quinta-feira, 10 de julho de 2025

Os mosqueteiros

Mundialmente conhecidos pelo livro Os Três Mosqueteiros (1844) do escritor Alexandre Dumas, os mosqueteiros consistiram num regimento militar multifuncional, criado pelo rei Luís XIII da França para servi-lo diretamente. Apesar de serem lembrados principalmente por conta da literatura e do cinema, como soldados usando floretes, na prática, os mosqueteiros eram especializados no combate com armas de fogo. 

Pintura de um mosqueteiro holandês. Jacob van Gheyn, 1608. 

Mosqueteiro origem do termo

Mosqueteiro é o termo que designa o soldado que combate usando um mosquete. Essa arma consiste numa espécie de rifle surgindo no século XVI na Europa, como um melhoramento do arcabuz, o qual tinha como problema a falta de precisão de média e longas distâncias, assim como, a falta de capacidade e penetrar armaduras a distâncias medianas e longas. Assim, o mosquete foi desenvolvido em data incerta no começo do XVI tendo um cano mais fino e longo, alguns exemplares possuíam canos medindo de 100 cm a 150 cm, o que permitia um alcance estimado em até 300 metros de distância, além de aumentar o poder de penetração. Assim, o mosquete passou a ser classificado como um rifle de médio alcance, sem mira acoplada, tendo disparo único, sendo ativado por pólvora e pederneira. (CHASE, 2003). 

O mosquete rapidamente se popularizou entre os exércitos europeus, sendo amplamente utilizado nos séculos XVI e XVII, apesar de ainda ser fabricado até o começo do XIX. Melhorias no designer da arma, especialmente deixando-a um pouco mais leve, mais precisa e melhorando o gatilho, foram desenvolvidas nesses séculos da Idade Moderna. Inclusive alguns mosquetes passaram a incluir o uso de uma baioneta para ser usado como uma espécie de lança. 

“Em meados do século XVI, como podemos verificar na legislação filipina de 1567, o arcabuz mais ligeiro consistia na principal arma de fogo do terço. Suplantava largamente, em termos quantitativos, o mosquete, mais pesado, mas também mais potente e preciso. Em finais do século esta situação já se encontrava em processo de inversão, e nas campanhas militares de meados de Seiscentos, o mosquete substituiu quase universalmente o arcabuz”. (SOUSA, 2013, p. 121).

Modelo de mosquete inglês do século XVIII.

A palavra mosquete é possívelmente de origem francesa, vindo de mousquette, termo usado para designar um tipo de falcão. Porém, outros autores sugerem uma origem italiana, advindo de moschetti, que designava a seta de uma besta. Apesar da origem incerta da palavra, em países como Portugal e Espanha, as vezes a arma era referida como espingarda. (CHASE, 2003). 

O mosquete fazia uso de balas feitas de ferro ou chumbo, diferente do arcabuz que poderia disparar pedras e pregos devido ao seu cano mais largo, o mosquete não possuía essa capacidade. 

Mosqueteiros em outros exércitos

"O exército moderno europeu no século XVII havia assumido sua forma básica, a qual manteria quase inalterada até o século XIX. A formação dos exércitos europeus era fundamentada naquele tempo em quatro categorias de combatentes: o piqueiro, ou lanceiro ou alabardeiro, os quais representavam os soldados equipados com diferentes tipos de lanças, daí a variação no nome; a segunda categoria era a da artilharia leve, formada pelos mosqueteiros e arcabuzeiros; depois vinha a artilharia pesada, formada pelos artilheiros, os quais eram responsáveis pelo transporte, montagem e manuseio dos canhões. Por fim, havia uma pequena participação da cavalaria". (OLIVEIRA, 2016, p. 184).

Tropas de um tercio espanhol. Da esquerda para direita: alferes, mosqueteiro, arcabuzeiro e piqueiro. Pintura de Serafim María de Sotto, 1861. 

Para Geoffrey Parker (1996) os principais marcos da “revolução militar” da Idade Moderna foram: a criação e desenvolvimento das fortificações com baluarte; o emprego recorrente das armas de fogo; o desenvolvimento de uma indústria da guerra; diminuição do uso da cavalaria em detrimento de uma infantaria armada com lanças e mosquetes; reformulação na organização das tropas; mudança nas táticas de batalha; surgimento de escolas militares; aumento na quantidade de soldados nos exércitos.

"No início do século XVII, à metade, grosso modo, dos soldados de infantaria deviam ser fornecidos piques de treze pés (cerca de quatro metros) e couraças; a outros deviam ser fornecidos mosquetes de mecha (com cinco pés – metro e meio – de comprimento) com as respectivas forquetas de apoio (ou arcabuzes, mais curtos e leves), e também recipientes para a pólvora, balas e mechas de combustão lenta; às tropas de cavalaria, uma meia armadura, pistolas e lanças; e a todos os soldados, elmos e espadas". (PARKER, 1994, p. 48).

Embora haja dúvidas se o mosquete surgiu na França, Itália ou Alemanha, mas foi na Holanda onde desenvolveu-se a técnica de combate em fileiras. O stadhoulder Maurício de Nassau (1567-1625) foi responsável por implementar uma série de reformas na organização militar no exército holandês, que acabaram se tornando modelo para outras nações. 

"Maurício alterou a disposição das tropas em combate. Em vez de falanges de 40 ou 50 filas frontais de lanceiros usadas nas guerras do século XVI, colocou os seus homens em 10 filas. A força de choque das suas formações, mais pequenas, provinha mais do poder de fogo do que das cargas dos lanceiros. [...]. O exército holandês aperfeiçoou sobretudo a técnica do fogo de fileira: a primeira linha descarregava simultaneamente os mosquetes sobre o inimigo, depois parava para recarregar as armas enquanto as outras nove linhas iam ocupando o seu lugar, criando assim uma cortina de fogo constante". (PARKER, 1994, p. 52).

Dessa forma, a maior parte dos países europeus da Idade Moderna adotaram o uso do mosquete com principal arma de fogo, somada ao arcabuz e a pistola. Com a colonização europeia nas Américas, África e Ásia, mosquetes foram levados para esses continentes e rapidamente incluídos na composição de seus exércitos. Assim, nas colônias americanas temos as tropas coloniais usando mosquetes, passando pelas nações islâmicas na África, chegando a Arábia, Turquia, Pérsia, Índia, China, Coreia e Japão, em todos esses países nos séculos XVI e XVII já se fazia uso de mosquetes, o que revela como essa arma, apesar de pesada e lenta, ainda assim, foi bem recebida pelas forças militares de diferentes povos. 

Mosqueteiros chineses em gravura do século XVI, durante a Dinastia Ming
(1368-1644).

A Guarda dos Mosqueteiros na França

Apesar de que na Europa quase todo exército possuísse regimentos de mosqueteiros, no entanto, os mosqueteiros mais famosos surgiram na França durante o reinado de Luís XIII (1601-1643), o qual governou por trinta anos. No ano de 1622 época na qual o monarca engajou-se em suas campanhas militares, Luís XIII reformulou a guarda real criada pelo seu pai Henrique IV, permitindo a contratação de plebeus e estipulando que os mesmos passassem a usar armas de fogo, no caso, especialmente o mosquete. Assim, surgiu a Guarda dos Mosqueteiros, também referidos como "mosqueteiros do rei". (DURIEUX, 1928). 

Embora no romance Os Três Mosqueteiros (1844), consequentemente nos filmes e no imaginário desenvolvido com base no sucesso do livro, vemos os mosqueteiros principalmente usado espadas do tipo florete, na prática, a espada era uma das armas usadas por eles. No campo de batalha eles lutavam com mosquetes como arma principal, por isso o nome da tropa. 

A guarda dos mosqueteiros possuía três funções principais: proteger o rei e a família real, logo, ficavam de guarda nos palácios e locais onde o monarca estava; escoltar o rei, a rainha, nobres e ministros. Em terceiro, ser despachado para a guerra, fosse para acompanhar o rei caso ele fosse ao campo de batalha ou iriam como tropa de reforço. (DURIEUX, 1928). 

A sede da guarda ficava em Paris, tendo quartel próprio gerido por seu comandante. Por ser um regimento diretamente a serviço do rei da França e do primeiro-ministro, ela era prestigiada e recebia muitos recursos. Pela condição de Luís XIII permitir que plebeus se alistassem para guarda dos mosqueteiros, muitos jovens viajavam através da França com o sonho de entrar na guarda. Vale lembrar que no livro de Alexandre Dumas, o personagem D'Artagnan é um jovem de 18 anos, filho de agricultores da Gasconha, que tem o sonho de se tornar um mosqueteiro. Ao longo do livro ele atua como cadete, pleiteando uma vaga na guarda, algo obtido no final da narrativa. 

Para se tornar mosqueteiro do rei havia algumas condições: ser nobre, ser indicado ou tentar uma vaga como cadete, servindo em outras guarnições ou tropas para ganhar experiência e reputação, para em seguida se apresentar aos mosqueteiros e tentar o ingresso. Devido ao prestígio gerado ao ser membro da guarda, era comum os cargos mais altos serem dados a nobreza. Nos próprios livros de Dumas seus mosqueteiros, alguns deles se tornam nobres ou burgueses. 

A guarda dos mosqueteiros seguiu vigorando após a morte de Luís XIII, servindo o Cardeal Richelieu, o Cardeal Mazarino, ambos atuaram como primeiros-ministros, os reinados de Luís XIV, Luís XV Luís XVI. Embora que a guarda não existiu de forma regular continuamente tendo sido suspensa por Luís XVI (1774-1792) em 1776, reativada brevemente por Napoleão Bonaparte (1804-1815) em 1814, sendo extinta novamente em 1816

Trajes dos mosqueteiros franceses da guarda real, entre 1660 e 1814. 

Por conta de ter existido por quase duzentos anos, a guarda sofreu várias reformulações no seu contingente, trajes e organização. No caso dos livros de Alexandre Dumas, a guarda que vemos referem-se aos governos de Luís XIII e Luís XIV, o período áureo desse regimento militar. 

NOTA: Embora Os Três Mosqueteiros seja uma das obras mais famosas de Alexandre Dumas, ele forma uma trilogia composta por Vinte Anos Depois (1845) e o Visconde de Bragelonne (1847-1850). 

NOTA 2: Ambrósio Richshoffer (1612-?) foi um soldado estraburguês que serviu por quatro anos no Brasil pela Companhia das Índias Ocidentais (WIC) da Holanda. Ele escreveu um diário de viagem, dizendo que após 1632, quando voltou para a França, viajou a Paris e se alistou na guarda dos mosqueteiros, servindo ali por alguns anos até alcançar a patente de capitão. Mas por motivos não informados por ele, o mesmo teve que deixar seu cargo e voltou para Estrasburgo. 

Referências bibliográficas

CHASE, Kenneth. Firearms: A Global History to 1700. Cambridge, Cambridge University Press, 2003. 

DURIEUX, Joseph. Le Périgord militaire. Mousquetaires du Roi au XVIIIe siècle. Bulletin de la Société historique et archéologique du Périgord, v. 55,‎ p. 167-180. 

PARKER, Geoffrey. The Military Revolution: military innovation and the rise of the West, 1500-1800. 2a ed. Cambridge, Cambridge University Press, 1996.

PARKER, Geoffrey. O Soldado. In: VILLARI, Rosario (dir.). O homem barroco. Tradução de Maria Jorge Vilar de Figueiredo. Lisboa, Editoria Presença, 1994.

SOUSA, Luís Filipe Guerreiro Costa e. Escrita e Prática de Guerra em Portugal: 1573-1612. Tese (Doutorado em História dos Descobrimentos e Expansão) – Programa de Pós-Graduação em História, Universidade de Lisboa, Lisboa, 2013.

quinta-feira, 26 de junho de 2025

Gigantopithecus: o verdadeiro King Kong

Na Pré-história existiu um primata digno de ser comparado ao icônico gorila gigante do cinema, King Kong. Evidentemente que esse primata não era tão gigantesco quanto sua contraparte ficcional, ainda assim, era um animal que pertencia a chamada megafauna, espécies que possuíam um tamanho maior do que as espécies atuais. A fim de comparação, o primata mais próximo do Gigantopithecus em proporção é o gorila, sendo que o Gigantopithecus teria o dobro de seu tamanho. Pode não parecer muito, mas para os humanos daquele tempo, eles estariam diante de um "macaco gigante". 

Introdução

King Kong é o personagem título de um filme de aventura lançado em 1933, na época ainda preto e branco. Na trama do filme uma expedição viaja até a distante e misteriosa Ilha da Caveira, uma ilha tropical nas proximidades da Indonésia, onde dizem existir uma civilização perdida e animais nunca antes vistos. De fato, para além do gorila gigante na ilha existem insetos gigantes e dinossauros, além de um povo que cultua Kong como uma divindade, fazendo sacrifícios humanos a ele. 

O filme seguia o roteiro básico da literatura de fantasia de mundo perdido, ainda em popularidade naquela época, por conta disso a existência da tal ilha contendo um povo com resquícios pré-históricos e a presença de dinossauros, dois elementos comuns das narrativas de mundo perdido. Assim, King Kong foi um sucesso ao ser lançado, virando nos anos seguintes um clássico cult, gerando toda uma franquia de filmes, desenhos, jogos e outros produtos. 

Mas qual seria a relação dele com o gigantopithecus? De imediato nenhuma, pois o filme foi lançado em 1933 e o primeiro fóssil identificado do gigantophitecus foi descoberto em 1939, além disso, como será visto a seguir, nem sempre esse primata foi tido como um "macaco", mas chegou-se a considerá-lo uma suposta raça de humanos gigantes. De qualquer forma, à medida que as pesquisas sobre o gigantophitecus se desenvolviam, King Kong iam ficando mais famoso no cinema e há quem defendesse que a trama do filme não seria tão ridícula assim, afinal, houve um tempo pré-histórico em que humanos conviveram com macacos gigantes. 

O "macaco" gigante

O Gigantophitecus blacki foi uma espécie de primata que viveu entre 2 milhões e 200 mil anos atrás, habitando os atuais territórios da China, Tailândia e norte do Vietnã. Apesar de seu tamanho ser comparado ao dos atuais gorilas, essa espécie pertenciam ao subgênero Ponginae, a qual pertence os orangotangos. Dessa forma, em termos fisionômicos, o gigantophitecus seria mais parecido com um orangotango gigante do que com um gorila. 

Ilustração de como poderia ter sido a aparência dos gigantophitecus. 

Devido ao seu grande tamanho, estimado entre 2,5 e 3 metros de altura quando ficava de pé e pesando em média 300 kg, é a maior espécie de primata já descoberta até então. Por conta de seu peso e tamanho, isso tornava inviável que escalasse árvores, mas teria força bruta para derrubar árvores finas. Por conta de ter habitado a China pré-histórica, naquele tempo já abundavam bambuzais, que provavelmente teriam sido uma de suas principais fontes de alimentação. Vale ressalvar que gorilas e orangotangos apesar do porte grande, são primatas herbívoros. Dessa forma, o gigantophitecus provavelmente teria uma dieta alimentar parecida com a dos pandas, alimentando-se principalmente de bambu e outras plantas similares. 

Poucas informações existem sobre os gigantophitecus, já que os fósseis encontrados a maior parte foram de dentes. A primeira menção registrada paleologicamente dessa espécie advém de 1935, feita pelo antropólogo alemão-holandês Gustav R. H. von Koeningswald (1902-1982) ao analisar dois dentes molares de tamanho curioso, obtidos numa farmácia popular chinesa. A medicina popular chinesa costuma ainda hoje vender dentes, ossos e fósseis como parte dos ingredientes para diversas receitas de tratamento de saúde. Os chamados "ossos de dragão" eram em muitos casos fósseis, já que a China é um dos países com grande extensão de fósseis no mundo. 

Reconstituição de uma mandíbula de gigantopithecus. 

Assim, ao analisar esses molares, Koeningswald constatou serem similares ao de primatas, mas pertenceria a um primata de tamanho maior do que o comum, por conta disso ele chamou a espécie desconhecida de gigantophitecus ("macaco gigante"). Isso originou algumas teorias por parte de outros estudiosos. O paleontólogo sul-africano Robert Broom em 1939 lançou a teoria de que o gigantopithecus seria uma subespécie de Austrolopitecus que habitava aquela parte a Ásia. Baseado na sua teoria, o antropólogo judeu alemão Franz Weidenreich em 1946 atualizou a ideia de Broom, ao invés daqueles dentes pertencerem a uma variedade de Austrolopitecus, poderiam ter pertencido a uma raça hominídea desconhecida. Weidenreich influenciado pela crença de que houve gigantes reais, cogitou que o tal gigantophitecus seria uma evidência paleontológica da existência de gigantes, ou seja, para ele aquele molar não pertenceria a um macaco, mas a um ser humano gigante. 

As duas teorias propostas ainda permearam a Paleontologia e Antropologia por algumas décadas, o próprio Koeningswald mais tarde comprou a teoria de Weidenreich de que o gigantopithecus poderia ter sido uma espécie de humanos gigantes, essa ideia inclusive gerou cisão no meio acadêmico. Uns consideravam se tratar de um primata outros de um humanos primitivos, essa disputa perdurou até o começo dos anos 1980 quando estabeleceu-se que se tratava de um primata da subespécie Ponginae, mas até isso acontecer o gigantophitecus chegou a ser incluído em outras famílias de primatas e hominídeas e até supostas subespécies teriam sido identificadas na Índia e na Indonésia. 

O problema de classificação do gigantophitecus durou quase cinquenta anos devido a escassez de fósseis desse primata. A maior parte dos fósseis encontrados até hoje são dentes, porém, diversas escavações na China encontraram mandíbulas e outros ossos, mas nunca um esqueleto completo. Apesar disso, tais achados permitiram chegar a conclusão de que não se tratava de uma espécie de hominídeo gigante como se considerava, mas de um primata de grande dimensão, sendo aparentado dos atuais orangotangos. Além disso, todos os fósseis descobertos apontam para a mesma espécie, ou seja, até hoje só mente se identificou uma espécie de gigantophitecus. 

O gigantophitecus teria desaparecido entre 250 e 200 mil anos atrás, época que o Homo sapiens ainda não tinha saído da África, logo, os hominídeos que tiveram contato com ele pertenciam a espécie de Homo erectus e suas subspécies. Assim, tais espécies possuíam entre 1,40 e 1,70 metro de altura, comparadas ao giganthopitecus que passavam facilmente dos 2 metros de altura, realmente seriam tomados por aqueles pequenos hominídeos como "macacos gigantes". 

Representação do contato do Homo erectus com gigantophitecus. 

Mas teriam esses hominídeos caçados esses enormes primatas? É possível, já que em outros lugares do mundo o Homo erectus, o Homo neanderthalensis e o Homo sapiens caçaram animais bem maiores. Mas essa caça teria levado a extinção da espécie? Essa é uma pergunta sem uma resposta concreta. Mas no geral os paleontólogos consideram que as mudanças climáticas ocorridas entre 250 e 150 mil anos atrás foram fatores mais determinantes para reduzir a população de gigantophitecus, além da condição de que possivelmente eles tinham poucos filhotes anualmente como visto com o caso dos orangotangos e gorilas, os quais geralmente dão à luz a um filhote por ano. 

Assim, somando-se a condição biológica de baixa natalidade, mudanças ambientais que afetaram o hábitat natural desses primatas comprometendo sua fonte de alimento, ainda mais sendo eles animais que necessitavam de grande quantidade de alimento diária; sua incapacidade de escapar de um grupo de humanos armados com lanças e arcos, a pouca população nativa, isso tudo contribuiu para a gradativa extinção da espécie. Dessa forma, quando indivíduos do Homo sapiens sapiens chegaram à China, o gigantopithecus já estava extinto a milhares de anos. 

NOTA: No filme Mogli: O menino lobo (2016) o Rei Louie é retratado como um gigantophitecus. 

NOTA 2: Já se considerou que o Abominável homem das neves poderia ser uma subspécie de gigantopithecus, o problema é que esses primatas não viviam em regiões montanhosas como o Tibete e o Himalaia. Para ser uma subsespécie, ela teria que ter trocado o hábitat de florestas tropicais pelo o frio das montanhas, não apenas passando a resistir as baixas temperaturas, mas mudar seu comportamento alimentar e outras necessidades. 

NOTA 3: A espécie Gigantopithecus giganteus habituou um território entre China e Índia, mas sendo de porte menor, possívelmente equiparável ao dos atuais gorilas africanos. Já a espécie Gigantopithecus bilaspurensis, suposta ancestral dos demais, foi descartada por se tratar da espécie Indopithecus giganteus, um possível parente. 

NOTA 4: No jogo Ark: Survival Evolved (2015) o gigantopithecus é retratado como se fosse um Pé-grande. 

Referências bibliográficas

LOPATIN, A. V; MASCHENKO, E. N; DAC, Le Xuan. Gigantophitecus blacki (Primates, Ponginae) from the Lang Trang Cave (Norther Vietnam): The Latest Gigantophitecus in the Late Pleistocene? Doklady Biological Sciences, v. 502, n. 1, 2022, p. 6-10. 

ZHAO, L. X; ZHANG, L. Z. New fossil evidence and diet analysis of Gigantophitecus blacki and its distribution and extinction in South China. Quaternay International, n. 286, 2013, p. 69-74. 

segunda-feira, 23 de junho de 2025

Francesco Matarazzo: o fundador de fábricas

Italiano de origem, vendeu tudo que tinha para tentar uma vida como empreendedor no Brasil, porém, teve um começo bastante difícil, já que seus investimentos afundaram. Apesar disso, Matarazzo não desistiu e empenhou-se em alternativas para se recuperar do prejuízo. Anos depois começou a despontar como um empreendedor nato e industrial, tendo fundado mais de uma centena de fábricas pelo país, o que lhe rendeu a alcunha de o "fundador de fábricas" ou "fabricante de fábricas", tornando-o o homem mais rico do Brasil por algum tempo. O presente texto contou um pouco da história de sua carreira como comerciante, empreendedor e industrial. 

Introdução

Nascido Francesco Antonio Maria Matarazzo (1854-1937) na comuna de Castellabate, na província de Salerno, era o filho mais velho de Costabile Matarazzo (1830-1873) e Mariangela Jovane (1835-1925). Seu pai era advogado e proprietário de alguns lotes de terra, já sua mãe era dona de casa. O casal teve nove filhos. Devido as condições financeiras da família, Francesco foi enviado para estudar fora da sua cidade. Adulto, casou-se com Filomena Sansivieri, com quem teve treze filhos. (COUTO, 2004). 

Retrato de Francesco Matarazzo em 1920. 

Na década de 1870 a economia do sul da Itália começou a declinar devido a política-econômica que favorecia mais as províncias nortenhas. Enquanto o norte desenvolvia fábricas e indústrias, o sul era predominantemente agrário. As mudanças nos tributos, impostos, investimentos etc., comprometeram o desenvolvimento econômico do sul do país, gerando falência e desemprego. Por essa época, o pai de Francesco tinha falecido desde 1873, levando-o até que cuidar dos negócios da família. Como não concluiu a universidade, ele não possuía uma profissão que demandasse diploma, diferente do seu pai que foi advogado. Assim, Francesco tratou de administrar as poucas propriedades da família, herança de seu pai e avós. (COUTO, 2004). 

Mas com o aumento da crise, tendo dois filhos pequenos para cuidar, além do seus outros irmãos que eram menor de idade, Francesco após alguns anos, considerou que deveria mudar de país. Naquele tempo a política migratória para o Brasil seguia em alta. O governo brasileiro vendia a imagem de que o café era um grande investimento, e a mão de obra italiana conseguia trabalho facilmente. Entre meias verdades, realmente o governo brasileiro investiu pesado na propaganda migratória para italianos e alemães, como parte de substituir a mão de obra escrava que começa a ser gradativamente libertada, mas também como medida para embranquecer a sociedade brasileira, visto que a mestiçagem era considerada um problema crônico do Brasil, tendo gerado um povo "degenerado". 

Assim, Francesco iniciou seus contatos com italianos que tinham parentes que migraram para o Brasil, além de empresas que prestavam serviços por lá. Uma das mercadorias que lhe chamou atenção era o comércio de venda de banha de porco. Naquele tempo no Brasil, pouco se usava manteiga, o azeite era luxo importado, óleos vegetais eram vistos como inapropriados e nem havia fábricas para produzi-lo em escala. Assim, a banha era o principal ingrediente culinário. Tendo isso em mente, Francesco vendeu parte de suas propriedades, deixando de direito aos irmãos, então reuniu sua esposa e filhos, comprou um carregamento de banha e partiu para o Brasil, a fim de tentar vida nova. (MARTINS, 1973). 

Todavia, o navio que transportava sua carga de banha, ao atracar no porto de Santos, enquanto era descarregado, houve um acidente e o carregamento caiu no mar, dando perda total. Os investimentos de Matarazzo literalmente foram por água abaixo. Mas sem entrar em desespero, ele recorreu ao Consulado Italiano, pedindo empréstimos para comprar nova carga, depois disso mudou-se para Sorocaba no interior da província de São Paulo. (COUTO, 2004). 

O vendedor de banha

Embora seja lembrado como um grande industrial, Matarazzo teve um começo bem pequeno, já que era vendedor ambulante (mascate) de banha em Sorocaba, uma pequena cidade em desenvolvimento no interior de São Paulo, rodeada por fazendas de café, contando com o aumento de imigrantes italianos, além de rede de tropeiros. Pode parecer estranho que ele tenha escolhido esse local para ir viver e trabalhar, mas a escolha foi bem pensada. (COUTO, 2004). 

Sorocaba na década de 1880 era uma cidade que se industrializava e crescia rapidamente. Possuía malha ferroviária graças aos barões do café, tinha fábricas de tecidos e fundição. Concentrava uma população de italianos que chegavam anualmente. Pensando na colaboração de seus compatriotas, Matarazzo enxergou a possibilidade de vender banha para as famílias italianas que viviam em Sorocaba, depois para os próprios brasileiros. Além disso, a concorrência desse mercado não era grande. Somando-se a essa perspicácia e o trabalho árduo, pois Matarazzo passava várias horas do dia indo de casa em casa vender seu produto, somente meses depois ganhou parceiros comerciais em armazéns. (COUTO, 2004). 

O resultado de seu trabalho duro repercutiu em 1882, quando ele comprou um armazém, tornando-se dona de sua própria loja, sem necessidade de ter que atuar como mascate. Embora à venda de banha fosse sua principal mercadoria, ele passou a comercializar outros bens também. Mas passados alguns meses, percebendo que a demanda seguia em alta, mas o preço da banha que ele comprava para revender era um empecilho para ampliar seus lucros, decidiu por ele mesmo produzir sua própria banha. Assim, ele comprou um imóvel ao lado de seu armazém e o tornou numa rudimentar fábrica de banha, passando a comprar dos produtores locais carne de porco para produzir banha. Embora tenha empregado inicialmente sua família e depois empregados, no entanto, ao romper a necessidade de ter que importar banha para revender, o lucro aumentou, levando-o a trazer sua mãe e irmãos da Itália. (MARTINS, 1973). 

Fotografia do armazém e frigorífico do Matarazzo, em Sorocaba.

Posteriormente, ele abriu uma pequena fábrica de banha em Capão Bonito, distante 130 km, no entanto, ali por estar mais próxima de fazendas de criação de porcos, favorecia o acesso ao produto. Além disso, Matarazzo também passou a atuar como açougueiro, vendendo carne suína. Graças a linha férrea, o transporte não era um problema. Dessa forma, em 1885, Matarazzo era dono de um armazém e de duas pequenas fábricas de banha, mas havia outro detalhe a ser resolvido: o armazenamento. A banha era vendida em latas, mas essas eram importadas. Assim, pensando em contornar essa dependência, ele abriu uma pequena fábrica de produção de latas, valendo-se da existência de fundições em Sorocaba, as quais forneciam a matéria-prima necessária. (MARTINS, 1973). 

Mudança para São Paulo

Em oito anos vivendo em Sorocaba, Francesco Matarazzo foi de um simples mascate a empresário possuindo um negócio de banha e enlatados, que lhe rendeu capital suficiente para levá-lo a mirar em novos projetos. Assim, ele se uniu a três de seus cinco irmãos para montar uma empresa em São Paulo, nomeada Matarazzo e Irmãos. No entanto, o projeto acabou não dando certo por desentendimento dele com os irmãos, assim, depois de um ano a empresa foi dissolvida. Porém, Matarazzo usando seu capital de giro e contatos que tinha desenvolvido nos últimos anos, fundou a Companhia Matarazzo S.A, vendo ações delas para vários acionistas que implantaram capital no projeto. (COUTO, 2004). 

A nova empresa gestava as fábricas em Sorocaba e em Porto Alegre, essas fundadas pelo seu irmão Giuseppe, além disso, Matarazzo abriu armazéns e entrou no circuito de importação e revenda. Ele passou a negociar trigo e arroz, dois cereais em alta na época. Dessa forma, a década de 1890 foi promissora para Matarazzo, fazendo-o acumular uma fortuna rapidamente graças a sua visão de negócio e o apoio de alguns irmãos e dos acionistas. O resultado disso culminaria em seu grande projeto de fundar um moinho. 

Em 1900 diante da crise de importação de trigo, Matarazzo pediu empréstimo ao Banco London and Brazilian para construir um enorme moinho no bairro do Brás. O investimento apesar de elevado, trouxe o retorno esperado. Seu enorme moinho se tornou um prédio icônico no Brás. Para maximizar a produção e manutenção, Matarazzo também abriu uma oficina de reparos na fábrica e depois uma fábrica de sacos de farinha, mais tarde fundou uma fábrica têxtil de algodão. Dessa forma, ele conseguia produzir farinha e os sacos, posteriormente foi adquirindo uma frota de caminhões. No ano de 1902 transformou sua oficina de reparos numa metalúrgica, o que ajudou a potencializar seus negócios, já que o crescimento industrial de São Paulo demandava grandes quantidades de metal regularmente. (MARTINS, 1973). 

Moinho de Matarazzo no bairro do Brás, em São Paulo. 

O moinho potencializou o lucro da empresa de Matarazzo, permitindo-o comprar fábricas e empresas para consolidar seu sistema de produção. Matarazzo defendia uma visão de investimentos na qual ele pudesse controlar vários aspectos da sua linha de produção, o que incluía o fornecimento de embalagens, matéria-prima e transporte. Dessa forma, ele ampliou sua frota de caminhões, chegou a comprar navios de carga mais tarde, adquiriu fábricas de tecidos, de óleo, de enlatados, entre outros produtos. 

Assim, Matarazzo na década seguinte ampliou seus negócios por São Paulo e até em outros estados. Dessa forma, em 1911 ele fundou as Indústrias Reunidas Fábricas Matarazzo (IRFM), o primeiro conglomerado industrial e empresarial do Brasil, o maior do país e até da América Latina no começo do século XX. Em seu auge, Matarazzo contou com pelo menos 30 mil funcionários e mais de 200 fábricas pelo Brasil. (MARTINS, 1973). 

O milionário bem quisto

No começo do século XX, Francesco Matarazzo já era milionário, um dos homens mais ricos do Brasil, que consequentemente se tornaria o mais rico. Ele vivia com sua família na chamada Mansão Matarazzo, uma suntuosa residência na Avenida Paulista, conhecida por sua beleza arquitetônica e requinte. Matarazzo não mediu fundos para construir sua mansão e decorá-la. Sua imponente residência se tornou símbolo do glamour da sua família e do seu conglomerado industrial. (MARTINS, 1973). 

Por essa época, Matarazzo estava cada vez mais próximo da imprensa, dos políticos e da população. Em distintos momentos ele recebeu convites para entrar na política, a fim de se candidatar a vereador e deputado, mas recusou todos eles. Diferente do Barão de Mauá, industrial da época imperial que foi deputado federal, Matarazzo decidiu jamais assumir cargos políticos, mas não significou que não tivesse contato com a política. Ele conseguiu vários acordos econômicos com a prefeitura e o governo do estado de São Paulo, além de ter contato com presidentes, senadores e políticos de outros estados. Em sua mansão era regular almoços e jantares com empresários, industriais, políticos, embaixadores etc. 

Mansão Matarazzo durante a década de 1910. 

Mas além desse contato com a elite paulista, Matarazzo também tinha o hábito de visitar regularmente suas empresas e fábricas, além de fazer aparições públicas em eventos. O mesmo também gostava de conversar com seus funcionários quando possível e eventualmente dar entrevistas. Por conta disso, ele se tornou um milionário bem quisto socialmente, tanto por ajudar no desenvolvimento industrial do país, financiar vários projetos, assim como, empregar uma grande quantidade de trabalhadores. Ele também se mostrou benfeitor, ajudando em projetos e caridade e assistencialismo. Um dos seus feitos foi a construção do Hospital Matarazzo - Umberto I em 1904

Enquanto a riqueza de Matarazzo deslanchava de vento em popa, a Europa entrou numa profunda crise com a eclosão a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). A Itália, sua terra natal, foi um dos países que entrou no mortífero conflito, saindo desse em 1917, após uma campanha desastrosa que repercutiu em mais condições negativas do que positivas. Enquanto o mundo via o desenrolar da sangrenta guerra que vitimou mais de 10 milhões de pessoas, Matarazzo doou dinheiro ao governo italiano para ajudar as vítimas e na reconstrução do país. (MARTINS, 1973). 

No ano de 1917 em reconhecimento ao apoio financeiro prestado ao país, o rei Vittorio Emanuele III concedeu o título de conde a Matarazzo, o qual viajou a Itália com a família para receber a grande honraria. De um plebeu filho de advogado e dona de casa, passando por industrial milionário no Brasil, agora aos 63 anos ele conquistou um título de nobreza, o qual inclusive foi herdado por seus filhos. Aproveitando o renome como novo conde, Matarazzo tratou de casar suas filhas e filhos com nobres italianos. Além disso, ele passou a morar no país até 1919(MARTINS, 1973). 

Retornando ao Brasil em 1919, Matarazzo comprou uma transportadora naval para exportar suas mercadorias para a Europa e os Estados Unidos, comprou fazendas, adquiriu uma fábrica de bebidas anteriormente pertencente a Antártica, fundou fábricas de produtos químicos, abriu novos frigoríficos e até comprou os direitos de distribuição de filmes americanos no Brasil, já que o cinema começava a se espalhar timidamente pelo país. 

Na década de 1920 a Itália já estava sob governo da ditadura fascista (1922-1945) de Benito Mussolini, o qual veio a se tornar aliado de Adolf Hitler, auxiliando a Alemanha nos primeiros anos da vindoura Segunda Guerra (1939-1945). Mas enquanto tal nova guerra mundial não acontecia, Matarazzo para garantir suas conexões políticas e econômicas com a Itália, passou a apoiar a ditadura de Mussolini, mesmo que nunca tenha se declarado fascista. Para Matarazzo, a nobreza e a elite italiana, o governo de Mussolini, apesar de autoritário, se mostrava patriótico, nacionalista e preocupado em reestruturar o país. De fato, houve melhorias, mas a custa de uma série de problemas. Apesar disso, seu apoio a ditadura fascista foi uma das marcas negativas de seu governo. Embora que Matarazzo não viveu para ver a eclosão da Segunda Guerra. (MARTINS, 1973). 

Mas não foi apenas o apoio do ditador fascista que Matarazzo conquistou. Ele também trouxe para si o apoio dos presidentes Washington Luís e Getúlio Vargas. Oficialmente Matarazzo não declarou apoio a Getúlio durante a Revolução de 1930, tampouco aderiu a Revolução de 1932, promovida por setores paulistas revoltados com o golpe promovido por Vargas e a Aliança Liberal. Em ambas as ocasiões Matarazzo optou por neutralidade. Mas passado esses momentos de efervescência, sua conexão com Vargas manteve-se até o fim da vida. (MARTINS, 1973). 

Considerações finais

Apesar de idoso, Matarazzo manteve-se à frente de seus negócios até onde a saúde lhe permitiu, vindo a falecer a 10 de fevereiro de 1937, aos 82 anos, meses antes do golpe de Getúlio Vargas para criar o Estado Novo (1937-1945). Como Matarazzo teve 13 filhos com Filomena, mulher com que se manteve casado até o fim da vida, ele decidiu escolher entre eles para ser seu sucessor. Seu primogênito era Giuseppe, depois dele vinha Andrea e Ermelino. Dos três filhos mais velhos, Matarazzo considerou Ermelino o mais responsável por dirigir os negócios, inclusive o mesmo fez isso entre 1917 e 1919, quando esteve à frente da IRFM durante a estada do pai na Itália. (COUTO, 2004). 

No entanto, Ermelino morreu num acidente de carro na Itália, em 1920, chocando profundamente a família. Com a morte de seu herdeiro predileto para assumir os negócios, Matarazzo adiou tais planos. Seus outros filhos já tinham suas empresas e agiam como sócios também do conglomerado do pai, porém, o novo herdeiro foi Francesco Matarazzo Júnior (1900-1977), seu décimo segundo filho, o qual ficou popularmente conhecido como Conde Chiquinho por ter herdado o título do pai. (COUTO, 2004). 

Chiquinho Matarazzo ainda conseguiu manter os negócios da família até sua morte, dirigindo as empresas e fábricas por quatro décadas, porém, sua gestão bem distinta da do pai, testemunhou o gradativo encolhimento da fortuna e negócios da família. Apesar disso, o legado de seu pai como maior industrial do Brasil entre 1900 e 1937 não foi apagado. No auge de sua carreira de negócios, Francesco Matarazzo tinha se tornado bilionário e senhor de mais de 250 empresas e fábricas. 

NOTA: A Mansão Matarazzo existiu de 1896 a 1996, quando devido a falência da família, o imóvel foi confiscado pelo governo para saudar dívidas. Em 1989 houve o projeto de torná-lo um museu custeado pela prefeitura, mas a família foi contrária e entrou na justiça. Passados alguns anos, o governo desistiu de fazer um projeto e a mansão foi a leilão, vindo a ser demolida em 1996 para dar espaço ao Shopping Cidade São Paulo. 
NOTA 2: O Hospital Matarazzo - Umberto I foi desativado em 1993, sendo vendido e abrigando galeria de arte, casa de eventos e exposições. Atualmente seu complexo compreende a Cidade Matarazzo, que incluirá hotéis de luxo. 
NOTA 3: Todos os treze filhos de Matarazzo se casaram com indivíduos de famílias ricas, alguns oriundos da nobreza italiana. 
NOTA 4: A IRFM faliu na década de 1990, pondo fim a quase cem anos de atividades. 
NOTA 5: Quando Matarazzo começou a montar seus negócios de banha em Sorocaba, o Barão de Mauá, famoso industrial brasileiro ainda era vivo, apesar que naquele tempo tinha entrado em falência, perdendo suas fábricas e empresas. 

Referências bibliográficas
COUTO, Ronaldo Costa. Matarazzo: O colosso brasileiro. São Paulo, Editora Planeta, 2004. 
MARTINS, José de Souza. Conde Matarazzo, o empresário e a empresa: estudo de sociologia do desenvolvimento. São Paulo, Hucitec, 1973. 

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domingo, 15 de junho de 2025

Barão de Mauá: o primeiro industrial do Brasil

Na segunda metade do século XIX o Brasil ainda era uma nação predominantemente rural, as primeiras indústrias ainda nem tinham surgido. O Barão de Mauá em meados do XIX decidiu levar para frente vários projetos de empreendimento, influenciados após viagens suas a Europa, onde ele teve contato com ferrovias, estaleiros, fábricas e outras tecnologias emergentes. Assim, tirando do próprio bolso ou formando sociedades, ele deu início a industrialização do Brasil, mesmo que de forma bem restrita, ainda assim, foi o ponta pé. 

Introdução

Irineu Evangelista de Sousa (1813-1889) nasceu na Vila de Nossa Senhora da Conceição do Arroio Grande, na então capitania de São Pedro e Rio Grande do Sul, sendo filho do fazendeiro João Evangelista de Ávila e Sousa e de Mariana de Batista de Jesus Carvalho. Embora seu pai fosse fazendeiro, assim como, seus avós, Irineu não advinha de uma família abastada propriamente. Seu pai foi assassinado durante uma invasão de bandidos as terras de sua fazenda, quando Irineu tinha seus cinco anos. Mais tarde sua mãe se casou novamente, mas por pressão do novo marido, teve que se afastar dos filhos. Irineu foi enviado para morar com seu tio Manuel José de Carvalho, que era agrimensor, jurista e depois político. O que levou o garoto a se mudar para o interior da província de São Paulo, onde vivia seu tio. (CALDEIRA, 1995). 

Retrato de Irineu Evangelista de Sousa por volta de 1870. 

A vida com o tio durou poucos anos, pois aos 9, Irineu foi enviado para o Rio de Janeiro, para morar com seu tio João Rodrigues de Pereira de Almeida, um comerciante e fazendeiro, mais tarde banqueiro. Seu tio Pereira de Almeida empregou o sobrinho numa loja, fazendo o garoto começar a trabalhar por volta de seus 9 ou 10 anos. Irineu passou a adolescência trabalhando no comércio em diferentes cargos, especialmente os ligados a administração e contabilidade, áreas que o interessavam e mais tarde o levaram a estudar a respeito.  (CALDEIRA, 1995). 

Em 1830 começou a trabalhar numa empresa britânica de importação pertencente a Richard Carruthers, o qual nutriu admiração e confiança pelo rapaz. Ali se aperfeiçoou na administração, virando gerente, além de aprender sobre economia, finanças, investimentos, a falar e ler em inglês, assim como, leu os clássicos do liberalismo econômico inglês como Adam Smith e David Ricardo. Inclusive nesse período ingressou na maçonaria. Anos depois, Carruthers decidiu desistir dos negócios no Rio de Janeiro e voltar a Europa, Irineu que já tinha juntado dinheiro por esse tempo, ofereceu-se em comprar parte das ações, se tornando sócio da empresa para que não fosse fechada. Carruthers concordou, pois considerou que deixaria a empresa em boas mãos.

Estando estabelecido financeiramente, Irineu trouxe sua mãe Mariana que havia ficado viúva novamente, assim como, sua irmã Guilhermina que também tinha enviuvado. Ela tinha uma filha de nome Maria Joaquina de Sousa Machado (1825-1904). Irineu se apaixonou perdidamente por sua sobrinha, a qual era doze anos mais nova que ele. Apesar disso, o casamento se concretizou. Irineu e Maria Joaquina tiveram 18 filhos, embora alguns morreram ainda prematuros e outros durante a infância devido a doenças distintas geradas pelo casamento intersanguíneo. (CALDEIRA, 1995). 

Surge o industrial

No ano de 1840, Carruthers convidou Irineu a ir visitar a Inglaterra, o qual aceitou, sendo sua primeira viagem internacional. Tendo viajado direto para o coração da revolução industrial, Irineu ficou maravilhado com a industrialização. 

"A verdadeira indústria só existia na Grã-Bretanha e no norte dos Estados Unidos. Na Alemanha e na França, ela apenas engatinhava, e em países retardatários, como a Itália, a Espanha e Portugal, só era conhecida por ouvir dizer, Na Rússia e no Japão, nem isso. Mergulhada em pleno feudalismo, a sociedade japonesa estava dividida em estamentos, sendo proibido o comércio com o exterior. Os portos japoneses só seriam abertos ao Ocidente pelo comodoro Peary, onze anos depois da estada de Mauá na Inglaterra". (BARÃO DE MAUÁ, 2018, p. 18).

Ao voltar ao Brasil, passou os anos seguintes pesquisando sobre diferentes oportunidades e reunindo capital. Em 1845 conseguiu um acordo com o governo para fazer a canalização do rio Maracanã na cidade do Rio de Janeiro, porém, a oportunidade que ele esperava veio no ano seguinte, quando conseguiu comprar uma fundição e passou a fabricar ferro e aço. Naquele ano de 1846 ele comprou o estaleiro de Charles Colman, renomeando para Estaleiros da Ponta da Areia (1846-1860) em Niterói, passando a ser uma referência na construção naval do país nos anos seguintes. (BARÃO DE MAUÁ, 2018). 

O Barão de Mauá visitando seu estaleiro de Ponta de Areia. Litogravura de Pieter Gottfried Bertichem, 1857. 

Dessa forma, Irineu havia se tornado efetivamente um industrial, ao possuir uma fábrica de metais e uma fábrica de navios. Assim, com sua fundição, ele produzia diferentes equipamentos, ferramentas, utensílios, peças etc. Já seu estaleiros produziram distintos tipos de embarcações como navios mercantes, de guerra e de passeio, alguns usados nos rios brasileiros. As duas empresas de Irineu potencializaram a fortuna dele e deram fama ao seu nome.

De banqueiro a barão

Com a proibição do tráfico negreiro em 1850, Irineu passou a incentivar os senhores de escravo a investirem seus capitais em outros negócios, especialmente no ramo industrial. Assim, em 1851 ele fundou o Banco do Brasil (ironicamente o mesmo nome do outro banco fundado por D. João VI em 1808), uma instituição privada voltada para investimentos em diversos negócios. Como Irineu já era um dos homens mais ricos do país, investiu muito capital em seu banco para atrair investidores e isso resultou no investimento de novos negócios.  (CALDEIRA, 1995). 

Conseguindo uma concessão do governo, Irineu criou a Companhia de Iluminação a Gás (1851) no Rio de Janeiro, cuja proposta era iluminar a maior parte das ruas principais da cidade. Em seguida ele fundou a Companhia de Navegação do Rio Amazonas (1852-1866), fabricando os navios que faziam o trajeto daquela rota fluvial, além de operar o seu tráfego. Outras companhias do tipo foram instituídas no estado do Rio de Janeiro, especialmente operando na Baía de Guanabara, e no Rio Guaíba no Rio Grande do Sul.  (CALDEIRA, 1995). 

No entanto, o novo negócio que atraiu mais fama a Irineu foi a construção da primeira estrada de ferro do país, com extensão de 14 quilômetros, ligando o porto e estaleiro de Irineu até suas propriedades em Fragoso, o percurso levou o industrial a ter que trazer uma locomotiva da Inglaterra (nomeada de Baroneza em homenagem a sua esposa). A estrada de ferro foi inaugurada em 30 de abril de 1854, contando com a presença de ministros, senadores, nobres e do próprio imperador D. Pedro II, o qual fascinado com a proeza de Irineu Evangelista, lhe concedeu o título de Barão de Mauá. A via férrea foi renomeada como Estrada de Ferro Mauá. Mais tarde o percurso ganhou mais quatro quilômetros.  (CALDEIRA, 1995). 

Lançamento da pedra fundamental da Estrada de Ferro Mauá, em 1852. Autoria desconhecida. 

Diante do reconhecimento como industrial e mais recente barão, Mauá tratou de expandir seus negócios. Vendeu as ações de seu banco a uma empresa inglesa, levando-o a criar outra instituição financeira, chamado Banco Mauá, McGregor & Cia (1855-1875), com agências em algumas províncias e até mesmo filiais na Inglaterra, França, Estados Unidos, Argentina e Uruguai. A expansão do seu novo banco ajudou a reunir capital estrangeiro para expandir os investimentos com o estaleiro, as navegações e com as ferrovias, já que Mauá incentivou empresas estrangeiras e empresários brasileiros a reunirem capital para expandir a malha ferroviária, algo que deu certo. Ele mesmo entrou como sócio acionista e investidor em diferentes projetos nos quinze anos seguintes. (BARÃO DE MAUÁ, 2018). 

Entre esses projetos esteve a Companhia Caminho de Ferro da Tijuca (1856-1868) designada para instalar trilhos naquela região do Rio de Janeiro. Posteriormente em 1858 foi inaugurada Estrada de Ferro D. Pedro II (renomeada Estrada de Ferro Central do Brasil), uma das principais vias férreas do Rio de Janeiro. Mas nem tudo foi bom nesse período próspero. Seu estaleiro foi destruído por incêndio criminoso, sendo reconstruído em 1860. Ainda hoje não se sabe quem mandou pôr fogo. Mas como Mauá suscitava inveja de muitos homens importantes, devido a sua fama rápida a nível nacional, os candidatos para isso, eram muitos. (BARÃO DE MAUÁ, 2018). 

Deputado e negócios com o Uruguai

Aproveitando o auge de seus negócios com as ferrovias, o estaleiro, a fundição, o banco e outras empresas, o Barão de Mauá ainda na década de 1850, decidiu se lançar na política, tornando-se candidato pela província do Rio Grande do Sul, sua terra natal. Além de um senso de honrar suas origens, apesar de ter vivido a maior parte da vida no Rio de Janeiro, Mauá também escolheu o RS devido a sua proximidade com o Uruguai, país no qual ele possuía negócios e amizades. Inclusive ele foi contrário a disputa política brasileira por lá, financiando inclusive campanhas liberais(BARÃO DE MAUÁ, 2018). 

Mauá foi eleito deputado algumas vezes, tendo realizado seus mandatos consecutivos entre 1855 e 1863, começando como suplente em 1855-1856, mas elegendo-se propriamente em 1857 e depois reeleito em 1861. Porém, não se reelegeu novamente devido a crise financeira que começou a acometer seus negócios. Que veremos mais adiante. De qualquer forma, sua popularidade como político do Rio Grande do Sul não significou que tivesse ganhado a simpatia da nobreza e da elite política fluminense. 

O fato de ser um político liberal e abolicionista, apesar de defender a monarquia, o tornou malvisto diante da elite imperial, predominantemente conservadora e apoiadora da manutenção da escravidão. Além disso, essa mesma elite era a favor da intervenção política no Uruguai, da qual Mauá discordava, que mais tarde influenciou os rumos para uma nova guerra. (BARÃO DE MAUÁ, 2018). 

Quando eclodiu a Guerra do Paraguai (1864-1870), Mauá foi um dos políticos que se manifestou contrário ao conflito, especialmente pela condição do mesmo durar anos. Inicialmente a guerra iniciada com a partir dos ataques do Paraguai ao Brasil, Uruguai e Argentina, levaram os três países a se unirem e formarem a Tríplice Aliança. No entanto, passados dois anos de guerra, Argentina e Uruguai abandonaram o conflito, permanecendo Brasil e Paraguai sem negociarem um armistício ou fim da guerra. Mauá em diferentes ocasiões que esteve na câmara, protestou contra isso. Porém, para os políticos tidos como patriotas fervorosos, a guerra era essencial para provar o valor do povo e a superioridade da nação. 

Crise nos negócios

No auge de seus negócios, Mauá era considerado um dos homens mais ricos do Brasil, possuindo mais de 15 empresas, embora fosse coproprietários de outras. A maioria de seus negócios não eram diversificados, pois centrou-se nas companhias ferroviárias e de transporte fluvial. A diferença estava em seu estaleiro, fundição, banco, companhia de gás, depois de energia elétrica, de telégrafo e até chegou a ter um curtume. De qualquer forma, os negócios na década de 1860 começaram a sofrer um revés devido a aprovação de leis que passaram a prejudicar seus investimentos.

A série de leis aprovadas pela Tarifa Silva Ferraz, então ministro da fazenda, prejudicaram diretamente os negócios de Mauá. Uma permitiu que empresas estrangeiras pudessem atuar no transporte e comércio no Amazonas, área que quase era seu monopólio, logo, a concorrência ficou grande, levando a desistir da sua companhia em 1866. A segunda, removeu os descontos sobre a compra de máquinas, peças e veículos importados. Por mais que Mauá tivesse duas fábricas, parte de seu material era importado, advindo sobretudo da Inglaterra. Com o aumento da importação da compra de maquinário e outros insumos, sua produção foi afetada, levando-o a subir os valores para compensar a diferença de lucro obtida, além de que outros estaleiros foram fundados, assim como, o governo que era antes seu cliente, começou a comprar navios na Europa. A queda na receita foi se acumulando gradativamente ao longo da década de 1860, levando-o a vender seu estaleiro em 1877. (SOUZA; FOSSATTI, 2013). 

Outros projetos desse período também não deram certo. A companhia férrea da Tijuca que operava bondes entrou em declínio, sendo fechada em 1866. Antes disso, Mauá criou uma pequena empresa de bondes para atuar no bairro do Jardim Botânico, expandindo a atuação de sua companhia de bondes, porém, a falência da primeira levou investidores desistirem do negócio. Mauá que já estava com alguns problemas financeiros, desistiu de manter os negócios com os bondes, vendendo a empresa para um grupo inglês.  

Suas finanças estavam num momento delicado a ponto de que sua parceria com a McGregor & Cia foi desfeita a respeito do banco em 1867. Assim, Mauá renomeou seu banco para Banco Mauá & Cia. Além do fim dessa parceira, ele teve que vender algumas ações que possuía em empresas ferroviárias para pagar dívidas imediatas. 

Mauá ainda tentou reverter tal prejuízo ao investir na mão de obra italiana que começou a chegar ao Brasil na década de 1870, agindo como contratante deles, fosse empregando-os em suas companhias e fábricas, ou atuando como intermediário para achar vagas de empregos para os mesmos. A iniciativa apesar de interessante, não rendeu o retorno esperado. Muitos dos italianos imigrados partiam diretamente para as fazendas, especialmente as lavouras de café de São Paulo, uma área de negócios na qual Mauá não atuava. 

No ano de 1872, ele foi reeleito ao cargo de deputado federal do Rio Grande do Sul, tendo permanecido anteriormente alguns anos afastado da vida política, mas devido aos problemas financeiros e interesse em saná-los, Mauá renunciou ao mandato no ano seguinte. Ainda mais por conta que em 1872 ele recebeu autorização pelo Decreto n. 5.058 de 16 de agosto de 1872, o direito de instalar um cabo submarino entre o Brasil e Portugal. Embora a empresa britânica British Eastern Telegraph Company tenha feito o serviço, o investimento veio direto do barão. Assim, em 1874 o cabo estava conectado e operante, rendendo o reconhecimento do imperador D. Pedro II, que lhe deu o título de Visconde de Mauá. Na época, o monarca concedeu monopólio de 20 anos de uso dos serviços telegráficos. No mesmo ano ele conseguiu por parte do imperador o direito de cuidar do abastecimento de água da capital imperial, fundando uma companhia para isso, a qual teve vida curta. (SOUZA; FOSSATTI, 2013). 

Porém, a década de 1870 não foi problemática apenas para o visconde, mas para muitos homens de negócios. O mundo ocidental vivenciava a chamada crise da Longa Depressão (1873-1879), que afetou países como Alemanha, Inglaterra, França, Itália, Áustria, Estados Unidos, Brasil, entre outros. Uma série de fatores envolvendo guerras, safras perdidas, falência de indústrias e companhias de comércio, culminou para afetar bolsas de valores e bancos. 

Assim, Mauá decretou falência do seu banco em 1875, após uma série de receitas baixas, retiradas de investimentos, queda nas ações etc. Além disso, o governo numa jogada escrupulosa para beneficiar os investimentos nos bancos públicos, começou a difundir que bancos privados não eram de confiança e não rendiam tanto quanto os bancos públicos. Pela condição de Mauá ter investimentos em outros países, especialmente as filiais de seu banco, esses foram diretamente afetados por essa crise, levando suas filiais se fecharem, cortando muito da renda que o banco obtinha graças aos investimentos estrangeiros. (SOUZA; FOSSATTI, 2013). 

A crise foi tão forte, que em dois anos a receita caiu significativamente, levando Mauá a declarar falência e pedir socorro ao governo imperial para renegociar suas dívidas. Todavia, ele não obtive sucesso. O banco após vinte anos de funcionamento fechou as portas. Em seguida ele encerrou suas atividades com a empresa de telégrafo, a qual ainda estava pagando o investimento, revendendo-a para uma empresa inglesa. Sua companhia de abastecimento de água também foi fechada. E a situação era tão crítica, que Mauá chegou ao ponto de ter que vender sua fundição e estaleiro para poder pagar as contas, sendo ambas as fábricas suas mais antigas. 

Na tentativa de buscar apoio do governo, renegociar suas dívidas e recuperar crédito financeiro, ele escreveu um extenso relatório intitulado Exposição do Visconde de Mauá aos Credores de Mauá & C e ao Público (1878), no qual relatava todos seus investimentos feitos ao longo dos anos, suas ideias e sonhos para aquelas empresas e negócios, os problemas enfrentados etc. O livro tem um valor documental bastante importante para conhecer a trajetória de Mauá como empresário e industrial, mas a obra não surtiu efeito que o visconde aguardava. Seus credores não se convenceram. (SOUZA; FOSSATTI, 2013). 

Considerações finais

Após a falência decretada a partir de 1875 com o fechamento do seu banco, Mauá procurou honrar suas dívidas, mas isso levou alguns anos. Ele somente conseguiu quitar a maioria delas em 1884, quando constava dos seus 71 anos. Assim, tendo tornado seu "nome limpo" novamente, recebeu autorização para virar comerciante, levando-o a se mudar para Petrópolis, onde comprou uma casa e abriu uma loja. Passou o restante da vida morando naquela cidade, quando faleceu em 21 de outubro de 1889, antes da instalação da república. Naquele tempo, já era visto como um velho homens de negócio que tinha passado de sua época dourada.

Embora não tenha ficado pobre, Mauá deixou de ser milionário, sendo um exemplo na época de como a má gestão e sócios duvidosos poderiam comprometer os negócios. Apesar disso, seu legado histórico permaneceu, pois seu sonho de industrializar o Brasil conseguiu ser realizado até certa parte, embora não tenha ido para além das ferroviais e companhias de transporte fluvial, já que as pretensões de expandir fábricas, levar iluminação a gás, sistema de bondes, energia elétrica e abastecimento de água para outras províncias, não se concretizou. 

NOTA: Os brasões de barão e visconde de Mauá possuem como iconografia, duas locomotivas, uma referência a ele ter sido pioneiro na implementação das ferroviais no Brasil. 

NOTA 2: Em 1910 foi fundada a Praça Mauá no centro do Rio de Janeiro (a mais famosa praça do país com seu nome), ali se encontra uma estátua do visconde. Ao redor temos o Museu do Amanhã, o Museu de Arte do Rio, um prédio da marinha e outras construções. 

NOTA 3: Irineu foi homenageado com o seu nome em várias ruas, avenidas, praças, escolas, estações de trem, bairros pelo país, organizações de comércio e indústria etc.  

NOTA 4: Seu nome também foi dado a cidades como Visconde de Mauá (RJ), Mauá (SP) e Mauá da Serra (PR). 

NOTA 5: O barão foi interpretado pelo ator Paulo Betti no filme Mauá - O Imperador e o Rei (1999), principal filmografia sobre ele. 

NOTA 6: Em 2018 o presidente Michel Temer criou a Ordem Nacional Barão de Mauá, uma honraria dada as pessoas que contribuíram para a indústria e comércio do país. 

Referências bibliográficas

BARÃO DE MAUÁ. Empreendedor do Império. [s. l]: LeBooks, 2018. 

CALDEIRA, Jorge. Mauá: empresário do Império. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

SOUZA, Ricardo Timm de; FOSSATTI, Nelson Costa. Mauá: paradoxos de um visionário – obra comemorativa dos 200 anos de nascimento do Visconde de Mauá. Porto Alegre: Letra & Vida, 2013.

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Francesco Matarazzo: o fundador de fábricas

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A história do Barão de Mauá - documentário

Mauá: o imperador e o rei (1999)

sábado, 31 de maio de 2025

O pão de açúcar

Entre o século XII e o XIX o açúcar era produzido e vendido em algumas partes do mundo através de fôrmas chamadas de pão de açúcar. Apesar do nome, tais recipientes possuíam um formato cônico que variava de tamanho e peso. Havendo inclusive dois tipos de pães de açúcar: os usados na produção de açúcar e o usados na sua venda. O presente texto comentou um pouco a respeito desse icônico recipiente, hoje em dia raramente usado. 

Não se sabe exatamente quando o pão de açúcar surgiu, os registros escritos mais antigos conhecidos remontam ao século IX com o escritor árabe Al-Zubayr ibn Bakkar (788-870), o qual mencionou cones de açúcar em seu livro Al-Akhbar al-Muwaffaqiyyat. Por sua vez, as fôrmas mais antigas de pão de açúcar encontradas, datam do século XII, tendo sido achadas na Jordânia. Logo, credita-se que os árabes possam ter inventado essa prática de usar pães de açúcar. (DEERR, 1950). 

Os quais a transmitiram para outros povos os egípcios, bizantinos, cretenses, sicilianos, portugueses e espanhóis. Condição essa que a partir desses outros povos, passou-se a ter conhecimento dessa forma de produzir e armazenar açúcar, apesar que na Europa medieval o consumo de açúcar fosse baixo devido a ser uma especiaria bastante cara, praticamente produzida em poucas localidades do Mediterrâneo como a ilha de Creta(BENDINER, 2004, p. 65).

Todavia, com o despontar a indústria açucareira europeia na Idade Média, começando com os portugueses, que após séculos de colonização arábio-moura desenvolveram a cultura canavieira e aprenderam o fabrico de açúcar, condição essa que, em meados do século XV, Portugal em suas colônias atlânticas na Madeira, Açores e Cabo Verde, já possuía engenhos de açúcar em atividade. Assim, a produção açucareira era vendida no país e o excedente exportado para outras nações europeias. Por essa época, era possível encontrar nos grandes mercados, a venda de açúcar, fosse em potes, caixinhas, sacos ou na forma de pão de açúcar. 

Manuscrito francês do século XV mostrando uma fôrma de pão de açúcar e dois pães de açúcar. 

Dessa forma, no século XVI a presença de pães de açúcar se encontrava comum não apenas nos mercados europeus, mas principalmente nos engenhos portugueses, espanhóis e franceses, pela África Ocidental e na América Latina. O pão de açúcar não apenas servia para moldar o açúcar deixando na forma de cone, mas esse recipiente fazia parte do processo de purgação, a etapa final da produção açucareira que consistia em: extrair o caldo da cana, ferver e coá-lo várias vezes para remover as impurezas e transformá-lo em um melaço cristalizado, para depois colocar essa substância nos recipientes do pão de açúcar, deixando-os na casa de purga, onde permaneceriam uma ou duas semanas secando, para se tornar o açúcar. (OLIVEIRA, 2025, p. 32-33). 

A ilustração acima mostra esse recipiente do pão de açúcar, com um líquido amarronzado escorrendo de sua ponta, tratava-se do resíduo do melaço cristalizado, o qual poderia ser bebido na forma de garapa ou usado para se fazer o chamado "açúcar de panela", de coloração escura como o mascavo. (OLIVEIRA, 2005, p. 85-86). 

Inclusive é importante ressalvar que ao se quebrar o pão de açúcar, o açúcar situado a parte superior (a base do cone), era considerado de melhor qualidade, por isso chamado de açúcar branco fino, por sua vez, da metade da fôrma se extraia um açúcar de segunda categoria, nomeado de "redondo". Já da ponta do pão de açúcar restava o açúcar "baixo", de coloração amarronzada, quase sendo o açúcar mascavo. No entanto, vale ressalvar que essas categorias de açúcar branco: fino, redondo e baixo, não tinham uma coloração totalmente branca, mas acinzentada, pois o açúcar branco e cristalino que habitualmente consumismo hoje em dia, precisava ser refinado depois de extraído do pão de açúcar. (OLIVEIRA, 2025, p. 76-78). 

Um engenho de açúcar. Gravura de Phillipp Galle Zuckermülle, 1591. Na imagem podemos ver fôrmas de pão de açúcar. 

O uso de pães de açúcar como fôrma e formato de venda do açúcar se manteve ao longo dos séculos. Em imagens europeias é possível encontrar no século XIX, época na qual os engenhos começaram a entrar em declínio, ainda fazendo-se uso de fôrmas de pão de açúcar. Esse tipo de recipiente acabou sendo trocado no século XX com as mudanças no processo de fabrico de açúcar, que passaram a serem industrializados pelas fábricas ou usinas. 

Assim, atualmente algumas empresas ainda usam fôrmas de pão de açúcar não para a purga, mas para conceder o formato cônico ao açúcar, já que em países como Alemanha e Irã, o açúcar ainda é comercializado por algumas marcas nesse formato icônico. 

Pães de açúcar em exposição no Museu do Açúcar, em Berlim. 

NOTA: O Morro do Pão de Açúcar no Rio de Janeiro, leva esse nome devido ao seu formato lembrar um pão de açúcar. O local é um importante ponto turístico da cidade e um dos mais visitados do Brasil. 

NOTA 2: Pão de Açúcar é o nome de uma cidade no estado de Alagoas, no Brasil, fundada em 1855. 

NOTA 3: A cidade do Funchal, na Madeira, em Portugal, tem em seu brasão de armas cinco pães de açúcar, uma referência a produção açucareira da ilha. 

NOTA 4: Durante a dominação holandesa da Capitania da Paraíba, no Brasil, entre 1634 e 1654, seu brasão possuía seis pães de açúcar, uma referência a qualidade do açúcar produzido naquelas terras. 

NOTA 5: Pão de Açúcar é o nome de um distrito da cidade de Taquaritinga do Norte, em Pernambuco. 

NOTA 6: No Brasil e em Portugal existem redes de supermercados chamadas de Pão de Açúcar. 

Referências bibliográficas:

BENDINER, Kenneth. Food in Paiting: from renaissence to the present. Hong Kong: Reaktion Books Ltd., 2004.

DEERR, Noël. History of Sugar, vol. 2. London, Chapman & Hall, 1950. 2v

OLIVEIRA, Leandro Vilar. Uma história a alimentação, volume 1. João Pessoa: IEXEA, 2025.