quarta-feira, 15 de outubro de 2025

O uso de espadas na história do Brasil

A mais icônica das armas brancas esteve presente em território brasileiro, especialmente no que se refere aos períodos da história colonial (1500-1816), reino unido (1816-1822), império (1822-1889) e até mesmo durante a república velha (1889-1930). Todavia, por que isso não é ensinado nas escolas e universidades? A resposta é simples: no Brasil apesar de ter tido soldados usando espadas ao longo de mais de três séculos, ela foi uma arma secundária, nunca tivemos a difusão de escolas de esgrima, e principalmente: não tivemos uma cultura marcial de valorização ao uso da espada, algo visto em alguns países asiáticos como Japão, China e Coreia. Por conta disso, a espada passou despercebida em nossa história. O presente texto analisou até onde foi possível trilhar a história dessa arma no contexto brasileiro. 

Introdução

Em Portugal a espada mais comumente utilizada para expedições, viagens marítimas e guerras nos séculos XV e XVI era a espada carangueja, também referida como espada preta de bordo. Essa espada era de origem portuguesa, sendo inventada em algum momento do século XV. Tratava-se de uma arma com gume nos dois lados, mas projetada para cortar e estocar. Sua lâmina teria entre 80 cm a 90 cm, pesando entre 1 kg a 1,5 kg, sendo projetada para usar com uma mão, já que seu punho era curto para empunhar com duas mãos. No entanto, o curioso nome de carangueja ou caranguejo advinha da condição de que sua guarda lembrava o formato de um caranguejo. (COSTA, 2015). 

Exemplo de uma espada carangueja. 

Por sua vez, o termo "espada preta de bordo" referia-se a condição de que em alguns casos, as lâminas eram tingidas de preto para evitar o reflexo do sol. Isso servia para não atrapalhar na hora do combate em navios, praias ou desertos, assim como, para evitar que a lâmina refletisse e pudesse denunciar a posição da pessoa. Mas no geral, não foi uma prática costumeira. 

Outra espada utilizada pelos portugueses naquele tempo foi a rapieira, também chamada de espada ropera pelos espanhóis, spada da lato pelos italianos, rapier pelos ingleses, rapière pelos franceses, seitschwert pelos alemães. Tratava-se de uma arma com 90 cm de comprimento da ponta do cabo até a ponta da lâmina, pesando por volta de 1 kg a 1,2 kg. Consistia numa espada longa e leve para ser empunhada apenas com uma mão. Além disso, ela era mais utilizada para estocadas e a principal parte do fio de sua lâmina era mais próxima da ponta. A rapieira viria a originar os floretes mais tarde, que se popularizaram em duelos nos séculos XVIII e XIX e depois nos filmes sobre mosqueteiros. (COSTA, 2015). 

A rapieira surgiu em algum momento do século XV pela Espanha, espalhando-se para outros países como Portugal, França, Itália, Inglaterra e Alemanha. Ela era normalmente usada por oficiais, guardas reais e polícias até o século XVII. Era bastante preterida nos duelos. Dependendo da procedência da arma e para quem ela seria usada, sua guarda e cabo mudavam bastante de aparência. Havia rapieiras com guardas fechadas ou abertas, outras tinham guardas ornamentadas. Havia também técnicas de combate que combinavam o uso da rapieira com pequenos escudos ou com uma adaga. (COSTA, 2015). 

Rapieiras espanholas datadas dos séculos XVI e XVII, em exibição no Museu Histórico Militar de Sevilha

Uma terceira espada a qual os portugueses faziam uso era o espadão (longsword), também chamado de montante. Era uma espada longa, com guarda em formato de cruz, cabo longo, terminando num pomo, cuja lâmina variava de 1,20 a 1,50 m de comprimento, tendo pelo menos 6 cm de largura. A espada normalmente pesava por volta de 1,5 kg. Embora não fosse pesada, mas devido ao seu tamanho, necessitava ser empunhada com as duas mãos. Tratava-se de uma arma medieval, ainda em uso na Europa da Idade Moderna. (COSTA, 2015). 

Exemplo de espadão comum usado nos séculos XV e XVI. 

A espada no período colonial

Quando os portugueses começaram a explorar o Brasil no século XVI, alguns soldados levavam consigo espadas carangueja, facas, punhais, adagas, lanças (chuços), mosquetes, arcabuzes, pistolas etc. No geral o uso de espadas nas primeiras expedições era muito limitado, pois os soldados normalmente lutavam com mosquetes e lanças. Dessa forma, a presença de espadas no Brasil foi bastante escassa nas primeiras décadas, pois os colonos que começaram a se fixar a partir da década de 1530, com o estabelecimento das capitanias hereditárias, não costumavam levar espadas consigo, por serem armas mais caras, além de preferirem as armas de fogo, mais fáceis de manusear, além de terem longo alcance e eram mais úteis para intimidar, além de serem mais práticas num combate em território brasileiro, onde indígenas tendiam a iniciar combates a distância com arco e flecha.

Outro problema que comprometeu a difusão de espadas no Brasil é que não havia fábrica de armas ou forjas para se fazer armamentos. As armas de fogo vinham de Portugal, assim como, espadas, capacetes, cotas de malha, couraças, canhões, munições. No Brasil se fabricava no máximo lanças, facas e arcos. A proibição de fabricar armamentos na colônia foi uma medida adotada por Portugal ao longo dos séculos para evitar que os colonos se armassem fortemente e viessem a reivindicar sua emancipação, ou seja, evitar revoltas. 

A presença de espadas teria começado a aumentar em meados do século XVI, com o estabelecimento de mais fortificações pela costa brasileira, que determinou a fixação de guarnições, além da intensificação dos combates contra os franceses, destacando-se as campanhas contra a colônia da França Antártica (1555-1565), estabelecida na Baía de Guanabara, que veio a originar o processo de criação da Capitania do Rio de Janeiro e da fundação da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Esse conflito marcou o envio de muitos soldados para a região e a requisição de tropas e armas advindas de Portugal. Naquela época ainda se usava principalmente a espada carangueja

Todavia, o auge da presença de espadas em território brasileiro na época colonial ocorreu durante o século XVII com as guerras luso-holandesas (1624-1625/1630-1654), quando a Companhia das Índias Ocidentais (West-Indische Compagnie - WIC) invadiu Salvador e a conquistou no ano de 1624, iniciando uma mobilização de exércitos sem precedentes por Portugal e Espanha para serem enviados ao seu socorro. A Jornada dos Vassalos chegou em 1625 fortemente armada e conseguiu reaver Salvador e expulsar os holandeses da Bahia. 

Depois disso, novas tentativas de invasão se silenciaram, apenas em 1630 a WIC retornou com um poderoso exército e atacou Olinda e Recife, conseguindo capturar ambos, iniciando sua fixação em Pernambuco e a guerra de conquista de parte do Nordeste. Conflito que se estendeu por vinte e quatro anos. Assim, durante parte desse período onde houve muitas batalhas, teve-se a necessidade do envio de tropas, armas e munições ao Brasil. Portugal e Espanha enviaram os terços.

"Aparecem os terços de brancos, de pretos, de pardos e de índios. O terço era a unidade tática que sucedera, no ocidente europeu, à variável e confusa hoste ou mesnada medieval, como essa fora sucessora da formidável legião romana, por sua vez herdeira da falange greco-macedônica. O terço tinha dez companhias de cem homens cada uma, comandadas por capitães, que, em parada, como os das companhias atuais, iam, em fileira, à frente, seguidos de dez pagens levando sobre almofadas de veludo seus capacetes emplumados. Formação militar eminentemente peninsular criada pelo grande capitão espanhol Gonçalo de Córdova. Governava o terço um mestre de campo, auxiliado por um sargento-mor e por um ajudante. As primeiras companhias eram armadas de chuços e chilfarotes; seus oficiais inferiores tinham espadas. As últimas carregavam mosquetes e seus sargentos e cabos, piques ou alabardas. Todos os oficiais subalternos e superiores traziam bastões de comando". (BARROSO, 2019, p. 15-16).

Em seu estudo sobre os equipamentos militares no século XVII, o historiador Gustavo Barroso assinalou a presença de outra espada para além da rapieira, no caso, a chifarote (também referida como terçada ou terçado). Tratava-se de uma espada de lâmina curta, que poderia ser confundida com uma faca de combate. A chifarote era carregada pelos soldados como arma secundária, além de exercer a função de faca, usada para cortar corda, raspar madeira, fatiar carne etc. Alguns chifarotes poderiam se parecer com um facão e ter parte da lâmina sendo serrilhada. (COSTA, 2015). 

Exemplo de um chifarote ou terçada. 

Não obstante, os holandeses para manter suas conquistas requisitaram regularmente do envio de tropas, armas, munições e mantimentos. Assim, a presença de espadas no Brasil se dava através do exército luso-brasileiro e do exército da companhia holandesa, o qual era formado por homens de outras nacionalidades como franceses, alemães, flamengos, ingleses, escoceses, poloneses e dinamarqueses. 

Alguns cronistas que escreveram sobre os conflitos ocorridos durante o Brasil holandês (1630-1654) comentam sobre o uso de espadas. Por exemplo, Diogo Lopes de Santiago em História da Guerra de Pernambuco (d. 1660) e frei Rafael de Jesus em Castrioto Lusitano (1675), comentaram sobre o uso de espadas (os cronistas não definiam quais eram os tipos) por alguns oficiais durante importantes batalhas travadas em Pernambuco, com destaque as duas Batalhas dos Guararapes (1648 e 1649). Inclusive a breve descrição de parte desses conflitos, destacava que os comandantes seguiram a cavalo, armados com espadas. 

No século XVIII o uso da espada carangueja, da rapieira e do espadão foi gradativamente sendo trocado por outras duas espadas. A primeira tratava-se do espadim, uma espada adaptada da rapieira com lâmina menor e mais leve. Essa arma se popularizou no século XVIII, sendo usada mais para duelos e distintivo militar, do que empregada em combate propriamente. Era uma espada voltada para estocadas e seu fio estava mais próximo da ponta. A guarda era bem mais simples do que a vista numa rapieira e mais aberta do que num florete. Espadins eram dados a oficiais. (BURTON, 1987). 

Exemplo de um espadim. 

Porém, a espada preferida para combates a partir do século XVIII era o sabre, o qual consiste numa espada de lâmina média e levemente encurvada, possuindo fio de corte apenas de um lado. Seu formato facilita em ataques cortantes, não sendo recomendado para estocadas. Os sabres eram empregados tanto pela infantaria quanto pela cavalaria na Europa e em algumas colônias, incluindo o Brasil. (COSTA, 2015). 

Na Europa, os franceses popularização o uso de sabres nos séculos XVIII e XIX, tornando-se inclusive a principal espada usada pelos exércitos europeus devido a sua praticidade. O sabre consistia numa adaptação de espadas árabes como a cimitarra, de lâmina mediana, mas mais larga e pesada. (BURTON, 1987). 

Ilustração de um soldado de cavalaria auxiliar no Brasil. O mesmo segura um sabre de cavalaria. Ilustração para o livro sobre guarnições e regimentos do Rio de Janeiro, por José Corrêa Rangel de Bulhões, 1786. 

A espada no período imperial

No começo do Império do Brasil, no chamado Primeiro Reinado (1822-1831), diferentes tipos de espadas eram utilizados pelas tropas brasileiras, especialmente no período da guerra de independência (1822-1825), onde tropas brasileiras combateram tropas portuguesas para poder assegurar a independência do Brasil. Sendo assim, o exército brasileiro fazia uso de espadas a depender do tipo de tropa. Por exemplo, a cavalaria usava o sabre (que já era utilizado anteriormente e se manteve pelo resto do período imperial), os oficiais de infantaria usavam a espada reta (também chamado de sabre reto no Brasil ou sabre de infantaria). Por sua vez, os soldados portavam como arma secundária uma espada-baioneta, a qual era de lâmina curta.

Uma espada-baioneta e sua bainha. 

A espada-baioneta como o nome sugere, poderia ser encaixada numa arma de fogo como mosquete, fuzil ou rifle e servir de baioneta, permitindo que o soldado realizasse estocadas. Não obstante, essa espada poderia ser removida da arma de fogo e utilizada como uma espada curta que era. 

Além da guerra de independência, outros conflitos ocorridos ao longo da época imperial como a Guerra da Cisplatina (1825-1828), a Guerra dos Farrapos (1835-1845), a Guerra do Prata (1850-1852) e a Guerra do Paraguai (1865-1870), testemunharam o uso de espadas pela infantaria e a cavalaria. Já nas várias revoltas que ocorreram pelo país no século XIX, espadas foram menos utilizadas, optando-se mais pelas armas de fogo para conter os rebeldes, os quais na maioria das vezes dispunham mais dessas armas do que de espadas. 

Sendo assim, a guerra contra o Paraguai foi o último grande conflito em que se fez uso regular de espadas por tropas brasileiras. Depois disso, o Exército brasileiro ainda manteve a presença de espadas como distintivo militar, assim, a depender da patente, a espada e sua bainha variava como forma de identificar a patente. A respeito, Gustavo Barroso escreveu:

"Todos os oficiais tinham dragonas volumosas, com anéis nos canutões as dos superiores, espadas ligeiramente curvas em bainhas de couro, com guarnições de metal dourado, fiadores tecidos de ouro e vermelho, menos os dos caçadores, que eram de couro preto. As espadas dos generais douradas e lavradas, com copos singelos, tornaram-se tradição até hoje conservada. As espadas dos oficiais semelhantes às de agora, com bainhas de metal, datam de 1840. Quando ministros, conselheiros ou senadores, alguns generais usavam espadim, segundo se vê das litografias de Sisson. No traje de campanha, o chapéu armado não tinha plumas. Os talins de primeiro uniforme variavam. (BARROSO, 2019, p. 36). 

Ao centro o Conde d'Eu e o Visconde de Rio Branco acompanhados de militares em campanha na Guerra do Paraguai, em 1870. Observa-se três oficiais segurando suas espadas. 

Barroso salienta que o uso de espadas e dos adereços e bainhas, se manteve até o começo da época republicana, num período em que a espada gradativamente perdia sua importância como armamento, se tornando algo mais simbólico. 

A espada no período republicano

A espada ainda conservava um forte simbolismo no começo da república brasileira, fato esse que o governo ditatorial de Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto ficou conhecido como República da Espada (1889-1894) marcado pelo autoritarismo e conservadorismo de ambos os primeiros presidentes da república, numa época em que o sistema republicano estava se estabelecendo e uma nova constituição foi aprovada em 1891. Pela condição de ambos serem generais, eles portavam espadas. 

Além disso, a Revolta a Armada (1891-1893) promovida por oficiais da Marinha contra o governo autoritário de Floriano, contou com a presença de oficiais portando espadas, apesar que essas já não tivesse mais uma aplicação prática no campo de batalha, o qual se restringia ao uso de rifles, carabinas, fuzis e pistolas. Essa mesma condição foi vista em outros conflitos como a Guerra de Canudos (1896-1897), a Revolução Acreana (1898-1903) e a Guerra do Contestado (1912-1916), onde espadas eram restritas aos oficiais de patente mais alta. 

Todavia, além desses exemplos citados anteriormente, vale ressalvar que a Guarda Nacional (1831-1922), criada por D. Pedro I, ainda estava ativa e seus oficiais portavam espadas do tipo sabre de infantaria ou sabre de cavalaria, embora fosse mais para um intuito simbólico, já que tradicionalmente a espada estava associada com essa guarda. 

Membros da Guarda Nacional em Santo, em 1900. Nota-se que os oficiais portavam suas espadas. 

Sendo assim, ainda na década de 1920, houve casos de oficiais irem a campo de batalha portando espadas consigo, depois disso elas foram deixadas de lado, sendo utilizadas em algumas cerimônias e formaturas militares, condição que se mantém até hoje, como o caso dos desfiles e cerimônias promovidos pelo 1o Regimento de Cavalaria de Guardas (fundado em 1808), o qual utiliza sabres de cavalaria desde 1910, quando foi determinado o uso dessa espada como padrão para suas celebrações. 

NOTA: A primeira escola de esgrima do Brasil foi fundada em 1858 por D. Pedro II, no Rio de Janeiro, para treinar a infantaria e a cavalaria. Depois disso abriu-se outras escolas pelo Rio de Janeiro e São Paulo, mas voltado para treinamento militar. No século XX a esgrima começou propriamente a ser praticada como esporte, já que o uso de espadas foi abandonado pelas forças armadas. 

Referências bibliográficas

BARROSO, Gustavo. História militar do Brasil. Brasília, Senado Federal, 2019. 

BURTON, Richard. The Book of the Sword. London, Kessing Publishing, 1987. 

COSTA, António Luiz. Armas Brancas, Lanças, Espadas, Maças e Flechas: Como Lutar Sem Pólvora Da Pré-História ao século XXI. São Paulo: Draco, 2015. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário