Na Inglaterra do século XVII ocorreram duas revoluções importantes, as quais ficaram conhecidas como "revoluções inglesas", "revoluções liberais" e até "revoluções burguesas". Entretanto, os termos liberal e burguês são questionáveis por parte dos historiadores, pois o Liberalismo criado pelo filósofo John Locke (1632-1704), ainda estava sendo desenvolvido e inexistia na época da Revolução Puritana, por sua vez, os envolvidos nas duas revoluções não eram apenas burgueses, mas também nobres indignados com o governo dos reis, além de haver membros das classes baixas que lutaram nos conflitos. De qualquer forma, o presente texto abordou a primeira das revoluções inglesas, chamada de Puritana, marcada pela eclosão de uma sangrenta guerra civil que perdurou por seis anos.
Motivos
Os séculos XVII e XVIII marcaram na Europa o auge da política do Antigo Regime, definida por monarquias centralizadoras e absolutistas, em que os monarcas possuíam uma grande e excessiva autoridade, sendo até considerados "eleitos por Deus" para estarem ali. Tais soberanos em muitos casos ignoravam os seus conselheiros, câmaras, senados e parlamentos, podendo inclusive passar por cima das leis pelo seu bel-prazer, gerando o descontentamento de vários setores da sociedade, assim como, fomentando problemas graves para seus reinos. Com a Inglaterra isso não foi diferente.
Durante o reinado de Carlos I (r. 1625-1649), o monarca tomou algumas medidas bastante impopulares, a primeira mais significativa foi entrar em conflito com o Parlamento, pois esse tinha autonomia para julgar leis e tomar decisões, diminuindo a plena autoridade do soberano. Após quatro anos de embates, Carlos I numa decisão surpreendente, ordenou o fechamento do Parlamento em 1629, o que levou uma série de indignações por seus membros, mas como ele contava com apoio das forças armadas e de parte da nobreza que era favorável a isso, a situação não se complicou tanto. (YOUNG; ROFF, 1973).
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O rei Carlos I em pintura de Anton van Dyck, c. 1635. |
A Inglaterra era uma nação protestante desde 1534 quando o rei Henrique VIII rompeu com a Igreja Católica e fundou a Igreja Anglicana, tornando-a a referência para o cristianismo oficial no seu reino. Sendo assim, já fazia quase um século que essa mudança havia ocorrido, o catolicismo tornou-se estigmatizado na Inglaterra, apesar de ser tolerado, porém, o anglicanismo já era visto como uma tradição relativamente antiga, logo, um rei optar em casar-se como uma católica foi considerado afrontoso. (HAYTHORNWAITE, 1994).
A terceira medida controversa foi quanto a estratégia referente a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648). O conflito havia começado na época do governo de seu pai, o rei Jaime I, o qual ainda investiu nessa guerra, mas depois que Carlos I subiu ao trono, foi perdendo interesse nessa guerra, já que os ingleses entraram nela para apoiar seus aliados. Dessa forma, os alemães e outros aliados dos ingleses passaram a ver de forma negativa a falta de interesse e compromisso do novo soberano, além de que os generais que comandavam as frentes de trabalha se queixavam da falta de envio de recursos e reforços para o front. (YOUNG; ROFF, 1973).
A quarta decisão problemática do rei foi se intrometer na disputa política dos bispos. Desde a Antiguidade era comum haver politicagem entre os bispos, já que além de serem autoridades eclesiásticas, eles também detinham poder político. No caso do reinado de Carlos I, havia uma disputa entre os bispos de três países: os bispos anglicanos da Inglaterra, os bispos calvinistas da Escócia e os bispos católicos da Irlanda. O conflito entre os bispados já vinha ocorrendo desde o reinado de Jaime I, mas foi agravando-se em seguida. (YOUNG; ROFF, 1973).
Durante o governo de Jaime I, o rei removeu bispos calvinistas da Escócia, colocando no lugar deles bispos católicos, o que foi desaprovado por parte da população, mais tarde a situação foi equilibrada. Vários anos depois, Carlos I tomou a decisão de unificar as igrejas da Escócia e da Inglaterra, já que ambos os países compreendiam o Reino Unido. A ideia era tornar o Anglicanismo na igreja oficial da Escócia, a qual se via dividida entre calvinistas e católicos, os bispos de ambas as igrejas não gostaram disso e se revoltaram contra o projeto do rei, havendo protestos e revoltas na Escócia.
Carlos I indignado com a insubordinação dos bispos e seus apoiadores, enviou um exército de 20 mil soldados em 1639 para a Escócia, dando início a Guerra dos Bispos (1639-1641), a primeira parte foi marcada por algumas pequenas batalhas pelo território escocês, o qual o Parlamento Escocês reuniu soldados para combater o rei. No ano de 1640, Carlos I reabriu o Parlamento Inglês em 13 de abril para votar a respeito da proposta oferecida pelos escoceses a fim de chegar a um acordo de paz. No entanto, os parlamentares aproveitaram a situação para fazerem críticas ao monarca e cobrarem mudanças políticas, jurídicas, tributárias e eclesiásticas. Carlos I que havia restabelecido o Parlamento para que esse apenas apoiasse suas próximas medidas, se indignou com as cobranças e o fechou em 5 de maio, tal acontecimento ficou conhecido como episódio do "Parlamento Curto", pois esse ficou em funcionamento por menos de um mês.
Revoltado, o rei decidiu fazer de seu jeito, elegendo novos comandantes e enviando-os com reforços para retomar a guerra contra os escoceses insurgentes. A guerra estendeu-se pelos meses seguintes de 1640, acarretando em várias perdas para os exércitos ingleses e altos gastos aos cofres públicos. Carlos I diante de sucessivos erros decidiu convocar novamente o parlamento para pedir ajuda. Ele tinha a expectativa que pudesse apelar a honra e bom senso da Câmara dos Lordes, para que esse os apoiassem na guerra contra os escoceses. A ideia era que os nobres injetassem dinheiro naquele conflito e enviasse suas tropas também. (HAYTHORNWAITE, 1994).
Os parlamentares ingleses viram uma grande oportunidade de contestar a autoridade absolutista do monarca, então fizeram uma série de concessões as quais fossem cumpridas, eles iriam ajudar no conflito. Por sua vez, os parlamentares escoceses cobravam do rei que ele aceitasse os termos de paz. Carlos I se viu entre a cruz e a espada, tendo que a contragosto ceder as concessões de ambos os parlamentos, enquanto isso ocorria, revoltas na Irlanda eclodiram em 1641, mobilizadas entre católicos que se indignaram que deveriam ter que adotar o Anglicanismo como igreja oficial. Porém, as revoltas irlandesas não geraram uma guerra, mas ainda assim renderam alguns pequenos massacres. Porém, o governante da Irlanda, o nobre Thomas Wentworth, 1o Conde de Strafford (1593-1641) havia evitado o pior, embora nem todos concordassem com isso. (YOUNG; ROFF, 1973).
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Conde de Strafford por Anton van Dyck, 1633. |
Católicos ingleses e irlandeses se enfureceram com a execução do Conde Strafford, que era católico, acusando que sua morte foi um ato de crueldade autorizado pelo rei Carlos I. Assim, um levante popular e militar ocorreu em ambos os lugares iniciando uma guerra civil.
A guerra civil inglesa (1642-1651)
Diante da série de problemas ocorridos ao longo de 1641, uma nova guerra estava tendo início. Carlos I encurralado por ter cedido as concessões dos dois Parlamentos, havia perdido o direito de fechar os parlamentos, o que permitiu que ambos pudessem se posicionar contrários ao monarca. Assim, os nobres que não gostavam do governo autoritário do rei aproveitaram para formar alianças e exigir a abdicação dele, mas Carlos I recusou-se a deixar o trono e abandonou Londres, dando início a uma guerra entre os parlamentos e o rei. (HAYTHORNWAITE, 1994).
O rei refugiou-se em Nottingham com seus apoiadores, enquanto o Parlamento inglês tinha suas tropas lideradas por Thomas Farifax, Oliver Cromwell, Phillip Skippon, Edward Montagu (2o Conde de Manchester), Robert Devereux (3o Conde de Essex), William Waller. Por sua vez, do lado escocês liderava Alexander Leslie (1o Conde de Leven). Tais nobres se uniram para liderar as forças opositoras contra Carlos I, considerado fugitivo da lei por ter se recusado a aceitar a denúncia pública contra seu abuso de poder e outros crimes, já que foi pedido que ele abdicasse do trono. (HAYTHORNWAITE, 1994).
A primeira parte da guerra que ocorreu entre 1642 e 1646, acabou demorando mais do que se imaginava. Inicialmente alguns parlamentares acreditavam que o rei não teria tanto apoio assim da nobreza e do povo, então em poucos meses sua resistência seria desbaratada, mas isso foi engano. O conflito estendeu-se por quatro anos. Em 1645 as tropas parlamentares lideradas por Fairfax e Cromwell venceram as tropas realistas em Naseby (14 de junho) e Langport (10 de julho), vitórias importantes que enfraqueceram consideravelmente o exército realista. (HAYTHORNWAITE, 1994).
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Pintura retratando a vitória do exército parlamentarista sobre o exército realista na Batalha de Naseby. Na imagem podemos ver em destaque Fairfax a cavalo e Cromwell diante dele. |
No ano de 1648 os escoceses decidiram aceitar o acordo de Carlos I, então o Parlamento escocês enviou um exército para invadir a Inglaterra e marcha rumo a Londres, para sitiar a capital, destituir o Parlamento inglês e permitir o rei reassumir o trono. O problema é que os planos fracassaram. As tropas escocesas sofreram sucessivas derrotas pelo caminho e o rei acabou sendo capturado novamente e enviado para a capital. Dessa vez reforçaram sua guarda e convocaram um tribunal para julgá-lo, incluindo a acusação de traição.
Mais de 100 juízes foram convocados para presidir o julgamento dos crimes do rei, o processo demorou alguns meses e a votação foi acirrada, mas no final a sentença foi dada: devido aos crimes de traição, assassinato, guerra, tirania etc., o rei Carlos I foi condenado a pena de morte por decapitação. A execução ocorreu no Palácio Whitewall em 30 de janeiro de 1649. A morte do rei marcou a história inglesa do século XVII fragilizando o absolutismo da época. (HAYTHORNWAITE, 1994).
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Decapitação de Carlos I diante do Palácio Whitehall. Autoria desconhecida, 1649. |
Considerações finais
A chamada Revolução Puritana é o termo em língua portuguesa para designar a Guerra Civil Inglesa, por conta disso, alguns livros hoje em dia já não usam mais a nomenclatura puritana, optando em adotar a nomenclatura inglesa mesmo, pois o dito puritanismo que motivou a guerra civil, não foi o único fator para isso. De qualquer forma, a dita revolução marcou num primeiro momento, a queda do Absolutismo inglês representado pelo monarca Carlos I, que após anos de tirania que resultou na Guerra dos Bispos (1639-1641) e depois na Guerra Civil (1642-1651), acabou sendo condenado à morte aos 48 anos de idade.
Ambas as guerras arruinaram a economia da Inglaterra e da Escócia, mas não o suficiente para afundar o país, no entanto, a crise legada deu brechas para que o Parlamento inglês e escocês restabelecesse seu prestígio, mas principalmente passasse a gerir ambos os reinos e foi nesse momento de crise política, econômica e social que Oliver Cromwell decidiu dar sua guinada ao poder.
Cromwell surgindo como um herói da guerra civil, passou a manobrar seus aliados e outros parlamentares para conseguir ser nomeado Lorde Protetor e estabelecer o projeto de uma república, defendendo a suspensão indefinida da monarquia, enquanto um governo republicano parlamentar seria criado e estabelecido, mudando o curso da história inglesa. Entretanto, suas intenções bastante positivas e até apoiadas por parte dos parlamentares e do povo, acabariam se revelando desastrosas. O sonho republicano de Cromwell veio a se tornar uma ditadura.
NOTA: Alguns autores defendem que a guerra civil não terminou com a morte do rei em 1649, mas estendeu-se até 1651 quando Oliver Cromwell foi feito Lorde Protetor, pondo fim aos conflitos restantes.
NOTA 2: Alguns historiadores dividem a guerra civil em três fases: a primeira entre 1642 e 1646, em seguida o interlúdio da fuga do rei entre 1646-1647, a segunda fase entre 1648 e 1649, terminando com a morte do rei, mas começando a terceira fase que foi de 1649 a 1651, focada nas batalhas ocorridas na Escócia e Irlanda.
Referências bibliográficas
HAYTHORNWAITE, Philip. The English Civil War 1642-1651. An Ilustrated Military History. London, Brockhampton, 1994.
YOUNG, Peter; ROFF, Michael. The English Civil War. London: Osprey, 1973.
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