Dizer que a literatura japonesa não é conhecida mundialmente é um erro. Talvez você não possa conhecer algum poeta, romancista, contista ou cronista, mas provavelmente você já deve ter lido ou ouvido falar em mangás, os quais nas últimas três décadas se tornaram um fenômeno mundial, principalmente entre crianças, adolescentes e jovens adultos. Esse gênero literário próprio dos japoneses, baseado na literatura em quadrinhos europeia, consiste no meio pelo qual milhões de pessoas no mundo mantém regularmente contato com a literatura de origem japonesa. E mesmo para aqueles que não gostam de ler, provavelmente já assistiram animes ou jogaram jogos inspirados em mangás. Diante desse fenômeno atual da cultura pop, o presente texto procurou contar um pouco da história da origem dessa crescente, fascinante e rentável indústria visual-literária.
A origem do termo mangá
Durante minha pesquisa para conhecer a história dos mangás me deparei com uma questão problemática: autores japoneses e estrangeiros, alegavam que a origem do mangá remontaria a ilustrações, pinturas e gravuras do período medieval japonês. A meu ver isso é um erro, pois estes autores não levaram em consideração que o mangá não se limita apenas a imagem e texto, mas consista num tipo de gênero literário com suas próprias características, estilos e subgêneros. Sendo assim, considerar que imagens produzidas no século VIII, XI, XIII, XVII ou XVIII poderiam ser mangás é problemático, pois o conceito e o formato de mangá inexistiam naquele tempo. Se for assim, poderíamos dizer que os hieróglifos egípcios seriam os antepassados das histórias em quadrinhos? Eu creio que não, pois são coisas totalmente diferentes.
Outro problema que alguns autores tendem a se enrolar é quanto ao uso do termo mangá. Palavras podem ter mais de um sentido e no caso da palavra mangá essa possui distintos sentidos. Se no parágrafo anterior expressei a problemática de querer considerar ilustrações, pinturas e gravuras antes do século XIX como sendo "antecedentes do mangá", a própria palavra mangá passa por algo parecido, pois ela foi criada décadas antes do gênero e formato de mangá.
A palavra mangá teria surgido no final do século XVIII, baseada na palavra chinesa manhua ("esboço improvisado"), porém, em japonês, mangá naquele momento significava "desenho engraçado". Entretanto somente anos depois que a palavra começou a ganhar destaque. No ano de 1814 o pintor e desenhista Katsushika Hokusai (1760-1849), o qual trabalhava com o estilo ukiyo-e (XVII-XIX), criou naquele ano uma série de ilustrações as quais ele chamou de Hokusai Mangá ("Desenhos engraçados de Hokusai"). Tais desenhos foram publicados ao longo de 12 volumes pelo autor, e outros 3 volumes foram publicados postumamente, consistindo em centenas de ilustrações. (PETERSEN, 2011, p. 40-41).
No entanto, é preciso fazer uma ressalva: os desenhos feitos por Hokusai não eram mangás como hoje conhecemos. Ele como sendo um artista de ukiyo-e baseava-se naquele estilo, o qual surgido no século XVII, representava pessoas, animais, animais antropomorfos, monstros, deuses, divindades e paisagens, mas também abordava temas como vida cotidiana, cenas de batalha, erotismo, esportes, danças, teatro, etc. A diferença de Hokusai, foi pegar esses temas comuns do ukiyo-e e atribuir em alguns casos, traços mais engraçados, a ponto de ele desenhar em alguns momentos, caricaturas. O uso de caricaturas não era desconhecido na arte japonesa, mas Hokusai quis expressar sua própria visão dessa forma de desenhar, retratando pessoas, animais e monstros com corpos e rostos estranhos, distorcidos, desproporcionais, além de retratar paisagens com cores invertidas ou fora de proporção etc. Alguns desses elementos seriam preservados e reaproveitados no estilo de mangá décadas depois. (ITO, 2008, p. 28-29).
Influência estrangeira (1860-1900)
Outro problema que alguns autores tendem a se enrolar é quanto ao uso do termo mangá. Palavras podem ter mais de um sentido e no caso da palavra mangá essa possui distintos sentidos. Se no parágrafo anterior expressei a problemática de querer considerar ilustrações, pinturas e gravuras antes do século XIX como sendo "antecedentes do mangá", a própria palavra mangá passa por algo parecido, pois ela foi criada décadas antes do gênero e formato de mangá.
A palavra mangá teria surgido no final do século XVIII, baseada na palavra chinesa manhua ("esboço improvisado"), porém, em japonês, mangá naquele momento significava "desenho engraçado". Entretanto somente anos depois que a palavra começou a ganhar destaque. No ano de 1814 o pintor e desenhista Katsushika Hokusai (1760-1849), o qual trabalhava com o estilo ukiyo-e (XVII-XIX), criou naquele ano uma série de ilustrações as quais ele chamou de Hokusai Mangá ("Desenhos engraçados de Hokusai"). Tais desenhos foram publicados ao longo de 12 volumes pelo autor, e outros 3 volumes foram publicados postumamente, consistindo em centenas de ilustrações. (PETERSEN, 2011, p. 40-41).
Duas páginas com ilustrações do Hokusai Manga, 1814-1849. |
Influência estrangeira (1860-1900)
Na segunda metade do século XIX o Japão passou por intensas transformações. Recebendo gradativamente a presença de estrangeiros, especialmente ingleses e franceses, pois até então o país estava politicamente fechado para negócios no exterior. A primeira leva de ingleses começou a chegar ainda na década de 1850. Em 1861 o cartunista inglês Charles Wirgman (1832-1891), viajou ao Japão para trabalhar como jornalista correspondente do Illustrated London News, importante jornal londrino que foi publicado até 1971. Todavia, Wirgman permaneceu um ano na função e pediu demissão para se dedicar aos seus próprios projetos. Como ele era cartunista e tinha conhecimento sobre editoração e impressão, decidiu criar sua própria revista, assim surgiu a Japan Punch. (ITO, 2008, p. 29-30).
A revista de Wirgman começou a circular em 1862 e gerou um sucesso de vendas, mantendo sua publicação até 1887. Wirgman criou a Japan Punch baseado na Punch, famosa revista humorística inglesa, contendo sátiras e charges, que surgiu em 1841. A publicação de Wirgman baseava-se num humor leve, ácido e estereotipado, o qual brincava com as estranhezas culturais que os ingleses e outros europeus tinham com os costumes japoneses, como o fato de ter que tirar os calçados para andar dentro de casa, ou usar palitos para comer, ou a condição de comer arroz em todas as refeições, etc. Por sua vez, a revista também brincava com as opiniões dos japoneses quanto aos europeus, focando também o que eles achavam de estranho nos modos deles. (PETERSEN, 2011, p. 127).
Com o tempo a Japan Punch além de satirizar os choques de cultura, também passou a satirizar o cotidiano, os costumes, as forças militares e sobretudo a política. Sátiras políticas e charges começaram a se popularizar nesse período, principalmente devido ao desenvolvimento da chamada Restauração Meiji (1867-1876). Neste caso, a tal restauração que marcou o início da Era Meiji (1868-1912) consistiu no final do sistema do xogunato que imperava por séculos no Japão, acabou também com a tradição militar dos samurais, reconfigurou a divisão social, tributária, administrativa do país, ainda pautada em pensamentos feudais. Deu início a modernização tecnológica e científica, e da educação do Japão; iniciou a industrialização do país, abriu os portos para nações estrangeiras que haviam sido banidas e proibidas de frequentar o país desde o século XVII. Com essa decisão de tornar o Japão um país moderno para a época, países como Inglaterra, França, Alemanha e Estados Unidos enviaram embaixadores, diplomatas, políticos, militares, cientistas, professores, jornalistas etc. para iniciar acordos diversos, a fim de ajudar o governo japonês, assim como, também tirar proveito disso. (YAMASHIRO, 1964, p. 147-153).
Capa de uma edição da Japan Punch de julho de 1878. |
A revista de Wirgman começou a circular em 1862 e gerou um sucesso de vendas, mantendo sua publicação até 1887. Wirgman criou a Japan Punch baseado na Punch, famosa revista humorística inglesa, contendo sátiras e charges, que surgiu em 1841. A publicação de Wirgman baseava-se num humor leve, ácido e estereotipado, o qual brincava com as estranhezas culturais que os ingleses e outros europeus tinham com os costumes japoneses, como o fato de ter que tirar os calçados para andar dentro de casa, ou usar palitos para comer, ou a condição de comer arroz em todas as refeições, etc. Por sua vez, a revista também brincava com as opiniões dos japoneses quanto aos europeus, focando também o que eles achavam de estranho nos modos deles. (PETERSEN, 2011, p. 127).
Com o tempo a Japan Punch além de satirizar os choques de cultura, também passou a satirizar o cotidiano, os costumes, as forças militares e sobretudo a política. Sátiras políticas e charges começaram a se popularizar nesse período, principalmente devido ao desenvolvimento da chamada Restauração Meiji (1867-1876). Neste caso, a tal restauração que marcou o início da Era Meiji (1868-1912) consistiu no final do sistema do xogunato que imperava por séculos no Japão, acabou também com a tradição militar dos samurais, reconfigurou a divisão social, tributária, administrativa do país, ainda pautada em pensamentos feudais. Deu início a modernização tecnológica e científica, e da educação do Japão; iniciou a industrialização do país, abriu os portos para nações estrangeiras que haviam sido banidas e proibidas de frequentar o país desde o século XVII. Com essa decisão de tornar o Japão um país moderno para a época, países como Inglaterra, França, Alemanha e Estados Unidos enviaram embaixadores, diplomatas, políticos, militares, cientistas, professores, jornalistas etc. para iniciar acordos diversos, a fim de ajudar o governo japonês, assim como, também tirar proveito disso. (YAMASHIRO, 1964, p. 147-153).
Foi neste contexto da Era Meiji a partir do contato com os europeus, que novas ideias literárias começaram a chegar ao Japão. Por mais que os japoneses já possuíssem sua própria literatura com poesia, romances, contos, crônicas, cânticos, música, teatro etc. as sementes para o que viria ser a literatura de mangá chegou nesse período. Os ingleses e franceses trouxeram consigo revistas e jornais, mas também conceitos sobre charge, tirinhas, quadrinhos, sátira etc. Embora algumas dessas ideias já existissem no Japão, a charge, os quadrinhos e tirinhas ainda eram desconhecidos. É preciso salientar que o Hokusei Mangá que foi publicado regularmente nas décadas anteriores, consistia apenas em desenhos, mas não havia texto, não podendo ser chamado de mangá no sentido que hoje conhecemos.
A partir da popularização da Japan Punch, o estilo cartunesco britânico, a sátira e o uso de balões com textos, se difundiu, levando artistas japoneses a passarem a adotar aquele estilo artístico, chamando-o de ponchi-e (punch gravuras). Anos depois já na década de 1870, começaram a surgir tirinhas e quadrinhos de autores japoneses. Por exemplo, data de 1874 a publicação de Eshibum Nipponchi (The Illustrated Newspaper Japan), escrito por Kanagaki Robun e desenhado por Kawanabe Kyosai. Que consistia num jornal aos moldes do modelo inglês, mas que apresentavam em algumas páginas, charges ou tirinhas com histórias curtas. Tal produção teria sido uma das primeiras formas de mangá propriamente falando, sendo o mangá usado para um viés cômico. Lembrando que em outros países as histórias em quadrinhos também tiveram início a partir das charges e tirinhas em jornais ou revistas, antes de se tornarem um gênero literário próprio. (PETERSEN, 2008, p. 127).
Ainda na década de 1870 outras revistas no estilo punch, e até tirinhas publicadas em jornais, continuaram a serem produzidas. Destaca-se nessa época também o escritor Fumio Nomura e o desenhista Honda KinKichiro que criou o Maru maru Chimbun (1877), importante jornal satírico político de grande circulação e popularidade, a ponto de ter sido até censurado na época por ser considerado afrontoso aos políticos. Um do editores chegou a ser preso em 1880. (ITO, 2008, p. 31-32).
Na década de 1880 foi a vez dos franceses marcarem presença no Japão. No ano de 1887 o cartunista e ilustrador Georges Bigot (1860-1927), publicou um jornal satírico chamado Tobaé em Yokohoma, mesma cidade que Wirgman vários anos antes começou a publicar a Japan Punch. Bigot mudou-se para o Japão em 1882, passou a trabalhar em jornais e revistas japonesas como o Maru maru Chimbun, casou-se com uma japonesa e constituiu família com ela. Em 1887 ele lançou seu próprio jornal baseado no estilo punch bastante em voga no período, mas adotando traços das caricaturas japonesas, chamadas de toba-e. Apesar das censuras também sofridas, o jornal conseguiu se manter em circulação até a década de 1920, tendo possuído mais de 70 edições. O Tobaé como será visto adiante, contribuiu para a difusão do mangá.
Os primeiros mangás (1900-1940)
No começo do século XX a palavra mangá começou a ser usada para se referir a histórias em quadrinhos, apesar que termos como ponchi, ponchi-e, toba-e, otsu-e, odoko-e, kokeiga ("desenhos engraçados") e kyoga ("desenhos malucos"), também fossem usados como sinônimo. Mas apesar dessa problemática de vários termos para se referir ao mesmo tipo de literatura, sabe-se que ela passou cada vez ser mais aceita pelo público japonês e até a ganhar novos temas narrativos. (ITO, 2008, p. 30).
Data daquela época o trabalho importante de dois cartunistas e ilustradores que se destacaram na literatura de mangá que começava a ganhar forma naquele momento. Eles eram Rakuten Kitazawa (1876-1955) e Ippei Okamoto (1886-1948). Kitazawa iniciou sua carreira em 1896 como cartunista, auxiliando o artista australiano Frank Nankivell. Ambos trabalhavam na revista americana Box of Curios. Após três anos trabalhando nessa revista, Kitazawa passou a trabalhar na revista Jijishimpo ("Eventos diários"), onde passou a publicar tirinhas e quadrinhos com narrativas curtas. Em 1902 ele passou a trabalhar para a revista Jiji Mangá, desenhando algumas histórias também. Finalmente em 1905 baseado em publicações americanas, ele criou sua própria revista, intitulada Tokyo Puck, que foi publicada por vários anos. (PETERSEN, 2011, p. 128).
A Tokyo Puck tornou-se um enorme sucesso contribuindo para firmar a publicação de mangás. Mas diferente dos mangás atuais que são principalmente em preto e branco, alguns mangás da Tokyo Puck eram coloridos também. Um diferencial que atraiu vários leitores na época. No entanto, a principal diferença dos mangás daquele tempo era a sátira, a paródia, e temas adultos sobre critica social, cultural e política. Sobretudo, eram mangás dirigidos aos adultos.
Todavia, na década de 1910 e 1920 as histórias de mangás começaram a sofrer alterações. Cartunistas e roteiristas começaram a se basear em histórias americanas e europeias como The Yellow Kid (1896), Polly and Her Pals (1912), Gato Félix (1919), Bringing Up Father (1923), Betty Boop (1930), entre outros. Com isso os artistas japoneses faziam traduções e adaptações. Fato esse que os mangás nesse período ainda mantinham traços de característica americana, inglesa e francesa. Nesse período o próprio Kitazawa chegou a viajar aos Estados Unidos, e em 1928 ele publicou o mangá Tonda Haneko, que contava a história de uma adolescente que queria ser dançarina e era fascinada pela cultura americana.
No caso de Okamoto ele iniciou sua carreira em 1912 na revista Asahi shimbun, trabalhando para essa por muitos anos. Assim como Kitazawa, Okamoto era um admirador dos quadrinhos americanos, porém, o que lhe chamou bastante atenção naquele período foi o cinema. No Japão o cinema era bastante desconhecido ainda, mas Okamoto chegou a ter contato com alguns filmes, principalmente quando viajou à Europa e Estados Unidos algumas vezes. A partir disso ele começou a escrever mangás que não se limitavam apenas a serem paródias, adaptações ou sátiras sociais e políticas, mas a redigir histórias de aventura, drama e romance. Além disso, Okamoto também tinha preocupações de difundir e valorizar sua arte e trabalho, criando em 1915 com um grupo de amigos a Tokyo Mangakai, uma organização de mangakás. Nessa época Okamoto sugeriu que o termo mangaká poderia ser usado para se referir ao conceito de cartunista. O grupo criado por Okamoto ajudou a formalizar o reconhecimento daquele profissional que roteirizava e desenhava histórias em quadrinhos. (POWER, 2009, p. 26-27).
Na década de 1930 os mangás continuaram a se popularizar, mas ainda mantendo muito dos traços do estilo americano, britânico e francês, porém, nesse período devido a censura do governo, sátiras políticas, paródias e charges começaram a perder espaço e os mangakás e editoras para não perderem o seu público, começaram a lançar outros tipos de narrativas. Uma das histórias de grande sucesso dessa época foi o mangá Norakuro criado por Suiho Tagawa e publicado em 1931, na revista Shonen Club. A história narrava as aventuras de um cachorro antropomorfo falante, inspirado no Gato Félix. (PETERSEN, 2011, p. 130).
Dirigida para o público infanto-juvenil a história de Norakuro e seus amigos se tornou bastante popular devido ao tema da trama e o contexto da época. Tagawa havia servido no Exército anos antes, então decidiu usar isso como inspiração. Em Norakuro, o protagonista e seus amigos fazem parte de uma tropa militar de cães. Na década de 1930 o Japão vivenciava uma atmosfera armamentista e imperialista, por isso as histórias do cachorrinho Norakuro foram bem recebidas, sendo publicadas continuamente até 1941, quando foi interrompida pela guerra e somente retomada anos depois. Norakuro inclusive ganhou anime e novas aventuras nos anos seguintes. (ITO, 2008, p. 34).
O caso de Norakuro é interessante pois apresenta a realidade dos mangás na década de 1930. Por um lado o governo caiu em cima sobre mangás, revistas e jornais de teor satírico e de crítica social, cultural e política, censurando-os, porém, o governo passou a usar os mangás também para fins de instrução ao civismo e patriotismo, permitindo que obras que exaltassem o país, as forças armadas, a cultura japonesa, a monarquia etc. fossem produzidas. Apesar de ter havido casos em que o próprio governo patrocinou mangakás para escrever histórias educativas e para fins de propaganda política. No entanto, com o acirramento da guerra, o mercado de mangás se fragilizou. Recuperando-se após alguns anos após o término do conflito.
Os mangás no período pós-guerra (1945-1950)
Com o término da guerra em 1945 o Japão estava politicamente, economicamente e militarmente arruinado, além dos traumas causados pelo conflito e bombardeios a várias cidades, até a grande tragédia em Nagasaki e Hiroshima. Em meio a esse cenário deprimente o povo japonês tinha que se reerguer e continuar com a vida. Por incrível que pareça, nesse período pós-guerra vão surgir revistas especializadas em publicar mangás como a Manga Club, VAN, Kodomo manga shimbun (Jornal de Mangá Infantil), Kumanbati (O Chifre), Manga shonen, entre outras. Essas revistas terão o papel de concentrar a produção de mangás a qual passará ser serializada regularmente, como também vão gerar empregos e renda, pois o público apesar de triste e afetado pela guerra, vão procurar entretenimento para alegrar suas vidas como forma de escapar da depressão, memórias ruins e do pesadelo recente. Os mangás vão se tornar naquele momento uma literatura barata, de fácil acesso e leitura, que vai agradar crianças, adolescentes e adultos. (ITO, 2008, p. 35).
Um dos grandes mangás de sucesso na década de 1940 foi escrito pelo lendário Osamu Tezuka (1928-1989), considerado o "fundador" do mangá moderno, fato esse que os japoneses o apelidaram de Deus dos Mangás (Manga no Kami-sama). Tezuka nasceu num distrito de Osaka, mas mudou-se para Takarazuka, ali, ele e os irmãos eram incentivados pelos pais a cultura logo cedo. Sua mãe o levava para ir ao teatro, enquanto seu pai era fã de cinema e desenhos animados, possuindo um projetor onde passava os filmes e desenhos para os filhos. Tezuka conta que foi a partir desse simples projetor que teve contato com as obras de Walt Disney, de quem ele dizia ser um grande admirador. Ainda criança Tezuka começou a desenhar caricaturas e escrever pequenas histórias. Com o advento da guerra, ele devido a ser muito novo não podia ser alistado, mas foi forçado a trabalhar numa fábrica para ajudar sua família. Durante sua adolescência Tezuka tornou-se fã de mangás, passando a ser leitor regular destes. Com o término da guerra, ele abandonou o trabalho na fábrica e decidiu ser médico. (POWER, 2009, p. 27-29).
Na Faculdade de Medicina da Universidade de Euller, Tezuka conheceu Sakai Sichima, que se tornou seu amigo. Sichima tinha a ideia para um mangá, mas não era habilidoso no desenho. Tezuka que aprendeu a desenhar por conta própria, se interessou pela ideia do amigo e começou a trabalhar no projeto ainda em 1945. Na época Tezuka começou a fazer desenhos no formato akabon ("livro vermelho"), formato do tamanho de um cartão postal. O nome advinha que inicialmente usava-se vermelho como cor principal das capas. Em 1946 Tezuka passou a trabalhar para uma revista infantil, fazendo ilustrações, dando início a sua profissão como mangaká, embora continuasse a cursar medicina. Finalmente em 1947, o projeto que ele e Sichima vinham trabalhando foi concluído e publicado com o título de Shin Takarajima (A Nova Ilha do Tesouro), baseado no livro A Ilha do Tesouro (1883) do escritor escocês Robert Louis Stevenson. O mangá foi um sucesso imediato de crítica e público, chegando a vender em pouco tempo 400 mil cópias. (PETERSEN, 2011, p. 175).
A grande repercussão da Nova Ilha do Tesouro chamou a atenção do mercado de mangás, pois tornou-se um novo marco de produção e popularidade. Tezuka a partir daí começou a ganhar fama e novos contratos para ilustrar histórias de outros autores, antes de começar a produzir suas próprias narrativas. Até o fim da vida, Tezuka publicou mais de 600 narrativas e teria escrito e desenhado algo em torno de 150 mil páginas, tendo uma carreira bastante prolífica a ponto de lhe render seu epíteto de Deus dos Mangás. (PETERSEN, 2011, p. 175).
Não obstante, o período de 1940 a 1960 na história dos mangás foi marcado pela consolidação dessa literatura novamente na sociedade japonesa, além da definição de outras características que serão comentadas especificamente adiante, como a serialização, lançamento em volumes, forma de leitura, classificação de conteúdo etc. Nesse período, de 1950 a 1960 também foi marcado pelo surgimento de várias revistas que publicavam mangás, algumas tendo durado décadas e outras que ainda hoje existem, como a Shonen Jump e a Shonen Magazine.
Porém, ainda nota-se nesse período uma forte influência dos quadrinhos americanos e europeus. Os personagens de Tezuka como ele próprio disse, apresentavam traços baseados no Mickey Mouse (1928) Popeye (1929), Tintin (1929), Betty Boop (1930), entre outros personagens. Todavia, Tezuka passou a acrescentar estilos japoneses também, e assim criou personagens com traços simples, olhos grandes e bem expressivos, bocas fechadas que eram representadas por um risco e sem lábios; narizes pequenos, uso de onomatopeias, uso de artifícios iconográficos para expressar movimento e também para intensificar as reações dos personagens.
Na década de 1950, Osamu Tezuka despontou novamente no mercado de mangás com a publicação de Jungle Taitei (Imperador da Selva, mais conhecido no Ocidente como Kimba). As histórias infantis desse leãozinho branco foram publicadas de 1950 a 1954, tornando-se um grande sucesso de vendas. Tezuka chegou a dizer que se inspirou em Bambi (1942), uma de suas animações preferidas da Disney. No mesmo período, influenciado por sua formação como médico, Tezuka criou em 1952, Tetsuwan Atom, que ficou mais conhecido no Ocidente como Astro Boy, o qual conta a história de um cientista que cria um androide para substituir seu filho falecido. O androide chamado Atom torna-se um super-herói. De início o mangá de Astro Boy não teve mesmo sucesso que Kimba e outras produções de Tezuka, mas em poucos meses isso mudou e a história do androide Atom foi publicada até 1963. (POWER, 2009, p. 63-64).
Além de mangás dirigidos ao público masculino, Tezuka também passou a escrever mangás para meninas. Seu primeiro sucesso nesse tipo de abordagem, foi Ribon no Kishi, traduzido ao Ocidente como Princess Knight (1953-1956). Essa história de teor também leve, focava-se no romance, aventura e comédia, sendo inspirada no teatro japonês e novelas que Tezuka havia lido na juventude, além de conter elementos religiosos. Princess Knight ajudou a popularizar o gênero shojo (histórias para meninas), até então visto de forma insignificante pelos mangakás.
Embora histórias para meninas e mulheres já fossem publicadas desde o início do século XX, como narrativas curtas de caráter novelesco e puxado para o romance, na década de 1940 e 1950 começaram a despontar mangakás mulheres que dariam forma ao gênero shojo, que começou a se popularizar nos anos 1970. Mas antes dessa popularização, ainda nos anos 1950 surgiram revistas especializadas para o gênero shojo como a Shojo Club, Shojo Sekai, Shojo Salon, Shojo Romance etc. Destacam-se nesse período mangakás como Kurakane Shosuko, Shimada Keizo e Sugiura Yukio, as quais foram algumas das poucas mulheres que desenhavam e escreviam mangás naquele tempo. Embora que ainda hoje o mercado de mangás seja predominantemente ocupado por homens e voltado para o público masculino, mesmo que nas últimas décadas tenha crescido o número de mulheres nessa literatura.
Shosuko publicou Anmitsu Hime (Princesa Anmitsu) em 1949, cuja história narrava as aventuras de uma princesinha chamada Anmitsu, a qual era travessa e não aceitava ficar confinada no castelo onde vive, procurando assim quando pode, escapar e suas amas e cuidadores e se aventurar nas terras de seu reino. O mangá se revelou um sucesso no começo da década de 1950, sendo publicado até 1955. Depois tornou-se anime, peça teatral e até recebeu novas histórias. (POWER, 2009, p. 115).
O sucesso da carismática e engraçada princesa Anmitsu abriu as portas para histórias de protagonistas femininas, que surgiriam ainda nos anos 1950, como o mangá Princess Knight de Osamu Tezuka, anteriormente citado. A obra também fez sucesso a ponto de se fazer uma radionovela e na década de 1960 o mangá tornou-se anime ao lado de outras produções do próprio Tezuka. Além disso, nessa história a protagonista que é a princesa Safira, ela não era a donzela em perigo, pelo contrário, ela era a heroína e até mesmo vestia-se de homem para poder lutar, pois mulheres eram consideradas apenas donas de casa. Tezuka teria se inspirado em Joana d'Arc e no Zorro para criar a protagonista. (PETERSEN, 2011, p. 181).
Na mesma época que Tezuka, outros mangakás também ganhavam fama e importância nessa geração surgida pós-guerra. Destaca-se Sanpei Shirato com seu mangá sobre ninjas e samurais, intitulado Ninja bugeichô (1959-1962), mangá de temática que se popularizaria até hoje, envolvendo ação, aventura, artes marciais, guerra e violência. O próprio Tezuka faria algo nessa linha, mas de forma mais comedida, com Dororo (1967-1968). O mangá de Shirato era dirigido ao público jovem, mas fez sucesso entre os adolescentes e adultos acima dos 30 anos. (ITO, 2008, p. 36).
Além disso, Ninja bugeichô ajudou a consolidar traços que serviriam de modelo para mangás shonen desse estilo, algo visto mais tarde em Lobo Solitário nos anos 1970. Shirato continuaria a publicar outras histórias no mesmo estilo marcial, aventureiro, de ação e dramático de Ninja bugeichô, popularizando o estilo gekigá, voltado para um público adulto, com traços melhor desenhados, abordando temas dramáticos e violentos. O conceito de gekiga é comparado por alguns estudiosos com a ideia de graphic novel no Ocidente. Não obstante, Shirato também ajudou a popularizar histórias sobre ninjas e samurais, as quais se tornaram mais conhecidas a partir de outro importante trabalho seu, com Kamui den (A Lenda de Kamui), iniciado em 1964 e publicado até 1971, além de originar outras séries no mesmo universo.
Mangás, animes e novos temas (1960-1970)
A partir da década de 1960 a relação dos mangás com os animes teve início. Embora já houvessem animes de curta-metragem desde a década de 1910 e até a tentativa de criar programas com vários episódios para serem exibidos na televisão nos anos 1950, somente nos anos 1960 é que isso se tornou realidade. Nesse período destaca-se a Toei Animation (1956), a qual começou a ganhar fama com a produção de vários animes, mantendo-se até hoje em atividade. Data também dessa época, a entrada de Osamu Tezuka no mercado de animações. Como ele era fascinado por cinema e desenhos animados desde criança, Tezuka passou a estudar animação e cinema e assim criou seu próprio estúdio nomeado Mushi Production (1961).
Com seu estúdio Tezuka tratou de produzir animes baseados em seus próprios mangás, como Astro Boy (1963-1966), que foi produzido originalmente em preto e branco. Porém, pensando em um lançamento internacional, seu segundo anime que adaptava Kimba, o Leão Branco (1965-1966), foi produzido em cores e comercializado nos Estados Unidos. Tezuka também adaptou Princess Knight e outro de seus mangás, além de produzir outros tipos de animes, inclusive alguns com teor erótico como Mil e Uma Noites (1969) e Cleópatra: A Rainha do Sexo (1970).
A partir da popularização da Japan Punch, o estilo cartunesco britânico, a sátira e o uso de balões com textos, se difundiu, levando artistas japoneses a passarem a adotar aquele estilo artístico, chamando-o de ponchi-e (punch gravuras). Anos depois já na década de 1870, começaram a surgir tirinhas e quadrinhos de autores japoneses. Por exemplo, data de 1874 a publicação de Eshibum Nipponchi (The Illustrated Newspaper Japan), escrito por Kanagaki Robun e desenhado por Kawanabe Kyosai. Que consistia num jornal aos moldes do modelo inglês, mas que apresentavam em algumas páginas, charges ou tirinhas com histórias curtas. Tal produção teria sido uma das primeiras formas de mangá propriamente falando, sendo o mangá usado para um viés cômico. Lembrando que em outros países as histórias em quadrinhos também tiveram início a partir das charges e tirinhas em jornais ou revistas, antes de se tornarem um gênero literário próprio. (PETERSEN, 2008, p. 127).
Uma ilustração do Eshibum Nipponchi, considerado o antepassado dos mangás atuais. |
Ainda na década de 1870 outras revistas no estilo punch, e até tirinhas publicadas em jornais, continuaram a serem produzidas. Destaca-se nessa época também o escritor Fumio Nomura e o desenhista Honda KinKichiro que criou o Maru maru Chimbun (1877), importante jornal satírico político de grande circulação e popularidade, a ponto de ter sido até censurado na época por ser considerado afrontoso aos políticos. Um do editores chegou a ser preso em 1880. (ITO, 2008, p. 31-32).
Na década de 1880 foi a vez dos franceses marcarem presença no Japão. No ano de 1887 o cartunista e ilustrador Georges Bigot (1860-1927), publicou um jornal satírico chamado Tobaé em Yokohoma, mesma cidade que Wirgman vários anos antes começou a publicar a Japan Punch. Bigot mudou-se para o Japão em 1882, passou a trabalhar em jornais e revistas japonesas como o Maru maru Chimbun, casou-se com uma japonesa e constituiu família com ela. Em 1887 ele lançou seu próprio jornal baseado no estilo punch bastante em voga no período, mas adotando traços das caricaturas japonesas, chamadas de toba-e. Apesar das censuras também sofridas, o jornal conseguiu se manter em circulação até a década de 1920, tendo possuído mais de 70 edições. O Tobaé como será visto adiante, contribuiu para a difusão do mangá.
Capa da primeira edição do Tobaé, 1887. |
Os primeiros mangás (1900-1940)
No começo do século XX a palavra mangá começou a ser usada para se referir a histórias em quadrinhos, apesar que termos como ponchi, ponchi-e, toba-e, otsu-e, odoko-e, kokeiga ("desenhos engraçados") e kyoga ("desenhos malucos"), também fossem usados como sinônimo. Mas apesar dessa problemática de vários termos para se referir ao mesmo tipo de literatura, sabe-se que ela passou cada vez ser mais aceita pelo público japonês e até a ganhar novos temas narrativos. (ITO, 2008, p. 30).
Data daquela época o trabalho importante de dois cartunistas e ilustradores que se destacaram na literatura de mangá que começava a ganhar forma naquele momento. Eles eram Rakuten Kitazawa (1876-1955) e Ippei Okamoto (1886-1948). Kitazawa iniciou sua carreira em 1896 como cartunista, auxiliando o artista australiano Frank Nankivell. Ambos trabalhavam na revista americana Box of Curios. Após três anos trabalhando nessa revista, Kitazawa passou a trabalhar na revista Jijishimpo ("Eventos diários"), onde passou a publicar tirinhas e quadrinhos com narrativas curtas. Em 1902 ele passou a trabalhar para a revista Jiji Mangá, desenhando algumas histórias também. Finalmente em 1905 baseado em publicações americanas, ele criou sua própria revista, intitulada Tokyo Puck, que foi publicada por vários anos. (PETERSEN, 2011, p. 128).
Capa colorida de uma edição da Tokyo Puck, satirizando a monarquia, a qual se importava com o próprio umbigo. |
Todavia, na década de 1910 e 1920 as histórias de mangás começaram a sofrer alterações. Cartunistas e roteiristas começaram a se basear em histórias americanas e europeias como The Yellow Kid (1896), Polly and Her Pals (1912), Gato Félix (1919), Bringing Up Father (1923), Betty Boop (1930), entre outros. Com isso os artistas japoneses faziam traduções e adaptações. Fato esse que os mangás nesse período ainda mantinham traços de característica americana, inglesa e francesa. Nesse período o próprio Kitazawa chegou a viajar aos Estados Unidos, e em 1928 ele publicou o mangá Tonda Haneko, que contava a história de uma adolescente que queria ser dançarina e era fascinada pela cultura americana.
No caso de Okamoto ele iniciou sua carreira em 1912 na revista Asahi shimbun, trabalhando para essa por muitos anos. Assim como Kitazawa, Okamoto era um admirador dos quadrinhos americanos, porém, o que lhe chamou bastante atenção naquele período foi o cinema. No Japão o cinema era bastante desconhecido ainda, mas Okamoto chegou a ter contato com alguns filmes, principalmente quando viajou à Europa e Estados Unidos algumas vezes. A partir disso ele começou a escrever mangás que não se limitavam apenas a serem paródias, adaptações ou sátiras sociais e políticas, mas a redigir histórias de aventura, drama e romance. Além disso, Okamoto também tinha preocupações de difundir e valorizar sua arte e trabalho, criando em 1915 com um grupo de amigos a Tokyo Mangakai, uma organização de mangakás. Nessa época Okamoto sugeriu que o termo mangaká poderia ser usado para se referir ao conceito de cartunista. O grupo criado por Okamoto ajudou a formalizar o reconhecimento daquele profissional que roteirizava e desenhava histórias em quadrinhos. (POWER, 2009, p. 26-27).
Na década de 1930 os mangás continuaram a se popularizar, mas ainda mantendo muito dos traços do estilo americano, britânico e francês, porém, nesse período devido a censura do governo, sátiras políticas, paródias e charges começaram a perder espaço e os mangakás e editoras para não perderem o seu público, começaram a lançar outros tipos de narrativas. Uma das histórias de grande sucesso dessa época foi o mangá Norakuro criado por Suiho Tagawa e publicado em 1931, na revista Shonen Club. A história narrava as aventuras de um cachorro antropomorfo falante, inspirado no Gato Félix. (PETERSEN, 2011, p. 130).
Dirigida para o público infanto-juvenil a história de Norakuro e seus amigos se tornou bastante popular devido ao tema da trama e o contexto da época. Tagawa havia servido no Exército anos antes, então decidiu usar isso como inspiração. Em Norakuro, o protagonista e seus amigos fazem parte de uma tropa militar de cães. Na década de 1930 o Japão vivenciava uma atmosfera armamentista e imperialista, por isso as histórias do cachorrinho Norakuro foram bem recebidas, sendo publicadas continuamente até 1941, quando foi interrompida pela guerra e somente retomada anos depois. Norakuro inclusive ganhou anime e novas aventuras nos anos seguintes. (ITO, 2008, p. 34).
Capa colorida do número 15 de Norakuro. |
O caso de Norakuro é interessante pois apresenta a realidade dos mangás na década de 1930. Por um lado o governo caiu em cima sobre mangás, revistas e jornais de teor satírico e de crítica social, cultural e política, censurando-os, porém, o governo passou a usar os mangás também para fins de instrução ao civismo e patriotismo, permitindo que obras que exaltassem o país, as forças armadas, a cultura japonesa, a monarquia etc. fossem produzidas. Apesar de ter havido casos em que o próprio governo patrocinou mangakás para escrever histórias educativas e para fins de propaganda política. No entanto, com o acirramento da guerra, o mercado de mangás se fragilizou. Recuperando-se após alguns anos após o término do conflito.
Os mangás no período pós-guerra (1945-1950)
Com o término da guerra em 1945 o Japão estava politicamente, economicamente e militarmente arruinado, além dos traumas causados pelo conflito e bombardeios a várias cidades, até a grande tragédia em Nagasaki e Hiroshima. Em meio a esse cenário deprimente o povo japonês tinha que se reerguer e continuar com a vida. Por incrível que pareça, nesse período pós-guerra vão surgir revistas especializadas em publicar mangás como a Manga Club, VAN, Kodomo manga shimbun (Jornal de Mangá Infantil), Kumanbati (O Chifre), Manga shonen, entre outras. Essas revistas terão o papel de concentrar a produção de mangás a qual passará ser serializada regularmente, como também vão gerar empregos e renda, pois o público apesar de triste e afetado pela guerra, vão procurar entretenimento para alegrar suas vidas como forma de escapar da depressão, memórias ruins e do pesadelo recente. Os mangás vão se tornar naquele momento uma literatura barata, de fácil acesso e leitura, que vai agradar crianças, adolescentes e adultos. (ITO, 2008, p. 35).
Um dos grandes mangás de sucesso na década de 1940 foi escrito pelo lendário Osamu Tezuka (1928-1989), considerado o "fundador" do mangá moderno, fato esse que os japoneses o apelidaram de Deus dos Mangás (Manga no Kami-sama). Tezuka nasceu num distrito de Osaka, mas mudou-se para Takarazuka, ali, ele e os irmãos eram incentivados pelos pais a cultura logo cedo. Sua mãe o levava para ir ao teatro, enquanto seu pai era fã de cinema e desenhos animados, possuindo um projetor onde passava os filmes e desenhos para os filhos. Tezuka conta que foi a partir desse simples projetor que teve contato com as obras de Walt Disney, de quem ele dizia ser um grande admirador. Ainda criança Tezuka começou a desenhar caricaturas e escrever pequenas histórias. Com o advento da guerra, ele devido a ser muito novo não podia ser alistado, mas foi forçado a trabalhar numa fábrica para ajudar sua família. Durante sua adolescência Tezuka tornou-se fã de mangás, passando a ser leitor regular destes. Com o término da guerra, ele abandonou o trabalho na fábrica e decidiu ser médico. (POWER, 2009, p. 27-29).
Na Faculdade de Medicina da Universidade de Euller, Tezuka conheceu Sakai Sichima, que se tornou seu amigo. Sichima tinha a ideia para um mangá, mas não era habilidoso no desenho. Tezuka que aprendeu a desenhar por conta própria, se interessou pela ideia do amigo e começou a trabalhar no projeto ainda em 1945. Na época Tezuka começou a fazer desenhos no formato akabon ("livro vermelho"), formato do tamanho de um cartão postal. O nome advinha que inicialmente usava-se vermelho como cor principal das capas. Em 1946 Tezuka passou a trabalhar para uma revista infantil, fazendo ilustrações, dando início a sua profissão como mangaká, embora continuasse a cursar medicina. Finalmente em 1947, o projeto que ele e Sichima vinham trabalhando foi concluído e publicado com o título de Shin Takarajima (A Nova Ilha do Tesouro), baseado no livro A Ilha do Tesouro (1883) do escritor escocês Robert Louis Stevenson. O mangá foi um sucesso imediato de crítica e público, chegando a vender em pouco tempo 400 mil cópias. (PETERSEN, 2011, p. 175).
Capa de A Nova Ilha do Tesouro (1947), ilustrado por Osamu Tezuka. |
A grande repercussão da Nova Ilha do Tesouro chamou a atenção do mercado de mangás, pois tornou-se um novo marco de produção e popularidade. Tezuka a partir daí começou a ganhar fama e novos contratos para ilustrar histórias de outros autores, antes de começar a produzir suas próprias narrativas. Até o fim da vida, Tezuka publicou mais de 600 narrativas e teria escrito e desenhado algo em torno de 150 mil páginas, tendo uma carreira bastante prolífica a ponto de lhe render seu epíteto de Deus dos Mangás. (PETERSEN, 2011, p. 175).
Porém, ainda nota-se nesse período uma forte influência dos quadrinhos americanos e europeus. Os personagens de Tezuka como ele próprio disse, apresentavam traços baseados no Mickey Mouse (1928) Popeye (1929), Tintin (1929), Betty Boop (1930), entre outros personagens. Todavia, Tezuka passou a acrescentar estilos japoneses também, e assim criou personagens com traços simples, olhos grandes e bem expressivos, bocas fechadas que eram representadas por um risco e sem lábios; narizes pequenos, uso de onomatopeias, uso de artifícios iconográficos para expressar movimento e também para intensificar as reações dos personagens.
Na década de 1950, Osamu Tezuka despontou novamente no mercado de mangás com a publicação de Jungle Taitei (Imperador da Selva, mais conhecido no Ocidente como Kimba). As histórias infantis desse leãozinho branco foram publicadas de 1950 a 1954, tornando-se um grande sucesso de vendas. Tezuka chegou a dizer que se inspirou em Bambi (1942), uma de suas animações preferidas da Disney. No mesmo período, influenciado por sua formação como médico, Tezuka criou em 1952, Tetsuwan Atom, que ficou mais conhecido no Ocidente como Astro Boy, o qual conta a história de um cientista que cria um androide para substituir seu filho falecido. O androide chamado Atom torna-se um super-herói. De início o mangá de Astro Boy não teve mesmo sucesso que Kimba e outras produções de Tezuka, mas em poucos meses isso mudou e a história do androide Atom foi publicada até 1963. (POWER, 2009, p. 63-64).
Astro Boy e Kimba são dois dos primeiros grandes sucessos de Osamu Tezuka, publicados nos idos da década de 1950. |
Embora histórias para meninas e mulheres já fossem publicadas desde o início do século XX, como narrativas curtas de caráter novelesco e puxado para o romance, na década de 1940 e 1950 começaram a despontar mangakás mulheres que dariam forma ao gênero shojo, que começou a se popularizar nos anos 1970. Mas antes dessa popularização, ainda nos anos 1950 surgiram revistas especializadas para o gênero shojo como a Shojo Club, Shojo Sekai, Shojo Salon, Shojo Romance etc. Destacam-se nesse período mangakás como Kurakane Shosuko, Shimada Keizo e Sugiura Yukio, as quais foram algumas das poucas mulheres que desenhavam e escreviam mangás naquele tempo. Embora que ainda hoje o mercado de mangás seja predominantemente ocupado por homens e voltado para o público masculino, mesmo que nas últimas décadas tenha crescido o número de mulheres nessa literatura.
Shosuko publicou Anmitsu Hime (Princesa Anmitsu) em 1949, cuja história narrava as aventuras de uma princesinha chamada Anmitsu, a qual era travessa e não aceitava ficar confinada no castelo onde vive, procurando assim quando pode, escapar e suas amas e cuidadores e se aventurar nas terras de seu reino. O mangá se revelou um sucesso no começo da década de 1950, sendo publicado até 1955. Depois tornou-se anime, peça teatral e até recebeu novas histórias. (POWER, 2009, p. 115).
Ilustração da princesa Anmitsu e outros personagens. O mangá foi criado em 1949 por Kurakane Shosuko. |
Capa de uma edição bilíngue de Princess Knight, a primeira grande heroína criada por Osamu Tezuka. |
Além disso, Ninja bugeichô ajudou a consolidar traços que serviriam de modelo para mangás shonen desse estilo, algo visto mais tarde em Lobo Solitário nos anos 1970. Shirato continuaria a publicar outras histórias no mesmo estilo marcial, aventureiro, de ação e dramático de Ninja bugeichô, popularizando o estilo gekigá, voltado para um público adulto, com traços melhor desenhados, abordando temas dramáticos e violentos. O conceito de gekiga é comparado por alguns estudiosos com a ideia de graphic novel no Ocidente. Não obstante, Shirato também ajudou a popularizar histórias sobre ninjas e samurais, as quais se tornaram mais conhecidas a partir de outro importante trabalho seu, com Kamui den (A Lenda de Kamui), iniciado em 1964 e publicado até 1971, além de originar outras séries no mesmo universo.
Cena do volume 1 de A Lenda de Kamui. |
A partir da década de 1960 a relação dos mangás com os animes teve início. Embora já houvessem animes de curta-metragem desde a década de 1910 e até a tentativa de criar programas com vários episódios para serem exibidos na televisão nos anos 1950, somente nos anos 1960 é que isso se tornou realidade. Nesse período destaca-se a Toei Animation (1956), a qual começou a ganhar fama com a produção de vários animes, mantendo-se até hoje em atividade. Data também dessa época, a entrada de Osamu Tezuka no mercado de animações. Como ele era fascinado por cinema e desenhos animados desde criança, Tezuka passou a estudar animação e cinema e assim criou seu próprio estúdio nomeado Mushi Production (1961).
Com seu estúdio Tezuka tratou de produzir animes baseados em seus próprios mangás, como Astro Boy (1963-1966), que foi produzido originalmente em preto e branco. Porém, pensando em um lançamento internacional, seu segundo anime que adaptava Kimba, o Leão Branco (1965-1966), foi produzido em cores e comercializado nos Estados Unidos. Tezuka também adaptou Princess Knight e outro de seus mangás, além de produzir outros tipos de animes, inclusive alguns com teor erótico como Mil e Uma Noites (1969) e Cleópatra: A Rainha do Sexo (1970).
Todavia, sublinhamos que o destaque desse Tezuka nesse período foi associar de vez os mangás aos animes. Relação que se mantém até hoje. Quando um mangá se torna famoso, isso atrai a atenção de um estúdio de animação, o qual compra os direitos autorais e começa a produzir o anime daquele mangá. É válido também citar que além desse animes produzidos por Tezuka com base em mangás, a Toei Animation produziu o anime de Cyborg 009 e a Tatsunoko Production produziu Speed Racer (Mach Go Go Go), dois animes de sucesso, principalmente o segundo que foi exibido em outros países.
Temos também o lançamentos do já citado Cyborg 009, que traz um grupo de ciborgues como heróis. Entretanto, destaca-se nesse período a publicação de mangás sobre esportes como Speed Racer (1966-1968) que aborda automobilismo, Kyojin no hoshi (1966-1971), popular mangá sobre beisebol e Ashita no Joe (1968-1973), um famoso mangá sobre boxe. (ITO, 2008, p. 36-37).
O mercado de mangás cresceu consideravelmente nas décadas de 1960 e 1970, impulsionado pelos animes que ajudavam a alavancar as vendas de mangás, além de conquistar novos fãs, os quais ao passarem a assistir os desenhos, vão atrás de ler os mangás, até porque estes animes em geral não adaptavam toda a história do mangá, apenas alguns arcos. Porém, esse crescimento também teve seus problemas, dentre eles a procrastinação das crianças e adolescentes que chegavam a matar aula para ir ler ou ver desenho. Além de também haver mangás com histórias mais violentas, as quais eram consideradas como incitadoras de mal comportamento. E houve também o caso de mangás contendo conteúdo erótico (ecchi) como Harenchi Gakuen (1968), que foi uma produção popular e curiosamente dirigida ao público adolescente, contendo forte teor sexista. Isso repercutiu em protestos pelas mães pedindo medidas do governo para censurar os mangás. A história de censura aos mangás vai se repetir nas décadas seguintes em diferentes momentos. (ITO, 2008, p. 38).
Uma solução encontrada pelas editoras para conter as reclamações dos pais quanto ao conteúdo violento, sensual e até de outros temas adultos, foi aumentar a faixa etária dos mangás, dirigindo-as para o público adulto, o que levou a criação de revistas especializadas em mangás para homens adultos. Em tais tramas, tínhamos ação, aventura, drama, violência, artes marciais, guerra, ficção científica, erotismo e até pornografia. O problema que a medida não deu muito certo, pois muitos adolescentes conseguiam burlar a lei e adquiriam estes mangás.
Nessa onde de mangás com temática adulta surgiu Lupin III em 1967, criado por Monkey Punch (pseudônimo de Kazuhiko Kato), inspirado no famoso ladrão de casaca Arsène Lupin, criado por Maurice Leblanc em 1905, assim como, em algumas histórias de James Bond, que ficou popular por conta dos filmes na época. O mangá de Lupin III apresenta as aventuras, peripécias e confusões de um bando de ladrões liderados por Lupin III, um engraçado e astuto ladrão que seguia os passos de seu avô, sendo acompanhado pelo pistoleiro Daisuke Jigen, o ronin Goemon Ishikawa, e a bela ladra Fujiko Mine. O bando costuma ser perseguido pelo incessante inspetor Zenigata. O mangá publicado entre 1967 e 1972, ganhou continuações mais tarde e até rendeu animes e filmes. A trama é ainda dirigida ao público adulto, apesar do forte tom cômico, o mangá traz personagens fumando, bebendo, usando armas de fogo, além de possuir ecchi com direito a nudez.
Capa de uma edição do mangá de Lupin III, mostrando ele ao lado de Fujiko. O mangá dirigido ao público adulto, foi um grande sucesso nos anos 1960 e 1970. |
Na década de 1970 também notabiliza-se a formação de uma nova geração de autoras como Keiko Takemiya, Machiko Satonaka, Moto Hagio, Ryoko Yamaghisi e Yumiko Oshima. Destaca-se aqui que essas autoras necessariamente não iriam escrever histórias apenas para mulheres, mas algumas escreviam histórias voltadas para o público masculino. Além disso, elas começaram a abordar outros temas para além do tradicional estilo romântico, cômico, aventureiro ou envolvendo histórias de princesas como era comum até então. Essas mangakás começaram a escrever drama, ficção científica, suspense, ação etc. (ITO, 2008, p. 39-40).
Sobre elas destacamos Moto Hagio a qual publicou uma série de mangás de ficção científica cuja história se passa no espaço sideral. Mangás como They Were Eleven (1975), que embora tenha contado apenas com um volume, era dirigido ao público feminino. Todavia, Hagio também escreveu para meninas, adolescentes e até para mulheres mais velhas, trazendo dramas, romances e histórias reflexivas sobre a vida como casamento, emprego, família, sonhos etc. No entanto, a autora também é conhecida por ter sido uma das primeiras a abordar o romance homossexual. Uma de suas obras que tocavam neste assunto era November Gymnasium (1971), a qual trata-se de uma narrativa que se passa num colégio interno masculino, na Alemanha. A história aborda romance, drama, amizade, vida escolar etc. porém, a novidade era trazer um relacionamento gay. (PETERSEN, 2011, p. 182).
Uma capa do mangá November Gymnasium, criado por Moto Hagio em 1971. |
Rosa de Versalhes se tornou um sucesso em pouco tempo, sendo publicado por dez anos, e posteriormente recebeu sequências. O mangá ainda na década de 1970 devido ao seu grande sucesso foi adaptado como anime e até ganhou um filme francês em live-action. Embora não fosse a primeira história que mostrasse uma mulher transvestida de homem para exercer protagonismo em atividades não permitidas as mulheres, algo ocorrido vários anos antes, em Princess Knight, Lady Oscar conquistou sua própria fama, trazendo a interpretação de Ikeda sobre os acontecimentos históricos da França pré-revolução, mesclando-os com sua carga de romance, aventura e drama. O mangá também serviu de base para o surgimento dos mangás sobre relacionamentos homossexuais, embora Maria Antonieta não se relacione com Lady Oscar, mas várias cenas transpassavam um clímax romântico, além da condição que Oscar também tivesse seus interesses românticos, e pelo fato de ela se vestir de homem, isso gerava uma percepção homoerótica. (ITO, 2008, p. 41-42).
Ilustração do mangá Rosa de Versalhes. Na imagem temos Maria Antonieta e Lady Oscar. |
O gênero kyoyo surge em meados dos anos 1970 e se populariza na década seguinte, ainda hoje sendo produzido. Inspirado nos mangás sobre escola, o governo japonês viu que poderia utilizar a literatura de mangá para fins educacionais e instrutivos. Com isso o governo incentivou que mangakás escrevessem histórias que valorizassem o estudo, a leitura, a pesquisa, as ciências, as artes, os esportes, etc. Alguns desses mangás também foram redigidos para servirem de material didático e paradidático. No caso, foram produzidos mangás destinados as crianças, adolescentes e até universitários. (ITO, 2008, p. 42-43).
Dois exemplos de mangás educativos atuais. |
Os anos 80 e 90 foram marcados pela consolidação do mercado de mangás e animes no Ocidente, pois até então esse mercado para além do Japão, era prolifico na Coreia do Sul e China, mas pouco alcançava as Américas e Europa. Embora desde as décadas de 1960 e 1970, animes já fossem televisionados em países como Estados Unidos, Brasil, Portugal, França, Itália, Inglaterra etc. a venda de mangás praticamente inexistia. Somente na década de 1980, mas propriamente a partir de 1990, é que o mercado literário Ocidental vai começar a traduzir massivamente mangás, principalmente os shonen, voltados para os adolescentes, mas que irão cativar crianças e adultos também.
Mas esse boom na produção e consumo de mangás não foi apenas no exterior, o próprio mercado nipônico também vivenciou isso. A famosa revista Shonen Jump, vendeu em 1982, 2,5 milhões de exemplares, em 1988 foram mais de 5 milhões de revistas vendidas. Todavia, além do sucesso do shonen, o qual irei comentar mais especificamente a seguir, o shojo, os mangás de conteúdo adulto (gengiká), conteúdo romântico cômico (harem), dramático, com temas de esporte (spokon) e com com conteúdo erótico (ecchi) e pornográfico (hentai), também cresceram nesse período. Fato esse que revistas específicas direcionadas a esse tipo de conteúdo como a VAL, FEEL, YOU, Jour e Be Love, foram publicadas durante a década de 1980. (ITO, 2008, p. 43-45).
Apesar da criação dessas revistas para atenderem o crescimento de públicos específicos, os shonen destacaram-se indiscutivelmente. Nesse período da década de 1980 destacam-se trabalhos que se tornaram clássicos como Akira (1982-1990), criado por Katsuhiro Otomo, tratando-se de uma narrativa cyberpunk que se passa na decadente cidade de Neo-Tóquio, pós-Terceira Guerra Mundial. O mangá fez grande sucesso abordando temas como rebeldia, vandalismo, uso da ciência para conceder super-poderes aos humanos, amizade, gangues de motociclistas, pessimismo quanto ao futuro, etc.
Arte conceitual para o anime de Akira (1988). |
Embora Toriyama não tenha inventado o gênero nekketsu (histórias sobre luta, esforço, amizade, determinação, coragem etc.), ainda assim, Dragon Ball popularizou esse gênero e até hoje é um dos shonen mais aclamados e reconhecidos no mundo, tendo gerado quatro animes, vários filmes, jogos e outros tipos de produtos. Atualmente as aventuras de Goku continuam em produção com o mangá de Dragon Ball Super.
Neste caso as aventuras de Son Goku, Bulma, Gohan, Vegeta, Piccolo, Kuririn, Mestre Kame e os demais, ajudaram a popularizar tramas envolvendo ação, artes marciais, grandes batalhas, poderes, explosões, cortes de cabelos estranhos, visuais pouco convencionais, vilões cruéis com ideias geralmente de dominação global, ou motivados por vingança ou simplesmente por que querem ser o cara mais forte; além de também popularizar traços de personagens masculinos com corpos musculosos.
Ainda na década de 1980, seguindo o mesmo sucesso de Dragon Ball, foram lançados os mangás dos Saint Seiya/Cavaleiros do Zodíaco (1985-1990) que tornou-se outro sucesso de público e comercial fenomenais, alavancados pelo anime. O grande diferencial dos Cavaleiros do Zodíaco foi o uso da mitologia grega para criar sua trama, algo que se mostrou uma grande ideia concebida por Masami Kurumada.
Capa da Shonen Jump número 51, de 3 de dezembro de 1984, anunciando o lançamento de Dragon Ball. |
Abordando também o tema da fantasia e mitologia, Kentaro Miura (1966-2021) publicou Berserk (1988-presente), um dos mangás mais demorados em tempo de produção, mas que adaptou o estilo popularizado naquele época, mas concedendo um teor mais violento e dramático. JoJo's Bizarre Adventure (1987-presente), criado por Hirohiko Araki e ainda em produção, também contribuiu para criar outras formas de se adaptar o estilo nekketsu que se desenvolvia nos anos 80. A história do mangá tem início na Inglaterra Vitoriana do final do século XIX, mostrando humanos com habilidades especiais, no caso, habilidades associadas com o combate.
Entretanto, o estilo shonen não foi marcado apenas por histórias sobre artes marciais ou focadas em ação e lutas. Outros tipos de narrativa que também agradavam os jovens japoneses, eram os mangás de esportes, e no caso o grande marco nesse gênero foi Captain Tsubasa/Super Campeões (1981-1988). Super Campeões foi um exemplo de que shonen para serem populares e rentáveis, não tinham que seguir o estilo de luta e aventureiro de Dragon Ball, Cavaleiros do Zodíaco, Berserk, JoJo's Bizarre Adventure e outros mangás do período, pelo contrário, uma boa história sobre o time japonês de futebol se mostrou um grato sucesso.
Um outro mangá dos anos 80 que farei menção, trata-se de Nausicaa e o Vale do Vento (1982-1994), escrito por Hayao Miyazaki, principalmente conhecido por ser um dos fundadores do famoso Studio Ghibli. Nausicaa merece destaque pelos seguintes motivos: trazia uma protagonista feminina, que no caso trata-se da princesa Nausicaa do Vale do Vento; o enredo se passa num futuro pós-apocalíptico onde a humanidade vive em guerra por recursos e luta contra a ameaça de uma floresta de fungos onde habitam insetos gigantes.
Entretanto, o estilo shonen não foi marcado apenas por histórias sobre artes marciais ou focadas em ação e lutas. Outros tipos de narrativa que também agradavam os jovens japoneses, eram os mangás de esportes, e no caso o grande marco nesse gênero foi Captain Tsubasa/Super Campeões (1981-1988). Super Campeões foi um exemplo de que shonen para serem populares e rentáveis, não tinham que seguir o estilo de luta e aventureiro de Dragon Ball, Cavaleiros do Zodíaco, Berserk, JoJo's Bizarre Adventure e outros mangás do período, pelo contrário, uma boa história sobre o time japonês de futebol se mostrou um grato sucesso.
Duas páginas de uma edição do mangá Super Campeões, traduzidas para o árabe, mostrando como a narrativa se tornou bastante popular na época. |
O mangá possui tom de aventura, alguns momentos de ação, incluindo combates com armas de fogo; aborda também drama, existencialismo e possui uma temática ecológica, fazendo uma crítica a destruição da natureza. O mangá ganhou relativo sucesso quando Miyazaki conseguiu adaptar os primeiros volumes para anime, lançando um longa-metragem em 1984. A partir do sucesso de Nausicaa ele se uniu a outros mangakás e animadores, e criaram o Studio Ghibli em 1985.
A ideia de que mangás escritos para um público shonen que poderia conter a participação de mulheres como protagonistas não é nova, mas Nausicaa ajudou a revigorar isso, e anos depois foi lançado o mangá cyberpunk Ghost in the Shell (1989-1991) de Masamune Shirow, o qual narrava a história de uma força-tarefa policial que combatia ameaças no Japão do século XXI. A protagonista é a Major Motoko Kusanagi, uma bela e sarcástica ciborgue que lidera a força-tarefa da Seção 9 de Segurança Pública.
Na década de 1990 os shonen continuaram a crescer e se popularizar. Dragon Ball concluiu sua Fase Z, a qual é a mais conhecida e aclamada pelos fãs. Cavaleiros do Zodíaco foi adaptado para anime e transmitido no Ocidente, tornando-se uma sucesso instantâneo ao lado de Dragon Ball Z. Mas nesse período outros mangás nesse estilo de artes marciais, aventura, ação e luta foram lançados e se tornaram sucessos imediatos como Yu Yu Hakusho (1990-1994), Alita (1990-1995), Samurai X (1994-1999), Neon Genesis Evangelion (1994-2013), InuYasha (1996-2008), Gundam Wing (1996-1997), One Piece (1997-presente) e Naruto (1999-2014). São alguns exemplos que se destacaram nesse cenário de temática envolvendo lutas corpo a corpo, com armas, com super poderes ou com robôs gigantes.
Porém, nem todo shonen dos anos 1990 foi marcado por tramas de luta. No campo dos esportes destaca-se o mangá Slam Dunk (1990-1996), sobre um time de basquete que tornou-se um grande sucesso no Japão, apesar de somente posteriormente ganhou o gosto do público americano. Já em outros países o basquete não superou o futebol de Super Campeões. Mas falando em jogos, um estrondoso sucesso foi o jogo de cartas de Yu-Gi-Oh! (1996-2004), criado por Kazuki Takahashi. O mangá que se tornou pouco tempo depois em anime, ajudou a popularizar o jogo de cartas que até hoje possui torneios, além de receber novas animações com outros personagens.
Características gerais sobre os mangás:
A palavra mangá no século XX passou a ser utilizada para se referir a histórias em quadrinhos, especialmente as produzidas no Japão. Esse tipo de literatura possui algumas características específicas que as distinguem de hqs americanas e europeias. E nesta seção irei comentar tais características. A primeira que salta aos olhos é o fato dos mangás serem essencialmente desenhados em preto e branco pelo simples fato de ser um processo mais barato e rápido, não cobrando do mangaká que em geral é ele quem roteiriza e desenha, demore para concluir um capítulo. No caso, sublinha-se que os mangakás em geral trabalham sozinhos ou com poucos ajudantes. E como alguns relatam sofrer pressão das editoras para terem que manter a periodicidade de suas histórias, eles tem que trabalhar muito.
Quando os mangás começaram a serem publicados efetivamente no começo do século XX, tratavam-se de histórias curtas em formato de tirinhas ou em poucas páginas, publicadas em revistas ou jornais. Esses desenhos eram em preto e branco. E tal estilo manteve-se desde então. Durante a Segunda Guerra Mundial o Japão teve problemas financeiros e comprar tintas de outras cores foi algo prejudicado, o que forçou ainda mais os mangakás a se contentarem em ficar no preto e branco. O uso do colorido era restrito as capas e propagandas. Após o término da guerra a economia japonesa ainda demorou vários anos para se recuperar, então manteve-se a prática de desenhar em preto e branco, inclusive alguns animes lançados antes de 1960, eram também em preto e branco.
Isso acabou tornando-se tão habitual que ainda hoje os mangás são feitos dessa forma pois é uma maneira barata e rápida de produção. Aqui entra outro motivo para justificar a adoção do estilo preto e branco. Ao longo do século XX os mangás foram essencialmente impressos em papel de baixa qualidade, geralmente o chamado papel-jornal, que é de textura fina e áspera. Nas últimas décadas também se usa papel reciclado. O fato de se usar esse tipo de papel deve-se pela condição de ser barato para as editoras e que por consequência diminui o custo final do produto.
Porém, é preciso sublinhar que adoção de papel de baixa qualidade também se deve por outras duas características: mangás são publicações periódicas indo do semanal, quinzenal ao mensal no geral, cujos capítulos são publicados em revistas especializadas, as quais criam coletâneas com várias histórias, contendo mais de 200, 300 ou 500 páginas! Logo, tratam-se de impressões com muitas páginas e se fossem coloridas seria algo bastante caro, por isso as características adotadas para baixar o custo de produção. E consequentemente, alguns japoneses não costumam guardar essas revistas e acabam jogando-as fora. Fato esse que encontrar tais revistas antes da década de 1980 é coisa rara. Outros preferem aguardar a compilação dos capítulos do mangá que lhe agrada, e quando isso ocorre, os capítulos são lançados em volumes.
Ainda sobre a impressão de mangás, vimos o motivo de serem em preto e branco, impressos em papel barato, mas agora falarei um pouco da forma como eles são publicados. Como dito, essencialmente os mangás são publicados de forma periódica em revistas especializadas. O mais comum é a publicação em capítulos, onde dependendo da periodicidade, temos um novo capítulo a cada semana, quinze dias ou mês. O que leva os leitores a aguardarem ansiosos o próximo lançamento. No caso esse lançamento periódico não é exclusivo dos mangás, hqs também seguem essa periodicidade e até em algumas épocas, livros eram lançados em revistas e jornais, os quais publicavam capítulos seus.
Quando um mangá se mostra algo rentável, o autor e a editora decidem publicar os capítulos num volume. Esse volume geralmente é publicado no formato tankobon que equivale ao formato de livro de bolso no Ocidente. Assim, quando um mangá é concluído, todos seus capítulos são divididos em volumes e publicados. No Ocidente os mangás tendem a serem publicados em volumes no formato tankobon, ou em outros formatos que incluí edição econômica, edição de colecionador, edição de luxo etc. Devido a periodização dos mangás é comum que as editoras estrangeiras aguardem alguns anos dando tempo para os volumes serem publicados, então decidam traduzir esses volumes e lançá-los em seus países.
Atualmente na última década aumentou a publicação de mangás online, os chamados web mangá. O termo se deve a condição que o mangaká ao invés de procurar uma editora para publicar sua história, decidi criar um site ou blog, ou procurar um site já existente, onde ele publica e divulga sua narrativa. Os web mangás seguem o mesmo estilo do mangá impresso, embora alguns sejam publicados coloridos e em alguns casos não precisam seguir o modelo de periodização ditado pelas revistas.
Tal formato é procurado por mangakás em início de carreira, ou mangakás veteranos que usam pseudônimos, e até mesmo por fãs e mangakás amadores que querem publicar suas obras sem depender da burocracia das editoras. Esse é um mercado crescente e necessariamente não é lucrativo, pois muitos desses autores não recebem dinheiro por suas publicações, pois mesmo que tentem vender o acesso as suas obras, a pirataria online consegue burlar isso. Porém, há casos de web mangás que se tornaram populares como One Punch Man (2012-presente) escrito pelo mangaká One. Que é também autor de Mob Psycho 100 (2012-2017). Ambas histórias surgiram de forma despretensiosa por esse mangaká que usa pseudônimo, mas com os anos se tornaram um sucesso e editoras se interessaram em publicar o material. Apesar de One seguir publicando One Punch Man online, o mangá também é impresso posteriormente e depois adaptado para anime.
Outra característica marcante dos mangás é a forma de leitura. No Ocidente não tendemos a compreender isso, pois quando lemos mangás - desde que sejam os impressos - não notamos essa diferença. Mas no formato original, mangás são lidos da esquerda para direita. Nem sempre foi assim, pois ao longo do século XX houve período nas primeiras décadas que os mangás eram lidos da esquerda para direita como se faz comumente no Ocidente. Porém, os japoneses adotaram de vez a leitura da direita para esquerda, embora também exista a leitra de cima para baixo empregada em alguns livros.
Os leitores que leem mangás que são digitalizados e traduzidos por forma não oficial, leem tais obras no formato original, da esquerda para direita. Mas apresentadas essas características quanto ao processo de impressão e leitura dos mangás, vejamos algumas características estéticas e de narrativa que torna os mangás algo ímpar na literatura de quadrinhos.
Com exceção dos gekigás que apresentam traços diferentes, a maioria dos mangás seguem o padrão de olhos grandes, narizes pequenos, bocas fechadas em forma de traço, cabelos coloridos, penteados estranhos, corpos franzinos ou desproporcionais, expressões faciais exageradas quando eles se surpreendem. Em algumas narrativas os personagens masculinos possuem corpos musculosos e as personagens femininas têm corpos sensuais. Nesse ponto também adentra a questão estética das roupas. Enquanto super-heróis ocidentais costumam usar uniformes e ter identidade secreta, os heróis de mangás não costumam esconder sua identidade ou tão pouco ter um uniforme. Dependendo da história os personagens vestem roupas normais, podem vestir uniformes ou usar roupas fantasiosas. Nesse ponto também se enfatiza que em algumas narrativas as mulheres sejam trajadas de forma sensual, especialmente os mangás que contém teor ecchi (erotismo).
Desde 1950 se popularizou mangás cujos protagonistas sejam jovens, geralmente crianças ou adolescentes. Claro que existem mangás antes desse período já com adultos. Mas isso é uma fórmula que se mantém até hoje. Isso se deve a condição que o maior público consumidor de mangás no Japão sejam crianças e adolescentes. Por mais que isso também ocorra em outros países, não significa que os personagens sejam necessariamente tão jovens. Os quadrinhos de super-heróis que são bastante famosos no Ocidente, os super-heróis em geral possuem entre seus 20 e 40 anos, alguns até mais velhos.
Além dessa condição de personagens bem jovens, os mangás em geral retratam apenas pessoas brancas. A presença de pessoas negras, pardas e de outras etnias é pequena nos mangás, já que normalmente as histórias se passam no Japão real ou ficcional, sendo assim, a quantidade de pessoas com peles mais escuras é bem pequena e isso acaba influenciando os artistas. Condição que também se reflete no fato que a maioria dos personagens de mangás terem cabelos lisos, mas curiosamente muitos deles serem louros, mesmo não sendo uma característica natural do biótipo japonês.
Mas falando nesse quesito estético influenciado pela realidade étnica do Japão, a cultura do país também influência bastante os mangás. Elementos da religião Xintoísta e do Zen Budismo estão presentes em várias narrativas, mesmo que de forma sutil, aparecendo como menções a templos, ritos religiosos, oração ou menção a algum festival religioso. Em alguns casos essas referências religiosas são mais nítidas quando personagens do panteão japonês são usados, como no caso dos shinigamis (deuses da morte) em Bleach e Death Note. Ou as referências a nome de deuses xintoístas em Naruto, e de divindades budistas em Dragon Ball e Yu Yu Hakusho.
Costumes do cotidiano japonês como tirar os calçados ao entrar em casa ou em outros lugares, usar quimonos, usar uniforme escolar, ler mangás, jogar videogame, usar smartphones, assistir show de J-Pop, artes marciais, usar hachi para comer, gostar de cães e gatos, beber chá, beber saquê etc. aparecem nos mangás. E tais costumes podem aparecer mesmo em narrativas ambientadas em outros países ou terras fictícias.
E algumas características das relações sociais também estão presentes em alguns casos como a condição dos japoneses usarem sufixos de tratamento como kun, san, chan, sensei, senpai, dono e sama, algo que é removido nas traduções dos mangás e animes. O fato de eles se referirem aos outros a partir do sobrenome e usarem o prenome somente quando são próximos. A condição de haver uma relação entre aluno e mestre, ou jovem e velho, empregado e patrão, a submissão das mulheres frente a sociedade (isso acontece mais em mangás que se passam na realidade atual ou em períodos históricos anteriores); a sexualização exagerada das mulheres e o machismo, também são temas que aparecem em algumas narrativas. Esses temas estão presentes nos mangás mesmo que suas histórias se passem em outros países, realidades, mundos e épocas, pois faz parte da estética do mangá.
Insegurança, timidez, pessimismo, revolta, indiferença, amizade, caridade, apatia, alegria, dor, amor etc. são sentimentos que aparecem nos mangás, e no caso da timidez é algo bem recorrente em romances. De fato, muitos romances que ocorrem em mangás são baseados no romance juvenil, onde os apaixonados gostam um do outro, mas pela timidez relutam em confessar o que sentem. E essa relutância permeia a narrativa por muito tempo a ponto de ser até mesmo exagerada. Há alguns mangás que exploram essa timidez de forma cômica como os do gênero harém (alguns contém teor erótico), onde mostram triângulos amorosos, ou o cara popular da turma que tem várias garotas interessadas nele, ou o contrário, a garota mais bela da classe que tem vários garotos interessadas nela.
Outro exemplo marcante da cultura nipônica nos mangás é a alimentação, algo bem evidente dos japoneses os quais são engenhosos em criar vários pratos, alguns bem esquisitos. Embora em algumas narrativas vemos personagens comendo hambúrguer, cachorro-quente e pizza, em geral é mais comum eles comerem pratos japoneses e não é sushi ou sashimi, mas uma variedade de pratos envolvendo arroz, carne, legumes, macarrão (como yakisoba e lamén), peixe, sopa etc. Fato esse que até existem mangás dedicados a culinária os quais nos últimos anos originaram um novo gênero, chamado de gourmet mangá.
Entretanto é preciso sublinhar que embora os mangás tendem a se basear na cultura japonesa e até na história do país, onde temos mangás que se passam em outras épocas do século XX ou mesmo antes, retomando ao período feudal como InuYasha, ou do Xogunato Tokugawa (1605-1867) como Lobo Solitário, ou a Era Meiji (1867-1892) como o caso de Samurai X, há mangás que se passam em outros países, mundos, realidades. Por exemplo, vimos o caso de Rosa de Versalhes onde a trama ocorre na França pré-revolução. Os Cavaleiros do Zodíaco ocorrem em distintos paíse como Japão, China, Rússia, Grécia e Itália, já que os cavaleiros de Bronze provém de distintas nacionalidades. O mangá Fullmetal Alchimist (2003-2004) da mangaká Hiromu Arakawa, se passa numa Alemanha fictícia do final do século XIX, algo visível no cenário, roupas e nome dos personagens.
Todavia, apesar das narrativas se passarem em locais reais ou ficcionais o público leigo tende a pensar que as histórias de mangás são todas parecidas devido a popularidade do shonen e do nekketsu, o que gera a impressão que mangás sejam histórias violentas sobre lutas, que contenham referências cômicas e sexistas. De fato isso é verdade. A popularidade desses dois gêneros é tão grande que muito dos mangás produzidos desde a década de 1960 seguem esse formato de narrativa, mostrando o confronto dos heróis contra os vilões. Apesar que esses vilões necessariamente não sejam criminosos comuns ou estereotipados como vemos em hqs de super-heróis. No entanto, existem mangás com narrativas bem diversas, passando pelo drama, comédia, aventura, vida escolar, adaptação literária, temas filosóficos, biografias, culinária, ciência, artes etc.
Osamu Tezuka chegou a adaptar alguns clássicos da literatura mundial, escrevendo e desenhando mangás de Fausto (1950), Crime e Castigo (1953) o Mercador de Veneza (1958). Além da condição que o Deus dos Mangás escreveu dezenas de histórias que não seguem o gênero nekketsu, das quais muitas histórias tem um teor bem infantil, apresentando narrativas de investigação, aventura, resolução de problemas diários e comédia. Mas existem também os mangás dramáticos, os biográficos como Buddha e Message to Adolf, e mangás de conteúdo filosófico como Phoenix.
Vale ressalvar que além de livros e personagens históricos que inspiraram mangás, há o caso de animes e jogos que inspiraram mangás também. Geralmente pensamos que todo anime provém de mangás, mas não é bem assim. Embora a maioria dos animes se originem de mangás, há casos onde o oposto ocorre. Por exemplo, Dragon Ball Super (2015-2018) surgiu primeiro como anime, depois lançaram o mangá alguns meses depois. E atualmente o anime foi encerrado e o mangá continua. Boruto: Naruto the Movie (2015) também surgiu como um anime de longa-metragem, sendo uma continuação da série Naruto, e depois foi adaptado para mangá e light novel em 2016, originando o anime em 2017.
Mas além desses casos onde os animes originaram mangás, há as situações nas quais jogos foram o ponto de partida para se criar mangás. Um dos exemplos mais famosos é da franquia Pokémon. Publicado em 1996 como os jogos Pokémon Red, Pokémon Blue e Pokémon Green (exclusivo para o Japão) para o portátil do Game Boy Color, os jogos se mostraram um fenômeno avassalador, vendendo milhares de cópias em poucos meses. Com o sucesso do jogo decidiram criar um mangá que foi lançado no mesmo ano, contendo uma história curta que falava sobre o iniciante treinador chamado Ash Ketchun e seu Pikachu. O mangá também fez sucesso e levou a originar o anime no ano seguinte, o qual atualmente segue em exibição e conta com mais de mil episódios! Mas além da franquia Pokémon, outros jogos também se tornaram roteiros para mangás como a série The Legend of Zelda, Street Fighter, Kingdom Hearts, The King of Fighters, Final Fantasy entre outros.
Classificação de mangás
Capa de uma edição de Nausicaa e o Vale do Vento. |
Na década de 1990 os shonen continuaram a crescer e se popularizar. Dragon Ball concluiu sua Fase Z, a qual é a mais conhecida e aclamada pelos fãs. Cavaleiros do Zodíaco foi adaptado para anime e transmitido no Ocidente, tornando-se uma sucesso instantâneo ao lado de Dragon Ball Z. Mas nesse período outros mangás nesse estilo de artes marciais, aventura, ação e luta foram lançados e se tornaram sucessos imediatos como Yu Yu Hakusho (1990-1994), Alita (1990-1995), Samurai X (1994-1999), Neon Genesis Evangelion (1994-2013), InuYasha (1996-2008), Gundam Wing (1996-1997), One Piece (1997-presente) e Naruto (1999-2014). São alguns exemplos que se destacaram nesse cenário de temática envolvendo lutas corpo a corpo, com armas, com super poderes ou com robôs gigantes.
Porém, nem todo shonen dos anos 1990 foi marcado por tramas de luta. No campo dos esportes destaca-se o mangá Slam Dunk (1990-1996), sobre um time de basquete que tornou-se um grande sucesso no Japão, apesar de somente posteriormente ganhou o gosto do público americano. Já em outros países o basquete não superou o futebol de Super Campeões. Mas falando em jogos, um estrondoso sucesso foi o jogo de cartas de Yu-Gi-Oh! (1996-2004), criado por Kazuki Takahashi. O mangá que se tornou pouco tempo depois em anime, ajudou a popularizar o jogo de cartas que até hoje possui torneios, além de receber novas animações com outros personagens.
Cena de Yu-Gi-Oh! O mangá popularizou o jogo de cartas até hoje jogado. |
A palavra mangá no século XX passou a ser utilizada para se referir a histórias em quadrinhos, especialmente as produzidas no Japão. Esse tipo de literatura possui algumas características específicas que as distinguem de hqs americanas e europeias. E nesta seção irei comentar tais características. A primeira que salta aos olhos é o fato dos mangás serem essencialmente desenhados em preto e branco pelo simples fato de ser um processo mais barato e rápido, não cobrando do mangaká que em geral é ele quem roteiriza e desenha, demore para concluir um capítulo. No caso, sublinha-se que os mangakás em geral trabalham sozinhos ou com poucos ajudantes. E como alguns relatam sofrer pressão das editoras para terem que manter a periodicidade de suas histórias, eles tem que trabalhar muito.
Quando os mangás começaram a serem publicados efetivamente no começo do século XX, tratavam-se de histórias curtas em formato de tirinhas ou em poucas páginas, publicadas em revistas ou jornais. Esses desenhos eram em preto e branco. E tal estilo manteve-se desde então. Durante a Segunda Guerra Mundial o Japão teve problemas financeiros e comprar tintas de outras cores foi algo prejudicado, o que forçou ainda mais os mangakás a se contentarem em ficar no preto e branco. O uso do colorido era restrito as capas e propagandas. Após o término da guerra a economia japonesa ainda demorou vários anos para se recuperar, então manteve-se a prática de desenhar em preto e branco, inclusive alguns animes lançados antes de 1960, eram também em preto e branco.
Isso acabou tornando-se tão habitual que ainda hoje os mangás são feitos dessa forma pois é uma maneira barata e rápida de produção. Aqui entra outro motivo para justificar a adoção do estilo preto e branco. Ao longo do século XX os mangás foram essencialmente impressos em papel de baixa qualidade, geralmente o chamado papel-jornal, que é de textura fina e áspera. Nas últimas décadas também se usa papel reciclado. O fato de se usar esse tipo de papel deve-se pela condição de ser barato para as editoras e que por consequência diminui o custo final do produto.
Dois volumes da revista Shonen Jump, os quais trazem capítulos de vários mangás. |
Ainda sobre a impressão de mangás, vimos o motivo de serem em preto e branco, impressos em papel barato, mas agora falarei um pouco da forma como eles são publicados. Como dito, essencialmente os mangás são publicados de forma periódica em revistas especializadas. O mais comum é a publicação em capítulos, onde dependendo da periodicidade, temos um novo capítulo a cada semana, quinze dias ou mês. O que leva os leitores a aguardarem ansiosos o próximo lançamento. No caso esse lançamento periódico não é exclusivo dos mangás, hqs também seguem essa periodicidade e até em algumas épocas, livros eram lançados em revistas e jornais, os quais publicavam capítulos seus.
Quando um mangá se mostra algo rentável, o autor e a editora decidem publicar os capítulos num volume. Esse volume geralmente é publicado no formato tankobon que equivale ao formato de livro de bolso no Ocidente. Assim, quando um mangá é concluído, todos seus capítulos são divididos em volumes e publicados. No Ocidente os mangás tendem a serem publicados em volumes no formato tankobon, ou em outros formatos que incluí edição econômica, edição de colecionador, edição de luxo etc. Devido a periodização dos mangás é comum que as editoras estrangeiras aguardem alguns anos dando tempo para os volumes serem publicados, então decidam traduzir esses volumes e lançá-los em seus países.
Coleção com os volumes de InuYasha. Tais revistas são publicadas em formato tankobon. |
Tal formato é procurado por mangakás em início de carreira, ou mangakás veteranos que usam pseudônimos, e até mesmo por fãs e mangakás amadores que querem publicar suas obras sem depender da burocracia das editoras. Esse é um mercado crescente e necessariamente não é lucrativo, pois muitos desses autores não recebem dinheiro por suas publicações, pois mesmo que tentem vender o acesso as suas obras, a pirataria online consegue burlar isso. Porém, há casos de web mangás que se tornaram populares como One Punch Man (2012-presente) escrito pelo mangaká One. Que é também autor de Mob Psycho 100 (2012-2017). Ambas histórias surgiram de forma despretensiosa por esse mangaká que usa pseudônimo, mas com os anos se tornaram um sucesso e editoras se interessaram em publicar o material. Apesar de One seguir publicando One Punch Man online, o mangá também é impresso posteriormente e depois adaptado para anime.
Outra característica marcante dos mangás é a forma de leitura. No Ocidente não tendemos a compreender isso, pois quando lemos mangás - desde que sejam os impressos - não notamos essa diferença. Mas no formato original, mangás são lidos da esquerda para direita. Nem sempre foi assim, pois ao longo do século XX houve período nas primeiras décadas que os mangás eram lidos da esquerda para direita como se faz comumente no Ocidente. Porém, os japoneses adotaram de vez a leitura da direita para esquerda, embora também exista a leitra de cima para baixo empregada em alguns livros.
Esquema apresentando a forma de ler um mangá. A leitura começa de cima para baixo, da direita para a esquerda. |
Com exceção dos gekigás que apresentam traços diferentes, a maioria dos mangás seguem o padrão de olhos grandes, narizes pequenos, bocas fechadas em forma de traço, cabelos coloridos, penteados estranhos, corpos franzinos ou desproporcionais, expressões faciais exageradas quando eles se surpreendem. Em algumas narrativas os personagens masculinos possuem corpos musculosos e as personagens femininas têm corpos sensuais. Nesse ponto também adentra a questão estética das roupas. Enquanto super-heróis ocidentais costumam usar uniformes e ter identidade secreta, os heróis de mangás não costumam esconder sua identidade ou tão pouco ter um uniforme. Dependendo da história os personagens vestem roupas normais, podem vestir uniformes ou usar roupas fantasiosas. Nesse ponto também se enfatiza que em algumas narrativas as mulheres sejam trajadas de forma sensual, especialmente os mangás que contém teor ecchi (erotismo).
Exemplo de uma personagem feminina de mangá, com os traços habituais dessa estética. |
Além dessa condição de personagens bem jovens, os mangás em geral retratam apenas pessoas brancas. A presença de pessoas negras, pardas e de outras etnias é pequena nos mangás, já que normalmente as histórias se passam no Japão real ou ficcional, sendo assim, a quantidade de pessoas com peles mais escuras é bem pequena e isso acaba influenciando os artistas. Condição que também se reflete no fato que a maioria dos personagens de mangás terem cabelos lisos, mas curiosamente muitos deles serem louros, mesmo não sendo uma característica natural do biótipo japonês.
Mas falando nesse quesito estético influenciado pela realidade étnica do Japão, a cultura do país também influência bastante os mangás. Elementos da religião Xintoísta e do Zen Budismo estão presentes em várias narrativas, mesmo que de forma sutil, aparecendo como menções a templos, ritos religiosos, oração ou menção a algum festival religioso. Em alguns casos essas referências religiosas são mais nítidas quando personagens do panteão japonês são usados, como no caso dos shinigamis (deuses da morte) em Bleach e Death Note. Ou as referências a nome de deuses xintoístas em Naruto, e de divindades budistas em Dragon Ball e Yu Yu Hakusho.
O shinigami Ryuk no mangá Death Note, no momento que ele se revela para Light. |
E algumas características das relações sociais também estão presentes em alguns casos como a condição dos japoneses usarem sufixos de tratamento como kun, san, chan, sensei, senpai, dono e sama, algo que é removido nas traduções dos mangás e animes. O fato de eles se referirem aos outros a partir do sobrenome e usarem o prenome somente quando são próximos. A condição de haver uma relação entre aluno e mestre, ou jovem e velho, empregado e patrão, a submissão das mulheres frente a sociedade (isso acontece mais em mangás que se passam na realidade atual ou em períodos históricos anteriores); a sexualização exagerada das mulheres e o machismo, também são temas que aparecem em algumas narrativas. Esses temas estão presentes nos mangás mesmo que suas histórias se passem em outros países, realidades, mundos e épocas, pois faz parte da estética do mangá.
Insegurança, timidez, pessimismo, revolta, indiferença, amizade, caridade, apatia, alegria, dor, amor etc. são sentimentos que aparecem nos mangás, e no caso da timidez é algo bem recorrente em romances. De fato, muitos romances que ocorrem em mangás são baseados no romance juvenil, onde os apaixonados gostam um do outro, mas pela timidez relutam em confessar o que sentem. E essa relutância permeia a narrativa por muito tempo a ponto de ser até mesmo exagerada. Há alguns mangás que exploram essa timidez de forma cômica como os do gênero harém (alguns contém teor erótico), onde mostram triângulos amorosos, ou o cara popular da turma que tem várias garotas interessadas nele, ou o contrário, a garota mais bela da classe que tem vários garotos interessadas nela.
Outro exemplo marcante da cultura nipônica nos mangás é a alimentação, algo bem evidente dos japoneses os quais são engenhosos em criar vários pratos, alguns bem esquisitos. Embora em algumas narrativas vemos personagens comendo hambúrguer, cachorro-quente e pizza, em geral é mais comum eles comerem pratos japoneses e não é sushi ou sashimi, mas uma variedade de pratos envolvendo arroz, carne, legumes, macarrão (como yakisoba e lamén), peixe, sopa etc. Fato esse que até existem mangás dedicados a culinária os quais nos últimos anos originaram um novo gênero, chamado de gourmet mangá.
Ilustração do mangá Cooking Papa (1985-presente), criado por Tochi Ueyama. Sendo um dos mais populares mangás sobre culinária. |
Todavia, apesar das narrativas se passarem em locais reais ou ficcionais o público leigo tende a pensar que as histórias de mangás são todas parecidas devido a popularidade do shonen e do nekketsu, o que gera a impressão que mangás sejam histórias violentas sobre lutas, que contenham referências cômicas e sexistas. De fato isso é verdade. A popularidade desses dois gêneros é tão grande que muito dos mangás produzidos desde a década de 1960 seguem esse formato de narrativa, mostrando o confronto dos heróis contra os vilões. Apesar que esses vilões necessariamente não sejam criminosos comuns ou estereotipados como vemos em hqs de super-heróis. No entanto, existem mangás com narrativas bem diversas, passando pelo drama, comédia, aventura, vida escolar, adaptação literária, temas filosóficos, biografias, culinária, ciência, artes etc.
Osamu Tezuka chegou a adaptar alguns clássicos da literatura mundial, escrevendo e desenhando mangás de Fausto (1950), Crime e Castigo (1953) o Mercador de Veneza (1958). Além da condição que o Deus dos Mangás escreveu dezenas de histórias que não seguem o gênero nekketsu, das quais muitas histórias tem um teor bem infantil, apresentando narrativas de investigação, aventura, resolução de problemas diários e comédia. Mas existem também os mangás dramáticos, os biográficos como Buddha e Message to Adolf, e mangás de conteúdo filosófico como Phoenix.
Vale ressalvar que além de livros e personagens históricos que inspiraram mangás, há o caso de animes e jogos que inspiraram mangás também. Geralmente pensamos que todo anime provém de mangás, mas não é bem assim. Embora a maioria dos animes se originem de mangás, há casos onde o oposto ocorre. Por exemplo, Dragon Ball Super (2015-2018) surgiu primeiro como anime, depois lançaram o mangá alguns meses depois. E atualmente o anime foi encerrado e o mangá continua. Boruto: Naruto the Movie (2015) também surgiu como um anime de longa-metragem, sendo uma continuação da série Naruto, e depois foi adaptado para mangá e light novel em 2016, originando o anime em 2017.
Mas além desses casos onde os animes originaram mangás, há as situações nas quais jogos foram o ponto de partida para se criar mangás. Um dos exemplos mais famosos é da franquia Pokémon. Publicado em 1996 como os jogos Pokémon Red, Pokémon Blue e Pokémon Green (exclusivo para o Japão) para o portátil do Game Boy Color, os jogos se mostraram um fenômeno avassalador, vendendo milhares de cópias em poucos meses. Com o sucesso do jogo decidiram criar um mangá que foi lançado no mesmo ano, contendo uma história curta que falava sobre o iniciante treinador chamado Ash Ketchun e seu Pikachu. O mangá também fez sucesso e levou a originar o anime no ano seguinte, o qual atualmente segue em exibição e conta com mais de mil episódios! Mas além da franquia Pokémon, outros jogos também se tornaram roteiros para mangás como a série The Legend of Zelda, Street Fighter, Kingdom Hearts, The King of Fighters, Final Fantasy entre outros.
Capa do volume 1 do primeiro mangá de Pokémon. Um exemplo de mangá que se originou a partir de um jogo de videogame. |
Os mangás são classificados de duas formas: público-alvo e conteúdo. A primeira classificação surgiu ainda na fase inicial antes da Segunda Guerra, quando já havia a percepção de mangás produzidos para crianças, adolescentes e adultos, assim como, a noção de mangás para o público masculino e feminino. Fato esse que termos como shonen e seinen já eram usados naquele período em revistas de mangás. Por sua vez, o termo shojo se popularizou a partir da década de 1940, e os demais termos vão sendo criados consecutivamente, principalmente nas décadas de 1960 e 1970. Com isso, nessa categoria por público-alvo, demográfica ou faixa etária como também é referida, ela se classifica da seguinte forma:
- Kodomo: público infantil com menos de 8 anos. Dependendo do mangá, alguns são usados para colorir, outros trazem atividades como caça-palavras, cruzadinhas, sudoku, etc. Suas histórias são curtas e de roteiro simples.
- Shonen: dirigido ao público adolescente masculino, entre seus 10 a 18 anos. São mangás com temas geralmente focados na aventura, ação, esportes, ficção científica, fantasia. É o tipo mais comum e famoso até atualidade. Muitos mangás de sucesso como Dragon Ball, Naruto, Bleach, Yu Yu Hakusho, Cavaleiros do Zodíaco são desse tipo.
- Shojo: mangás voltados para meninas de 10 a 18 anos. Começaram a surgir na década de 1950. É basicamente o segundo tipo de mangá mais popular. Sailor Moon é um dos exemplos clássicos desse estilo.
- Seinen: dirigido ao público masculino adulto dos 18 anos em diante, trazem histórias diversas que abordam ação, aventura, esportes, ficção científica, fantasia, mas inclui também drama, comédia, terror, romance, pornografia, críticas sociais, cotidiano, trabalho etc.
- Josei: dirigido ao público feminino adulto dos 18 anos em diante. Segue características similares ao seinen, embora tenda a abordar aspectos voltados para a condição social da mulher também como casamento, família, emprego, estudos etc.
Mas além dessa classificação por faixa etária que é bastante ampla, existe a classificação por gênero de conteúdo que nem sempre é fácil de ser aplicada, pois um mesmo mangá pode apresentar características de vários gêneros.
- Spokon: narrativas sobre esportes.
- Gekigá: mangás equivalentes as graphic novels em alguns casos, com temas mais adultos, dramáticos e roteiros melhor elaborados. Difere-se também nos traços dos personagens, apresentando traços com melhor acabamento.
- Nekketsu: narrativas focadas na ação e aventura, que trazem um enredo que fala sobre esforço, coragem, amizade, determinação e superação. Segue a fórmula dos heróis combaterem ameaças sempre mais fortes, levando-os a superar seus limites para poder vencer. Ele é usado até como sinônimo de shonen por alguns autores.
- Magical girl: histórias nas quais as protagonistas possuem poderes mágicos para enfrentar vilões.
- Magical boy: similar ao anterior, mas com a diferença em focar em protagonistas masculinos.
- Mecha: narrativas focadas no uso de robôs gigantes ou de máquinas.
- Gurume ou gourmet mangá: histórias sobre culinária.
- Yuri ou Girls Love: narrativas em que os protagonistas formam um casal lésbico.
- Yaoi, Bara ou Boys Love: narrativas em que os protagonistas formam um casal gay.
- Animal mangá: narrativas com animais falantes como Doraemon, Norakuro, Kimba, o Leão Branco.
- Furry mangá: histórias nas quais os personagens são animais antropomórficos ou cujos personagens humanos possuem características animais, geralmente orelhas e caudas. Beastars é um exemplo famoso hoje em dia.
- Isekai: histórias em que o(s) protagonista(s) são levados para outros mundos ou realidades. Eles podem viajar no tempo, irem para mundos fantásticos, literários, virtuais, etc.
- Harém: narrativas geralmente cômicas que envolvem triângulos amorosos, ou a perseguição de um grupo de meninas sobre um garoto, ou vice-versa. Normalmente abordam relacionamentos heterossexuais, mas há histórias homossexuais também. Essas histórias costumam ter conteúdo ecchi.
- Hentai, Seijin ou Ero-mangá: mangás de conteúdo erótico (ecchi) ou pornográfico. Algumas narrativas mostram cenas sutis, outras já possuem cenas explícitas de nudez e sexo.
- Jidaimono: narrativas com conteúdo histórico ou biográfico.
- Joho ou Koyoyo: mangás educativos.
- Aniparo: consistem em paródias de outros mangás, animes, livros, desenhos, filmes etc.
- Dojinshi: narrativas autorais independentes, publicadas em pequenas tiragens, sem necessariamente com apoio ou supervisão de editoras. Também refere-se a mangás produzidos por amadores e fanfics.
- Yonkoma: mangás curtos publicados em jornais, equivale as tirinhas.
1930
- Norakuro
- Dankichi
- Fuku-chan
1940
- Sazae-san
- Ogon Batto/Golden Bat/Fantomas
- Shin-takarajima/A Nova Ilha do Tesouro
- Metrópolis
- Princesa Anmitsu
1950
- Jungle Taitei/Kimba, o Leão Branco
- Tetsuwan Atom/Astro Boy
- Princess Knight/A Princesa e o Cavaleiro
- Phoenix/Pássaro de Fogo
- Ninja bugeichô
1960
- Cyborg 009
- Lupin III
- Dororo
- Golgo 13
- Doraemon
- Kamui den/The Legend of Kamui
- Mach Go Go Go/Speed Racer
- Kyojin no hoshi/Star of the Giants
- Ashita no Joe/Tomorrow's Joe
- Harenchi Gakuen
- Mahotsukai Sally/Sally, a Bruxinha
1970
- Lone Wolf and Cub/Lobo Solitário
- Don Drácula
- Devilman
- Black Jack
- Glass Mask
- KochiKame
- Crest of the Royal Family
- Jarinko Chie
- Rosa de Versalhes
- Buddha
- They Were Eleven
- Space Pirate Captain Harlock
- Urusei Yatsura
1980
- Akira
- Berserk
- Dr. Slump
- Dragon Ball
- Saint Seiya/Cavaleiros do Zodíaco
- Ghost in the Shell
- Nausicaa e o Vale do Vento
- JoJo's Bizarre Adventure
- Captain Tsubasa/Super Campeões
- Cooking Papa
- Dragon Quest
- Hajime no Ippo
- RG Veda
- Bastard
- Cat's Eye
- City Hunter
1990
- Yu Yu Hakusho
- Sakura Card Captor
- InuYasha
- One Piece
- Naruto
- Gunnm/Alita
- Yu-Gi-Oh!
- Sailor Moon
- Neon Genesis Evangelion
- Hunter x Hunter
- Blade of the Immortal
- Pokémon
- Digimon
- Slam Dunk
- Tenchi Muyo!
- Vagabond
- Rurouni Kenshin/Samurai X
- Fairy Tail
- Futari Ecchi
- Shaman King
- The Prince of Tennis
- Hellsing
- Detective Conan
- Gundam Wing
- Uzumaki
- Dorohedoro
2000
- Bleach
- Death Note
- Claymore
- Fullmetal Alchemist
- Shingeki no Kyojin/Attack of Titan
- Nana
- Gin Tama
- Angel Heart
- Magi:The Labirynt of Magic
- Zatchbell!
- Gantz
- Toriko
- Diamond Ace
- Tengen Toppa Gurren-Lagan
- Kingdom
- Vinland Saga
2010
- Tokyo Ghoul
- One Punch Man
- Mob Psycho
- Sword Art Online
- Kimetsu no Yaiba/Demon Slayer
- My Hero Academia
- Nanatsu no Taizai/Sete Pecados Capitais
- Boruto
- Black Cover
- Dr. Stone
- Jujutsu Kaisen
- Tokyo Revengers
- The Promised Neverland
- Beastars
- Overlord
- Chainsaw Man
- Haikyuu!
NOTA: A palavra ukiyo-e literalmente significa "retratos de mundo flutuante", pois inicialmente surgiu como a representação de retratos sem um fundo ou paisagem.
NOTA 2: Uma das obra mais famosas de Hokusai é a xilogravura A Grande Onda de Kanagawa (1830-1831).
NOTA 3: O nome original de Kimba é Leo. Porém, quando a obra começou a ser traduzida nos Estados Unidos, optaram em mudar seu nome para se tornar algo mais exótico. Além dele, outros personagens também tiveram nomes alterados.
NOTA 4: A light novel não é o mesmo que mangá, pois a light novel consiste numa novela ou romance curto com ilustrações, mas o texto aparece normalmente nas páginas como em um livro. Todavia, as ilustrações seguem o mesmo estilo dos mangás.
NOTA 5: O one-shot é o termo usado para mangás curtos que possuem apenas um capítulo. Seria algo parecido com um conto. Mangás famosos possuem one-shots, os quais não fazem parte da série principal, sendo histórias especiais ou até spin-off.
NOTA 6: Há casos nos quais personagens de mangás e animes possuem seus nomes alterados por soarem estranhos em outros personagens. Por exemplo, Mr. Satan da série Dragon Ball é conhecido em alguns países como Hercule. A protagonista de InuYasha que se chama no original Kagome, foi chamada no Brasil de Agomê.
NOTA 7: Alguns conteúdos dos mangás são censurados ao serem adaptados para os animes. A censura geralmente age para conter excesso de violência, sangue, brutalidade, erotismo, terror, etc. mas há outros tipos de censura. Por exemplo, em Yu Yu Hakusho o protagonista Yusuke Hurameshi tem 14 anos e no mangá ele é fumante. Tal condição foi removida no anime. Em uma das cenas de Naruto, o personagem Neiji Hyuga revela ter uma suástica tatuada na testa como símbolo de que ele pertence a um braço secundário de seu clã. No anime trocaram a suástica por um X. Porém, em alguns casos tais cenas são adaptadas ao anime, e depois recebem censura ao serem exibidas em outros países ou mesmo na TV japonesa. Em Dragon Ball há cenas eróticas com Bulma que foram cortadas do desenho depois de terem sido feitas.
NOTA 8: Kemono é um estilo artístico japonês de se representar animais antropomórficos. Tal estilo remonta o período medieval, e ganhou espaço nos mangás, animes e videogames. Um kemono ou juijin, consistem em animais com corpo humanoide, ou em pessoas com partes animais, geralmente orelhas e caudas, mas há casos de terem pernas, patas, braços e outras características animalescas.
NOTA 9: O público leitor dos mangás Girls Love e Boys Love possuem termos próprios para se referir a narrativas que contenham alta dose de erotismo (ecchi) e até de nudez, além de termos para se referir a personalidade dos casais e personagens.
Referências bibliográficas:
ITO, Kinko. Manga in Japanese history. In: MACWILLIAMS, Mark W (ed.). Japanese Visual Culture: explorations in the world of manga and anime. New York, An East Gate Book, 2008, p. 26-47.
PETERSEN, Robert S. Comics, Manga, and Graphic Novels: a history of graphic novels. Santa Barbara, ABC-CLIO, 2011.
POWER, Natsu Onoda. God of Comics: Osamu Tezuka and creation of post World War II manga. Jackson, University Press of Mississipi, 2009.
ITO, Kinko. Manga in Japanese history. In: MACWILLIAMS, Mark W (ed.). Japanese Visual Culture: explorations in the world of manga and anime. New York, An East Gate Book, 2008, p. 26-47.
PETERSEN, Robert S. Comics, Manga, and Graphic Novels: a history of graphic novels. Santa Barbara, ABC-CLIO, 2011.
POWER, Natsu Onoda. God of Comics: Osamu Tezuka and creation of post World War II manga. Jackson, University Press of Mississipi, 2009.
YAMASHIRO, José. Pequena história do Japão. São Paulo, Herder, 1964.
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