos sensuais presentes. 

Capa do DVD com a série de Berserk de 1997. 

O Studio Ghibli

Em 1985 foi fundado por Hayao Miyazaki, Isao TakahataToshio Suzuki e Yasuyoshi Tokuma o Studio Ghibli, o qual atualmente é mundialmente conhecido e respeitado no mundo das animações, tendo ganho vários prêmios, inclusive um Oscar em 2002 e outro em 2024. O primeiro filme do estúdio foi O Castelo do Céu (1986), baseado na ilha flutuante de Laputa, encontrada no livro As Viagens de Gulliver (1726). Entretanto, o estúdio somente começou a ganhar fama no cenário japonês dois anos depois com o lançamento de Meu Amigo Totoro (1988) e o Túmulo dos Vagalumes (1988). Ambos os filmes são bem contrastantes, pois enquanto o primeiro é uma comédia, o segundo é um drama que se passa após o término da Segunda Guerra, acompanhando a tragédia de dois irmãos órfãos. O Túmulo dos Vagalumes é considerado até hoje o filme mais triste do Studio Ghibli, embora seja uma de suas obras-primas. (DENISON, 2015). 

Cartazes originais de Meu Amigo Totoro e O Túmulo dos Vagalumes, ambos lançados em 1988. 

Diferente de outros estúdios japoneses, o Ghibli se especializou na produção de longas-metragens para o cinema, tendência que mantém até hoje, apesar que o estúdio já produziu também curtas-metragens, comerciais e até fez o designer de alguns jogos de videogame como Ni No Kuni (2010). Apesar disso, o estúdio segue sendo mundialmente conhecido por suas produções para o cinema, algo que começou a despontar em 1996, quando a Walt Disney se tornou a única distribuidora dos filmes do Ghibli, nos Estados Unidos, o que contribuiu para o aumento do conhecimento do seu trabalho, período que inclusive englobou o lançamento de A Princesa Mononoke (1997), outro clássico do estúdio, já sendo um filme um pouco mais violento. 

Os filmes do Studio Ghibli costumam girar em torno de temáticas com comédia, aventura, drama e fantasia. É evidente que há produções que puxam para um lado mais trágico como O Túmulo dos Vagalumes, outras que exploram mais o drama como Vidas ao Vento (2013), outros exploram a fantasia como O Castelo do Céu (1986), A Princesa Mononoke (1997), O Castelo Animado (2006), Ponyo (2008) e A Viagem de Chihiro (2001). (DENISON, 2015). 

Cartaz brasileiro de A Viagem de Chihiro (2001), o primeiro filme do Ghibli a ganhar um Oscar de melhor animação. 

Apesar de nem todas as produções do Ghibli serem excelentes, no entanto, o estúdio redefiniu os longas-metragens de anime, colocando seu próprio estilo de desenho, deixando de lado muitos clichês, assim como, não adentrou a popularização dos shonen, tampouco adotou violência e sensualidade exagerados. Até a comédia dos seus filmes é mais leve, embora não signifique que os dramas sejam tão leves assim, além de que algumas produções possuem críticas sociais e reflexões filosóficas. Filmes como O Túmulo dos Vagalumes (1988), Porco Rosso (1992) e O Castelo Animado (2006), trazem reflexões sobre as consequências da guerra. 

VHS, DVDs, OVAs e ONAs

Em 1976 a empresa Japan Victor Companhy (JVC) lançou o vídeo cassete e a fita VHS (Vídeo Homem System), na década de 1980 essa tecnologia já era comum em várias cidades japonesas o que potencializou o mercado de filmes e animes. Sendo assim, filmes animados que haviam passado nos cinemas durante as décadas de 1960 e 1970, agora podiam ser comprados ou alugados em VHS, além disso, os animes daquela década, vários citados nos tópicos anteriores, aproveitaram para explorar essa mídia física, lançando filmes de séries famosas. 

Embora os animes dos anos 1980 foram marcados pelo tom cômico, havendo também histórias de romance e fantasia, no entanto, houve o lançamento de vários filmes com temáticas mais sérias e sombrias como Golgo 13 (1983) sobre um assassino, sendo baseado no mangá dos anos 1960; Vampire Hunter D (1985), que apresenta um caçador de vampiros; o polêmico Wicked City (1986) que aborda terror e erotismo, e o clássico cyberpunk Akira (1988); todas produções adultas, a quais nem chegavam a serem exibidas no cinema, sendo lançadas diretamente em VHS. 

Akira (1988) é um dos filmes de anime mais famosos da década de 1980. 

Nos anos 1990 o mercado de filmes de animes para VHS proliferou para outros países como Estados Unidos, Brasil, França, Portugal, Espanha, Itália, México, China, Coreia do Sul etc., à medida em que locadoras de filmes se espalhavam, os aparelhos de vídeo cassete se tornavam mais acessíveis, além de haver bancas de revistas que até vendiam tais filmes também, alguns acompanhados de revistas sobre a temática e pôsteres. Gerando o crescimento dessa produção, pelo menos entre os animes mais populares. E um caso singular diz respeito a Dragon Ball Z, o qual de 1989 a 1996 teve o lançamento de 13 filmes! 

Alguns filmes de DBZ em VHS na edição brasileira. 

Nos anos 2000 o VHS entrou em declínio diante da concorrência do DVD (Digital Video Disc), o qual embora tenha surgido em 1994, ainda era tecnologia cara em vários países, somente depois de 2000 é que ele começou a baratear a ponto de suplantar o uso de VHS. A mídia do DVD permitia maior capacidade de armazenamento, melhor qualidade de imagem e som, além de uma durabilidade mais longeva, apesar de ser uma mídia mais frágil do que a fita de VHS. De qualquer forma, os animes começaram a adotar essa transição também. 

Um destaque para isso foi o caso do anime Detetive Conan (1996-presente), o qual possui mais de 1.100 episódios, sendo uma febre no Japão, e tendo relativo sucesso nos Estados Unidos, embora no Brasil não ganhou espaço. De 1997 a 2015, quando o comércio de DVD entrou em declínio, foram lançados 19 filmes. Outras produções do período também aproveitaram para apostar no DVD para lançarem muitos filmes foi o caso de Naruto (2002-2017), que teve 11 filmes lançados entre 2004 e 2015. 

Alguns DVDs dos filmes de Detetive Conan na edição americana, em que o anime é chamado de Case Closed. 

Mas além da produção de filmes para o formato VHS ou DVD, essas duas mídias físicas ajudaram de uma segunda maneira a popularizar os animes, isso ocorreu através da produção de OVA (Original Vídeo Animation). As OVAs consistem em episódios especiais, episódios de spin-off, filmes de média-metragem ou minisséries, os quais eram lançados diretamente para o consumo doméstico. Os episódios das OVAs variam de 20 a 60 minutos, mas há casos de algumas produções passando dos 70 minutos. Algumas OVAs inclusive possuíam uma melhor qualidade em animação e visual por conta de terem mais tempo para o acabamento, pois no caso de uma minissérie, os episódios poderiam ser lançados com meses de intervalo um do outro. 

Gunbuster foi uma popular minissérie lançada em seis OVAs entre 1988 e 1989, tratando-se de um anime de mecha. 

Neste caso, o mercado de OVAs surgiu no Japão ainda na década de 1980, quando proliferou uma produção massiva, os quais abordavam temas de fantasia, aventura, comédia adulta, ação, trama policial, ficção científica, terror, erotismo e hentai (anime pornográfico). Essas OVAs na maioria das vezes eram de produções originais, não necessariamente baseadas na adaptação de mangás, mas em roteiros próprios. Por conta das OVAs não necessitarem de serem censuradas para serem exibidas na televisão e no cinema, tais episódios poderiam em alguns casos apresentarem maior índice de violência, nudez, sexo, palavrões e consumo de bebidas alcoólicas, cigarros e drogas. 

O popular jogo de luta Darkstalkers teve sua história adaptada em quatro OVAs, lançadas entre 1997 e 1998. 

Outro tipo de temática de animes que surgiu e cresceu na década de 1980 foram os animes eróticos e os controversos hentais, os quais são histórias pornográficas. Mangás hentais já existem desde o século XIX, advindo da arte erótica dos períodos anteriores. No caso dos animes esse tipo de produção somente ganhou relevância nos anos 1980 graças as OVAs, pois permitiam que tais produções não fossem censuradas e pudessem serem feitas. 

Assim, a série Lolita Anime (1984-1985) com seis OVAs é considerada o primeiro anime hentai. A produção era bastante polêmica mesmo para época, pois as personagens lembravam adolescentes, além de incluir lesbianismo e fetiches sexuais. Esse tipo de produção abriu caminho para a franquia Cream Lemon (1984-1987), a qual popularizou as OVAs eróticas e pornográficas, ganhando até novas séries na década de 1990 e começo dos anos 2000. Apesar de polêmico, o mercado de animes hentais ainda contínua em produção. 

Nos anos 1990 e 2000 o formato de OVAs continuou a ser utilizado, levando até mesmo a publicação de continuações ou prequels de animes famosos. Por exemplo, Samurai X (1996-1998) recebeu quatro OVAs em 1999, que apresentavam o passado do protagonista Kenshin Himura, por sua vez, em 2001 saíram duas OVAs que resumiam o arco final do mangá que não foi adaptado para o anime. 

Capa do DVD da versão japonesa das quatro OVAs de Samurai X,
lançadas em 1999. 

Outro caso interessante ocorreu com o anime Os Cavaleiros do Zodíaco, pois a Saga de Hades (2002-2008) foi lançada em 31 episódios de OVAs, não tendo sido transmitida na televisão. Essa saga marcou a continuação do famoso anime, mas devido a questões financeiras dos estúdios, espaço para exibição na grade da tv aberta, entre outros fatores, optou-se em lançar toda essa temporada em DVD, a qual foi dividida em três partes e levou seis anos para ser concluída. O exemplo de CDZ é uma exceção, pois raramente animes recebiam temporadas ou arcos inteiros em formato de OVA. 

Mas outro exemplo envolvendo OVAs advém do anime Hellsing (2001-2002), que contou com 13 episódios, mas devido as mudanças de roteiro e censura, a trama ficou bem diferente da vista no mangá, recebendo várias críticas dos fãs. Anos depois decidiram refazer o anime de forma mais fiel como vista no mangá, mas por se tratar de uma narrativa bastante violenta e pesada, envolvendo terror, violência exagerada, nudez, estupro e nazismo, decidiu-se produzi-lo no formato de OVAs, totalizando 10 episódios que foram lançados entre 2006 e 2012. O novo anime foi intitulado Hellsing Ultimate

Hellsing Ultimate (2006-2012) é um exemplo de anime que foi refeito e lançado em formato de OVA. 

Após 2016 o conceito de OVA foi sendo alterado para ONA (Original Net Animation), que consiste na mesma coisa que uma OVA, a diferença é que esses episódios especiais, spin-offs, filmes e minisséries não são mais normalmente lançados em mídias físicas devido ao crescimento dos serviços de streaming e plataformas digitais, assim, os estúdios optam em não mais lançar essas produções para DVDs ou Blu-ray, mas o lançam direto em formato digital para serem alugados ou baixados. As ONAs podem incluir curtas-metragens ou episódios de até 50 ou 60 minutos de duração. Em casos temos animes em minissérie ou série no formato de ONA. 

Um exemplo de sucesso é Super Dragon Ball Heroes (2018-presente), surgido com o mangá em 2018, baseado no jogo Dragon Ball Heroes (2010), no qual permite se criar seu personagem para viver as narrativas presentes em Dragon Ball Z, Dragon Ball GT e depois se acrescentou o de Dragon Ball Super, combinando-os numa trama envolvendo viagem pelos universos e torneios marciais. Para promover as atualizações do jogo para os arcades em 2017, foi criado o mangá e ele rapidamente levou ao lançamento do anime ainda no mesmo ano.  

Inicialmente a ideia era usar o mangá e o anime apenas como propaganda, mas os fãs gostaram da ideia e solicitaram a continuação da trama. Logo, o mangá e o anime que já se encontra em sua quarta temporada, tendo mais de 50 episódios, os quais são produzidos pela Toei Animation e lançados diretamente no canal do anime no Youtube, o que consiste numa série de anime ONA. Um fato que vem dividindo a opinião dos fãs é que a partir do episódio 50 o desenho se tornou animação em CGI. 

Super Dragon Ball Heroes (2018) é provavelmente a série em formato de ONA mais popular e rentável da atualidade. 

Os videogames e os animes

Na década de 1980 o console mais popular no mundo era o Nintendo Entertainment System (NES), desenvolvido pela Nintendo, uma empresa japonesa. Mas além dela, vários estúdios que desenvolviam jogos de videogame e arcade (fliperama) eram de origem japonesa também como a Bandai, a Namco, a Sega, a Konami, a [Square] Enix, a Capcom, entre outras. Isso foi fundamental para que os animes pudessem adentrar o mundo dos videogames. E tal chegada ocorreu inicialmente com a adaptação de animes e mangás para os consoles. Sendo assim, quando um dos dois fazia sucesso, rapidamente uma empresa de videogame comprava os direitos para lançar um jogo, embora que na maioria das vezes fosse uma porcaria naquela época, ainda assim, foi o passo inicial. (DITTBRENNER, 2008). 

Assim, naquela época jogos baseados em animes foram lançados como Dragon Ball (1986), Doraemon (1986), Saint Seiya (1987), Lupin 3rd (1987), Captain Tsubasa (1988), Akira (1988), são alguns exemplos. Tais jogos eram do gênero aventura, luta e esporte, bastante populares no período e ainda hoje algumas dessas franquias como Dragon Ball e Saint Seiya (Cavaleiros do Zodíaco) recebem jogos. No entanto, além da adaptação de animes para os videogames, outra forma de influência adveio na adoção do visual dos animes e mangás na produção de jogos originais como Super Mario (1983), Bomberman (1983) e Mega Man (1987), que se tornaram grandes franquias. 

Panfleto americano de Super Mario (1983). As ilustrações originais eram baseadas nos traços de anime. 

Todavia, os gráficos de anime viralizaram com o surgimento do JRPG (Japanese Role Playing Game), um subgênero dos jogos de RPG, conhecidos por seu estilo inspirado nos animes. A ideia foi bastante acertada, pois naquela época, RPGs estavam em moda nos videogames, e os japoneses eram o maior mercado consumidor desses jogos, por conta disso, as empresas japonesas de videogames começaram a adotar em seus jogos o visual dos animes como forma de familiarizar seu público e atrair a atenção do mesmo. 

O primeiro JRPG a fazer sucesso foi Dragon Quest (1986) produzido pela Enix (atual Square Enix) para o NES. Para se ter noção, a empresa contratou o mangaká Akira Toriyama (1955-2024), o criador de Dr. Slump e Dragon Ball, dois animes de sucesso nos anos 1980, para desenhar os personagens do jogo. Embora os gráficos dos jogos daquele tempo fossem ruins, entretanto, o trabalho de Toriyama foi usado nas artes promocionais. Ele continuou a fazer o designer dos personagens nos jogos posteriores até os mais recentes da franquia. Por conta disso, é perceptível a grande semelhança dos traços de Dragon Quest com Dragon Ball

Capa de Dragon Quest III (1988). Nota-se como o protagonista é quase idêntico ao Goku, pelo fato de Toriyama ter sido o ilustrador. 

Com o sucesso de Dragon Quest que se tornou uma franquia, outras franquias de JRPGs surgiram nos anos 1980 como Final Fantasy (1987), Ys (1987) e Megami Tensei (1987). Na década de 1990 os JRPGs se tornaram um fenômeno mundial, surgindo dezenas de títulos e novas franquias como Fire Emblem (1990), Mana (1991), Tales of (1995), Suikoden (1995), Star Ocean (1996), Wild Arms (1996), Xenogears (1998), Valkyrie (1999). Além desses títulos, vários outros JRPGs que não fizeram tanto sucesso para receber continuações, foram lançados, ainda assim, eles faziam uso do visual dos animes e mangás, estabelecendo isso como uma marca desse subgênero que se mantém até hoje. 

Uma cena do famoso jogo Chrono Trigger (1995), com seus gráficos de anime. Curiosamente Akira Toriyama foi também responsável pelo designer desse jogo. 

No final dos anos 1990 os jogos de JRPG começaram a adotar os gráficos em 3D, melhorando com o tempo sua resolução. Além disso, nos anos 2000 jogos baseados em animes de luta como Dragon Ball Z, Cavaleiros do Zodíaco e Naruto se popularizaram, como também surgiram outros tipos de gêneros que ganharam destaque nesse período como foi o caso do visual novel (romance visual). 

As visual novels consistem em jogos de narrativa em que os personagens são apresentados de forma geralmente estática, exibindo caixas de diálogo que apresentam a trama. Assim, o jogador deve ler os diálogos, descrições e explicações e selecionar opções de pergunta ou resposta ou outro tipo de ação. As visual novels de hoje em dia já contam com personagens dublados, trilha sonora e até cenas em CGI, tendo recebido até mais traduções para o inglês, pois a partir dos anos 2000 cresceu o interesse por esse gênero em outros países. 

Um exemplo de jogo de visual novel com seus gráficos de anime.

As temáticas das visual novels são diversas abordando temas como romance, namoro, aventura, suspense, drama, terror, policial, fantasia, comédia e erotismo. A franquia Ace Attorney (2001) é um exemplo popular hoje em dia, no qual trata-se de jogos que acompanham advogados e investigações criminais. Embora que no Japão visual novels sobre romances escolares estejam entre os temas mais populares, além dos famigerados "jogos de namoro virtual". 

Mas além de JRPGs, visual novels, aventura, luta e adaptações de animes, os estúdios japoneses passaram a produzir jogos de ação, terror, esportes, puzzles, investigação, fantasia, dança, eróticos etc., com visual de animes, mostrando como a influência dos animes se tornou profunda nos videogames, especialmente no Japão, onde esse tipo de produto é bastante rentável. 

Por fim, houve casos de videogames que ficaram tão populares que originaram desenhos animados, algo que ocorreu ainda logo cedo com Super Mario Bros (1986) e The Legend of Zelda (1989), ambas franquias de sucesso da Nintendo, embora foram produzidos desenhos no padrão americano. Entretanto, o exemplo mais famoso de um jogo que originou um anime é Pokémon, o qual surgiu em 1996 com os jogos Pokémon Red e Pokémon Blue (Pokémon Green no Japão), lançados em preto e branco para o Game Boy. Um ano após seu lançamento as empresas responsáveis, Game FreakNintendo, decidiram lançar um anime e depois um mangá, em que ambos promoveriam o jogo, e isso acabou se revelando um sucesso estrondoso. Pokémon (1997-presente) segue em exibição e possui mais de 1.200 episódios, mais de 20 filmes, dezenas de jogos e é uma das franquias de jogos eletrônicos mais lucrativa da atualidade.

O anime de Pokémon (1997-presente) surgiu a partir dos jogos lançados em 1996 para Game Boy. É o caso de anime mais famoso originado a partir de um videogame. 

Ao chegar aos anos 2000 os videogames adotaram de vez os gráficos em 3D, que vem sendo aperfeiçoados desde então, apesar que jogos em 2D ainda sejam produzidos em menor quantidade. De qualquer forma, com o crescimento dos videogames, muitos jogos com gráficos de anime foram produzidos, o que em parte ajudou alguns fãs a se familiarizar com a adoção desse estilo para o surgimento dos animes em 3D. Embora isso ainda divida opiniões. (DITTBRENNER, 2008). 

Os animes em 3D

Animes em arte 3D é algo que divide a opinião dos espectadores e fãs. Há quem condene totalmente esse tipo de produção, outros ignoram e há aqueles que veem que existam algumas produções boas. O crescimento de animações 3D teve início na década de 1990 propriamente dito, quando empresas estadunidenses como a Pixar e a Dreamworks despontaram nesse mercado no cinema, sendo seguidas pela Walt Disney e outros estúdios. Além disso, data do final dos anos 90 algumas séries animadas em 3D, embora fossem de qualidade bem mais baixa do que os filmes. 

No caso dos animes, a adoção do 3D teve sua estreia no limiar do novo século, com o filme A.Li.Ce (2000), um drama de ficção científica que começa em 2000 e acompanha a astronauta Alice e a androide SS1X após um acidente que fez a nave delas caírem na Lapônia, fazendo-as despertar trinta anos no futuro. As duas mulheres conseguem a ajuda de um jovem órfão chamado Yuan, que revela que no ano de 2030, a humanidade foi reduzida para 1 bilhão de pessoas devido ao governo aniquilador promovido pelo ditador Nero. Assim, os três devem sobreviver a tal ameaça. Apesar da trama scifi interessante, o filme foi um fiasco de bilheteria e crítica, além de seu CGI que lembrava gráficos das cutscenes de PS1. (CLEMENTS; MCCARTHEY, 2006). 

Capa americana do DVD de A.Li.Ce (2000), o primeiro anime totalmente em 3D. 

Apesar do fiasco de A.Li.Ce, no entanto, tivemos um grande produção em CGI lançada poucos anos depois com o filme Final Fantasy VII: Advent Children (2005), o qual consiste numa continuação da trama do jogo Final Fantasy VII (1997). Ainda hoje sua animação e gráficos são considerados entre os melhores no gênero de filmes 3D de anime. Mas isso se deve ao fato de se tratar de uma produção baseada num jogo de videogame, o qual aproveitou essa associação do consumidor com a produção digital, embora que o jogo original fosse bem mais feio. 

Sephiroth vs Cloud em Final Fantasy VII: Advent Children (2005). O filme é considerado um dos primeiros sucessos de animes em 3D. 

O salto na qualidade gráfica e de produção entre A.LI.CE e FF VII: Advent Children é gigantesco, ainda assim, isso não foi o suficiente para convencer a indústria japonesa em investir nesse tipo de animação, pois em geral, os animes em 3D de melhor qualidade eram filmes, algo visto com Astroboy (2009), Oblivion Island (2009), Mobile Suit Gundam Unicorn (2010), Tekken: Blood Vengeance (2011), Capitão Harlock: Pirata do Espaço (2013) e Stand by Me: Doraemon (2014), são alguns exemplos de bons animes digitais, mas isso se devia a dois fatores: filmes recebiam orçamento maiores e tinham mais tempo para a produção, diferente de séries animadas. Condição essa que quando vemos animes em 3D a situação era pior. 

Em Dinossauro Rei (2007-2008), enquanto os personagens humanos eram em 2D, os dinossauros apareciam em 3D, o problema era na hora do combate e movimentação, em que se percebia os problemas da animação, apesar do desenho não ter uma ideia e narrativa ruins. Por conta disso, os estúdios decidiram evitar arriscar em fazer animes totalmente em 3D, optando por animações mistas, porém, algumas tentativas inteiramente em arte digital não se saíram também, mesmo com a melhora tecnológica, vide casos como Knights of Sidonia (2014-2015) e  Berserk (2016), ambos costumam serem incluídos nas produções ruins por suas animações bastante "robotizadas", embora o anime de Sidonia recebeu até algumas críticas mais positivas. 

O anime de Berserk de 2016, é considerado um dos piores animes em 3D por conta de uma série de fatores. 

Embora algumas séries de animes em 3D foram duramente criticadas, tivemos casos de animes que até se saíram bem como Ajin (2016), Land of Lustrous (2017), The King of Fighters: Destiny (2017) e BanG Dream! (2017-2020), foram animes em 3D que ganharam melhor destaque na qualidade de produção. Além disso, essa tendência vem aumentando nos últimos anos. 

De 2019 em diante vem aumentando os animes em 3D, a maioria são filmes lançados para o cinema, streaming ou Blu-ray. Casos recentes temos Lupin III: O Primeiro (2019), Dragon Quest: Your Story (2019), Pokémon: Mewtwo contra-ataca evolução (2019), Serpente Branca (2019), Aya e a Bruxa (2020), Serpente Verde (2021), Monster Hunter: Legends of the Guild (2021) e Dragon Ball Super: Super Hero (2022). 

O caso do filme de Aya e a Bruxa chama atenção por conta de ser a primeira produção do famoso Studio Ghibli, inteiramente em 3D, o que dividiu a opinião dos fãs do trabalho do estúdio, em que muitos foram contrários ao Ghibli deixar de lado sua experiência e talento com a animação tradicional e se sujeitar ao modismo dos animes 3D. Além das críticas negativas a adoção do CGI, a narrativa também foi apontada como um dos pontos negativos dessa produção. 

Aya e a Bruxa (2020) foi o primeiro filme do Studio Ghibli em 3D, mas não foi bem recebido pelo público e a crítica. 

Por outro lado tivemos séries que vêm sendo produzidas neste padrão também, como Ultraman (2019-2023), Beastars (2019-2024), Saint Seiya: Os Cavaleiros do Zodíaco (2019-2024), Kengan Ashura (2019-2024) e Ghost in the Shell SAC_2045 (2020-2023), são alguns exemplos. Tais produções recentes dividem a opinião, em que alguns consideram totalmente ruins por serem animadas com computação gráfica, outros consideram até bem feitas, mas pecam quanto as suas narrativas. Neste caso, o reboot de Cavaleiros do Zodíaco foi o que mais sofreu nessa lista citada, devido as várias mudanças feitas em relação ao material original do mangá e o primeiro anime. 

O atual anime de Ghost in the Shell SAC_2045 divide a opinião de fãs e espectadores, por ser uma produção totalmente digital. 

A tendência de mais filmes em 3D e até de algumas séries se deve a vários fatores, o que inclui questões econômicas. Desenhos em 2D de forma tradicional consomem grande quantidade de papel e tinta, embora que hoje em dia, muitos estúdios trocaram o papel pela tela, fazendo uso de canetas digitais para desenhar como se estivesse fazendo isso numa folha de papel. Até os quadrinhos e mangás vem sendo desenhados dessa forma, o que evita gastos com papel e tinta. Além disso, o uso da tecnologia digital facilita na hora de corrigir erros no desenho, alterar as cores, as proporções etc. O emprego de softwares para animar também facilita o trabalho se comparado as técnicas tradicionais de animação dos desenhos em 2D. Apesar dessas vantagens, no entanto, animações em 3D são mais demoradas e dependendo dos efeitos especiais podem até ficar caras, por conta disso é comum tais séries terem poucos episódios. 

Os streamings e os animes

Os serviços de streaming de anime começaram ainda nos anos 2000 como a Crunchyroll, fundada em 2006, porém, esses serviços só despontaram a partir de 2015 em diante, destacando-se o Funimation naquela época, surgido em 2016. Outros streaming especializados em animes que foram surgindo são Hidive, Looke, Tubi. Todavia, em 2021 a Sony adquiriu os direitos da Funimation e da Crunchyroll, tornando a segunda empresa no maior streaming atual especializado em animes, em cujo catálogo são exibidos sucessos recentes como Demon Slayer, Attack on Titan, Jujutsu Kaisen, Dr. Stone, Spy x Family etc. Inclusive a própria transmissão de One Piece (que segue ainda em produção), Boruto e o remake de Samurai X

O Crunchyroll é atualmente o maior streaming de animes no mundo. 

Atualmente os serviços de streaming vêm investindo em animes, pelo menos parte deles como a Netflix e o Prime Vídeo. No caso da Netflix, a empresa tomou a dianteira para comprar animes, assim como, investir na produção dos mesmos. De 2017 para cá aumentou o catálogo de animes da empresa, destacando-se produções exclusivas como Castlevania (2017-2022), Baki (2018-2020), Beastars (2019-2024), Dota: Dragon's Blood (2021-presente), Thermae Roma Novae (2022), Cyberpunk Mercenários (2022), Ghost in the Shell SAC_2045 (2020-2023) e Pluto (2023). A empresa também comprou os direitos de exibição de todo o catálogo do Studio Ghibli. Além disso, cresceu também a adaptação em live-action de alguns animes, algo visto recentemente com Cowboy Bebop (2022), One Piece (2023) e Yu Yu Hakusho (2023). 

Das empresas de streaming com catálogo abrangente, a Netflix é que vem mais investindo em animes. 

A Prime Vídeo vem se destacando na exibição de alguns clássicos como Inuyasha e a continuação Yasahime (2021-presente). A empresa também possui em seu catálogo exclusivo, produções como Dororo (2019), os quatro filmes do reboot de Neon Genesis Evangelion (2007-2021), além de alguns filmes recentes de Lupin III. Por sua vez, a HBO Max tem um catálogo ainda pequeno, já que seu foco são desenhos da Warner/DC e algumas produções do Cartoon Network

NOTA: Alguns dos animes antigos produzidos entre 1917 e 1950, podem ser conferidos no Youtube, basta procurar pelos títulos. Uma forma de fazer isso é conferindo as listas de animes antigos na Wikipédia em língua inglesa. 

NOTA 2: O filme Nausicaa do Vale do Vento (1984) foi dirigido e escrito por Hayao Miyazaki, mais tarde ele foi incluído no portfólio do Studio Ghibli devido a ter sido lançado um ano antes do estúdio, assim como, inspirou sua criação. 

NOTA 3: Algumas OVAs podem passar dos 50 ou 60 minutos, mas são casos raros, como exemplo de Lupin III: A Conspiração dos Fuma (1987) que tem 73 minutos de duração e Street Fighter Alpha: The Animation (2000) com 93 minutos de duração. 

NOTA 4: A sigla OAD (Original Anime DVD) foi cunhado para se referir especificamente as OVAs lançadas em formato DVD, porém, o termo raramente era usado fora do Japão. O OAD ainda inclui o Blu-ray. Atualmente poucos estúdios lançam OADs, a maioria o fazem no Japão para eventos especiais ou comemorativos de algum mangá ou anime. Por outro lado, tais produções vêm sendo lançadas na internet.  

NOTA 5: Os animes mais longos são curta-metragens que são exibidos somente no Japão. Raramente recebem legendas ou traduções para outros países. Esses animes possuem mais de 1.500 episódios, porém, Sazae-san que é uma comédia do cotidiano, tem quase 10 mil episódios, sendo exibido continuamente desde 1969. Consistindo no anime mais longo da História. 

NOTA 6: O filme de anime mais longo é Kono Sekai no Katasumi ni ("Neste Canto e em Outros Cantos do Mundo), que foi lançado em 2019 pelo estúdio MAPPA, consistindo na versão estendida do filme original de 2016, que aborda o contexto da Segunda Guerra. A nova versão possui 168 minutos ou 2h48min de duração. 

NOTA 7: Akira Toriyama fez ilustrações de jogos como Dragon Quest, Chrono TriggerBlue Dragon, Tobal n.1, Tobal n.2. Além disso, ele também fez as ilustrações de alguns jogos baseados em Dr. Slump e Dragon Ball

NOTA 8: As ilustrações de Super Mario Bros nos anos 1980 tinham traços de anime, mas depois foram sendo cartunizadas para o estilo ocidental. 

NOTA 9: A Viagem de Chihiro (2001) foi o primeiro filme de anime a ganhar um Oscar, feito ocorrido em 2003. Duas décadas depois O menino e a garça (2023), ganhou o Oscar em 2024. Ambos são os únicos animes a vencerem o prêmio de melhor animação nessa importante premiação. 

NOTA 10: O filme O menino e a garça (2023) do Studio Ghibli venceu o Globo de Ouro e o Bafta de melhor animação em 2024, sendo o único anime a conseguir tais conquistas. É também o único anime a levar esses dois prêmios e mais um Oscar, no mesmo ano. 

NOTA 11: O Studio Ghibli em 2024 ganhou uma Palma de Ouro honorário por sua importância na indústria cinematográfica de animações, sendo o único estúdio de animes a receber tal premiação. 

Referências bibliográficas

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WADA-MARCIANO, Mitsuyo. Nippon Modern: Japanese Cinema of the 1920s and 1930s. Honolulu, University of Hawaii Press, 2008. 

Link relacionado

Uma história sobre os mangás

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