Se
por um lado pensamos que houvera apenas a "Inquisição" e a mesma foi algo apenas da Idade Média, na realidade houveram Inquisições, e nesse caso,
os três grandes tribunais surgiram na Idade Moderna e permaneceram em atividade
até o século XIX, perfazendo mais de trezentos anos de operação, num período
que conveniou-se a se acreditar que as "trevas do medievo" já haviam
sido esquecidas, haviam sido "clareadas" pela luz do Renascimento,
das Ciências e do Iluminismo.
Nesse
trabalho procurei relatar a constituição institucional das Inquisições
Romana, Portuguesa e Espanhola, as quais foram as maiores, e mais poderosas e longevas
entidades inquisitoriais da História, atuando não apenas na Europa, mas nas
Américas, África e Ásia, no caso das colônias portuguesas e espanholas.
Me
prenderei a contar um pouco da história da formação destes órgãos da Igreja
Católica e descrever algumas de suas características, como os cargos,
processos, relatórios, julgamentos, enfim, a burocracia destes tribunais.
ORIGENS
Inquisições
medievais
De
fato as inquisições surgiram na Idade Média, a primeira vez que se tem notícia
sobre a criação de um conselho munido com direitos papais para se combater a
heresia, perseguir, prender e julgar, data do ano de 1184, quando o papa Lúcio
III expediu uma bula autorizando que os bispos detivessem o direito de
inquisidor, ou seja, pudessem com a permissão outorgada pelo Santo Padre,
perseguir, prender, atuar e julgar os condenados que cometeram as mais diversas
heresias.
Nesse
caso, pelo fato de os bispos serem os responsáveis pela coordenação das
inquisições, passou-se a chamar tais organizações de Inquisições Episcopais, geridas por bispos, mas, no entanto, deveriam
se reportarem ao papado.
A
iniciativa do papa Lúcio III de criar a inquisição deu-se após rumores chegarem
a Roma, dizendo que povos do sul da França, chamados de albigenses estavam pregando um culto distorcido do cristianismo
tradicional, misturando até mesmo antigas crenças pagãs de origem celta. A inquisição episcopal
agiu sobre tais práticas heréticas, e a partir daí, a Igreja expediu
investigações em outros locais da Europa, procurando por evidências de heresia,
nesse caso o intuito principal das inquisições era combater a expansão da
heresia, punir os heréticos, manter a ordem e a boa conduta vigentes pelos direitos
e leis outorgados pela Igreja, contidos nas Sagradas Escrituras.
Em
1233 o papa Gregório IX outorgou duas bulas, criando a Inquisição Papal, a qual posteriormente
daria origem a Inquisição Romana. A Inquisição Papal agia no mesmo intuito das
episcopais, mas ficava sediada em Roma, e passou posteriormente a contar com um
tribunal, o chamado Tribunal do Santo
Ofício.
As
inquisições episcopais continuaram agir pelos séculos seguintes. De fato, Santa Joana d'Arc (1412-1431) foi julgada e condenada por uma inquisição episcopal localizada na província
francesa da Normandia.
Inquisição
Espanhola
(1478-1834)
"No
dia 1 de novembro de 1478, o papa Sisto IV assinou a bula Exigt sincerae devotionis affectus, através da qual fundou a nova
Inquisição na Espanha. Redigida como resposta às petições dos Reis Católicos,
essa bula reproduzia os argumentos régios sobre a difusão das crenças e dos
ritos mosaicos entre os judeus convertidos ao cristianismo em Castela e Aragão,
atribuía o desenvolvimento dessa heresia à tolerância dos bispos e autorizava
os reis a nomear três inquisidores (entre os prelados, religiosos ou clérigos
seculares com mais de quarenta anos, bacharéis ou mestres em teologia,
licenciados ou doutores em direito canônico) para cada uma das cidades ou
dioceses do reino". (BETHENCOURT, 2000, p. 17).
Escudo da Inquisição Espanhola. O símbolo da cruz, da espada e do ramo de oliveira eram compartilhados pelas três inquisições. |
No
século VIII os cristãos ainda combatiam os visigodos
pelo controle das terras da Península
Ibérica, nessa época, vindos do Marrocos
chegaram os árabes, os quais ficaram conhecidos também como mouros (nesse caso,
o termo mouro possuí outros significados). Os árabes se estabeleceram na
península onde hoje perfazem os territórios de Espanha e Portugal, e ali
ficaram até o século XV. Os visigodos e outros povos ditos "bárbaros"
foram catequizados, no entanto, os árabes trouxeram uma nova religião a qual
crescia no Oriente Médio, o Islã.
Por
mais de cinco séculos os cristãos combateram os mulçumanos e os judeus na Península
Ibérica, no que ficou conhecido como a Reconquista,
onde os cristãos tentavam expulsar os árabes da península e retomarem as terras
usurpadas. No século XV, Portugal, já era um reino unificado, mas a Espanha não
existia como nação unificada, era formada por vários pequenos reinos, sendo
Aragão e Castela os mais poderosos. Foi a partir do casamento do rei Fernando II de Aragão e Isabel I de Castela, os chamados Reis Católicos, foi que a Espanha se
tornou um reino unificado. Mesmo assim, a ameaça dos muçulmanos, dos judeus, e
dos cristãos-novos (judeus convertidos ao cristianismo) eram indicativos de
heresia, daí os monarcas pedirem ao papa que instaurassem uma Inquisição para o
reino.
Naquela
época os muçulmanos e os judeus eram chamados de infiéis, termo utilizado
comumente durante o período das Cruzadas entre o século XI e XIII. Aqueles que
não profetizavam que Jesus Cristo era o seu salvador, era visto como um herege,
logo os judeus não viam Jesus como sendo o aguardado Messias de seu povo, e os
muçulmanos consideravam Jesus como um dos grandes profetas de Alá, mas não o
"Filho de Deus" e o "Filho do Homem". Sendo assim,
muçulmanos e judeus eram perseguidos por serem considerados infiéis, ou eles se
convertiam ou as consequências seriam drásticas.
Inquisição
Portuguesa
(1536-1821)
Em
23 de maio de 1536 o papa Paulo III
assinou a bula Cum ad nihil magis
oficializando a criação da Inquisição Portuguesa. A bula nomeava três bispos
para assumirem o cargo de inquisidor-geral, assim foram nomeados um bispo da
cidade de Ceuta, Coimbra e Lamego, dando direito ao rei D. João III de nomear um quarto inquisidor-geral. A criação da
inquisição em Portugal, seguia fatores similares aos vistos na Espanha, algumas
décadas antes. Tais fatores ficam mais claros, quando se lê um dos documentos
expedidos por um dos inquisidores-gerais, onde este reafirma alguns crimes de
heresia descritos na bula que concedia a formação e a jurisdição da inquisição
no reino de Portugal e em todas as suas possessões no além-mar, ou seja, suas
colônias. O documento reafirmava o que foi dito na bula:
"A
bula designava o judaísmo dos cristãos-novos, acrescentando o luteranismo, o
islamismo, as proposições heréticas e sortilégios. No monitório esses 'delitos'
são especificados e ampliados: encontramos aí a caracterização das cerimônias
judaicas e islâmicas, das opiniões heréticas (entre as quais os
"erros" luteranos, a incredulidade, a rejeição dos dogmas e dos
sacramentos), da feitiçaria e da bigamia (talvez o único delito que não estava
compreendido na bula)". (BETHENCOURT, 2000, p. 25).
Diferente
da Espanha, a qual criou tribunais inquisitoriais em algumas de suas colônias,
como foi o caso do México, Peru e Colômbia, os portugueses só criaram um tribunal inquisitorial foi do reino, e este se encontrava em Goa
na Índia. Devido a distância da
metrópole, isso resultava em uma viagem de quase um ano. Nesse caso, o Brasil e as colônias na África com
exceção de Moçambique, estavam sob a tutela e as ordens do Tribunal de Lisboa. Já Moçambique,
Timor Leste, Macau na China, e outros
territórios na Ásia, estavam sob tutela e as ordens do Tribunal de Goa, o qual se reportava ao de Lisboa.
Nesse
caso, graças aos impérios ultramarinos de Portugal e Espanha a inquisição se
expandiu pelos quatro cantos do mundo, embora fossem mais atuantes na
Europa.
Inquisição Romana (1542-1800)
A
Inquisição Romana foi a última a ser formada, sendo substituta da Inquisição
Papal que atuava sobre os Estados Italianos. Diferente de Espanha e Portugal,
os quais eram reinos unificados, a Itália era um aglomerado de cidades-estados
e cidades-servis, as quais as últimas estavam sujeitas as ordens das grandes
cidades italianas. Nesse caso, a Inquisição Romana, operou de forma não unanime
temporalmente sobre a Itália. Em alguns Estados, essa foi implantada
tardiamente após a data de 1542 e em outros ela foi abolida antes de meados do
século XVIII, embora tenha sido abolida definitivamente do território italiano
no vigente último ano do século XVIII.
"A
Inquisição romana não foi objeto de uma verdadeira refundação, mas sim de uma
reorganização, em 4 de julho de 1542, através da bula Licet ab initio. Ao contrário dos motivos invocados para o
estabelecimento das Inquisições na Espanha e em Portugal, onde a difusão do
judaísmo justificava a organização do tribunal, aqui era a heresia protestante
o alvo da nova configuração do 'Santo Ofício'. No preâmbulo da constituição
papal, encontramos explicitadas as seguintes motivações: o desejo de conservar
a pureza da fé contra a heresia; a paralisia das instituições de controle
devido às expectativas de abjuração e de regresso dos hereges á igreja
católica; o atraso da realização do Concílio devido ás guerras entre príncipes
cristãos; o progresso da heresia e as ameaças constantes de ruptura da unidade
da Igreja". (BETHENCOURT, 2000, p. 27).
"Nessa
bula, o papa nomeava uma comissão de seis cardeais investido do estatuto de
inquisidores-gerais sobre toda a cristandade, cardeais que tinham a
possibilidade de delegar seus poderes a religiosos ou clérigos formados em
teologia ou em direito canônico. Essa comissão - conhecia como Congregação do
Santo Ofício - adquirias assim plenos poderes a instrução e a conclusão dos
processos de heresia, mesmo na ausência dos bispos competentes, reservando para
si a decisão final sobre o recurso dos processos de primeira instância".
(BETHENCOURT, 2000, p. 27).
Neste
caso, o papa Paulo III reorganizou as instâncias da Inquisição em solo
italiano. No entanto, embora todos os tribunais localizados nas cidades-estados
tivessem que se reportar ao Tribunal do Santo Ofício em Roma, tais tribunais
possuíam certa autonomia em alguns aspectos, podendo realizar julgamentos e
condenações, sem o consenso total de Roma, desde que não inferissem na
desaprovação das leis. Daí, o fato de que algumas cidades-estados mantiveram
seus tribunais em tempos diferentes.
ESTRUTURA
Pelo
fato de que muitas características da estrutura dos tribunais serem
semelhantes, irei decorrer aqui como um texto corrido, denotando apenas algumas
particularidades entre os tribunais, já que na essência suas estruturas e organizações
eram bem próximas.
COMUNICAÇÃO
Uma
das questões fundamentais na constituição dos três tribunais dizia respeito a
comunicação, a eficiência dos funcionários de se reportarem aos seus superiores
de forma que os mesmos pudessem resolver os mais diversos assuntos sem
precisar demandar tempo em demasia para se resolver problemas. Não obstante, a
comunicação era importante para se agilizar os processos, já que alguns se
encontravam em outros tribunais do Estado e deveriam ser encaminhados para o local
onde o acusado estava preso ou seria julgado. Além de se tratar de outros
assuntos ligados ao funcionamento do sistema.
"A
comunicação entre os tribunais de distrito e os organismos centrais não se
limitava às consultas sobre o processo penal ou sobre a conclusão dos
processos, embora esses aspectos desempenhassem um papel decisivo. Encontramos
igualmente consultar e instruções regulares sobre a preparação dos autos de fé,
sobre a forma de resolver conflitos de jurisdição com as autoridades civis e
eclesiásticas, sobre os problemas de etiqueta suscitados pela participação dos
inquisidores nas cerimônias locais, sobre as visitas de distrito e sobre a
situação financeira dos tribunais". (BETHENCOURT, 2000, p. 39).
No
caso de Portugal e Espanha que possuíam tribunais em suas colônias ou enviavam
inquisidores para as mesmas, a eficiência tinha que ser ainda melhor, os
tribunais nas colônias levavam meses para se reportarem ao reino devido as
viagens de navio, no caso do Tribunal de Goa, chegava a levar até um ano ou
mais para se chegar os relatórios até Lisboa. Quando a demora era grande nestes
tribunais, o inquisidor-geral se reportava ao Conselho, então este decidia
enviar inquisidores para tais locais a fim de averiguar por que da demora do
envio dos processos e relatórios.
A
maioria dos processos e casos julgados nos tribunais foram arquivados ao longo
dos séculos, embora que em alguns locais tais documentos se perderam. Uma boa
forma de se compreender os procedimentos de como eram julgados as pessoas é
lendo-se tais livros que contem os processos.
"Um
dos traços mais importantes que permite distinguir a Inquisição medieval das
Inquisições do Antigo Regime encontra-se na diferença de estrutura dos fluxos
de comunicação que irrigam as respectivas organizações. Com efeito, todas as
informações de que dispomos sobre a Inquisição medieval revelam uma comunicação
predominantemente horizontal, compreendendo uma troca frequente de cartas entre
inquisidores de uma mesma província, que praticavam a consulta recíproca sobre
problemas processuais ou sobre formas de agir perante casos específicos.
(BETHENCOURT, 2000, p. 34).
Os
tribunais portugueses e espanhóis verticalizaram suas comunicações, tudo era
reportado ao inquisidor, deste ao inquisidor-geral, este se reportava ao
Conselho e se fosse o caso, o Conselho se reportava ao rei e ao papa. A
verticalização ajudou a equilibrar as ações dos inquisidores os tornando menos
arbitrários e autônomos, no entanto tal
fato não foi predominante na Inquisição Romana, onde ainda se mantivera a
comunicação horizontal, especialmente na República Veneziana.
"Para
os inquisidores que operavam na República veneziana existia, apesar de tudo,
uma rede hierárquica informal, estabelecida em torno do inquisidor de Veneza,
apenas porque este estava próximo do núncio apostólico, cuja intervenção nos
assuntos do tribunal era bastante importante". (BETHENCOURT, 2000, p. 35).
CARGOS
Entre
os três grandes tribunais de fé, como também se referi as três inquisições,
havia uma forte hierarquização dentro de sua estrutura, cada cargo possuía
funções especificas, desde o inquisidor-geral até os chamados familiares.
Haviam etiquetas para a conduta nos cargos e até mesmo para se portar diante
das investigações, julgamentos, condenações, e até no ato de se vestir e
comparecer em locais públicos, tudo isso girava através de etiquetas ditadas
pelas regras da instituição postas aos seus funcionários.
Trabalhar
nos tribunais inquisitoriais era uma honra para alguns e sinal de prestígios
para outros. Você estaria servindo ao Rei, ao Papa e ao próprio Deus, como eles
salientavam em dizer. Servir nos tribunais, era poder combater o mal espalhado
por Satã e seus demônios, que corrompiam as almas dos homens e mulheres.
"A
atração pelos ofícios da Inquisição deve-se, em grande medida, aos privilégios
concedidos pelo papa e pelos reis hispânicos. Os privilégios papais situam-se
no âmbito da proteção simbólica mas não menos importantes do que os privilégios
temporais: lembremos das indulgências plenárias concedidas, em certas
circunstâncias, aos crocesignati
envolvidos nas Cruzadas e nas guerras da Itália, investidos como assistentes
civis dos inquisidores". (BETHENCOURT, 2000, p. 138).
"Os
privilégios reais concedidos na Espanha e em Portugal, ao longo do século XVI,
aos oficiais e familiares da Inquisição tornavam seus cargos e títulos ainda
mais interessantes. Em geral, esses privilégios caracterizavam-se pela isenção
de impostos, obrigações comunitárias, serviço militar ou alojamento de tropas,
pela autorização de usar vestuário de seda mesmo sem ser cavaleiro, pela
licença de portes de armas defensivas e ofensivas, pelo reconhecimento de
jurisdição privada na maior parte dos crimes e disputas judiciárias em que se
pudesse estar envolvido". (BETHENCOURT, 2000, p. 139).
No
entanto, me prenderei aqui a falar de três cargos: inquisidor-geral, inquisidor
e os familiares. Já que houveram
vários cargos na hierarquia das Inquisições e demandaria tempo e linhas para
falar acerca de toda a estrutura em si e a funcionalidade de seus ofícios. No
entanto, dentre estes cargos, estavam os procuradores, juízes (os quais
necessariamente não eram inquisidores), secretários, notários do fisco, notários
das confissões, investigadores, qualificadores, etc.
Inquisidor-geral: Era o cargo mais
alto comumente na instituição. No caso português e espanhol, era o rei que
nomeava o inquisidor, no tribunal romano, tal designação cabia ao papa e aos
cardeais. No entanto, nos três tribunais, existiam algumas especificidades para
se eleger um inquisidor-geral, tais especificações eram: Este teria que ter
mais de 40 anos, ser um bispo, arcebispo, cardeal, doutor em direito canônico
ou teólogo. Sob tais especificações um inquisidor-geral poderia ser escolhido
para assumir o cargo.
No
caso do tribunal espanhol existia o chamado Consejo de la Suprema General Inquisición,
tal conselho era o órgão máximo da Inquisição Espanhola, estando apenas abaixo
do rei e do papa. Sem o consentimento do Conselho, o rei não poderia decretar
que o inquisidor escolhido assumisse o cargo. Para isso, ele enviava uma carta
ao Conselho dizendo quem foi o nome escolhido, e o Conselho por sua vez se
reportava ao papa, depois que este desse o consentimento a favor da escolha, o
Conselho notificava o rei, e assim o inquisidor-geral escolhido ia participar
da cerimônia para tomar posse do cargo. Em Portugal, existia o Conselho Geral da Inquisição, em moldes similares ao espanhol.
"A
principal diferença entre o Conselho da Inquisição português e o Conselho da
Inquisição espanhol reside na competência de nomeação dos conselheiros. No caso
português, são os inquisidores-gerais que nomeiam os membros de seu Conselho
após uma consulta ao rei; no caso espanhol é o inverso, isto é, são os reis que
escolhem os conselheiros após uma consulta ao inquisidor-geral em exercício".
(BETHANCOURT, 2000, p. 119).
No
caso romano, o inquisidor-geral era nomeado ou pelo papa ou pela Sacra Congregazione (ou Congregação
Romana), organização similar ao Conselho espanhol e português. A Congregação
detinha a autoridade de nomear os inquisidores-gerais, os inquisidores, os
comissários, além de intervir em outros assuntos do funcionamento dos
tribunais.
O
cargo de inquisidor-geral não possuía duração especificada, poderia até mesmo
ser vitalício em alguns casos. No entanto, o inquisidor-geral poderia renunciar,
ser afastado devido motivos de doenças ou ser demitido, em caso de não estivesse
atuando como o esperado.
Ao
seu cargo eram atribuídos as funções de nomear os inquisidores e outros cargos,
de coordenar processos, de participar de julgamentos se fosse o caso; enviar
inquisidores para as colônias (no caso de Portugal e Espanha) ou enviar
inquisidores para as visitas nos distritos; cuidar da parte burocrática,
supervisionando como estava o andamento dos processos, o funcionamento dos
tribunais, a publicação de éditos, a organização dos autos-de-fé, etc.
Em
Portugal houveram casos de que alguns inquisidores-gerais, foram parentes do
rei ou da rainha. Fato este que o primeiro inquisidor-geral de Portugal foi o
franciscano d. Diogo da Silva, bispo
de Ceuta e confessor do rei D. João III. O mesmo assumiu o cargo em 1536 e
permaneceu neste por apenas três anos, renunciado aos ofícios por motivos de
saúde. O rei D. João III escolheu para sucedê-lo, o seu irmão d. Henrique. Dom Henrique tornou-se
arcebispo de Braga, de Évora e de Lisboa, posteriormente foi elevado a
cardeal, assumiu o cargo de inquisidor-geral de 1540, permanecendo neste até a
sua morte em 1580. Chegou a ser regente e tornou-se em 1578 rei de Portugal,
governando por apenas dois anos. O exemplo de D. Henrique I, mostra que o cargo
de inquisidor-geral era um cargo profundamente ligado aos interesses dos
monarcas e do papado.
No
entanto, nos três tribunais, alguns inquisidores-gerais e até mesmo
inquisidores normais, que eram bispos, foram promovidos a cardeais. Mas, o fato
mais interessante ocorreu na Inquisição Romana, onde no século XVI, três papas,
haviam sido cardeais que atuaram como inquisidores, estes cardeais se tornaram
os papas, Paulo IV, Pio V e Sisto V. A atuação como inquisidor era uma oportunidade de
conseguir subir de cargo na hierarquia eclesiástica.
Inquisidor: Os inquisidores
existiam em maior quantidade do que os inquisidores-gerais, a estes cabiam
obrigações similares, no entanto estavam suscetíveis as ordens de seus
superiores. Os inquisidores, atuavam como juízes, participavam de
interrogatórios e julgamentos, compondo a mesa julgadora; eram encarregados de
supervisionar os tribunais mais distantes, tendo que viajar para estes se fosse
o caso, no caso do Brasil, foram enviados três inquisidores a colônia (1591,
1618, 1774); despachavam documentos, assinavam éditos, reportavam relatórios,
compareciam e chefiavam os autos-de-fé; compareciam as celebrações de feriados
religiosos, etc.
A
nomeação dos inquisidores seguia as mesmas especificidades pelas quais o
inquisidor-geral era nomeado, mas nesse caso, era o mesmo que nomeava os
inquisidores, no entanto essa não era uma regra definitiva, no caso da
Inquisição Romana, os cardeais da Congregação podiam eleger os inquisidores.
O
inquisidor passava tempo indeterminado no ofício, podendo ficar meses ou vários
anos, dependendo de sua atuação no cargo. O mesmo poderia renunciar ou ser
demitido. Em caso de ficasse doente era afastado de seus afazeres até recobrar
a saúde e a disposição. Tanto
o inquisidor-geral como os inquisidores, faziam nomeações para distintos
cargos, além de formarem seus gabinetes com seus secretários e outros
funcionários.
Familiares: Os familiares era
um cargo de baixa hierarquia, na Inquisição Romana era chamado de crocesdignati. Em si a eleição para tal
cargo era feita pelo inquisidor, nesse caso o homem ou mulher, deveria se
reportar ao inquisidor local de sua cidade, diocese ou região, a fim de
averiguar a necessidade de seu emprego. Um familiar para ser empregado deveria
passar por uma avaliação de seus antecedentes, o inquisidor cobrava um relatório
sobre a procedência familiar do mesmo, além de uma ficha criminal. Não era
necessário pertencer a Igreja ou confraria ligada a esta, os familiares eram
pessoas comuns (fidalgos, agricultores, mercadores, artesãos, artistas,
escritores, jornaleiros, etc), que buscavam servir a Inquisição. Em alguns
casos os familiares formavam uma rede de espionagem a serviço das inquisições.
Os
familiares não possuíam uma tarefa certa, eles podiam servir em várias tarefas
que lhe fossem designadas, podendo atuar como médicos, se fosse o caso do mesmo
ser um médico; podiam atuar como mensageiros, como investigadores,
representantes, secretários, guardas, "policiais", confiscadores,
etc.
Os
familiares era o cargo com o maior número de empregados, tendo de centenas até
mesmo milhares, no caso de se leva-se em consideração o número de empregados em
todo o reino ou cidade-estado. Em muitos casos, muitos dos familiares eram
membros da própria família do inquisidor, daí o nome familiar. No entanto o cargo já existia desde a época medieval.
Mesmo assim, os familiares recebiam um salário por parte da instituição, embora
fosse bem baixo, no entanto e alguns locais eles dispunham de certos
privilégios. Não obstante, as três inquisições possuíam relatórios com o nome
de todos os membros empregados e a quantidade de cada um em cada região, sendo
que no caso da Inquisição Romana, havia maior rigidez no emprego dos
familiares, e uma maior fiscalização sobre as atividades do mesmo.
Pirâmide da hierarquia dos cargos da Inquisição Espanhola |
REGULAMENTOS
Como
foi visto, as três inquisições foram fundadas por bulas papais que designavam
a criação de tribunais e a nomeação dos inquisidores-gerais, os quais por sua
vez nomeariam seus funcionários. No entanto, a organização dos tribunais
fazia-se seguindo vários regulamentos, dentre os quais já existiam desde a
época medieval e foram conservados, no entanto no caso dos tribunais
hispânicos, houveram a elaboração de novos regulamentos, entre os quais diziam
respeito a atuação da inquisição sobre as colônias e os colonos.
"A
rede inquisitorial estabeleceu-se e foi modelada pelas formas e comunicação,
cuja estrutura de fluxos nos revela as características e os níveis de responsabilidade
no seio da organização. Contudo, o funcionamento dessa rede impunha a
formulação de regulamentos e de instruções internas, não apenas para o
enquadramento e a orientação dos fluxos de comunicação, mas também para a
"alimentação" de todo o aparelho". (BETHANCOURT, 2000, p. 41).
No
caso espanhol, em 1484 ano da fundação da Inquisição Espanhola, o primeiro
inquisidor-geral nomeado, Tomás de
Torquemada, foi o responsável por elaborar os regulamentos que seriam
vigentes na Inquisição Espanhola. Ele reuniu vários inquisidores, dois letrados
e dois membros do conselho do Rei, assim produziram o regulamento. O
regulamento foi ampliado e atualizado mais duas vezes enquanto Torquemada
ainda era vivo, as novas modificações aconteceram em 1488 e 1498. Quando a
Inquisição Portuguesa e Romana foram criadas, décadas depois, já possuíam como
base não apenas os regulamentos medievais, mas os regulamentos modernos
expedidos pelos espanhóis desde 1484.
Inquisidor-geral Tomás de Torquemada. |
Em
Portugal, embora os portugueses tivessem adotado como base os regulamentos
espanhóis, eles realizaram suas próprias modificações assim como ditavam seus
interesses e o contexto da época. Em 1563,
o inquisidor-geral d. Henrique oficializou o confisco dos bens dos acusados, na
Espanha isso já acontecia há vários anos. Os acusados que eram culpados, tinham
seus bens confiscados pela Inquisição, desde imóveis a propriedades. Tal fator
foi uma das questões que levaram a população a posteriormente questionar até
onde ia a autoridade da Inquisição de se confiscar os bens dos culpados, e em
alguns casos tais bens não eram devolvidos aos herdeiros.
Não
obstante, em 1552, d. Henrique havia
ordenado a elaboração de um novo manual inquisitorial. A nova edição possuía
141 capítulos, e representava uma sistematização e condensação dos manuais
anteriores. Em tal regulamentos havia as diretrizes que presidiam a organização
da estrutura dos tribunais, as visitas aos distritos, a publicação de éditos,
as formas de reconciliação, a detenção, as maneiras de agir e tratar os
penitentes e os acusados, a instrução de como se proceder com os processos, os
recursos as condenações e sentenças, a organização dos autos de fé, etc. Dentre
estes regulamentos se encontrava o Manual
do Inquisidor, o guia pelo qual o inquisidor deveria se basear enquanto
estivesse no cargo.
Em
1774 foi publicado o último
regimento da Inquisição Portuguesa durante o governo do rei D. José I e de seu primeiro-ministro, o
Marquês de Pombal. Nesse último
regimento o mesmo abordava quatro questões em si:
"Assim,
o regimento introduz quatro grandes alterações: a) o segredo do processo é
suprimido, isto, é as denúncias deviam ser apresentadas integralmente aos
presos, com os nomes das testemunhas, bem como com as circunstâncias espaciais
e temporais; b) é proibida a condenação à pena capital com uma só testemunha;
c) é criticada e condenada a tortura, como uma prática perversa que estimula as
falsas confissões, mantendo-se em aberto, contudo, sua utilização no caso dos
heresiarcas dogmáticos; d) é suprimida a inabilitação dos condenados e de seus
descendentes". (BETHANCOURT, 2000, p. 48).
A
alteração "c" proposta no novo regulamento é algo bem interessante a
ser avaliado. Até a presente data de 1774 era comum o uso de torturas para que
os acusados confessassem seus crimes, tal prática foi amplamente utilizada nos
século XV e XVI em todas as três inquisições e até mesmo antes, nas inquisições
episcopais. Não obstante, no limiar do final do século XVIII as inquisições
estavam perdendo sua autoridade por diversos motivos, nesse caso, a prática da
tortura já não condizia como uma forma útil de condizer com a atitude
"salvadora" que se propunha a Inquisição. Ora, se os tribunais
estavam para combater o mal, por que necessariamente eles deveriam se valer de
práticas tão horríveis como a tortura para fazê-lo? Até o presente momento,
tais práticas por mais que indignassem alguns, eram vistas como necessárias
para que os acusados falassem a verdade. A alegação era simples, o mal é bem
persuasível quando queria ser, no entanto, a inquisição estava lá para salvar
sua alma, não o seu corpo.
BUROCRACIA
Os
melhores dados acerca da burocracia dos tribunais inquisitoriais advêm dos
arquivos hispânicos já que por muito tempo os arquivos italianos se mantiveram
fechados, e não obstante mesmo hoje, parte destes arquivos estão fechados e
alguns documentos se encontram na Biblioteca
do Vaticano, exclusivamente restrita ao acesso de historiadores e outros
pesquisadores. Não obstante, parte dos arquivos dos tribunais de algumas
cidades-estados italianas foram destruídos, depois que seus tribunais foram
fechados. Assim, o caso hispânico é o mais rico em documentação.
No
caso da Sacra Congrezazione como foi visto, os cardeais presidiam a Congregação,
no entanto suas tarefas estavam mais ligadas as nomeações e tomar decisões
acerca de questões sobre finanças, jurisdição e as relações com as autoridades
civis. O trabalho nos tribunais era feito pelos inquisidores e os de mais
funcionários que se reportavam diretamente aos seis cardeais da Congregação.
Embora
a burocracia romana fosse centralizada e vertical em alguns casos, um dos
problemas apontados nas pesquisas do historiador Francisco Bethencourt foi que
não há relatos a respeito de visitas aos tribunais, ou seja, não havia total
controle de como os tribunais e seus funcionários estavam trabalhando nos
vários tribunais por toda a península, não obstante, outro ponto fraco na
organização burocrática romana, era que só havia um inquisidor para cada
tribunal, isso sobrecarregava o mesmo de trabalho.
"Existia
apenas um inquisidor para cada tribunal, encarregado de geria a rede dos
vigários e dos familiares, de instruir os processos de proceder a inquéritos, de distribuir
trabalho aos consultores para a classificação das proposições suspeitas, de
concluir os processos com o representante do bispo e, por fim, de enviar relatórios regulares á
Congregação Romana". (BETHANCOURT, 2000, p. 67-68).
Com
a sobrecarga de trabalho sobre os inquisidores algumas inadimplências não eram
vistas, logo isso comprometia a estrutura e a eficiência do sistema. Não
obstante, o armazenamento da documentação da Inquisição Romana, era outro
problema, como ponderado por Bethencourt em suas pesquisas.
"No
caso da Inquisição Romana, a organização dos processos é frequentemente
confusa, os inquéritos misturam-se com as denúncias, não existem registros
específicos segundo tipo de delito ou o tipo de documento, ao contrário ao
contrário do que aconteciam com as inquisições ibéricas". (BETHANCOURT,
2000, p. 68).
Se
por um lado a burocracia romana apresentava estes problemas, a burocracia dos
tribunais espanhóis dizia respeito a divisão de hierarquias, havia uma grande
necessidade de se reportar tudo ao Consejo
de la Suprema, o qual foi criado em 1488 para cuidar das questões legais,
financeiras e administrativas da Inquisição Espanhola.
"O
Consejo é constituído por seis membros, cinco conselheiros eclesiásticos e um
fiscal - os conselheiros são nomeados pelo rei a partir de três nomes propostos
pelo inquisidor-geral e qual nomeia diretamente o fiscal -, que desempenham
suas funções junto com um corpo burocrático de secretários e de oficiais de
justiça ampliado ao longo dos séculos XVII e XVIII". (BETHANCOURT, 2000,
p. 69-70).
"O
poder do Consejo foi se construindo
ao longo do tempo, graças à absorção de diversas competências reservadas ao
inquisidor-geral e à imposição de várias formas de controles aos tribunais de
distrito. Evidentemente, a estratégia de apropriação dos mecanismos de poder
por parte do Conselho beneficiou-se das ausências do inquisidor-geral, dos
períodos de vazio que mediavam entre a morte um e a nomeação de outro, da
impossibilidade deste de manter o monopólio de competências. A complexidade
crescente do trabalho administrativo e judiciário dos tribunais implicava uma
divisão de tarefas e uma intervenção do Conselho na gestão e na conclusão dos
assuntos". (BETHANCOURT, 2000, p. 71).
No
caso português e espanhol, os tribunais de distrito possuíam de dois a três
inquisidores cuidando da administração do mesmo. Já os tribunais das grandes
cidades como Lisboa, Évora, Coimbra, Sevilha, Madrid, Barcelona, podiam contar
com quatro ou mais inquisidores. Não obstante, ambas as inquisições tinham
costume de enviar funcionários para verificar o funcionamento dos tribunais, e
em alguns casos um inquisidor escolhido pelo inquisidor-geral realizava a
chamada "visita" a fim de averiguar pessoalmente a realidade e o
andamento das coisas naquele distrito ou nas colônias. Assim, o sistema evitava
que inadimplências passassem despercebidas e tratavam de resolver os problemas
que acometiam aquela região.
"A
estrutura intermediária tem um poder extraordinário, sendo constituída por dois
ou três inquisidores à frente de cada tribunal de distrito, controlando uma
máquina burocrática composta pelo promotor fiscal, secretários, meirinho,
alcaide, porteiro, solicitador consultores, qualificadores, juiz de bens,
receptor, contador, notário dos sequestros, sem falar dos comissários e dos
familiares da circunscrição. A estrutura burocrática de cada tribunal teria, no
mínimo, vinte funcionário remunerados, podendo avaliar-se em cerca de
quinhentos indivíduos, entre magistrados com jurisdição e oficiais". (BETHANCOURT, 2000, p. 73).
ÉDITOS
"Os
éditos da Inquisição desempenham um papel fundamental no conjunto da atividade
dos tribunais, pois tornam públicos o campo de intervenção, impõem períodos de
denúncia ou concedem períodos de graça, pontuando a vida cotidiana da população
com proibições e avisos. A amplitude dos assuntos cobertos pelos éditos é
espantosa, pois eles difundem as classificações dos delitos submetidos à
jurisdição inquisitorial, essas classificações são regularmente atualizadas a
partir da análise de novos movimentos heterodoxos; os caos de maior impacto
podem ser objeto de um aviso especial, sobretudo por meio da impressão da
sentença ou das proposições condenadas; os catálogos de livros proibidos são
completados pela emissão regular de novas proibições". (BETHANCOURT, 2000,
p. 148).
Há
uma variedade de tipos de éditos, mas comumente havia três tipos em comum para
as três inquisições, os éditos de graça,
os éditos de fé e os éditos particulares. A respeito de cada
um destes falarei um pouco mais a frente.
A
publicação do édito seguia regulamentos específicos, alguns como no caso dos
éditos de fé só eram publicados em feriados religiosos ou períodos religiosos,
como a Quaresma e a semana de Páscoa, no entanto os de mais éditos era
publicados em qualquer outro dia. A respeito da publicação dos éditos, na
Inquisição Portuguesa e Espanhola, inicialmente era o rei que aprovava a
publicação de algum édito, posteriormente tal função passou aos Conselhos e aos
inquisidores-gerais e até mesmo há alguns inquisidores. Os éditos eram
documentos oficiais que transmitiam pareceres da própria instituição.
No
caso da Inquisição Romana, não havia uma uniformidade na publicação dos éditos,
na teoria a Congregação e os inquisidores-gerais é que expediriam a autorização
para a publicação de tais documentos, no entanto as autoridades civis
contestavam a publicação de alguns dos éditos, como foi visto na República de
Veneza. Alguns éditos teriam que serem avaliados pelas autoridades civis e te o
aval destas para poder ser publicado e aplicado, de fato isso chegou a
acontecer e o Conselho dos Dez (órgão máximo da República de Veneza) em alguns
momentos chegou a entrar em desentendimento com o inquisidor-geral e a
Congregação.
"Os
outros Estados italianos, contudo, suportaram essa forma de exercício da
jurisdição inquisitorial de uma forma mais conciliadora;: apenas na segunda
metade do século XVII em Gênova e na segunda metade do século XVIII em Florença
e Modena vemos desenhar-se uma política 'jurisdicionalista' próxima da seguida
pelo Estado veneziano". (BETHANCOURT, 2000, p. 150).
Os
chamados éditos de graça já existiam
desde a época medieval, faziam parte dos procedimentos corriqueiros dos
julgamentos, das visitas dos inquisidores, nos sermões, etc. Na época medieval,
alguns éditos ou eram lidos nas praças ou eram posteriormente pregados nas
portas das igrejas, a fim de quem soubesse ler, estivesse ciente de que a Inquisição
estava na cidade naquele momento. Os éditos de graça podiam abordar vários
assuntos, mas o nome "de graça" referia-se ao chamado "tempo de
graça".
O
"tempo de graça" consistia num período de até um mês onde os
inquisidores concediam benefícios aos culpados que se apresentassem por livre
espontânea vontade nos tribunais. Nesse caso, as sentenças seriam amenizadas,
dependendo da violação cometida. Tal prática se mantivera ao longo da Idade
Moderna.
"A
eficácia do édito de graça deve ser examinada em dos níveis: do ponto de vista
da obtenção de confissões e de denúncias, constata-se um primeiro momento de
grande sucesso, com a apresentação de centenas de penitentes em cada tribunal;
do ponto de vista simbólico, a misericórdia dos novos tribunais é sublinhada e
ostentada por esse ato de fundação". (BETHANCOURT, 2000, p. 150).
No
entanto, os éditos de graça podiam serem utilizados para casos específicos.
Inicialmente na Inquisição Espanhola, tais éditos eram mais voltados para os
cristãos-novos, e em 1522 o tribunal de Saragoça expediu um édito de graça
dirigido as bruxas e feiticeiras que comparecessem aos tribunais de forma
deliberada. De fato, 22 acusadas de bruxaria compareceram, mas minhas fontes
não indicam se alguma foi poupada de ser queimada ou foi absolvida da
acusação.
"A
estrutura dos éditos de fé é composta, em geral, de um protocolo inicial, um
texto e um protocolo final. O interesse do protocolo inicial reside na
titulação, na qual os autores do édito se identificam, explicitando seus títulos
e o quadro geográfico de sua ação. As diferenças práticas entre a Inquisição
romana e as Inquisições hispânicas são imediatamente visíveis: na Itália, os
inquisidores indicam os seus nomes, ordem religiosa a que pertencem e títulos
acadêmicos, enquanto no mundo ibérico os inquisidores são quase anônimos,
permanecendo escondidos por detrás da designação plural do coletivo do tribunal".
(BETHANCOURT, 2000, p. 150).
Os
éditos de fé abordavam distintos
assuntos: anunciavam a visita de um inquisidor a um distrito ou colônia se
fosse o caso; anunciava a ocorrência de um auto de fé; a nomeação de um novo
inquisidor-geral ou inquisidor; anunciava a abertura de um tribunal; compunha
parte de sermões públicos e privados; anunciava a inspeção dos tribunais, o
controle dos livros, os delitos e práticas proibidas, etc.
Nos
éditos de fé, podia-se ler algumas práticas consideradas heréticas, isso servia
de duas maneiras: uma, para que as pessoas ficassem ciente do que era proibido
ou não; segundo, se alguém soubesse de alguma pessoa que estava praticando tais
delitos, poderia delatá-la ao tribunal.
"O
édito publicado no momento da fundação da Inquisição portuguesa, em 1536,
embora se situe em um contexto um pouco diferente, apresenta uma tipologia de
crimes bastante extensa - ritos e cerimônias do judaísmo e do islamismo,
opiniões heréticas e erros luteranos, sortilégios e feitiçaria -, que não é
caracterizada de uma forma aprofundada". (BETHANCOURT, 2000, p. 150).
Outro
ponto que deve ser destacado em relação aos éditos de fé era que se o prazo
estipulado nesses dependendo do evento prenunciado no documento, fosse
desrespeitado e não seguido pelo povo, o protocolo final do édito dizia que o
inquisidor detinha o direito de excomungar qualquer pessoa que se mostrasse
contra as diretrizes da Inquisição. Nesse caso, se uma testemunha de acusação e
defesa não comparecesse no tribunal na
data estipulada ou se um delator estivesse mentindo, estes seriam considerados
traidores e defensores dos hereges e suspeitos de também serem hereges, logo
eles seriam censurados e seria realizada a cerimônia de declaração do anátema.
O
anátema era uma cerimônia exclusiva da Inquisição espanhola, os portugueses e
italianos não quiseram adotar tal prática, embora que excomungassem pessoas em
outras ocasiões. A excomunhão do anátema era proferida em uma cerimônia aos
domingos, onde um padre ou abade seguido por outros membros da sua igreja
realizavam uma procissão breve onde recitavam m canto em latim chamado Kyrie eleison. A procissão se
passava dentro da igreja, de onde o
padre e seus seguidores atravessavam a nave, saindo da entrada até o altar-mor,
lá ele leria o anátema e excomungaria os acusados. Se um católico for
excomungado, quando ele morrer, sua alma vai direito para o Inferno, já que o
mesmo apresentou conduta indigna de compaixão pela Igreja e pelas palavras do
Senhor.
Por
fim os chamados éditos particulares ou
éditos gerais, consistiam em
documentos dirigidos a população abordando questões mais inerentes ao
cotidiano, como a anunciação da proibição de livros, a inserção de novos delitos
no regulamento, avisos sobre eventos da instituição que iriam decorrer, etc. Em
suma, os éditos particulares possuíam questões similares aos éditos de graça e
fé, porém, este eram inicialmente dirigidos as autoridades clericais, os quais
posteriormente repassavam o assunto para a população. Já os éditos particulares
eram dirigidos diretamente ao povo. Como exemplo falarei da censura dos livros,
onde vários éditos particulares foram publicados acerca deste tema.
Em 1559 durante o Conselho de Trento (1545-1563) o papa e os doutores da Igreja
decidiram criar o Index Librorum Prohibitorum (Lista de Livros Proibidos), um dos
motivos para a criação desta lista era uma tentativa de se combater os
ensinamentos do protestantismo que se espalhavam pela Europa, não obstante, a
lista demarcava todos os livros que eram considerados impróprios para os
leitores cristãos.
A
censura literária não era algo novo em 1559, vários anos antes na Inquisição
Espanhola e Portuguesa ambas já haviam expedido éditos particulares proibindo a
comercialização, impressão e leitura de alguns livros. No caso dos espanhóis
nos anos de 1521, 1530 e 1531 foi publicados éditos que anunciavam uma
fiscalização da Inquisição a livrarias, bibliotecas, imprensas, jornais, navios
e depósitos onde pudessem está armazenados tais livros. Os éditos não apenas
anunciavam a censura, mas também oficializavam as visitas e inspeções dos qualificadores a tais estabelecimentos. Tais
éditos continuaram a serem expedidos até próximo aos últimos anos de cada uma
das três inquisições, já que as listas eram constantemente atualizadas.
As
obras que foram proibidas pela Igreja passaram das centenas, e principalmente
dizia respeito a trabalhos de cunho filosófico, exotérico, científico,
histórico e até mesmo ficcional, como romances e poesias, os quais foram
considerados abusivos aos olhos da Igreja.
Filósofos
como Casanova, Voltaire, Rousseau, Hume, Kant, Giordano Bruno, Descartes
tiveram alguns de seus livros proibidos. Homens das letras ou filósofos
naturais (o termo cientista não era utilizado antes do século XIX) como
Copérnico, Galileu, Francis Bacon, Diderot, La Fontaine, Vico, etc, também
tiveram obras proibidas. No caso dos poetas e romancistas, autores consagrados
como Dante Alighieri, Boccaccio, Victor Hugo, Stendhal, Alexander Dumas,
Rabelais, Balzac e outros também estiveram com a "ficha suja".
Por
um lado tais livros não eram apenas confiscados, eles também poderiam serem
queimados. Um dos casos mais marcantes, aconteceu no México, onde no século XVI
milhares de livros maias foram queimados, por terem sido considerados obras
heréticas que faziam apologia ao Diabo. Hoje, existem apenas fragmentos de
alguns desses livros ou cópias bem raras em língua espanhola.
Pintura retratando o queimamento de livros maias. |
"Se
os éditos particulares desempenham um papel importante na atividade das
Inquisições hispânicas, seu peso no funcionamento da Inquisição romana é
esmagador. Com efeito, os tribunais italianos publicam éditos sobre os assuntos
mais diversos respeitantes à sua jurisdição, intrometendo-se também nos casos
de sacrilégio, falsos milagres ou santidade não consagrada pela Igreja".
(BETHANCOURT, 2000, p. 180).
AUTO DE FÉ
Antes
de descrever a cerimônia dos autos de fé, primeiro devemos compreender por
quais motivos os autos de fé eram realizados e o impacto que isso causava na
sociedade. Como foi dito já ao longo deste texto, existia uma lista de vários
delitos considerados como heresias pelos olhos da Igreja, nesse caso farei
menção há alguns destes delitos, e posteriormente adentrarei ao fato das
condenações e julgamentos, embora não me prenderei a descrever um julgamento,
já que é algo extenso e me falta mais fontes acerca do mesmo.
Acerca
dos delitos considerados heréticos pelas inquisições entre alguns, estavam:
- Bruxaria/Vampirismo/ Licantropia;
- Práticas de adivinhação;
- Blasfêmias;
- Judaísmo;
- Islamismo;
- Protestantismo;
- Ortodoxia grega;
- Paganismo;
- Ateísmo/Apostasia;
- Livros proibidos;
- Abuso sacramental;
- Atos contra a inquisição;
- Bigamia/Concubinato;
- Fornicação;
- Adultério;
- Sodomia/Homossexualismo;
- Solicitação;
- Falso testemunho em defesa dos acusados de heresia;
- Proteger e ajudar os acusados de heresia.
No
entanto havia outros delitos que eram classificados como heresias diversas. Porém, nem todos os delitos era passíveis de
morte, em alguns as pessoas ficavam alguns meses ou anos preso, em outros eles
apanhavam ou eram torturados e depois soltos, em outros eram repreendidos e
humilhados publicamente e assim por diante. No entanto, nos casos mais graves
as pessoas, era queimadas, enforcadas e garroteadas.
Instrumentos de tortura do conjunto "dama de ferro". |
Vou
dá dois exemplos bem famosos. Em 1600 o filósofo, teólogo e ex-frade dominicano
Giordano Bruno foi sentenciado pela Inquisição Romana a ser queimado na
fogueira. Seus livros foram considerados heréticos e proibidos. Mas embora
tenha sido preso em 1592 e terem decorrido vários sessões de seu julgamento e
sessões de tortura para que confessasse os crimes, foi oferecido a Giordano o
perdão, no entanto ele se negou todas as vezes, argumentando que não havia
feito nada de errado. Giordano foi queimado em 17 de fevereiro em Roma,
morrendo aos 52 anos.
Alto relevo retratando o julgamento de Giordano Bruno. |
Outro
caso diz respeito a outro italiano famoso, Galileu Galilei (1564-1642). Embora
não tenha sido morto pela Inquisição Romana, Galileu foi acusado duas vezes
por crimes de heresia, pelo fato de descordar da palavra da Igreja, defendendo
a veracidade do modelo heliocêntrico
proposto por Nicolau Copérnico, em
ambas as vezes o mesmo compareceu ao tribunal, mas negou as acusações para se
salvar. No entanto após a segunda acusação de heresia dada em 1633, Galileu
novamente negou que estava defendendo a veracidade do heliocentrismo, embora
fosse realmente no que ele acreditava ser real. Mesmo assim, a Inquisição o
sentenciou a prisão domiciliar. O mesmo passou alguns anos morando em Roma, até
que pediu para ir para Florença, onde vivia uma das suas filhas. Em Florença
ele passou os últimos anos de sua vida em prisão domiciliar, embora não tivesse
tanto efeito assim, Galileu já estava cego e bem doente.
Pintura retratando o julgamento de Galileu Galilei. |
Mas
se por um lado Galileu conseguiu se salvar da morte das mãos da Inquisição
negando-se a si mesmo, outros não tiveram a mesma sorte. Milhares de mulheres
foram acusadas de bruxaria, embora necessariamente não fossem bruxas, mas mesmo
assim morreram queimadas nas fogueiras tanto das Inquisições como em outros
países onde não havia inquisição. Supostos vampiros e vampiras e lobisomens
também foram perseguidos, capturados, torturados nos tribunais se fosse o caso,
o eram diretamente queimados, enforcados, degolados (no caso dos vampiros).
Gravura medieval retratando bruxas sendo queimadas vivas. |
Mas
passamos para a questão dos auto de fé em si. Os autos de fé eram grandes
eventos cerimoniais onde alguns condenados pela Inquisição seriam expostos a
humilhação pública, nesse caso, os condenados de morte, teriam seu fim e outros
condenados de crimes menos graves teriam que realizar a "caminhada"
da humilhação, utilizando trajes que indicavam seus crimes. Tais pessoas trajavam mantos brancos e carregavam uma vela acesa na mão, usavam um chapéu alto e cônico chamado de mitra, com desenhos ou símbolos que indicavam o crime por qual foi acusado. Tais homens e
mulheres teriam que depois se ajoelharem aos inquisidores e fazerem abjuração
pelos seus crimes, a fim de receberem o perdão por estes. Não obstante, os
autos de fé, eram uma prática mais comum nas Inquisições hispânicas, tendo
ocorrido até mesmo na América Latina, no México e no Peru como foi o caso.
Condenados em uma procissão do auto de fé, trajando mantos e o mitra. |
O
inquisidor-geral expedia uma declaração solicitando ao Conselho sobre a
realização de um auto de fé, ele explicava as necessidades, e se o Conselho
concordasse com seus argumentos eles o avisavam que o auto poderia ser
realizado. Assim o inquisidor-geral despachava um édito de fé e éditos
particulares avisando os inquisidores de um determinado tribunal sobre a
ocorrência de um auto de fé. O povo era avisado também sobre o acontecimento. O
aviso era dado pelo menos com três semanas ou um mês de antecedência para que
tudo pudesse ser preparado e estivesse pronto para a data marcada.
Os
autos de fé inicialmente eram cerimônias simples, arquibancadas eram armadas,
um palco ou palanque, de onde os inquisidores leriam os sermões para a abertura
e encerramento da cerimônia, além de ler as sentenças e os nomes dos acusados
que seriam executados naquele momento. Os locais de execução ficavam ou em
locais onde se realizavam execuções comuns pelas autoridades civis, geralmente
em praças próprias para isso, ou eram feitos foi da cidade, onde se armavam as
fogueiras, forcas, cadafalsos, etc.
Nesse
caso, na cerimônia havia a presença de centenas e até mesmo de milhares de
pessoas, entre os funcionários da inquisição, autoridades civis, clérigos, a
população em si e em alguns casos a nobreza e a realeza compareciam. Houveram
alguns reis de Portugal e Espanha que participaram de alguns autos de fé.
Pintura representado um auto de fé. Na parte cima ao centro, pode-se ver o rei e a rainha. |
"A
cerimônia de anúncio público do auto de fé conheceu, portanto, um grande desenvolvimento
relacionado a circunstâncias de momento e local. Nesse processo, a proximidade
do poder central, sobretudo a participação do rei no rito, introduziu novas
exigências cerimoniais, que se refletiram nos procedimentos de
publicação". (BETHANCOURT, 2000, p. 223).
"No
início, o auto realizava-se durante a semana, sem uma sincronia clara com o
calendário religioso. O excepcional era procurado não apenas nas
características da cerimônia, mas também no tempo de celebração, pois o
inquisidor impunha um dia feriado com assistência obrigatória. Posteriormente,
com a normalização e o enraizamento do rito, constata-se um esforço para fazer
coincidir o dia da cerimônia com um domingo, cuja excepcionalidade é criada por
uma série de interditos: os padres da cidade não podiam celebrar missas
cantadas, os sermões não eram permitidos e as pessoas não podiam circular com
armas em ser transportados por cavalos, sendo toda a cidade colocada sob o
controle da Inquisição para a organização do espetáculo de fé". (BETHANCOURT,
2000, p. 227-228).
No
dia anterior ao auto de fé, ocorria no caso da Inquisição Espanhola, a procissão
da cruz verde, onde os inquisidores e outros funcionários realizavam uma
procissão pela cidade, acompanhados dos condenados, na qual eles saíam do
tribunal e seguiam carregando a cruz verde até o local onde seria sediado o
auto de fé.
Procissão de um auto de fé em Lima, Peru. |
"A
cruz tinha grandes dimensões (cerca de dois metros de envergadura) e
simbolizava a redenção de Cristo, supostamente posta em causa pelos hereges. A
simbologia da cor é relativamente evidente: o verde era utilizado como cor
litúrgica em dias de festa normais e está ligado à idéia de esperança".
(BETHANCOURT, 2000, p. 235).
Não
podemos esquecer que a ideia de esperança tinha dois pontos de vista; a
abjuração e arrependimento dos condenados e a salvação da alma dos condenados a
pena de morte.
"Os
autos de fé podiam durar por vezes dois ou três dias, não apenas por causa da
complexidade do cerimonial, mas também devido ao número de condenados (que
podia atingir, nas vagas de repressão mais intensa, 150 ou mesmo 200 pessoas).
Tudo isso tornava mais difícil e morosa a cerimônia, exigindo um aparelho de
apoio contínuo e complexo, assim como um sistema que desse conta da circulação
das pessoas no inicio e no fim da jornada". (BETHANCOURT, 2000, p. 235).
Após
a leitura dos sermões, das acusações, das abjurações, éditos de fé ocorriam as
execuções. Pessoas eram enforcadas, garroteadas e queimadas vivas ou
posteriormente tinha o corpo queimado após terem morrido por enforcamento ou
garroteamento.
Curiosamente,
tentava-se ao máximo se evitar as execuções, já que as mesmas eram vistas como
um fracasso por alguns, ou seja, se aquela pessoa seria executada por heresia,
era porque os servos do Senhor não conseguiram salvá-la em vida das tentações
do Diabo, sendo assim, se uma pessoa pedisse abjuração e se arrependesse
profundamente do que fizera e consentisse que seria justo com o próximo assim
como Cristo determinou, era um grande ganho. No entanto, nem sempre todos
enxergavam por esse lado, a execução era a forma mais sensata de salvar a alma
do condenado embora este viesse a morrer, e ao mesmo tempo servia de exemplo
para que isso não voltasse a se repetir. Milhares morreram nas mãos das
inquisições ao longo destes séculos.
O FIM DAS
INQUISIÇÕES
Inquisição Romana
No
século XVIII a Inquisição Romana a que começou mais tardiamente, foi a
primeira a ser abolida. Por volta de 1718 alguns Estados italianos começaram os
processos para abolir a pratica da inquisição em seus territórios e fechar de
uma vez os tribunais. Após 1748 o processo foi definitivo, até 1800, todos os
tribunais da península itálica haviam encerrado suas atividades.
Embora
a Inquisição Romana tenha sido rígida em alguns preceitos burocráticos, a
desunião entre os Estados italianos, a heterogenia do funcionamento dos
tribunais, a intervenção das entidades civis sobre os estatutos da inquisição,
contribuíram para que a Inquisição Romana não fosse tão coesa e poderosa como
visto em Portugal e Espanha.
Os
franceses os quais chegaram a ocupar partes do território italiano durante
vários anos, eram contrários aos tribunais inquisitoriais, os mesmos haviam
abolido as inquisições episcopais de seu território há várias décadas, além do
mais, a França nessa época era o berço do Iluminismo, movimento que atacava
vários dogmas e práticas impostas pela Igreja Católica.
A
abolição do Tribunal da Sicília,
foi promovida pela vontade do rei Ferdinando
III, senhor das Duas Sicilias, o
mesmo com apoio de seu vice-rei e vários membros do governo enviaram uma
petição a Congregação solicitando o fim das atividades inquisitoriais em seus
domínios. No documento alegava uma série de fatores que tornavam inviáveis a
continuidade do tribunal. O pedido foi aceito e o fechamento se deu de forma
pacífica, algo que não ocorrera da mesma forma em outros locais, onde houveram
confrontos armados. O Tribunal da Sicília foi encerrado em 1782.
"A
supressão da Inquisição na Sicília não foi um fenômeno isolado no quadro
italiano não apenas porque o processo de abolição utilizou, em uma primeira
fase, o capital de práticas de resistência constituído por outros Estados, mas
também porque esse processo se inseriu numa cadeia de outros atos de extinção,
talvez bastante importantes para a derrocada do tribunal". (BETHANCOURT,
2000, p. 389).
Outros
tribunais que fecharam por volta da mesma época foram: Nápoles, em 1746; Parma,
em 1768; Milão, em 1775; Toscana, em 1782; Modena, em 1785. Veneza, Gênova e
Turim foram os últimos juntamente com Roma a abolir a inquisição, tendo o
processo ocorrido entre 1796 e 1800.
Os
papas Clemente VI, Clemente VII e Pio VI viram que a derrocada dos tribunais era eminente. Os
governos dos Estados italianos pressionavam pela abolição dos tribunais em suas
terras, os franceses faziam pressão externa, até mesmo o povo estava indignado
e revoltado em alguns casos, o que levou a conflitos armados em alguns locais.
Persistir com a inquisição poderia levar a uma guerra entre o papado e os
Estados Italianos. O mais sensato era por fim ao sistema e manter a dignidade e
a autoridade intactos.
Inquisição
Portuguesa:
O
primeiro tribunal a ser abolido foi o de Goa o qual foi fechado em 1774,
embora que oficialmente seu encerramento só foi legalizado em 1812, já que o
mesmo havia voltado a funcionar em 1778. Os motivos que levaram o encerramento
das operações do tribunal de Goa, era que primeiro, a distância era um
problema, levasse cerca de um ano para se comunicar-se com o tribunal, já que a
viagem era feita contornando-se a África, o caminho das índias de Vasco da
Gama. Não obstante, os ingleses nessa época já possuíam forte influência sobre
partes do território indiano e até mesmo no Império Chinês, e a Coroa Britânica
era contra as práticas da inquisição. Além disso, os próprios indianos, os
quais em sua maioria formavam a grande quantidade de cristãos no Oriente,
também não viam com bons olhares a inquisição, fossem indianos cristãos ou não.
Isso contribuiu para enfraquecer a autoridade do tribunal nestas terras,
levando a Coroa a decidi-lo aboli-lo, antes que o pior acontecesse.
Não
obstante, durante o governo do primeiro-ministro, o Marquês de Pombal, o qual
atuou no cargo de 1750 a 1777, o próprio despachou leis e reformas que
interferiam na autonomia da Inquisição Portuguesa, por um tempo a censura da
Inquisição foi incumbida pela Real Mesa Censória, órgão criado pelo ministro,
não obstante, um dos irmãos do ministro chegou a ser inquisidor e diretor,
nomeado pelo próprio. Com a demissão de Pombal em 1777, a Inquisição recobrou
sua autonomia e as mudanças e alguns dos órgãos criados pelo marquês foram
abolidos.
Quanto
ao Brasil e aos territórios na costa ocidental da África, estes ainda se
mantiveram submetidos ao Tribunal de Lisboa até sua abolição em 1821, no
entanto, nenhum outro inquisidor visitou as colônias após o século XVIII, a
Inquisição, de fato só estava operante no reino. Para entendermos melhor o
processo que levou ao fim da Inquisição Portuguesa, devemos falar um pouco da
História do Brasil.
Em
1808, a Família Real Portuguesa se estabeleceu com a corte, na cidade do Rio de
Janeiro, então capital da colônia do Brasil. Foi a partir do Rio que o
príncipe-regente e posteriormente rei, D. João VI governava o império
ultramarino português. Portugal estava sob a administração de um interventor
britânico, já que os ingleses eram aliados dos portugueses. Enquanto Napoleão
prosseguia com suas guerras, a Europa não era um lugar seguro.
D.
João VI ficou no Brasil até 1820, quando tumultos iniciados na cidade do Porto
prediziam o anúncio de uma possível revolução que viesse a tomar o reino.
Temendo perder o controle de Portugal, e pressionado pelas elites brasileiras e
portuguesas para retornar a metrópole, D. João VI deixou seu filho como
príncipe-regente do Brasil, e retornou com parte da corte para Portugal, lá em
1821 ele ora pressionado pela Cortes (designação dada ao conselho de nobres de
várias províncias do reino) e a Assembleia Constituinte (a assembleia foi criada por liberais por em 1819-1820, embora a proposta fosse mais antiga) a
aprovar uma constituição para o reino, até então o Estado português não possuía
uma constituição. O rei relutou muito, mas acabou assinando a constituição, e
uma das prerrogativas contidas no documento dizia respeito a abolição da
Inquisição Portuguesa no reino e nas colônias. Tal prerrogativa era defendida
por alguns inquisidores e tinha até mesmo o apoio do próprio inquisidor-geral
na época, embora que o Conselho estivesse dividido acerca do final de suas
atividades.
"O
decreto final, enviado pelas cortes para a regência do Reino em 31 de março e
publicado em 5 de abril, não introduziu muitas modificações no projeto de
Margiocchi: o primeiro artigo reproduz a argumentação das cortes de Cádiz,
considerando o 'Santo Oficio' incompatível com as bases da Constituição; em
seguida a jurisdição (apenas espiritual) sobre os delitos de heresia é
restituída à Justiça episcopal, sendo revogadas as leis e ordens do tribunal da
fé, os bens são integrados ao Tesouro Nacional, os livros, processos e
manuscritos, incorporados á Biblioteca Pública de Lisboa, e são atribuídas
pensões de reforma aos funcionários". (BETHANCOURT, 2000, p. 388).
O
processo de finalização em Portugal foi pacífico se comparado ao espanhol o
qual foi o mais tumultuoso das três inquisições. A aprovação da Constituição
pusera fim as práticas cruéis da Inquisição como foram designadas.
Inquisição
Espanhola:
A
Inquisição Espanhola foi a mais poderosa e longeva das três grandes
inquisições. Foi a primeira a começar e a primeira a terminar. No entanto,
durante a ocupação dos exércitos de Napoleão no reino, a Inquisição foi suspensa temporariamente, até as tropas deixarem o território e o funcionamento
voltar ao normal. Se Napoleão tivesse mantido por mais tempo o controle sobre
Portugal e Espanha provavelmente teria abolido de vez as inquisições, ou as
suprimidas por maior tempo. O próprio não era a favor de tais práticas, embora
que em suas campanhas militares ele causou a morte de mais de 1 milhão de
pessoas.
"A
tranquilidade da abolição do "Santo Ofício" na Sicília contrasta com
a turbulência do processo de supressão do tribunal na Espanha. Trata-se, nesse
caso, de um processo dinâmico e não de um ato definitivo, tomado na sequência
de uma madura reflexão da elite política. Processo turbulento, também, pois
constatamos no curto prazo a tomada de decisões contraditórias, fruto de uma
relação de forças políticas instável, que coloca o futuro do tribunal no centro
do conflito entre liberais e absolutistas". (BETHANCOURT, 2000, p. 380).
O
processo de abolição da Inquisição Espanhola tivera inicio propriamente dito em
1808, após as tropas de Napoleão ocuparem o reino, o próprio nomeou seu irmão
mais velho, José Bonaparte
(1768-1844) como rei de Espanha. Decretou o fim da inquisição, de fato ele
chegou até mesmo a aprovar os documentos que oficializava o fim da inquisição.
No entanto, José Bonaparte tivera que abandonar o poder após revoltas dos
espanhóis contra o domínio dos franceses, ele deixou o trono em 1813. A abolição proferida pelo rei
francês não foi levada a sério e nem considerada, os tribunais ainda se
mantinham em funcionamento.
Após
a retomada do país pela coroa espanhola, um novo processo de supressão da
inquisição ocorreu em 1823, baseada
na Constituição de Cádiz. Em 1808, José
Bonaparte por meio de sua Constituição abolira a inquisição, mas com sua
derrocada, a entidade permaneceu e uma nova Constituição foi elaborada.
"Contudo,
a nova supressão da Constituição de Cádiz, em 1823, tinha criado uma situação
de ambiguidade em relação ao tribunal, apesar do decreto específico de
abolição. Essa situação foi explorada pelos bispos mais nostálgicos do antigo
sistema, que em 1824 e 1825 criaram juntas de fé para perseguir os delitos de
heresia, organizações que pretendiam retomar o processo inquisitorial".
(BETHANCOURT, 2000, p. 384).
Nesse
ponto a situação era complicada. O rei Fernando VII cogitava abolir de vez a
Inquisição Espanhola, contudo ameaças e embates na justiça, pelos defensores da
inquisição faziam ele relutar em tomar a decisão final. Não obstante, alguns
clérigos eram contrários a permanência da inquisição, e organizaram manifestos
e protestos contra a mesma.
O
debate pela abolição da Inquisição Espanhola ainda perdurou por mais dez anos,
até que em 1833 o rei veio a falecer, nesse contexto, o rei nos últimos anos
estava se preocupando e garantir o trono a para sua filha. No entanto o irmão
do rei D. Carlos Maria Isidoro de
Bourbon, cogitava tomar o trono para si. Tais confrontos foram chamados de Guerras Carlistas, no entanto, a filha
de Fernando conseguiu assumir o trono após a morte do pai, se tornando a rainha
Isabel II de Espanha.
Foi nesse conturbado episódio, temendo as ameaças de seu tio que ainda tentava-lhe
usurpar o poder, os protestos dos grupos liberais e absolutistas os quais a
apoiavam, a rainha decretou em 15 de
julho de 1834 a abolição da Inquisição Espanhola de forma definitiva, pondo
fim nos problemas que o seu pai enfrentava acerca de dez anos a respeito destes
assuntos.
A
inquisição foo abolida do reino após 350 anos de funcionamento. Já as colônias,
estas já haviam ganhado suas independências há alguns anos, e logo, por sua vez
aboliram a inquisição em seus territórios. A inquisição espanhola pusera um fim
no legado inquisitorial iniciado a quase sete séculos.
Referência Bibliográfica:
BETHENCOURT, Francisco. História das Inquisições: Portugal, Espanha e Itália - séc. XV-XIX. São Paulo, Companhia das Letras, 2000.
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