sábado, 21 de maio de 2022

Os deuses animais do Egito Antigo

Os deuses egípcios são principalmente lembrados por serem antromórficos, ou seja, possuíam corpo humano, mas cabeça de animais. Embora que nem todas as divindades seguissem essa característica, havendo deuses totalmente com forma humana como Isis, Osíris, Pthah, Aton, Amon, entre outros, e até alguns deuses que possuíam mais de uma forma. No entanto, o presente texto apresenta de forma simples as principais divindades animais egípcias e suas funções religiosas. 

Introdução

Menções aos deuses egípcios existem a mais de cinco mil anos atrás, remontando os primórdios do surgimento do próprio Egito. As divindades egípcias englobavam uma série de atributos e valores, elas representavam a natureza, lugares, emoções, ações, ideias, algo visto em outras religiões como a dos gregos, hindus e chineses. Algumas divindades eram adoradas em todo o reino, outras eram deuses padroeiros, associados a determinada região ou cidade. Alguns deuses somente passaram a receber destaque em determinadas épocas. Houve também o sincretismo religioso com deuses estrangeiros, advindos da Cananéia, Síria, Mesopotâmia, Núbia, Grécia etc. 

Os deuses possuíam mais de um nome e até epítetos. Alguns eram parentes como pais, filhos e irmãos, possuindo uma genealogia básica, embora não tão desenvolvida como a dos gregos. Outros deuses não possuíam uma conexão genealógica definida. Não obstante, os deuses eram definidos como sendo masculinos e femininos, alguns apresentavam características andróginas. O incesto divino também ocorria em alguns casos, por conta disso, a realeza o adotou como prática. 

O culto aos deuses era feito de diferentes formas, havendo cultos públicos, domésticos, exclusivos em templos, exclusivos para os sacerdotes, ritos iniciáticos, cultos reais, cultos secretos, sacrifícios de animais, festivais religiosos etc. A religião era algo marcante na vida dos antigos egípcios, os quais acreditavam que os deuses os observavam no dia a dia. Embora as divindades não se manifestassem fisicamente para os humanos, a mitologia traz relatos que isso tinha ocorrido no passado, porém, os deuses enviavam sinais ou poderiam se manifestar através de seus animais.

Apesar de cada deus possuir suas funções específicas, em geral, acreditava-se que os deuses prezavam pela manutenção da ordem universal, que mantinha o equilíbrio no mundo dos vivos e dos mortos. Neste ponto, a religião egípcia tinha uma grande preocupação com o destino da alma, havendo a ideia de julgamento dos pecados (Balança de Maat), de paraíso (Campo de Juncos) e inferno (Duat). Somado a isso também se tinha a crença na ressurreição, por isso a mumificação e outras formas de assegurar a proteção dos restos mortais. 

A religião egípcia antiga também tinha um papel estatal e real, os sacerdotes dos grandes templos detinham poder político, social e econômico devido as doações e tributos pagos aos seus templos; por sua vez, algumas divindades eram conhecidas por protegerem o faraó e sua família, sendo o faraó ora considerado um deus encarnado ou o representante maior dos deuses. Sobre isso, é válido mencionar que para os egípcios, a realeza era sagrada, o cargo de faraó era algo embasado religiosamente. 

Deuses animais

Anúbis: o deus com cabeça de cachorro ou chacal, era filho de Osíris e Néftis, ou de Seth e Néftis, sendo uma divindade associada com a mumificação e o mundo dos mortos. Apesar de ser retratado na ficção como um deus sombrio, Anúbis não era uma divindade maléfica. Seu nome egípcio era Inpu, também grafado como Anup, Anpu e Ienpw, a versão Anúbis é a forma grega de seu nome. 

Anúbis, o deus da mumificação. 

Bastet: originalmente uma deusa leoa, associada com a violência e a proteção dos deuses. Somente a partir do Império Novo (1560-1070 a.C), Bastet passou a ser cultuada mais regularmente como uma deusa gata, estando associada com a proteção dos humanos, dos faraós e da fertilidade. O centro de seu culto ficava em Per-Bastet, chamada de Bubástis pelos gregos. 

Estátua de bronze da deusa Bastet e quatro gatos. 

Geb: era o deus da terra, possuindo normalmente a aparência humana, mas as vezes usava uma coroa com um ganso, embora pudesse aparecer com a cabeça de cobra também. Ele era casado com Nut, a deusa do céu, e ambos eram os pais de Osíris, Ísis, Seth e Néftis. Geb era um dos deuses primordiais que formavam a Enéade, grupo de nove deuses. 

Representação de Geb com um ganso em sua cabeça, animal símbolo seu. 

Hapi: era um dos quatro filhos de Hórus, ele possuía a cabeça de babuíno. Hapi ao lado de seus irmãos Imseti (humano), Duamutefe (chacal) e Quebesenuefe (falcão), formavam o grupo de divindades fúnebres associada a proteção dos órgãos. Hapi era o responsável por proteger os pulmões. Ele era normalmente representado nos canopos, urnas funerárias usadas para guardas alguns órgãos específicos. 

Canopos representando os quatro filhos de Hórus, da direita para esquerda: Imseti, Hapi, Duamutefe e Quesebenuefe. 

Hatmehit: ela era representada de forma humana, mas em sua coroa encontrava-se a imagem de um peixe. Ela também poderia ser representada por um peixe. Era uma divindade associada com a pescaria e a fertilidade dos rios e lagos. Seu principal local de culto era em Mendes, no 16o Nomo, na região do Baixo Egito. Devido a sua conexão com a fertilidade, seu culto foi associado com o de Ísis, Hathor e Néftis. 

Estatueta de Hatmehit, a deusa dos peixes. 

Hathor: a deusa poderia ser apresentada com cabeça de vaca ou em forma humana. Ela as vezes também era retratada como uma mulher com orelhas de vaca ou chifres. Era uma divindade associada com o céu, o sol, a realeza, a fertilidade, o amor, a família e o auxílio no pós-vida. Era cultuada em várias partes do Egito, destacando-se Dendera durante o Império Antigo (2686-2160 a.C). Em algumas épocas era representada como esposa de Rá. A deusa também absorveu os cultos de outras deusas vacas como Bat e Hesat

Estatueta de bronze do século VII a.C, retratando Hathor com cabeça de vaca. 

Heket: era a deusa com cabeça de sapo, sendo cultuada desde o Império Antigo como uma divindade protetora das mulheres gestantes. Heket costumava ser invocada sobretudo quando as mulheres tinham gravidez problemática ou problemas durante o parto. Posteriormente, a deusa também se tornou uma divindade associada com a vida e a proteção doméstica. Ela era casada com Hek. 

A deusa Heket ajoelhada, segurando um ankh.

Hórus: uma das principais divindades egípcias, era o deus com cabeça de falcão. Ele era filho de Osíris e Ísis, sendo meio-irmão de Anúbis. Hórus era uma divindade associada com o céu, a realeza, a proteção do faraó, mas também tinha atributos que o ligavam a guerra e a vingança, já que ele matou seu tio Seth, vingando a morte de seu pai. As principais cidades de seu culto eram Nequém (ou Hieracômpolis) e Edfu. O deus era casado com Sélquis. 

Hórus seu avô Geb. 

Khepri: o deus com cabeça de escaravelho, era uma divindade solar, associada com o nascer do Sol, e considerado um deus-auxiliador de Rá, ajudando-o a sair do submundo. Segundo as crenças religiosas e mitológicas, durante à noite, Rá viajava pelo submundo (Duet), a partir do Oeste para o Leste. Assim, após cansado por uma longa e perigosa jornada, Khepri o ajudaria a empurrar seu barco para voltar ao céu. 

O deus Khepri, aquele que ajuda o sol a voltar para o céu.

Mafdet: era uma antiga deusa da justiça podendo ser representada normalmente na forma humana, raramente com a cabeça de guepardo ou lince. Embora haja representações suas como um desses dois animais. Posteriormente ela se tornou uma deusa protetora, protegendo de ataques de cobras e escorpiões. Também se tornou uma deusa guardiã dos aposentos do faraó. Devido a sua ligação em proteger de cobras, a deusa se tornou uma das inimigas da serpente Apófis, no submundo. 

A deusa Mafdet lutando contra a serpente Apófis. 

Nekhbet: a deusa abutre, era uma divindade ligada ao Alto Egito, protegendo essa região. Ela se tornou também uma guardiã dos faraós, fazendo dupla com a deusa Uadjet. Em algumas épocas a coroa do faraó trazia uma serpente e um abutre, representando ambas as deusas protetoras das duas maiores regiões das terras do Egito. 

A deusa Nekhbet em forma humana, mas possuindo asas, as quais ela usa para proteger um faraó. 

Quenum: também chamado de Khnum ou Quenúbis, era o deus com cabeça de carneiro, um antigo deus associado com a criação. Ele era ligado com o Alto Egito e a Núbia, sendo responsável por regular as cheias do Nilo. Era uma divindade também associada com a vida, sendo responsável por ter criado deuses e humanos. Ele era chamado de o oleiro ou o modelador, por conta disso, também estava ligado ao ofício da olaria. Era principalmente cultuado em Elefantina e Esna

Quenum o deus criador da humanidade.

Rá: outro dos notáveis deuses-falcão, sendo uma divindade bastante antiga, estando associada com o céu e a realeza, mas principalmente lembrado como um dos deuses do sol. Seu principal local de culto era em Inun (Heliópolis). Rá foi associado a outros deuses solares como Amon, Atum e Aton, por conta disso, haver os nomes de Rá-Atum ou Amon-Rá. O deus também já foi associado com Hórus. Rá possuía vários animais sagrados, e no mundo dos mortos ele tem a cabeça de um carneiro. 

Sacerdote tocando harpa para Rá. 

Renenutet: era uma deusa serpente associada a fertilidade e a colheita, sendo uma deusa protetora das plantações e celeiros. Era chamada de "senhora dos grãos". Renenutet também se tornou uma das várias divindades que protegiam o faraó e asseguravam sua fortuna. Seu culto foi associado ao de Ísis por conta da fertilidade. 

Renenutet, deusa da fertilidade, da colheita e das plantações. 

Sélquis: a deusa escorpião, embora ela não tivesse a cabeça desse animal, mas usava uma coroa com o formato de escorpião. É uma divindade bastante antiga e já era referida como uma das deusas guardiães do faraó no Império Antigo. Sua proteção estava mais associada em zelar pelo corpo do faraó, enquanto ele aguardava o dia da ressureição. Algumas versões a identificam como esposa de Hórus, em outras ela não é casada. 

Estatueta representando Sélquis metade humana e metade escorpião. 

Sekhmet: a mais famosa das deusas-leoa, ela estava associada com a guerra, a violência, a vingança, mas também com a cura, pois da mesma forma que ela poderia causar o mal, ela também poderia proporcionar o bem. A deusa também estava ligada a proteção do faraó e sua família. Algumas versões apontam que ela seria filha de Rá e casada com Ptah. Sekhmet era principalmente cultuada em Mênfis e Leontopolis

Sekhmet usando uma coroa solar, devido a ser filha de Rá de acordo com algumas tradições. 

Seth: antiga divindade associada com o deserto, a tempestade, o caos e o perigo. Normalmente aparece com a cabeça de um chacal ou canídeo incertoNa mitologia era o grande rival de Hórus, por quem foi morto. Porém, no mundo dos mortos, Seth se tornou um dos protetores de Rá, protegendo-o dos ataques da serpente gigante Apófis. Seth é uma figura ambígua, pois estava ligado a aspectos positivos e negativos. Seth era principalmente cultuado em Nacada, e com o tempo passou a ser um dos deuses protetores dos faraós. Fato esse que alguns faraós adotaram seu nome. 

Seth e Hórus abençoando o faraó Ramsés II, numa imagem do templo de Abu Simbel. 

Sobek: o deus com cabeça de crocodilo, foi bastante cultuado em diferentes épocas. Seu principal local de culto eram em Faium e Com Ombo, a cidade de Xejete foi chamada de Crocodilópolis pelos gregos, devido aos templos dedicados a ele. Sobek era um deus ligado ao rio Nilo, por conta disso estava associado a fertilidade. Sobek era venerado para que se proporciona uma cheia segura, de forma a tornar os campos férteis para o plantio. O deus também foi associado a Amon e Rá em algumas épocas. 

Representação de Sobek numa parede em Com Ombo. 

Thot: conhecido em egípcio como Djeuti, era o deus com cabeça de íbis, ave sagrada e associada com o conhecimento e os mistérios. Embora que em algumas versões, ele também fosse representado com a cabeça de um babuíno. Por conta disso, Thot era o deus do conhecimento, da sabedoria, da escrita, da música e da magia. Thot era casado com Maat ou Seshat, dependendo da época. O deus também era referido como estar presidindo o julgamento das almas. 

O deus Thot. 

Téfnis: também chamada de Tefenute, uma deusa leoa, sendo esposa de Shu, ambos eram um dos deuses primordiais, associados com o céu. No caso, Téfnis não possuía uma função arisca como Sekhmet, mas era uma divindade benéfica, promovendo as nuvens e a chuva, o que a ligava com a generosidade e a prosperidade, não necessariamente a fertilidade. 

A deusa Téfnis as vezes costuma ser confundida visualmente com Sekhmet. 

Tuéris: a deusa com cabeça de hipopótamo, também chamada de Taweret, sua função estava relacionada com a proteção das mulheres, principalmente durante a gravidez e a maternidade. Assim, era uma deusa ligada a proteção familiar e doméstica, passando também a ser recorrida para a proteção pessoal e auxiliadora das almas, sendo cultuada em várias épocas. Em Amarna foram encontradas muitas estatuetas e imagens da deusa, sugerindo um possível local de culto importante. 

Estatueta de Tuéris, a deusa costuma ser representada com o corpo de uma mulher grávida e os seios caídos. 

Uadjet: a deusa cobra, chamada pelos gregos de Uto, era uma divindade antiga, ligada ao Baixo Egito (a região do Delta). Inicialmente uma deusa da natureza e fertilidade, perdeu tais funções e se tornou uma divindade protetora dos faraós e da realeza, por conta disso, a coroa faraônica costumava trazer uma cobra naja, símbolo apotropaico de Uadjet. 

A deusa Uadjet em forma de cobra. 

NOTA: Nos quadrinhos do Cavaleiro da Lua (Moon Knight), Ammit que é um monstro que devora e pune os maus, é considerada uma deusa. Todavia, na mitologia e na religião egípcia, ela era um monstro, não uma divindade. 

NOTA 2: Nos quadrinhos do Cavaleiro da Lua, o deus da lua e da noite, Khonsu é retratado com a cabeça de um falcão, porém, na iconografia egípcia, o deus era normalmente representado na forma humana. 

NOTA 3: A Enéade ou Pesedjete era um grupo de nove deuses mais importantes. A mais famosa era a enéade de Heliópolis formada por: Atum, Shu, Tefnut, Geb, Nut, Osíris, Ísis, Seth e Néftis

NOTA 4: Não se sabe exatamente quantos deuses os egípcios cultuavam. Pesquisas apontam centenas de divindades, embora menos de trinta fossem as mais normalmente cultuadas. 

NOTA 5: O jogo Age of Mythology (2001) trouxe alguns deuses egípcios, ao lado de deuses gregos e nórdicos. 

NOTA 6: A trilogia literária Crônicas de Kane (2010-2012), criada por Rick Jordan, aborda a mitologia egípcia. 

NOTA 7: O jogo Tomb Raider: The Last Revelation (1999), Lara Croft deve evitar que Seth seja ressuscitado e traga o caos ao mundo.

NOTA 8: O jogo Assassin's Creed: Origins (2017) traz elementos da cultura, sociedade, religião e mitologia do Egito da época de Cleópatra VII. 

Referências bibliográficas: 

CERNY, Jaroslav. Ancient Egyptian Religion. London, Hutchinson University Library, 1957. 

PINCH, Geraldine. Handbook of Egyptian Mythology. Santa Barba, ABC Clio, 2002. 

REMLER, Pat. Egyptian Mythology A to Z. New York: Facts on File, Inc, 2006. 

TRAUNECKER, Claude. Os deuses do Egito. Tradução de Emanuel Araújo. Brasília, Editora da UnB, 1995. 

Links relacionados:

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quinta-feira, 19 de maio de 2022

Os castelos europeus da Idade Média

Os castelos são uma das construções que povoam o imaginário artístico e cultural, pois representam luxo, grandeza, beleza, encanto, mistério, assombro. São construções que evocam uma das características pelas quais normalmente pensamos quando nos perguntam o que existia na Idade Média, assim, falamos em cavaleiros e castelos. No entanto, os castelos medievais geralmente são alvo de estereótipos e ideias erradas, os quais o concebem como locais frios, escuros e sem conforto, pois seriam fortificações. De fato, havia castelos que eram verdadeiras fortalezas, mas outros possuíam requinte.

O presente texto procurou contar a respeito de como eram os castelos europeus, já que castelos africanos e asiáticos possuíam estruturas diferentes. Sendo assim, optei em me restringir a espacialidade europeia, mostrando a origem dessas fortificações, seu desenvolvimento ao longo do medievo, já que mesmo na Idade Moderna, castelos ainda foram construídos, só que com estruturas diferentes e englobando a decoração renascentista, barroca, etc. 

Origem dos castelos

A origem dos castelos ainda é debatida pela condição de que as primeiras estruturas eram torres de madeira fortificada, por conta disso, alguns historiadores somente consideram as estruturas de pedra surgidas a partir do ano 1000, como sendo "castelos de verdade". No entanto, ainda no século IX, a palavra castela já era usada para se referir a um determinado tipo de fortificação. 

Quanto ao local de origem dos castelos europeus, esses surgiram pelo Império Carolíngio (800-888), embora não se saiba quando os primeiros foram efetivamente construídos, mas provavelmente foi após o reinado do fundador do império, Carlos Magno (742-814). Entretanto, é preciso explicar que em seu auge, os Carolíngios dominaram territórios que hoje compreendem a França, Bélgica, Holanda, Alemanha, Suíça, nordeste da Espanha e norte da Itália, foi o maior império europeu em seu tempo. E por conta dessa vastidão, os Carolíngios tiveram problemas para assegurar suas fronteiras, além de que brigas internas levaram o império a ser repartidos entre irmãos, condição essa que em dados momentos existiam três ou mais reinos naquelas terras, além de que nobres também se rebelaram contra o governo central. (MENDONÇA, 1985). 

Devido a essa instabilidade política, alguns nobres decidiram armar-se, criando tropas e milícias particulares, além de criar fortificações para protegerem suas terras. E essas fortificações eram feitas de madeira, e em alguns casos adotavam padrões das fortificações romanas. A própria palavra castelo (castel, castle, castillo, castella, castello etc), advém do latim castellum, que era uma variação de castrum (acampamento fortificado). (CURRIE, 2013, p. 15). 

No caso dos romanos, a palavra castellum designava um portão fortificado ou torre fortificada, podendo ser feita de madeira ou de pedra. O portão seria construído num castrum, fortificação ou muralha. As torres poderiam fazer parte dos acampamentos, muralhas ou serem erigidas isoladas, como torres de vigia. 

Reconstrução de um castellum romano na Alemanha. 

Os primeiros castelos surgidos nos domínios carolíngios eram feitos de madeira, consistindo geralmente numa torre central (motte) em que ficavam os aposentos do nobre, seus servos e guarda, sendo cercado por um muro de madeira. Essa estrutura era uma adaptação do castellum romano, que de uma torre de observação tornou-se uma fortificação maior. Tais castelos poderiam ser construídos sobre colinas ou ilhas, e serem cercados por rios ou fossos, pois isso favorecia a defesa em distintos aspectos, algo que comentarei adiante. Além disso, alguns castelos poderiam ser somente torres isoladas ou estarem vinculadas a um acampamento militar, vilarejo ou vila (bailey), como na imagem acima. (JARROW, 2005, p. 15-16). 

Ilustração de um castelo do século IX do tipo motte e bailey.  

A opção por castelos de madeira se devia a ser um material abundante e de fácil extração, além de ser mais barato e fácil de transportar e construir. Por isso, as primeiras fortificações do tipo eram feitas de madeira, porém, elas tinham alguns problemas defensivos: eram vulneráveis a incêndios e seus muros não eram altos e robustos suficientes para ataques de armas de cerco. 

À medida que as guerras foram se acirrando pela Europa, os nobres perceberam que castelos de madeira já não eram a melhor opção, a necessidade levou a se aumentar o investimento nessas construções, optando em fazê-los de pedra. Com isso a partir do ano 1000, os castelos de pedra se tornaram uma tendência, espalhando-se pela Europa. (JARROW, 2003, p. 18). 

O Castelo Gaillard em Les Andelys, na França. 

O Castelo Gaillard fica situado na França, mas foi construído por ordem do rei Ricardo Coração de Leão da Inglaterra (1157-1199), na década de 1190. O castelo foi erigido sobre uma colina, consistindo numa torre central, com muralhas e uma ponte, sendo um castelo do tipo "motte". Ele teve uma função defensiva, mas também ofensiva, pois fazia parte das pretensões de Ricardo de obter terras na França. Logo, o castelo serviu para intimidar os franceses, embora caiu nas mãos desses, poucos anos depois. 

Construindo um castelo

Provavelmente deve ser a curiosidade de muitas pessoas: como eram construindo os castelos? A resposta simples é: com muitas pessoas, trabalhando pesadamente ao longo de anos. 

Quanto tempo levava para erguer um castelo? Isso é relativo, pois depende da quantidade de trabalhadores envolvidos, as dimensões da estrutura, se não há atrasos para entrega dos materiais, o local escolhido, se não houve suspensão das obras etc. Sendo assim, um castelo poderia ficar pronto entre 2 a 5 anos. Alguns levavam 10, 15 anos ou mais, pois havia casos que optava-se em construir o básico, depois com o tempo as demais estruturas internas e a decoração era feito.

"Em emergências, porém, os castelos podiam ser erigidos com rapidez estarrecedora. Os oito castelos do rei Eduardo, construídos em tempos de guerras como fortalezas contra os galeses, ficaram prontos em dez anos". (MACDONALD, 1993, p. 10). 

Construção da réplica do Castelo Guedelon, na França. As obras foram iniciadas em 1997, usando-se técnicas medievais, mas devido a falta de recursos e pouca mão-de-obra, o castelo ainda não foi concluído. 

Para se construir um castelo, em alguns casos, o nobre necessitava de autorização do rei ou de seu suserano. Tendo a permissão sido concedida, ele precisava ter uma boa quantidade de dinheiro já guardada para iniciar as obras, as quais poderiam levar anos. Uma das principais formas de arrecadar fundos era aumentando a tributação para isso, já que os bancos medievais somente  se tornaram comuns no século XV, permitindo que monarcas e nobres pudessem pedir empréstimos.  

Mas estando de posse do capital, o nobre contratava um engenheiro ou arquiteto para esse fazer o projeto, então se escolheria o local da construção e depois contratava-se mestres-de-obras para supervisionar a construção. O mestre-de-obras era o responsável por contratar os funcionários, conduzir as obras, encomendar os materiais, fiscalizar os funcionários, administrar os recursos etc. (MACDONALD, 1993, p. 9). 

Os trabalhadores que atuavam num castelo, eram dezenas ou centenas, as vezes até milhares, se a ideia era acelerar a obra. Porém, tais homens eram assalariados, recebendo seus pagamentos por dia ou semana, a depender da função que exerciam. Sendo assim, tínhamos pedreiros, carpinteiros, marceneiros, artesãos, carregadores, lenhadores, ferreiros, cozinheiros etc. Alguns dos funcionários eram homens experientes, outros eram recém-formados em seus ofícios, outros eram aprendizes e havia até os voluntários

Os trabalhadores passavam a morar os meses seguintes em acampamentos de obras, os quais reuniam outros empregados como cozinheiros, costureiros, mercadores, guardas, e alguns casos, até se forneciam atrativos aos pobres homens cansados, como prostitutas, dançarinas, músicos e jogadores. 

MacDonald (1993) comenta que os voluntários incluíam agricultores, soldados, artesãos, caçadores, prisioneiros sob condicional etc. Os voluntários normalmente não gostavam de trabalhar nas obras por dois motivos: por ser um trabalho árduo e segundo, por não receberem por isso. E, no caso, MacDonald comenta que mesmo no inverno havia casos em que os trabalhadores seguiam com suas atividades, tendo que trabalhar com frio e neve. Vale ressaltar que o horário de trabalho ia do amanhecer ao anoitecer, em alguns casos, em que o pôr-do-sol somente ocorria depois das 20h, o dia de trabalho poderia ser encerrado antes, devido a exaustão dos trabalhadores. 

Os trabalhadores faziam uso de várias ferramentas, mas para erguer as pedras, construía-se andaimes e guindastes, isso facilitava elevar as pedras e depois assentá-las. Por sua vez, usava-se carroças para transportar elas. Todavia, cortar a rocha e a madeira era um trabalho braçal extenuante. O mesmo para os ferreiros que produziam pregos, barras, ferramentas, equipamentos etc. 

Construção de duas torres e uma seção da muralha do Castelo Guedelon. Observa-se os andaimes e roda usada para mover os guindastes. 

No quesito arquitetura dos castelos, os historiadores costumam apontar que os dos séculos IX ao XIII adotava-se um padrão baseado no estilo romano, com suas torres retangulares, pequenas janelas ou a ausência dessas. Muralhas longas com ameias. As dependências internas eram poucas e em geral não eram castelos requintados.

O Castelo de Guimarães em Portugal, um exemplo de estilo romano. 

Porém, com as Cruzadas (XI-XIII), novos estilos foram levados para a Europa, sendo esses inspirados pela arquitetura árabe e persa. Tal fato foi chamado de estilo cruzado, marcado por torres cilíndricas, seteiras, castelos mais robustos, fossos largos e profundos, muralhas não tão extensas, mas mais próximas do castelo etc. Esse novo estilo esteve em voga dos séculos XIII ao XV.

O Castelo dos Cavaleiros do século XII, na Síria. Foi construído durante as Cruzadas e serviu de modelo para outros castelos na Europa. 

Já no final do medievo sob influência do Renascimento (XIV-XVI), surgiu o estilo renascentista no século XV, o qual já apresentava castelos com traços mais artísticos, e até com a ausência de torres robustas e muralhas, além da ausência de seteiras e pequenas janelas, substituindo-as por grandes janelas. O interior desses castelos era requintado como os dos palácios que voltaram a surgir no período. Tais construções já não tinham necessidade de serem fortificações, e assim, dispensavam as outras estruturas defensivas.

O Castelo de Frederiksborg na Dinamarca, construído nos séculos XVI e XVII, apresenta estilo renascentista. 

Castelos como fortificações

Uma definição simples de castelo é uma morada fortificada, a qual abriga um nobre, seus servos, cavaleiros e soldados, sendo essa fortificação construída para proteger uma cidade, vila, vilarejo ou território, servindo além de fortificação, como sede de poder político, administrativo e legal. Adiante comentarei sobre essas outras funções, mas nos atentemos a questão defensiva. 

"O que tornava um lugar bom para uma fortaleza? Antes de mais nada, a facilidade defesa. Alguns castelos eram construídos nas encostas íngremes ou nos topos de rochedos. Em terras planas, onde não havia colinas, eram criados montes artificiais de rocha e terra. Outros castelos eram construídos ao longo da costa, sobre ilhas ou em promontórios e rios. Como os castelos tinham que controlar toda a região em que se encontravam, deviam ser construídos encrustados em passagens de montanhas, no cruzamento de rios, ou na junção das estradas principais. Desse modo, ninguém - fosse amigo ou inimigo - poderia passar sem permissão da guarda". (MACDONALD, 1993, p. 7). 

A função original dos castelos que era servir de estruturas defensivas e em alguns casos ofensivas também, e ao longo de séculos, diferentes técnicas, padrões e estilos foram adotados. Fato esse que a ideia de que todo castelo conteria muralhas e fossos, nem sempre era realidade, isso variava com a época e a localidade. Alguns castelos erigidos em montanhas ou colinas, as vezes dispensava as muralhas e fossos, pois o terreno vertical dificultava o cerco, além de favorecer na defesa. 

O Castelo de São Jorge em Lisboa, em Portugal. 

Escolher terrenos elevados advinha basicamente de dois princípios: ampliar a zona de observação, o que permitia avistar a maior distância possíveis inimigos, sobretudo, se viessem num exército ou tropa; o segundo fator é que atacar um terreno elevado é mais difícil que assaltar um terreno plano, pois dependendo do terreno é preciso escalar, não se pode usar cavalos, torres de seco, aríetes pesados etc. Além disso, há casos em que tais terrenos somente existem poucos caminhos que permitem acesso ao castelo, o que força a tropa invasora ficar restrita aquela área, e ali se concentraria os ataques para repelir a força inimiga. Por tais condições, muitos castelos foram construídos em localidades elevadas.  

O Castelo de São Jorge situado na capital portuguesa, era anteriormente uma fortificação moura, situada no alto da colina de Alfama, local privilegiado por sua vista, mas também para fins de defesa. O castelo somente foi construído no século XII, após os portugueses expulsarem os mouros de Lisboa. Com isso, a estrutura foi sendo alterada nos séculos, ganhando muralhas, torres retangulares e um fosso. Seu estilo após as restaurações do século XX, procuraram manter traços encontrados durante as reformas do século XIII, por conta disso, o padrão retangular das torres. Atualmente o castelo é uma atração turística famosa da capital portuguesa. 

O Castelo de São Jorge possui fosso, atualmente seco. Suas torres são retangulares. Observa-se as ameias nas muralhas e torres. Não havia seteiras

Outra localidade apreciada para se construir castelos era próximo a fontes de água como rios e lagos, em que se aproveitaria essa condição para posicionar o castelo e suas defesas. Os rios e lagos favoreciam para abastecer essas fortificações, mas também evitavam que exércitos sitiassem as muralhas. Pois a ideia de atacar com embarcações não era nada fácil. Embora tenha ocorrido, era uma estratégia bastante difícil. 

O Castelo de Bodiam, em East Essex, na Inglaterra. 

O Castelo de Bodiam foi construído no século XIV, pelo nobre Edward Dalyngrigge, como proposta para defender aquela localidade dos ataques dos franceses, pois eram tempos da Guerra dos Cem Anos (1337-1453). A fortificação foi construída num lago, possuindo ponte levadiça no passado. Suas torres são cilíndricas, possuindo ameias e algumas seteiras, seguindo padrão cruzado incorporado no século XIII. O castelo em seu interior possuía aposentos luxuosos, mas que foram destruídos posteriormente. Atualmente as muralhas, torres e algumas alas do castelo estão de pé.

Alguns castelos também foram construídos dentro de cidades. O Castelo de São Jorge citado anteriormente, era um exemplo, pois fica situado na parte mais alta de Lisboa, mas há casos em que as fortificações ficavam em terreno mais baixo, e para isso recebia muralhas e fossos com água para ajudar na sua defesa. 

    O Castelvecchio em Verona, na Itália. 

O chamado Castelvecchio (Castelo Velho) foi construído em meados do século XIV pela rica e influente família Scaliger, a qual governava a cidade. O castelo foi erguido ao lado do Rio Ádige por motivos de defesa, além de possuir muralhas, sete torres retangulares com janelas. O interior foi alterado ao longo do tempo, hoje possui um jardim, mas no passado conteve uma praça de armas e outras construções. Neste caso, esse castelo fica no mesmo nível da cidade, era um exemplo adotado em alguns casos. 

Os castelos como locais de poder

Além de serem edificações defensivas e residências fortificadas, os castelos também serviam como sedes políticas, administrativas e legais. É evidente que nem sempre todas essas características estariam juntas ao mesmo tempo, pois em muitos casos a função básica do castelo era ser uma fortificação, mas quando ele estava vinculando a uma área com vila ou cidade, ou servia de residência para um nobre que fosse conde, duque, rei, príncipe, ou que exercesse autoridade política e administrativa, o castelo passava a receber outras funções. E, no caso, o sistema feudal ajudou isso. 

O feudo de Lusignan na França. a gravura corresponde ao mês de março e foi feita para ilustrar o livro de horas do Duque de Berry (1340-1416), datado de entre 1412 e 1416. 

"O castelo talvez seja o mais conhecido e o menos compreendido dos monumentos medievais. Era a residência fortificada e a fortaleza residencial de um senhor; essa dualidade de função é peculiar ao castelo na história das fortificações e aponta para a sua feudalidade. Todos os edifícios refletem a sociedade que os produz, e os castelos são o produto característico de uma sociedade feudal, dominada por uma aristocracia militar para a qual eles são a moldura apropriada. Embora existissem também palácios e casas não fortificadas, assim como residências dotadas de fortificações comparativamente ligeiras, conhecidas na Inglaterra como manors, na França como maisons fortes e em Portugal como solares, os castelos estavam entre as mais prestigiosas das casas senhoriais no período feudal e converteram-se também em símbolos da nobreza feudal. O castelo era a residência fortificada não só do rei ou príncipe, mas de qualquer senhor; e enquanto representa, portanto, aquela fragmentação ou delegação de poder civil e militar que é essencialmente feudal, também é propriedade estritamente privada, em oposição à pública, sede e centro do senhorio de um homem, de sua família, seus servidores e dependentes: um conceito muito diferente da vila ou cidade fortificada, a chamada praça forte". (LOYN, 1997, p. 198-199).

O feudalismo surgiu na Europa por volta do século IX, mas foi no XI que ele se consolidou. Logo, o sistema feudal acompanhou o desenvolvimento dos castelos. Inclusive falar de feudalismo sem citar o castelo parece impensável. De fato, alguns feudos tinham nos castelos sua sede política, administrativa e judicial, pois ali o senhor feudal vivia e governava suas terras. Porém, apesar do surgimento do feudalismo, esse não se espalhou por toda Europa, havendo territórios que ele não era aplicado, além de que nem todo castelo seria sede de um feudo. Muitos castelos foram erigidos para fins militares, não administrativos. 

Representação das partes de um feudo europeu. 

Todavia, o feudalismo ajudou a mudar isso em alguns casos. Um rei ou senhor feudal tornando seu castelo não apenas sua residência oficial, poderia ali reunir uma pequena corte, reunir também a administração e o judiciário, tornando assim, o castelo na sede de governo. Por sua vez, os nobres e outros habitantes que precisassem resolver assuntos administrativos e legais iriam até este castelo ou outro em que funcionasse os tribunais e dependências administrativas. A própria arrecadação de impostos e tributos também era enviada a esses castelos para ser dividida e guardada. 

Havia casos de castelos estabelecidos em cidades, os quais mantinham funções similares as vistas nos feudos. Exemplos disso temos o Castelo de São Jorge em Lisboa, o Castelo de Edimburgo, o Castelo de Windsor, o Castelo Sant'Elmo em Nápoles, Castelo de Buda em Budapeste, Castelo de Alcazar de Segóvia, entre outros vários exemplos. 

O Castelo de Edimburgo, capital da Escócia. 

Observa-se que dessa forma os castelos agiam como símbolos de poder, por concentrar o poder político, administrativo e judicial também. Sobre esse terceiro aspecto, é preciso comentar brevemente sobre as masmorras e prisões. As masmorras são um dos recintos dos castelos bastante estereotipados devido a sua associação com filmes de terror, sendo retratadas como grandes câmaras escuras, com jaulas e instrumentos de tortura. Na realidade a descrição não está errada, embora seja exagerada.

As masmorras eram inicialmente parte do porão dos castelos, usados como armazéns, alojamentos dos servos, adegas e dispensas, mas com a necessidade de se aprisionar presos, decidiu-se transformar algumas das alas dela em cadeias. E, de fato, as masmorras eram escuras, úmidas, frias e fétidas. Não havia circulação de ar direito, a luminosidade era principalmente a base de tochas e archotes. Por haver estoques de comida por lá, havia um maior número de ratos naquela localidade. Muitos castelos possuíam masmorras para manter cativos de guerra, prisioneiros políticos, funcionários ou servos desobedientes, que passavam algum tempo trancafiados. O emprego de tortura realmente existiu, mas normalmente era usado para se coletar informações de inimigos capturados. 

No entanto, diferente do que se ver em filmes, desenhos e jogos, as masmorras não eram tão grandes, tendo corredores largos e enormes câmaras, tampouco eram labirintos subterrâneos. Em geral eram corredores estreitos com pequenas celas. Mas em alguns casos, houve castelos que foram adaptados para se tornarem prisões, dessa forma, fazia-se uso de outros cômodos da fortificação para servirem de celas. 

A Torre de Londres é um dos castelos mais famosos que serviu de prisão. 

Fundado após o ano 1066, o castelo foi sendo ampliado e reformado ao longo dos séculos, servindo de morada real, mas também de prisão. A Torre de Londres se tornou uma das mais famosas prisões inglesas, sendo usada para isso da Idade Média à Idade Contemporânea. Durante épocas conturbadas, o castelo funcionou como prisão para presos políticos, os quais inclusive eram torturados. Atualmente um museu sobre o uso da fortificação como presídio, existe. 

O cerco

Atacar um castelo não era algo fácil ou rápido como aparenta ser em filmes e jogos. Demandava semanas ou meses de preparativos e táticas para reconhecer as defesas para planejar a estratégia a ser aplicada. Nesse caso, um cerco para começar requisitava um exército, de preferência tendo homens com certa experiência em cercos, depois era necessário obter informações sobre o castelo e suas redondezas e aliados. Estando de posse das informações sobre o castelo, vilas, território e estradas, iniciava-se o plano de ataque. 

O melhor ataque era surpreender o castelo e sua guarnição, sem dar tempo para se organizarem, recrutar reforços e estocar alimentos. Caso isso fosse conseguido, a vitória poderia ocorrer em horas ou nos dias seguintes. Por outro lado, se o castelo a ser atacado já estava aguardando por ataques era preciso minar suas defesas e suprimentos. Atacar as fazendas e vilas, as quais forneciam comida, equipamentos, armas, guerreiros e cavalos, era um dos primeiros passos. A depender da estratégia usada poderia ser destruir os campos e as vilas, ou se apossar deles e pegar para si os recursos. (MACDONALD, 1993, p. 42). 

Iluminura apresentando o cerco a Mortagne, na França, em 1377. A ilustração encontra-se no Royal 14 E IV, f. 23, datado do século XIV. 

Caso o castelo não estivesse abastecido adequadamente, a perda de suas fazendas, celeiros e vilas poderia significar a derrota certa, pois a guarnição não teria comida, armamento e homens para resistir a um cerco de alguns dias. Nessa situação o melhor a se fazer era negociar os termos de rendição, poupando assim mortes e destruição. A ideia de que os nobres e seus cavaleiros preferiam lutar até a morte durante um cerco é fruto da ficção. Os homens temiam por suas vidas, e lutar uma batalha cuja as chances de vitória eram mínimas, não era a melhor opção, por conta disso, era preferível ir para à mesa de negociações. (CURRIE, 2013, p. 56). 

Entretanto, se o castelo estivesse bem abastecido com suprimentos e tropas, seu senhor poderia optar pela resistência, e assim dava-se início ao cerco, o qual consistia numa tática lenta, em que se busca enfraquecer as defesas e recursos do inimigo, a fim que se possa efetuar a invasão do castelo ou uma proposta de rendição. No entanto, para aqueles que pensam que o cerco somente é ruim para quem defende, não era bem assim, o exército atacante também passava por problemas. 

Jarrow (2005) comenta que para montar um cerco o exército sitiante precisava assegurar o território entorno do castelo, conseguir uma fonte de água, além de comida e outros suprimentos. Além disso, deveria se fortificar os acampamentos de cerco, normalmente se fazia isso com paliçadas e fossos secos. Vigiar as entradas do castelo e as estradas, para evitar ataques surpresas, sobretudo durante à noite. Assim, assegurando o território, iniciava-se os ataques a fortificação, valendo-se de arqueiros dependendo do tipo de castelo a ser atacado. Caso se possuísse armas de cerco como catapultas, trabucos, balistas e torres, elas eram usadas. 

Mesmo o uso de armas de cerco não garantiam uma vitória imediata, mas ajudavam bastante. A construção de um trabuco, torre de cerco e de catapultas demandava semanas. Além de requisitar o transporte de enormes pedras para as catapultas e trabucos. Mas estando as máquinas de cerco estabelecidas, iniciava-se os disparos contínuos contra os portões, torres e trechos da muralha. Na maioria das vezes as fortificações resistiam a tais disparos, demorando para abrir-se buracos. (JARROW, 2005, p. 33-35). A cidade de Constantinopla que possuía três anéis de muralhas, somente foi invadida em 1453, após dois meses de cerco, e na época os turcos já estavam fazendo uso de grandes canhões chamados de bombardas

Ilustração de um cerco em que se faz uso de armas de cerco como catapultas e torres. 

Devido a condição de que nem sempre os projéteis atirados eram eficientes por diversos fatores, poderia se recorrer a uso de bolas de fogo, flechas flamejantes e até se jogar carcaças de animais ou de pessoas para fomentar infecções. Uma guarnição doente se tornava drasticamente vulnerável e poderia ser o fator derradeiro para sua derrota. Em alguns casos optava-se em se invadir pelo poço ou construir um túnel, mas essas eram medidas pouco usuais, pois construir túneis demandava tempo e não era algo seguro. 

Quando uma guarnição estava visivelmente enfraquecida, poderia se arriscar enviar o aríete para arrombar o portão. Já que nem sempre o aríete contava com proteção, deixando os soldados vulneráveis. Além disso, a ideia de que vemos em filmes e jogos, em que os soldados correm com várias escadas para subir os muros e muralhas, não era tão comum assim. Essa prática realmente existia, mas somente era usada quando havia poucos soldados defendendo os muros e muralhas, do contrário, tentar escalar com vários inimigos armados com arcos, lanças e espadas, era morte certa. (JARROW, 2005, p. 34). 

Mas se até aqui falei com os castelos eram atacados, mas como era feita a defesa deles? A principal forma de defender o castelo era assegurar as muralhas e o portão, para isso fazia-se uso principalmente de arqueiros e besteiros, os quais mantinham os inimigos afastados. E o trabalho desses soldados era redobrado caso o castelo não possuísse fosso ou ficasse num terreno plano, o que favorecia o uso de torres de cerco e até de escadas. Um segundo aspecto era fornecer proteção para a artilharia de defesa, construindo seteiras, besteiras, ameias e torres cobertas para que os soldados pudessem ficar menos vulneráveis as flechas inimigas, assim como, ter alguma defesa contra o disparo de projéteis pelas armas de cerco. 

Ilustração retratando o cerco ao Castelo de Chinon na França, em 1037. 

Algumas torres eram largas no topo para se estabelecer armas como balistas, pequenas catapultas e até canhões. Sendo que o uso de canhões para fim de defesa e ataque já tinha ocorrido no século XIV ainda. 

Os portões que eram alvos almejados, costumavam serem reforçados e em alguns casos poderia haver um segundo portão. Mas geralmente era apenas um. Porém, sua estrutura era reforçada para resistir a ataques de catapultas e trabucos, o que obrigava a se usar o aríete. Para repelir o uso dessa máquina de guerra, havia aberturas no teto do portão chamadas de mata-cães, as quais existiam nos portões, muralhas e torres. Tal abertura permitia que os soldados disparassem flechas, atirassem pedras, entulho, água fervente, óleo quente, areia quente, cal virgem e qualquer objeto pesado que estivesse a mão. 

Um portão com um mata-cães. 

Caso o portão fosse arrombado e as muralhas tomadas, e se a guarnição ainda seguisse lutando, ela lutaria pela praça de armas e outra parte se refugiaria nas casernas, dependência e na torre central. Ali dentro, algumas das portas eram reforçadas, além de que havia corredores estreitos e escadas em caracol, cujas características eram propositais para dificultar o avanço de uma tropa. Havia casos em que em determinadas partes do castelo, as portas seriam baixas para também dificultar o avanço dos invasores. A ideia de passagens secretas bastante ligada aos castelos, nem sempre foi algo comum, em muitos casos elas não existiam. Se o castelo fosse invadido o melhor a fazer era negociar a rendição. 

O interior dos castelos

Além das fortificações como torres, muralhas, seteiras, besteiras, balcões, ameias e fossos, os castelos possuíam suas dependências internas, das quais comentarei adiante, porém, dependendo do espaço interno, poderia haver uma capela, estábulos, armazéns, um moinho, poço, lavanderia, oficinas, pombais, padaria, feira, currais, hortas etc. Isso dependeria se o castelo contaria com uma área interna ampla, do contrário, tais dependências seriam externas. 

Entretanto, a ideia de que os castelos medievais antes do estilo renascentista fossem locais escuros, frios, sem conforto e requinte, não é exata. Realmente alguns castelos não eram nada confortáveis, sobretudo, os erguidos para defender lugares específicos, sem possuir contato direto com fazendas, vilas ou cidades, porém, os que tinham esse contato, eram bem mais confortáveis. E o requinte também dependia bastante das posses de seu dono. Nobres muitos ricos mandavam encomendar obras de arte e até artigos de luxo vindos da África e Ásia. 

Exemplo de um quarto de um castelo. Dependendo da época e dono, o recinto poderia ser mais colorido, contando até com tapeçarias, cortinas, móveis pintados, objetos de decoração. 

No entanto, é preciso frisar que o castelo era um local confortável para a nobreza e os altos funcionários. Os soldados e servos viviam em alojamentos. Os militares de alta patente que eram cavaleiros, tinham seus quartos individuais. Os soldados e servos normalmente dormiam nos cômodos na base do castelo, próximo a cozinha e o porão. Já os nobres dormiam em quartos nos andares superiores. 

"Havia quartos de crianças e salas de aula para os filhos do lorde, uma elegante sala de estar para a dama, uma capela, uma biblioteca e diversos aposentos. Os quartos no andar superior tinham chão de madeira, paredes e tetos pintados - o padrão preferido era os signos do zodíaco. Podia haver vidros nas janelas, em substituição às antigas venezianas de madeira. As janelas estreitas compridas ainda não deixavam entrar muita luz, mas grandes lordes e damas podiam se dar ao luxo de acender lamparinas de sebo e velas. Muitos quartos tinham lareiras". (MACDONALD, 1993, p. 28).

Os móveis também foram se alterando com o tempo, ganhando-se longas mesas, cadeiras com espaldar alto, bancos acolchoados, sofás, camas com dossel e cortinas, guarda-roupas, cômodas, arcas, mesas de centro, escrivaninhas etc. No caso da decoração, passou-se a usar cortinas, tapetes, tapeçarias, armas penduradas nas paredes, brasões de armas, pinturas, armaduras (isso no século XV em diante), tapeçarias, flâmulas, vasos, estátuas, plantas e outros objetos de decoração. 

Decoração de um quarto em um castelo. A decoração mescla elementos dos séculos XV e XVI. 

Gies e Gies (1979) lembra que castelos onde se recebia cortes, era comum o salão comunal ser bonito, apresentando inclusive piso de mármore ou granito, tendo decoração em madeira, uma bela mesa e cadeiras, pois ali se fariam bailes, banquetes, festejos. A louça e os talheres também deveriam ser requintados para ocasiões especiais, havendo talheres de prata e pratos de porcelana. 

E um nobre para se esbanjar para seus vassalos e aliados, ali era o local apropriado para isso. Pois além do requinte dos móveis, decoração, pratos e talheres, poderia se contratar cantores, músicos, dançarinas, bufões, malabaristas, atores, contadores de história, tudo para alegrar as festas, almoços e jantares. O salão era o principal local social do castelo, em que os convidados se reuniam para confraternizar. (GIES & GIES, 1979).

Ilustração do século XV mostrando um banquete. 

Apesar do luxo e comodidade, um problema dos castelos era o banheiro. Currie (2013, p. 36) comenta que nesse caso havia duas formas de se aliviar, uma era através das latrinas - quando existiam -, as quais ficavam situadas em corredores, e a latrina ficava para fora da estrutura principal, sendo basicamente um assento de madeira com um buraco no meio, em que os dejetos caíam para fora do castelo e depois eram recolhidos pelos servos. A segunda forma era fazer uso de baldes e penicos. 

O banheiro nos castelos medievais. 

No caso para se lavar as mãos e rosto, recorria-se a bacias e jarras de água. Já o banho era tomado em banheiras ou tinas, sendo normalmente levadas para os quartos. Os nobres possuíam o hábito de se banhar semanalmente ou mensalmente a depender do clima e da pessoa. Mas o banho dos ricos era mais demorado, eles eram esfregados por alguns servos, também aproveitavam para se barbear ou se depilar, alguns faziam uso de sais de banho, alguns até aproveitavam para tomar o café da manhã ou almoçar enquanto estavam no banho quente. Já o restante da população tomava banho com baldes, usando sabão e escovas. 

Iluminura mostrando uma mulher nobre tomando banho. Era dessa forma que se banhava-se em castelos e palácios. 

O declínio dos castelos como fortificações 

O principal fator para que os castelos deixassem de ser fortificações se deveu a chegada da pólvora, criada pelos chineses, levada à Europa pelos árabes, turcos e persas. Ainda no século XIV, alguns poucos canhões foram usados em cercos, mas eram armas pouco eficazes, pois aqueciam rapidamente, usavam projéteis feitos de pedra; além de que a maioria dos soldados não sabiam como operar aquilo. Além disso, os canhões não tinham potência para disparar os projéteis a centenas de metros de distância. No entanto, tal arma era vista como algo promissor. 

Iluminura do final do XV, mostrando o uso de canhões no Cerco de Orléans, em 1429, durante a Guerra dos Cem Anos. 

No século XV, os canhões foram melhorados, passando a serem usados em mais batalhas pela França, Itália, Portugal, Espanha, Inglaterra, Sacro Império, Império Bizantino etc. Com os canhões tendo se tornado comuns no sentido de serem mais facilmente fabricados, produzidos, transportados e operacionalizados, seu uso foi se espalhando. Além disso, nessa época já se utilizava balas feitas de ferro ou chumbo. Os canhões aumentaram sua potência e distância, tornando-se assim excelentes armas de cerco, sendo mais fácies de se operar e transportar do que as catapultas e trabucos, por conta disso, optou-se em usá-los. 

As muralhas e torres dos antigos castelos não foram projetadas para resistir ao projéteis disparados por canhões, que embora fossem menores e mais leves do que as grandes rochas usadas anteriormente, eles voavam mais rapidamente, gerando uma força de impacto bem superior. Alguns castelos construídos a partir da segunda metade do século XV passaram a investir em muralhas mais robustas, na tentativa de minimizar o impacto dos canhões, o problema era que embora fossem mais largas, a engenharia não estava a favor. 

Canhões sendo usados num cerco. Gravura datada de c. 1460. 

A guerra havia entrado na fase da pirobalística, sendo necessário pensar matematicamente e fisicamente para projetar defesas e armamentos. Por conta disso, os castelos deixaram de serem construídos como fortificações, pois suas estruturas não eram adequadas para se proteger de ataques de peças de artilharia, e assim, ele se tornaram residências elegantes, por sua vez, as fortalezas e fortes assumiram o papel defensivo, adotando toda uma nova arquitetura militar para isso. 

NOTA: Após o estilo renascentista, surgiram castelos europeus baseados no estilo barroco (XVII), neogótico (XVIII) e romântico (XIX). Sublinha-se que tais estilos poderiam ser aplicados na decoração do interior, não necessariamente em seu exterior. E alguns castelos tinham mais de um estilo, sobretudo os do séculos XV em diante. 

NOTA 2: O Castelo Neuschwanstein na Alemanha, é conhecido como um dos mais belos do mundo, mas ele é uma edificação do século XIX, no estilo romântico. Seu designer inspirou o castelo da Disney

NOTA 3: O maior castelo do mundo é o Castelo de Praga, na República Checa. Ele surgiu inicialmente como uma fortaleza no século IX, depois foi transformado em castelo. A partir do século XV ele começou a ser expandido consideravelmente e adotou traços barrocos e de outros estilos. O castelo conta com várias alas, cobrindo 72 mil metros quadrados. 

NOTA 4: No livro Os Três Mosqueteiros (1844), alguns personagens ficam presos na Torre de Londres. 

NOTA 5: A franquia de jogos Stronghold permite construir castelos e feudos. 

NOTA 6: O jogo Age of Empires 2 (1998) é famoso pelos ataques e cercos a castelos. 

NOTA 7: Nos videogames o Castelo de Hyrule na série The Legend of Zelda e o Castelo de Drácula na série Castlevania, os Castelos do Bowser e da Peach na série Super Mario, estão entre os mais famosos. Embora que nos videogames existam dezenas de outros castelos memoráveis, por ser uma construção icônica. 

NOTA 8: O livro O Castelo (1926) trata-se de um romance dramático inacabado de Franz Kafka. Na obra o protagonista nunca consegue entrar no castelo para conhecer seu novo chefe. No caso, o castelo tem um sentido metafórico nesse livro. 

NOTA 9: O Castelo de Hogwarts da franquia Harry Potter, é um dos castelos ficcionais mais famosos na atualidade. Embora seja dito que Hogwarts foi fundado no medievo, nos filmes e livros, o castelo apresenta uma mistura de estilos arquitetônicos. 

NOTA 10: O filme animado Lupin III: O Castelo de Cagliostro (1979), foi um dos quais mais fez sucesso da franquia, e marcou a estreia de Hayao Miyazaki como diretor. Anos mais tarde ele fundou o Studio Ghibli. 

NOTA 11: Duas das animações famosas do Studio Ghibli são Laputa: O Castelo do Céu (1986) e O Castelo Animado (2004). 

NOTA 12: O Castelo de Bran na Romênia, foi construído no século XIII, ele é famoso por conta de Vlad Tepes ter ficado hospedado nele em algumas ocasiões. Vlad serviu de inspiração para o vampiro Conde Drácula

Referências bibliográficas

CURRIE, Stephen. The Medieval Castle. San Diego, Reference Point Press, 2013. 

GIES, Joseph; GIES, Frances. Life in Medieval Castle. London, Haper Collins, 1979. 

JARROW, Gail. A Medieval Castle. Farmington Hills, Thomson Gale, 2005. 

LOYN, H. R. (org.). Dicionário da Idade Média. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1997. 

MACDONALD, Fiona. Um castelo medieval. Ilustrações de Mark Bergin. São Paulo, Editora Manole, 1993. 

MENDONÇA, Sonia Regina de. O mundo carolíngio. São Paulo, Brasiliense, 1985. 

Links relacionados:

A Era Feudal na Europa

O Castelo de São Jorge de Lisboa

O bombardeio de Constantinopla: A queda do Império Bizantino

Carlos Magno

Vlad Tepes: o homem que inspirou o Conde Drácula

Uma nota sobre as fortalezas modernas