terça-feira, 26 de setembro de 2023

Os castelos japoneses

Ao longo de séculos os japoneses construíram castelos em planícies, montanhas, colinas e cidades. E entre os séculos XII ao XVI houve uma construção massiva dessas fortificações de madeira e pedra, até o desenvolvimento da arquitetura militar para isso, pois foram tempos de guerra civil contínuas, que levaram os daimiôs a investirem em castelos para se proteger, mas também para impor respeito, intimidar e esbanjar riqueza. O presente texto conta um pouco da história dos castelos japoneses, os quais diferentes dos castelos vistos na Europa, possuíram sua própria arquitetura e estilos. 

Origens

Os castelos japoneses surgiram a partir de fortes de madeira que começaram a serem construídos no século III d.C. Tratava-se de fortificações simples com muros de madeira e torres de vigia, as quais cercavam uma fazenda ou vilarejo. Mais tarde os japoneses adotaram padrões vistos na Coreia e na China, construindo fortes de madeira maiores e com muros mais robustos. (TURNBULL, 2008, p. 4-6).

Foi no século VII que surgiram propriamente os primeiros castelos japoneses, os quais combinavam torres fortificadas com muros de madeira ou de pedra, possuindo torres de vigia. Um exemplo que ainda se encontra de pé dessa época é o Castelo Kikuchi, cuja arquitetura foi influenciada por modelos coreanos, pois naquele século a corte de Yamato realizou expedições de invasão à península coreana, aprendendo com o povo vizinho a respeito de arquitetura militar e outros saberes. (TURNBULL, 2008, p. 6-7).

A torre central do Castelo Kikuchi, construído em 687. 

Ao mesmo tempo que a invasão a Coreia ocorria, conflitos internos também se desenvolviam, levando alguns nobres a construírem castelos e fortes para si. Por conta disso começaram a surgir fortificações em montanhas, vales, colinas e até novas formas de arquitetura defensiva como o emprego de fossos com água, levando a originar o termo mizuki (fortificação da água). Além disso, os castelos e fortes não atuavam apenas para fins militares de defesa do território, também serviam de base de operações para campanhas, depósito de suprimentos e até refúgio para os moradores locais. Em alguns casos os castelos também serviam de lar para nobres, mesmo que por um breve período. (TURNBULL, 2008, p. 7-9).

Com o fim das ondas de guerra civil ocorridas no século VII e do VIII teve início o Período Heian (794-1192), marcado por uma paz mais duradoura, condição que as guerras reduziram drasticamente, havendo conflitos pequenos e esporádicos, fato que reduziu a necessidade de construção de novos castelos e fortes. Assim, as construções que não foram destruídas nas guerras anteriores, foram mantidas. Todavia, no século XI os conflitos voltaram a se acirrar como a Guerra Zenkunen (1051-1062) e a Guerra Gosannen (1083-1087) marcaram uma escalada de violência que levou a construção de novas fortificações. (TURNBULL, 2008, p. 13-15).

Os castelos do xogunato 

Com a crise dinástica do final do Período Heian, isso permitiu a ascensão do xogum Minamoto Yoritomo (1144-1199) que implementou o governo do xogunato, uma espécie de ditadura militar baseada em preceitos monarquicos e feudais. O governo de Minamoto originou o chamado Período Kamakura (1192-1333) que consistiu numa reformulação política, econômica e social do Japão. O imperador perdeu sua autoridade política e militar, a qual passou a ser controlada pelo xogum, deixando o monarca como figura simbólica e associada a questões religiosas. Os samurais se tornaram uma classe social importante e com poder. A aristocracia rural originou os daimiôs (senhores feudais). (YAMASHIRO, 1964).

No âmbito dos castelos esses sofreram uma reformulação arquitetônica motivada principalmente após as invasões mongóis de 1274 e 1281, as quais assolaram as ilhas de Tsushima e Iki, a baía de Hakata e suas cercanias. Os exércitos mongóis foram enviados pelo imperador Kublai Khan na tentativa de se conquistar o Japão, nas duas invasões realizadas os mongóis, chineses e coreanos que compunham aquele exército, utilizaram armas de fogo, e os explosivos impactaram os japoneses. Suas fortificações de madeira não eram páreas para o poder da pólvora. Diante disso, após a vitória sobre os mongóis, os xoguns e comandantes militares começaram a ordenar que as muralhas dos castelos e fortes fossem feitas com pedras, temendo que os invasores pudessem retornar, mas isso nunca mais aconteceu. (SANSOM, 1958). 

Embora os mongóis não tenham retornado, entretanto, no século XIV eclodiram violentas batalhas como a Guerra Genko (1331-1333) que marcou o final do domínio do xogunato Kamakura, iniciando o xogunato Ashikaga (1336-1573) época em que os conflitos iriam piorar cada vez mais, iniciando o Período Sengoku (1467-1615), a época das guerras feudais, quando os xoguns Ashikaga perderam o controle e a autoridade, então vários daimiôs começaram a disputar o controle de suas regiões e províncias, gerando uma época de décadas de guerras. E por conta desse período beligerante muitos castelos e fortes foram construídos. (HENSHALL, 2004). 

Data também dos séculos XIV e XV a adoção de castelos maiores e com vários cômodos, parecendo verdadeiras mansões militares, pois os castelos se tornaram bases de operação e o lar de daimiôs, abrigando dezenas e mais de uma centena de pessoas. Além disso, foi nessa época que se popularizou os castelos de montanha (yamashiro), considerados os mais difíceis castelos a serem atacados por conta do seu terreno acidentado e que dava pouca margem para se fomentar cerco com catapultas e até mesmo o emprego de escadas. (TURNBULL, 2008, p. 20). 

A era de ouro dos castelos japoneses

Castelos são originalmente edificações militares, construídas para a defesa de um território e seu povo. Logo, em tempos de acirrada guerra, os engenheiros militares tiveram que desenvolver novas técnicas e estruturas para melhorar as edificações. Nos séculos XVI e XVII os castelos japoneses se tornaram as grandes e complexas estruturas que hoje conhecemos. 

Foi nesse período que os castelos se tornaram robustas torres de menagem, com quatro a cinco andares, possuindo vários cômodos para abrigar a família do daimiô e seus samurais, o que levou alguns castelos se tornarem vilarejos contendo casas, oficinas, estábulos, jardins, pátios etc. Além de uma torre principal, os castelos possuíam cinturões de muralhas de pedra, contendo seteiras e vários portões. Torres de vigia, fossos secos ou com água. Vale ressalvar que os castelos eram construídos em montanhas, colinas, planícies, cidades e vilas. Dependendo do terreno as estruturas defensivas variavam. 

Vista do Castelo Kiyosu a partir de seu fosso, destacando sua fundação rochosa. Esse castelo foi inaugurado em 1608. 

Tais castelos se tornaram gigantescos por uma série de fatores: no século XVI os japoneses por intermédio dos portugueses obtiveram armas de fogo, primeiro mosquetes, depois arcabuzes e canhões, logo, era preciso construir estruturas mais resistentes aos disparos de tais armas, embora canhões nunca foram massivamente usados nas guerras japonesas daquele período. Apesar disso, as muralhas se tornaram mais sólidas e os castelos embora fossem feitos de madeira, ainda assim, ganharam estruturas de reforço para resistir a tiros. 

Outro fator para os castelos serem grandes se deve a condição de eles operarem como bases militares, tendo que resguardar entre suas muralhas centenas ou milhares de soldados. Por exemplo, o Castelo de Himeji possui 83 cômodos. Mas outro motivo pelo qual tais castelos ficaram grandes também se deve ao fator da intimidação e ostentação. Fortificações grandes geram impacto, elas intimidam, levando inclusive a se pensar que são inexpugnáveis. Por sua vez, alguns castelos como o Castelo Azuchi construído por Oda Nobunaga entre 1576 e 1579, não apenas era imponente, mas luxuoso, possuindo várias estátuas e decorações. 

Pintura retratando o Castelo Azuchi de Oda Nobunaga. A fortificação foi destruída em 1582 pelos inimigos de Nobunaga, para evitar que seus filhos e generais a continuassem a utilizar. 

Estruturas de um castelo japonês

A estrutura dos castelos do Japão mudou pouco nos séculos, sendo as principais mudanças a disposição de sua torre de menagem em relação as demais estruturas. Além disso, outras variações diziam respeito ao tipo de terreno onde a fortificação eram construída, por conta disso surgiram termos como: mizuki (fortificação da água), yamashiro (castelo da montanha), hirajiro (castelo da planície), hirayamajiro (castelo situado numa colina ou platô). Esses estilos foram sendo alterados com o emprego de novos materiais e estruturas, mas consistiram a base arquitetônica dos castelos japoneses ao longo de séculos. (TURNBULL, 2003, p. 8-9). 

Além dessas nomenclaturas quanto a localidade dos castelos, outra nomenclatura adotada referia-se a localização da torre de menagem (hon maru). Dependendo do tipo de castelo ela ficava localizada de forma distinta. A palavra hon maru pode ser traduzida como "cidadela interior", sendo essa cercada por dois pátios chamados ni no maru e san no maru. A combinação da torre com esses dois pátios gerou três estilos arquitetônicos chamados Rinkaku, Renkaku e Hashigogaku. (TURNBULL, 2003, p. 22). 

Diagrama mostrando os estilos de castelos japoneses de acordo com a posição do hon maru (torre de menagem) e os pátios circundantes. 

O estilo do Hashigokaku foi mais usual em castelos de montanha (yamashiro), pois a torre ficava numa ponta do terreno rodeada por precipícios, sendo precedida pelos dois pátios. Por sua vez, os outros dois estilos foram habitualmente usados no hirajiro e no hirayamajiro, onde se optava em centralizar o hon maru, rodeando pelos pátios que possuíam muros, paliçadas e até outras estruturas também. 

Os castelos contavam com uma série de estruturas defensivas como muralha (zumi), portão (mon), fossos (hori), yagura (torre), maru (pátio), ponte (karamete) etc. Cada uma dessas estruturas possuía suas variações arquitetônicas, desenvolvidas principalmente entre os séculos XV e XVII, havendo nomenclaturas específicas para definir seus formatos, quantidade e forma de construção. Por exemplo, a forma como as muralhas eram construídas recebiam diferentes nomes que se referenciavam as técnicas de construção. Por sua vez, a quantidade de torres de vigia também recebiam nomes distintos para se referir a elas. (TURNBULL, 2003, p. 63). 

Os castelos situados em planícies, vilas e cidades possuíam uma estrutura defensiva marcada pelo uso de corredores, portões e cinturões de muralhas. Isso se devia a condição de que em caso de um cerco fosse realizado os primeiros portões e a muralha mais externa fossem transpostos, invasores teriam que cruzar outros portões e muralhas, mas no caso dos corredores esses eram propositais para atrasar e confundir os invasores, além de contar com muros ocos, pelos quais passavam corredores que permitiam as forças de defesa contra-atacar, valendo-se de seteiras para disparar flechas ou tiros de mosquete. 

Um dos corredores do Castelo de Himeji. À esquerda um muro com várias seteiras, por sua vez, à direita um muro rochoso e inclinado, o que impossibilitava de os invasores tentarem escalar, tornando-os alvos fáceis para serem alvejados. 

Além das muralhas e muros, os castelos também contavam com o uso de fossos secos (karabori) ou fossos de água (mizuhori). O Castelo de Osaka é um exemplo famoso por fazer uso de vários mizuhori, tornando-o uma fortificação ilhada. Esses fossos eram separados por caminhos de terra ou por pontes, tais estruturas dificultavam o avançar de tropas invasoras. Além disso, as muralhas externas do castelo eram construídas de forma a dificultar qualquer ataque naval no qual se cogitasse usar escadas para tentar escalar as muralhas. 

Vista aérea do Castelo de Osaka e seu complexo de fossos. O castelo encontra-se na ilha central e foi construído no século XVI. 

Além das muralhas, muros, fossos, pontes e corredores, os castelos também contavam com torres de vigia. Algumas das torres ficavam situadas pelas muralhas, servindo para observação e defesa das mesmas, mas dependendo da estrutura do castelo, a torre de menagem (hon maru) era acompanhada por torres menores (yagura), as quais lhe davam suporte defensivo, mas também abrigavam cômodos como salas, quartos, dispensas etc. 

O imponente Castelo de Himeji foi construído em 1333, porém, foi sendo ampliado e reformado até o século XVII, conquistando a forma atual pela qual ele se encontra desde então. Observa-se ao lado da torre de menagem, duas torres secundárias. 

Caso os invasores conseguissem transpor as defesas externas e chegassem ao castelo propriamente dito, eles ainda teriam que enfrentar outras medidas defensivas como portas reforçadas, seteiras, passagens secretas para mobilização das tropas de defesa e até da fuga dos moradores; pisos que rangiam anunciando a presença de alguém andando por ali; caminhos sem saída etc. O hon maru era a última defesa para o daimiô ou seus ocupantes. 

Apesar das medidas defensivas apresentadas isso não significava que os castelos fossem inexpugnáveis, vários deles ao longo dos séculos foram invadidos e destruídos. Alguns foram rendidos por conta não dos ataques, mas por causa da fome e de doenças, obrigando seus defensores a se render. Além disso, a condição de os castelos serem feitos de madeira, apesar de que seu exterior fosse reforçado para não ser inflamável facilmente, no entanto, seu interior era vulnerável, condição essa que tais castelos eram incendiados de dentro para fora. 

Embora vários castelos tenham sido destruídos por conta das guerras e dos terremotos, ainda assim, hoje é possível visitar mais de vinte deles, embora alguns sejam ruínas, contendo o que sobrou de suas muralhas e fundações. Desse total doze possuem seu aspecto mais original, tendo sido conservado e restaurado, outros tiveram a estrutura alterada para se tornarem museus. Os castelos de Osaka e Himeji estão entre os mais visitados. 

Referências bibliográficas:

HENSHALL, Kenneth G. A history of Japan: from Stone Age to Superpower. 2a ed. New York, Palgrave Macmillan, 2004. 

TURNBULL, Stephen. Japanese castles: AD 250-1540. Illustrated by Peter Denis. Oxford, Osprey, 2008. 

TURNBULL, Stephen. Japenese castles: 1540-1650Illustrated by Peter Denis. Oxford, Osprey, 2003. 

SANSOM, George. The history of Japan to 1334. Tokyo, Charles E. Tuttle Company, 1958. 

YAMASHIRO, José. Pequena história do Japão. 2a ed. São Paulo, Editora Herder, 1964. 

Links relacionados: 

O que foram os xogunatos?

Ninjas x Samurais: crônicas de uma guerra feudal (XV-XVII)

Oda Nobunaga

LINK:

Guide to Japanese Castles

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