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Leandro Vilar

quarta-feira, 16 de abril de 2025

Os Budas de Bamiyan e a intolerância religiosa

No ano de 2001 quando o grupo terrorista do Talibã tomou o poder no Afeganistão, uma das ordens violentas declaradas foi extirpar o país de símbolos religiosos que não pertencessem a fé islâmica. Assim, seus membros saíram atrás de estátuas, relicários, templos, mosaicos, objetos etc. de outras religiões para serem destruídos. Um dos casos que repercutiu mundialmente foi a destruição das estátuas gigantes dos Budas de Bamiyan. 

Bamiyan consiste numa localidade atualmente no Afeganistão, situada a 240 km ao sul de Cabul, capital do país. No passado ela compreendeu parte de diferentes territórios como o Reino da Báctria, o Império Persa, o Império de Alexandre, o Grande. Bamiyan fica próximo a Rota da Seda, o que favoreceu para intensificar os contatos comerciais, mas culturais, já que por séculos essa rota foi frequentada por caravanas e viajantes de diferentes países. 

Monges budistas de origem indiana se estabeleceram em Bamiyan por volta o século II d.C., indo viver em cavernas como eremitas. Possívelmente era pretensão deles fundar algum mosteiro na região, embora a Pérsia daquele tempo contasse com religiões como o Masdeísmo, o Zoroastrismo, o Maniqueísmo e até a presença de judeus também. O Cristianismo somente chegaria mais tarde. 

Assim, a comunidade budista que se estabeleceu em Bamiyan, acabou prosperando, fundando mosteiros e reunindo centenas de monges. Os quais começaram a esculpir enormes estátuas de Buda nas encostas dos morros de arenito entre os séculos VI e VII. Tais estátuas se tornaram um marco da paisagem por mais de mil anos. 

A maior das estátuas media 55 metros de altura, chamada de "Buda do Oeste" já a segunda maior estátua possuía 38 metros, sendo nomeada de "Buda do Leste". Ambas apresentavam Budas de pé, dentro de alcovas. Outras estátuas menores também foram produzidas, assim como, murais com pinturas retratando a vida de Buda, outros bodishavtas e até divindades hindus. Segundo relatos de viajantes, as estátuas originalmente eram pintadas e até conteriam joias de verdade com brincos e colares. Com o tempo as joias foram subtraídas e a pigmentação se desfez. 

Os Budas de Bamiyan em pintura de 1885. As faces deles já estavam danificadas naquele tempo.

Por sua vez, com a difusão do Islão a partir da segunda metade do século VIII, o Budismo no Afeganistão (na época domínio persa) começou a entrar em declínio. Mais tarde os mosteiros foram fechados e abandonados. As estátuas acabaram permanecendo como lembranças de uma comunidade budista em território persa ao longo de séculos.

No limiar do século XXI as estátuas dos Budas de Bamiyan já estavam deterioradas há bastante tempo, mas seguiam de pé. Seus rostos inclusive em algum momento foram quebrados como parte da intolerância religiosa de habitantes ou viajantes. Segundo os preceitos islâmicos, figuras sagradas não devem ter os rostos retratados. Assim, baseando-se nesse princípio de sua fé, algumas pessoas foram até aquelas estátuas gigantes e quebraram suas faces. 

Apesar das estátuas terem ficado desfiguradas o pior ocorreu em 2001 na época do governo do grupo fundamentalista religioso do Talibã. Surgido em 1994 como uma milícia radical de fundamentalismo religioso e nacionalismo fanático, os talibãs pretendiam levar o Paquistão e depois o Afeganistão a retornar aos eixos, alegando que a influência das culturas ocidentais cristianizadas macularam os princípios islâmicos. Na prática os talibãs defendem um Islão baseado numa perspectiva ultraconservadora e fanática, assim, essa milícia começou a crescer rapidamente e em 1996 eles operaram um golpe de estado no Afeganistão, tomando o poder até 2001. 

Os talibãs passaram a serem vistos mundialmente como terroristas, embora tenham ganho adesão de muitos homens do Paquistão, Afeganistão e de países muçulmanos vizinhos, os quais aderiram ao discurso fanático deles. Assim, em 2001 alguns talibãs explodiram as estátuas dos Budas gigantes de Bamiyan, sob alegação de serem "ídolos pagãos", o que representava não apenas uma religião alheia ao Afeganistão, mas uma afronta a Alá como deus único. Para os talibãs, os Budas seriam representações de deuses e falsos profetas, logo, deveriam ser destruídos. Embora essas estátuas não foram as únicas a sofrerem a intolerância religiosa do governo radical do Talibã, outras representações religiosas mesmo de origem persa, também foram danificadas ou destruídas.

Os Budas de Bamiyan antes de serem destruídos pelo Talibã em 2001. 

No entanto, ainda em 2001, os Estados Unidos com o governo de George W. Bush iniciou a invasão do Afeganistão para caçar os terroristas da Al-Qaeda que se refugiaram no país, especialmente Osama Bin Laden, um os mentores do atentado terrorista contra o World Trade Center, ocorrido em 11 de setembro naquele ano, em Nova York. Consequentemente na caça aos membros da Al-Qaeda, o governo americano também objetivou expurgar o Talibã do controle do país, algo que conseguiram manter por duas décadas, já que eles retornaram ao poder em 2021. 

No ano de 2003 a UNESCO registrou o Vale de Bamiyan como parte do patrimônio histórico da humanidade na tentativa de protegê-lo, no entanto, o sítio segue sob ameaça. Inclusive ao retornarem ao poder, o Talibã, realizou novos atos de intolerância religiosa ao destruir estátuas, murais, pinturas, objetos sacros e até ruínas de templos persas. Mostrando que antigas práticas ainda continuavam, infelizmente. Assim, fica perceptível que embora intolerância religiosa seja um crime em muitos países, no entanto, em alguns onde as leis não funcionam e governos ditatoriais e fanáticos imperam, atos de intolerância, ódio, preconceitos diversos se tornam comuns e seguem impunes. 

Duas mulheres diante de uma das alcovas vazias dos Budas de Bamiyan, em 2012. 

Referência bibliográfica: 

BRAJ BASI LAL; SENGUPTA, R. A Report on the Preservation of Buddhist Monuments at Bamiyan in Afghanistan. Islamic Wonders Bureaum, 2008. 

sábado, 12 de abril de 2025

As múmias

Embora os antigos egípcios sejam principalmente lembrados pela prática religiosa da mumificação, no entanto, eles não foram os únicos povos a criar múmias. Outros povos como os incas e os japoneses, cada um com suas próprias técnicas. Assim, o presente texto mostra como existiram diferentes tipos de múmias em alguns lugares do mundo, além de que o conceito de múmia inclui múmias naturais e artificiais, assim como, a mumificação é uma prática para se criar múmias artificiais como será visto.


A palavra múmia

Essa palavra advém do latim medieval mumia, baseada no árabe mumiya, usada para designar cadáveres embalsamados com betume. Por sua vez, os persas usavam o termo mum (piche). A medicina islâmica utilizava o betume e piche para diferentes empregos, inclusive embalsamar os corpos enquanto eles aguardavam o funeral. 

Assim, o contato entre povos europeus com povos de língua árabe os levou a assimilar a palavra mumia, usada principalmente na medicina medieval para designar substâncias derivadas do betume medicinal e até de compostos químicos diversos, vendidos como remédios para tratar diferentes tipos de doenças. Inclusive se sabe que houve casos de se pegar partes de múmias e moê-las, tornando-as num "pó de múmia", que era vendido para se fazer poções e medicamentos. 

Frasco apotecário com pó de mumia, datado de entre o século XVI e XVII.  

Essa ideia de mumia como um tipo de composto medicinal perdurou ao longo do medievo e meados da modernidade, quando foi abandonada devido a mudanças no pensamento medicinal. Por sua vez, a palavra múmia passou a designar as múmias egípcias, até então as mais famosas e conhecidas pelos europeus, africanos e povos do Oriente Médio. Nesse período da Idade Moderna o antiquarismo fez crescer o interesse pelas múmias, cobiçadas como bizarros itens de colecionador. 

Múmias naturais

O conceito mais simplista de múmia refere-se a um cadáver que por condições naturais ou artificiais (induzidas) foi preservado de tal forma que conseguiu resistir a decomposição e intempéries ao longo de séculos ou milênios. No caso, as múmias naturais se dividem em dois tipos: as acidentais, ou seja, a pessoa não pretendia se tornar uma múmia, mas devido as circunstâncias e localidade onde ela veio a morrer, seu corpo acabou ficando preso em algum substrato e ali foi preservado. 

Um exemplo famoso é o Ötzi, o homem do gelo. Um viajante que cruzava os Alpes austríacos há mais de cinco mil anos, o qual acabou morrendo de frio e seu corpo foi coberto por gelo e neve, permitindo que ficasse preservado por milênios até ser descoberto em 1991 por um casal de alpinistas no Vale de Ötztal. Nesse caso, esse viajante não pretendia se tornar uma múmia, mas acabou acidentalmente se tornando uma por conta de ter morrido ali e seu corpo ter sido congelado naturalmente e permanecido nesse estado de preservação por milhares de anos.

Fotografia da descoberta de Ötzi, em 1991. 

Outro exemplo de múmias naturais são as múmias dos pântanos dinamarqueses. O território central da Dinamarca, chamado de Jutland é conhecido por possuir em determinadas localidades turfeiras, um tipo de região pantanosa. No passado sacrifícios humanos e de animais eram feitos nessas turfeiras. Devido a lama, o lodo e o clima mais frio, isso criava um substrato que envolvia os cadáveres deixando-os preservados por séculos. Um exemplo famoso é do chamado Homem de Tollund, o qual viveu no século V a.C, o qual foi sacrificado na ocasião. Seu corpo foi descoberto em 1950 durante uma escavação próximo a Silkeborg

Fotografia da face do Homem de Tollund. 

Entretanto, o segundo exemplo de múmia natural é quando ela é induzida aquilo. Aqui inclui-se a condição de que alguém deliberadamente depositou um cadáver em determinado local para ele ser preservado. Os incas costumavam fazer isso ao deixar pessoas que foram sacrificadas em cavernas nas montanhas. Devido ao clima frio, esses cadáveres se tornavam múmias. A respeito voltarei a comentar no tópico específico sobre as múmias incas. 

No México, na cidade de Guanajuato, no século XIX começaram a exumar túmulos no cemitério de Santa Paula devido a falta de espaço para covas. Ao se fazer isso, os coveiros constataram que alguns corpos estavam preservados. Tratam-se de múmias naturais que devido ao clima seco, atingiram essa condição. Na época algumas múmias foram vendidas como curiosidade, outras foram expostas em igrejas e capelas. No século XX criou-se o Museu das Múmias de Guanajuato, que virou sensação no país. 

Uma seção do Museu das Múmias de Guanajuato, no México. 

Múmias egípcias

As múmias do Egito Antigo se tornaram as mais famosas do mundo devido a popularização da Egitomania entre os séculos XIX e XX, além da própria midiatização sobre as múmias em filmes, desenhos, ilustrações e jogos. Em geral múmias enfaixadas apareciam em tramas de terror ou em sátiras. De qualquer forma, os egípcios foram um dos povos que mais investiu no desenvolvimento da prática mortuária da mumificação, condição bastante influenciada pelas crenças religiosas desse povo, o qual acreditava na ressurreição. 

Assim, as múmias foram concebidas para se preservar o corpo físico de forma que ele pudesse repousar com segurança por bastante tempo até o dia que os deuses autorizassem o retorno da alma para o corpo e assim a pessoa ressuscitasse. É evidente que nem todo mundo tinha condições de ser mumificado, pois era um processo caro, assim, o mais comum eram os ricos e sacerdotes serem mumificados, além de termos casos de animais diversos como gatos, bois, íbis, crocodilos, babuínos, cães etc. que também eram tornados em múmias. 

Além de se mumificar as pessoas, as tumbas recebiam oferendas de comida e bebida regularmente, assim como, a pessoa era enterrada com seus pertences e presentes. Quanto mais rica o indivíduo, maior quantidade de objetos, móveis e alimentos ele receberia em sua tumba, para ajudá-lo na outra vida até o dia de seu retorno. No entanto, os egípcios desenvolveram distintas técnicas de mumificação. O Livro dos Mortos apresenta algumas delas, além de associar o deus Anúbis como sendo a divindade que criou a mumificação e rege essa prática. 


Múmia do faraó Ramsés II. 

As múmias mais antigas achadas datam da IV Dinastia (2613-2494 a.C.) em que as múmias já eram enfaixadas, sendo revestidas com resina e gesso, além de que seus órgãos eram removidos. Um rosto era até pintado nas faixas. Amuletos de proteção eram colocados junto a múmia. Além disso, as múmias nobres eram guardadas dentro de sarcófagos de diferentes tamanhos e com distintos ornamentos. Pessoas de condição financeira inferior só tinham um caixão ou suas múmias eram colocadas dentro de uma câmara mortuária simples. 

Fotografia de 1922 do sarcófago do faraó Tutancâmon sendo analisado por Howard Carter. 

Séculos depois a mumificação foi sendo melhorada. O uso de sal ou nátron, além de betume e cera também passou a ser mais comum, substituindo a resina e o gesso. No caso, o sal e o nátron ajudavam a absorver a umidade do cadáver, secando-o e estendendo seu tempo de preservação. Por sua vez, o betume e a cera criavam uma cada de vedação, evitando o contato do ar e e bactérias. As práticas de evisceração se tornaram mais eficientes, removendo-se vários dos órgãos internos e guardando-os nos vasos canopos. Os quais tinham a forma de alguns deuses como: Imseti que guarda o fígado, Hapi que guarda os pulmões, Duamutef que guarda estômago, e Kebehsenuef que guarda os intestinos. O coração não era guardado, pois o morto deveria levá-lo para o julgamento da balança da deusa Maat

Vasos canópicos representando da esquerda para direita: Kebehsenuef, Hapi, Duamutef e Imseti. 

Além de melhorias no uso de substâncias conservantes, os egípcios também passaram a utilizar outros produtos como azeite, mirra, incenso e especiarias para conceder melhor aroma as múmias. Além disso, outros tipos de amuletos foram desenvolvidos, além de mudanças nas escrituras de proteção presentes nos sarcófagos e tumbas. 

A mumificação no Egito Antigo durou por séculos, mas depois entrou em declínio e quase sumiu após o ano 1000 a.C. Sendo retomada em algumas épocas. Porém, na época da dominação greco-macedônica (305-30 a.C) basicamente não se mumificava mais ninguém. Após isso seguiu-se a dominação romana (30 a.C - 476 d.C) e a prática de fazer múmias praticamente sumiu se tornando apenas algo de um passado longínquo, além de suscitar a curiosidade. 

Múmias andinas

Na região da Cordilheira dos Andes, especialmente entre o Peru, Bolívia e Argentina, algumas múmias foram achadas. Embora as mais famosas sejam de origem inca, no entanto, outros povos andinos também praticavam a mumificação antes deles. Em descoberta datada do final de 2021, arqueólogos acharam túmulos em Cajamarquilla no Peru, uma cidade anterior aos incas, onde encontrou-se 14 múmias entre crianças, adolescentes e adultos, os quais teriam vivido entre 800 e 1000. Essas múmias foram sepultadas envoltas em bandagens e tecidos, os quais somados ao clima seco e frio ajudou no seu estado de conservação prolongado. 

Pelos estudos realizados, tratava-se de pessoas que foram sacrificadas, as quais pertenceriam a um status social elevado a julgar por seus trajes e pertences. A ideia de sacrificar alguém da elite era mais válida do que sacrificar pobres e escravos, pois o sacrifício humano aos deuses deveria ter valor, logo, não era qualquer pessoa a ser sacrificada, pois isso seria uma ofensa aos deuses. 

Arqueólogas em 2022 escavando uma múmia encontrada em Cajamarquilla, no Peru. 

No entanto, as múmias andinas mais famosas datam da época inca. Os incas foram um dos povos que habitaram a região andina, tendo fundado um vasto império entre 1438 e 1533. Por essa época a nobreza manteve a antiga prática da mumificação, embora bem menos sofisticada do que a mumificação egípcia. A diferença é que os incas contavam com o meio ambiente para ajudar nesse processo. Alguns cadáveres deixados nas montanhas, devido ao frio e o ar rarefeito, acabaram sendo mumificados naturalmente. Essa prática possui três exemplares famosos, chamados de As crianças de Llullaillaco, descobertas em 1999, num vulcão na fronteira entre Argentina e Chile

Ao todos foram três múmias achadas numa caverna: uma garota entre seus 13 e 15 anos apelidada de "la doncela", uma menina de seus 6 anos apelidada de "la niña del rayo" e um menino de sete anos apelidado "lo niño". De acordo com os trajes, acessórios e pertences achados com as múmias, essa adolescente e as duas crianças eram membros da nobreza inca que foram sacrificados no ritual da capacocha, para apaziguar a ira ou descontentamento dos deuses. No caso, entre os incas a realização de sacrifícios humanos ocorria em determinadas ocasiões, o que incluía desde o sacrifício de adultos a crianças. 

Duas múmias das crianças de Llullaillacco, em 1999. 

Enquanto as múmias de outros povos anteriores ou contemporâneos aos incas eram deliberadamente enfaixadas e sepultadas para serem conservadas para a próxima vida, algumas das múmias incas mais famosas encontradas foram deixadas ao relento em montanhas, ou seja, não era o intuito de mumificá-las, mas elas acabaram sendo mumificadas naturalmente de forma acidental. 

Múmias budistas

Não se sabe quando a prática de mumificação budista surgiu, se teria começado ainda na Antiguidade ou na Idade Média, mas a maior parte das múmias budistas encontradas datam do final do medievo e ao longo da Idade Moderna. No caso, somente algumas escolas e comunidades budistas adotaram essa prática de automumificação, que é diferente da mumificação convencionalmente que conhecemos. Enquanto no segundo caso uma pessoa morta é mumificada, as múmias budistas consistiam em técnicas ascéticas severas nas quais os monges preparavam seus corpos em vida para ficarem preservados. 

Múmias budistas foram encontradas na Índia, China, Japão, Tailândia, Malásia e Indonésia, em países onde o budismo foi uma religião predominante em determinadas épocas. As formas de se mumificar variavam com o povo e a época. Por exemplo, no Tibete encontrou-se múmias cobertas com argila ou dentro de recipientes com sal. Isso ajudava na conservação do corpo. Por sua vez, em outras localidades da China, os monges adotavam uma dieta radical de poucas calorias e baixa (ou ausência) ingestão de líquidos, combinada com técnicas de meditação prolongada. O processo poderia levar semanas ou meses. Durante esse período o monge ia emagrecendo, perdendo líquidos, gordura corporal e definhando até morrer de fome, sede, insuficiência respiratória ou parada cardíaca. Basicamente eles meditavam até morrer, mas esse tipo de suicídio religioso era encarado como uma técnica de mortificação para expiar os pecados ao sacrificar o corpo para libertar a alma. 

Uma múmia budista. 

Algumas múmias budistas foram guardadas em tumbas, estupas, dentro de estátuas, deixadas em cavernas ou exibidas em altares em templos, onde eram adoradas. Essa prática, lembrando, não foi convencional entre várias vertentes do budismo. Não obstante, no Japão ela também existiu, principalmente nas províncias do norte, de clima mais frio e em regiões montanheses, as quais favoreceram a prática do sokunshinbutsu, referida como "Buda vivo", pois significaria que eles teriam alcançado do estado de bodhisatva (se tornaram iluminados). Assim, suas múmias permaneceriam como um lembrete do sacrifício dele e serviriam de fonte de inspiração. 

O sokunshinbutsu foi desenvolvido com base em práticas chinesas de automumificação que chegaram ao Japão ainda no medievo em época em certa. Porém, apenas algumas comunidades budistas o praticavam. Tratava-se na condição do monge adotar uma dieta restrita a comer cascas de pinheiro, resina e outros materiais vegetais, praticamente não beber água e nenhum outro líquido. Passar horas e horas em meditação regular ao longo de semanas ou meses. Isso era tudo preparativo para ele conseguir preparar seu corpo até o momento de sua passagem. Além disso, soma-se que o clima frio das montanhas ajudou na conservação. Muitas múmias japonesas se perderam com o tempo, mas algumas foram achadas em templos, em altares, outras encontradas em cavernas ou tumbas. A prática durou por época indefinida.

Uma múmia budista japonesa.

Embora muitos monges aleguem que essa mumificação foi totalmente intencional, no entanto, arqueólogos apontam que em muitos casos houve intervenção nas múmias, como mudança de trajes, acréscimo de acessórios, limpeza dos cadáveres e até adição de substâncias para prolongar sua conservação. De qualquer forma, as múmias budistas representam uma decisão muito difícil entre alguns monges: a escolha de encerrar sua vida para poder alcançar sua libertação ou elevação espiritual. 

Múmias guanches

Consistem em múmias encontradas nas ilhas Canárias, especialmente em Tenerife, de onde achou algumas das melhores múmias preservadas. O povo guanche, que viveu viveu naquele arquipélago entre os séculos I ao XV, tinha a prática de mumificar a nobreza. No caso, os cadáveres eram preparados combinando-se técnicas de evisceração, uso de produtos como sal e resinas para a conservação, além de se enfaixar os corpos e colocá-los em tumbas ou cavernas, junto aos pertences e presentes do morto. 

Os espanhóis e os portugueses ao começarem a colonizar aquele arquipélago se depararam com tais múmias, achando uma prática estranha e selvagem. Muitas múmias acabaram sendo destruídas pela ordem dos colonizadores ou foram enterradas. Por sua vez, os guanches foram subjugados pela colonização e deixaram de manter essa tradição religiosa de mumificar. 

Uma múmia guanche exibida no Museu Arqueológico de Madri. 

NOTA: O filme A Múmia (1932) foi o primeiro filme de terror a ganhar destaque mundial abordando múmia egípcia numa produção sombria. A produção acabou gerando derivados e remakes.

NOTA 2: O conceito de corpo incorrupto encontrado principalmente no Catolicismo, seria um tipo de múmia natural (ou artificial), embora os fiéis considerem que se trate de um milagre. Tais corpos incorruptos são comuns com santos, os quais devido a sua devoção e bondade tiveram seus corpos preservados por intervenção divina. 

NOTA 3: No jogo The Legend of Zelda: Breath of the Wild (2017), os guardiões dos santuários são baseados em múmias budistas japonesas. 

NOTA 4: A lenda da maldição da múmia surgiu na época da descoberta da tumba e Tutancâmon em 1922, onde se espalhou o boato de que algumas mortes associadas diretamente ou indiretamente a pessoas que tiveram contato com a múmia do faraó, foram amaldiçoadas e vieram a morrer. 

NOTA 5: Embora a prática regular de mumificação tenha sumido ao longo de séculos, ainda assim, houve casos de pessoas que pediram para serem mumificadas ou foram feitas múmias não por escolha. Por exemplo, Vladimir Lenin (1870-1924), o qual foi um importante líder da Revolução Russa (1917), foi mumificado por ordem do partido bolchevique para inspirar o culto ao líder na URSS. 

Referências bibliográficas

AUFDERHEIDE, Arthur C. The Scientific Study of Mummies. Cambridge, Cambridge University Press, 2003. 

CERUTI, María Constanza. Llullaillaco: Sacrificios y Ofrendas en un Santuario Inca de Alta Montaña. Salta, EUCASA, 2003.

JEREMIAH, Ken. Living Buddhas: The Self-mummified Monks of Yamagata. Japan, McFarland, 2010.

RODRIGUEZ MAFFIOTTE, Conrado. Las Momias Guanches de Tenerife. Proyecto Cronos. Tenerife, Museo Arqeologico y Etnográfico de Tenerife, 1992. 

Referência da internet

Arqueólogos encontram 14 múmias do período pré-Inca no Peru

Link relacionado

Tutancâmon e a maldição da múmia

sábado, 29 de março de 2025

A origem dos robôs

Cada vez mais a robótica tem se tornado uma ciência de destaque no século XXI. Embora os robôs atuais não sejam tão eficientes e inteligentes como vemos nas obras de ficção, no entanto, eles já progrediram bastante nos últimos 70 anos. Mesmo que para algumas pessoas esse progresso ainda seja demasiado lento. De qualquer forma, o presente texto buscou centrar-se em dois aspectos principais: de onde veio a palavra robô, quando ela passou a ser aplicada para se referir a um tipo de máquina, para em seguida vermos como surgiram os primeiros robôs, salientando que existem diferentes tipos de robôs. 

A palavra robô 

Essa palavra é de origem checa advindo de robota, termo utilizado para se referir ao servos, já que a República Checa e outros países vizinhos somente aboliram a servidão feudal no século XIX ou começo do XX. Dessa forma, originalmente o termo não designava um tipo de máquina, mas a condição social de pessoas sujeitas ao sistema feudal que ainda imperava em parte da Europa. A situação mudou quando o escritor e dramaturgo checo Karel Capek (1890-1938) escreveu a peça R.U.R (1920), cuja sigla significa Rossumovi Univerzálni Roboti (Robôs Universais de Rossum). 

Inicialmente Karel pretendia usar o termo labori (trabalhador em latim) para designar as máquinas que ele concebeu nessa peça de ficção científica, mas seu irmão Josef Capek (1887-1945), após ler o texto, percebeu que as máquinas atuavam como serviçais, então ele sugeriu usar uma palavra parecida com robota. Além de valorizar a língua nacional também, em detrimento de utilizar termos latinos. Assim, Karel criou o termo roboti para designar uma máquina humanoide. 

Capa da primeira edição.

Na peça R.U.R a empresa de Rossum desenvolveu uma tecnologia bastante avançada para seu tempo, criando um exército de robôs sintéticos, similares aos seres humanos (na prática eles seriam androides segundo a classificação atual), os quais foram chamados de robôs. Essas máquinas foram construídas para realizarem os mais diversos trabalhos e atividades a fim de libertar os humanos de trabalhos degradantes, arriscados, insalubres e enfadonhos. No entanto, em dado momento da narrativa os robôs que possuíam inteligência artificial avançada (embora esse conceito ainda estivesse sendo desenvolvido na época), decidem se rebelar e iniciam uma guerra para destruir a humanidade. Embora a ideia de Karel Capek de apresentar os robôs como um engenho da criação humana, ele já em 1920 os retratava como uma ameaça em potencial, adentrando as produções de ficção científica onde robôs se tornam inimigos dos humanos. 

Os autômatos

Há casos na História em que o conceito antecede sua nomenclatura, os robôs passaram por isso. Enquanto a palavra robô foi criada em 1920, no entanto, a ideia de robô é anterior, remontando ao conceito de autômato, o qual existe desde a Grécia Antiga, pelo menos. Os autômatos consistiam em máquinas feitas geralmente de madeira, mas as vezes de metal, que poderiam executar cálculos ou algum tipo de movimento mecânico como mover rodas, pás, cordas etc. Embora houvessem autômatos parecidos com pessoas ou animais, as quais executavam movimentos simples, geralmente mover a cabeça, braços, pernas e patas. Os autômatos eram movidos por energia a vapor, hidráulica, engrenagens ou sistema de polias. 

Embora os gregos tenham feito alguns autômatos, eles eram mais voltados para a curiosidade ou estudos científicos. Depois disso o seu fascínio se perdeu e eles foram esquecidos por séculos. Os árabes, persas e chineses resgataram o interesse por autômatos, exibindo-os em palácios e festejos. Construindo-os mais elaborados, com direito de alguns tocarem música ou imitarem o som de animais

No entanto, novamente eles foram esquecidos, somente retornando na Idade Moderna, onde filósofos, alquimistas, inventores e cientistas começaram a criar autômatos normalmente na forma de bonecos (não apenas como estátuas como era anteriormente comum no passado), os quais geralmente tocavam instrumentos ou escreviam alguma palavra ou frase. Os autômatos modernos se valeram bastante do desenvolvimento do sistema de engrenagens. Isso permitiu a criação de objetos, estátuas e até teatros de bonecos automáticos. 

Uma autômato do Pinóquio. 

Todavia, o autômato não possui um sistema operacional, mas um sistema mecânico que o faz executar funções bem simples. Apesar que na Idade Moderna tivemos autômatos construídos como um sistema de engrenagens vistos em alguns relógios. Inclusive alguns grandes relógios europeus possuíam autômatos. De qualquer forma, essas máquinas antecedem a ideia de robô, por serem instrumentos mecânicos que executavam algumas atividades. 

Autômatos num relógio do Colégio Maius, em Cracóvia. 

Neste ponto, os autômatos começaram a ganhar destaque na literatura de ficção científica e fantasia do século XIX, deixando de serem máquinas simples, para se tornarem algo mais sofisticado e até com consciência, similar aos robôs da ficção que hoje conhecemos. Assim, obras como The Sandman (1816) de E. T. A. Hoffmann, The Steam Man of the Prairies (1865) de Edward S. Ellis, Electric Man (1885) de Luis Senarens, A Eva Futura (1886) de Auguste Villiers de L'Isle-Adam, são exemplos de autômatos que se tornaram algo mais próximo de robôs como concebemos hoje em dia. Inclusive no livro A Eva Futura, temos o caso de uma bio-androide. 

O surgimento dos robôs

Se a ideia de máquinas com forma de pessoas ou animais, que executavam movimentos ou ações automaticamente é algo antigo e o conceito de robô surgiu em 1920, quando foi que os robôs surgiram propriamente? Devido a influência da ficção científica, na década de 1920 tivemos filmes, livros e desenhos mostrando robôs humanoides ou androides, inclusive algumas dessas máquinas chegaram a serem fabricadas como Eric (1928) e George (1932), os quais foram exibidos em feiras mundiais e eventos industriais e tecnológicos, mas na prática não eram robôs de verdade, apenas estátuas ou bonecos, alguns eram até mesmo autômatos. 

O robô George em 1932. Na prática ele não funcionava. 

Mais tarde a Westinghouse Electric Company lançou o Elektro em 1939, apesar de parecer um robô, tratava-se de um autômato, o qual reproduzia frases gravadas, além de mover a cabeça e os braços. No entanto, Elektro foi uma grande sensação na época, participando de turnês pelos Estados Unidos. Porém, a origem de robôs que conseguiam se locomover veio dez anos depois quando William Grey Walter, engenheiro da Burden Neurological Institute de Bristol, criou os robôs Elmer e Elsie entre 1948 e 1949, os quais faziam uso de baterias e conseguiam se mover a uma curtíssima distância. 

Entretanto, o primeiro robô eficaz foi o Unimate (1961), criado por George Devol para ser empregado na construção de veículos nas fábricas da General Motors. Embora não fosse um robô humanoide, tampouco não andava e nem falava, ainda assim, consistia num robô por executar ordens pré-programadas, funcionando a energia elétrica. 

O Unimate, o primeiro robô funcional da História. 

Assim, na segunda metade do século XX desenvolveu-se cada vez mais diferentes tipos de robôs usados em fábricas, além de robôs veiculares, utilizados para testes militares e espaciais. Enquanto isso no cinema, literatura, desenhos animados e videogames, robôs humanoides e robôs militares se tornavam cada vez mais comuns, porém, na prática isso ainda não seja uma realidade. 

No século XXI robôs de brinquedo passaram a serem comercializados, especialmente na forma de cachorros e bonecos, além de robôs aspiradores. Por sua vez, robôs humanoides ainda seguem em fase de experimentos, embora tenhamos empresas em países como Estados Unidos, China e Japão que vêm investindo nesse tipo de tecnologia, mas ainda não é viável para a comercialização. 

Robôs da Tesla em 2024. 

NOTA: Alguns dos primeiros filmes sobre robôs ou que mostram robôs foram: The Mechanical Man (1921), The Metal Giants (1926), Metropolis (1927), Automata (1929).

NOTA 2: Atualmente existem vários tipos de robôs sendo classificados de acordo com suas funções, usos e características. Assim, temos robôs industriais, militares, espaciais, domésticos, de brinquedo, nanorrobôs, robôs digitais etc. 

Referências bibliográficas: 

CRAIG, J. J. Introduction to Robotics. New Jersey, Pearson Prentice Hall, 2005. 

GUTKIND, L. Almost Human: Making Robots Think. New York, W. W. Norton & Company, Inc, 2006.

sábado, 22 de março de 2025

Os ginásios na Grécia antiga

Hoje a palavra ginásio evoca a ideia de uma quadra onde as pessoas realizam atividades físicas (embora no Brasil até certa época a palavra designava o ensino fundamental II). A concepção dos ginásios consistiu numa invenção da cultura grega clássica, no entanto, tais locais não eram voltados apenas para a educação física e os esportes, mas também era lugares de estudo, onde os frequentadores tinham aulas de filosofia, retórica, oratória, política, cidadania, direito, artes etc. Os gregos antigos em sua idealização de treinar corpo e mente, conceberam o ginásio como o local para isso. 

A palavra ginásio vem do grego gymnasion, que significa "treinar nu". Os gregos antigos tinham o costume de praticar atividades físicas desnudos, como forma de valorizar a beleza do corpo humano, poder se untarem com azeite ou óleos perfumados, além de desenvolverem resistência ao calor e o frio. Assim, os primeiros ginásios foram concebidos como locais voltados para as aulas de educação física e treinamento militar, dirigidos apenas aos homens, os quais ainda na infância começavam a frequentar esses lugares. 

Jovens treinando num ginásio. 

A cultura grega clássica (V-IV a.C) tinha um grande apreço pelo desenvolvimento das capacidades físicas e mentais, inclusive foram eles quem desenvolveram a noção de nu artístico e valorização de um corpo atlético. Além disso, a juventude masculina praticava atividades físicas como forma de treinamento militar para servir nas constantes guerras que assolavam o mundo grego. Pensando nisso, as cidades-estados tratavam de construir ginásios para essa finalidade, tornando-os uma instituição social pública, dirigida para formar inicialmente os militares, depois ampliando o uso dos ginásios para a prática do esporte e da educação escolar. 

Dessa forma, os primeiros ginásios eram apenas tendas e estruturas simples num campo, onde os homens se exercitavam, além de também treinar combate e táticas militares. À medida que se desenvolveu a educação clássica, os ginásios ganharam vestíbulos, banheiros, salas, escritórios, auditórios, refeitórios, bibliotecas etc., passando a consistir num centro educacional. Assim, os frequentadores não iam apenas para praticar atividades físicas, mas também estudar filosofia, política, retórica, artes, participar de palestras e debates, socializar. 

Em si, os ginásios eram espaços públicos e privados destinados ao mundo masculino, já que poucas mulheres tinham acesso aos mesmos, geralmente quando iam era como escravas para trabalhar ali em diferentes profissões, ou acompanhando os maridos. Embora houve alguns ginásios menores destinados apenas ao público feminino, já que homens e mulheres não se exercitavam ou estudavam juntos. 

Ruínas de um ginásio em Sardis, na Turquia. 

Vale frisar que os ginásios quando se tornaram maiores e melhor estruturados, alguns deixaram de atender o público geral, passando a serem destinados as elites e os cidadãos, lembrando que na Grécia Antiga o conceito de cidadania era restritivo. Dessa forma, três ginásios se destacaram no período clássico: a Academia de Platão, o Liceu de Aristóteles e o Cinosargo

O famoso filósofo Platão (428-348 a.C) foi fundada quando o filósofo tinha por volta de seus 44 anos, se tornando um dos ginásios mais famosos da História, além de influenciar até hoje a sociedade, já que a palavra academia tanto evoca local de atividade física, quanto local de atividade intelectual. No caso, a instituição fundada por Platão era a reunião de ambas as características. Assim, a academia platônica surgiu com uma instituição informal organizada por Platão e seus amigos e discípulos no subúrbio de Atenas, onde eles iam debater filosofia e política. Anos depois na década de 380, o local foi estabelecido como um ginásio, dedicado a Atena, Apolo e as Musas. Platão na época que comandava sua instituição permitia palestras restritas e abertas. 

O ginásio da Academia de Platão idealizado na pintura Escola de Atenas,
Rafael Sanzio, 1509. 

Já o Liceu, foi fundado por Aristóteles (384-322 a.C) na década de 330 a.C, inspirado na academia platônica, mas incluindo outras áreas do saber, como astronomia, matemática, lógica, física, biologia etc. Enquanto Platão foi um filósofo centrado em temas sobre epistemologia, política, sociedade, emoções, relações, Aristóteles já englobou outras áreas como a lógica, a ética e os estudos da natureza. Assim, o ginásio aristotélico tinha aulas para alunos inscritos, mas também palestras abertas ao público. 

No entanto, a Academia e o Liceu nem sempre permitiam a presença de não cidadãos as suas dependências, com isso, surgiu o Cinosargo, um ginásio público destinado a atender os homens não cidadãos, os quais tinham acesso a educação física e intelectual. 

Esses três ginásios também realizavam competições esportivas fechadas ou entre outros ginásios e cidades, além de haver eventos políticos, filosóficos e festivais religiosos, já que havia locais de culto ou pequenos templos nos ginásios, pois existiam deuses associados diretamente a educação como Atena, Apolo, as Musas e até o herói Héracles, tido como um patrono dos atletas e guerreiros. 

Os romanos interessados no modelo educacional grego adotaram o sistema de ginásios, mas com algumas modificações, incluindo as casas de banho chamadas de termas, que permitiam práticas de natação, mas também para o relaxamento, já que os romanos das grandes cidades gostavam de tomar banho quente para relaxar. 

NOTA: A cidadania na Grécia Antiga não incluía mulheres, escravos, adolescentes e estrangeiros. Somente homens maiores de idade, nativos das cidades-estados em que nasceram. Assim, ser cidadão significava estar apto a participar da política, exercer cargos públicos e poder votar. Por outro lado, não cidadãos poderiam exercer outras funções na sociedade. 

NOTA 2: A palavra ginásio também passou a ser associada com ginástica, já que entre as atividades físicas praticadas nos ginásios gregos estaria um tipo de ginástica inclusa. 

NOTA 3: Em alguns países como Brasil, Portugal, Espanha, França e Itália a palavra liceu pode ser usada para designar uma escola de ensino médio ou uma faculdade. 

Referências bibliográficas: 

LEVI, Peter. A civilização grega. Madrid, Folio, 2008. 

LYNCH, J. Gymnasium. In: ZEYL, D (ed.). Encyclopedia of Classical Philosophy. London, Greenwood Press, 1997. 

Link relacionado: 

Olímpia e os Jogos Olímpicos

quinta-feira, 13 de março de 2025

A Revolução Gloriosa (1688-1689)

Foi a segunda revolução inglesa ocorrida no século XVII, no entanto, se comparada a Revolução Puritana (1642-1649), a chamada Revolução Gloriosa, foi bem mais curta, simples e menos violenta, já que diferente da anterior que incorreu numa guerra civil que ceifou milhares de vidas, a segunda revolução não contou com a mesma violência da anterior. No entanto, a Revolução Gloriosa teve algo em comum com sua antecessora, ambas marcaram crises no governo monárquico e a troca de soberanos. 

Antecedentes

No ano de 1660 o rei Carlos II (1630-1685) foi coroado soberano da Inglaterra, Escócia e Irlanda, assumindo o trono de direito, que lhe foi vetado desde 1649, quando seu pai Carlos I foi executado durante a Revolução Puritana (1642-1649), a qual terminou próximo ao final da Guerra Civil Inglesa (1642-1651), acarretando na suspensão da monarquia e instituição de uma república parlamentarista (1649-1660), que acabou sofrendo uma série de problemas, especialmente por conta da ditadura imposta por Oliver Cromwell entre 1653 e 1658, então Lorde Protetor do país. (JONES, 1988). 

Após a morte de Oliver, seu filho Richard se tornou o segundo Lorde Protetor, mas a falta de experiência e apoio político, o levaram a pedir demissão do cargo em maio de 1660. O Parlamento testemunhando dez anos e uma república problemática e frágil, deliberou pelo retorno da monarquia, assim, o príncipe Carlos que estava exilado, foi convocado a assumir o trono naquele ano. 

Carlos II diferente do seu pai, não abusou tanto do poder e governou ao lado do Parlamento quase de forma pacífica, embora tenha enfrentado crises na década de 1670, levando-o a suspender o parlamento entre 1680-1685, conseguindo ter um longo reinado de 25 anos. Todavia, ele não deixou nenhum herdeiro legítimo, pois não gerou filhos com a rainha Catarina de Bragança, apesar de ter tido vários filhos bastardos, isso gerou uma crise de sucessão, porém, o Parlamento que foi restituído em 1685 deliberou em passar o governo para o irmão de Carlos, Jaime II (1633-1701). (JONES, 1988). 

Retrato do rei Jaime II da Inglaterra. 

Na época o novo rei tinha seus 52 anos, sendo casado a segunda vez, com Maria de Módena (1658-1718), uma princesa francesa, com a qual teve quatro filhos, mas por esses serem crianças, as herdeiras de Jaime II eram Maria e Ana, filhas do primeiro casamento com a rainha Ana Hyde (1637-1671), a qual teve oito filhos com rei, mas seis morreram durante a infância. (MILLER, 2000). 

Por ter vivido muitos anos na França, Jaime II converteu-se ao catolicismo e sua nova esposa também era católica, no entanto, a Inglaterra desde o século XVI vivia uma crise de intolerância religiosa. A religião oficial do país era o Cristianismo Anglicano, inclusive a imposição do credo anglicano ao reino unido como proposto pelo rei Carlos I, foi motivo para a Guerra dos Bispos (1639-1641), que culminou na Guerra Civil Inglesa (1642-1651). De qualquer forma, para a nobreza, o parlamento e o povo, um monarca católico era malvisto, considerado uma quebra de tradição, uma falta de respeito. E nem todos estavam aptos a tolerar tal condição. (MILLER, 2000). 

A Rebelião de Monmouth (1685)

Ainda no primeiro ano do reinado de Jaime II, o Duque de Monmouth, Jaime Scott (1649-1685), era um dos nobres que não concordavam que o rei e a rainha fossem católicos. No entanto, a decisão de fazer uma rebelião não era apenas por um motivo religioso, mas também havia um fator político e de ambição. Jaime Scott era filho bastardo do rei Carlos II, sendo sobrinho de Jaime II. Pela condição de ser bastardo, ele não tinha direito ao trono (apesar de ser um alto nobre). Assim, agindo de forma ambiciosa e traiçoeira, o Duque de Monmouth decidiu dar um golpe de estado contra seu tio. (JONES, 1988). 

Monmouth aliando-se a outros nobres contrários ao novo rei, como o Conde de Argyll, começou a arquitetar um plano de ataque: iniciar focos de revolta na Escócia e sul da Inglaterra, áreas turbulentas do reino, depois reunir um exército e sitiar Londres, forçando a renúncia do rei. 

Jaime Scott, Duque de Monmouth. 

Os conflitos tiveram início em maio, reunindo tropas leais ao duque, formadas por nobres, vassalos e plebeus que não aceitavam o governo de um rei católico. O plano inicial era tomar Bristol, para depois seguir para Londres, mas a falta de contingente militar adequado (havia poucos soldados profissionais e muitos camponeses sem experiência de guerra), prejudicou a estratégia, acarretando em várias derrotas ao longo de junho, culminando na fatídica Batalha de Sedgemoor em 6 de julho, onde os exércitos do rei obtiveram vitória esmagadora. (JONES, 1988). 

O Duque de Monmouth, entre outros nobres e aliados, foram capturados e declarados como traidores da nação. Monmouth foi decapitado em 15 de julho, os demais aliados foram sendo executados nas semanas seguintes. Os julgamentos se encerraram em fins de agosto. Dessa forma, Jaime II havia passado pelo seu primeiro teste de governo: uma traição familiar empreitada pelo seu sobrinho bastardo. 

A contestação de Guilherme de Orange (1688)

No começo de seu reinado, Jaime II como não tinha filhos homens, decidiu declarar sua filha mais velha, Maria (1662-1694), como herdeira. A princesa era casada com o príncipe holandês Guilherme de Orange (1650-1702) desde 1677, havendo a expectativa de que o casal futuramente seriam os novos monarcas, e ambos eram protestantes. (MILLER, 2000). 

Passada a Rebelião de Monmouth em 1685, Jaime II governou os anos seguintes sem grandes ameaças, já que ele decretou a criação de um exército fixo, mesmo em tempos de paz, um decreto determinado por seu irmão. Porém, as decisões mais problemáticas do rei vieram quando ele declarou liberdade de credo no país. A Inglaterra desde o século passado procurou banir católicos, judeus e até crentes de outras igrejas protestantes, tornando o Anglicanismo a única religião permitida no país. (MILLER, 2000). 

Retrato do rei Guilherme III da Inglaterra. 

O Lorde Protetor, Oliver Cromwell durante sua ditadura (1653-1658), permitiu o retorno dos judeus ao país (embora por motivos financeiros). No caso de Jaime II, em 1687, ele aprovou a Declaração de Indulgência para permitir que católicos, judeus, batistas, congregacionistas, calvinistas, presbiterianos, quakers, entre outras igrejas cristãs protestantes, pudessem ser estabelecidas no reino, além de que estrangeiros dessa fé eram bem-vindos. Isso foi considerado uma grande polêmica. E a situação se complicou quando o rei no ano seguinte convocou novas eleições parlamentares no intuito de conquistar a maior parte dos assentos com políticos favoráveis a ele. Muitos dos candidatos eram de outras religiões, os quais se tornaram simpatizantes do monarca. (JONES, 1988). 

Em 10 de junho de 1688 nasceu Jaime Francisco (1688-1766), o primeiro filho varão de Jaime II e Maria de Módena, o que o tornava o próximo na linha de sucessão. Isso causou novo rebuliço na corte. Até então a herdeira era Maria e seu marido Guilherme de Orange, mas com o nascimento de um príncipe, automaticamente ele passava na frente da irmã, mesmo ele sendo um bebê ainda. No entanto, a situação piorou quando o rei decidiu batizar a criança no catolicismo, o que atiçou a revolta dos conservadores religiosos. (MILLER, 2000). 

O príncipe Guilherme de Orange era um anglicano conservador e não concordava com a política de seu sogro, então decidiu agir. Em outubro ele abriu uma petição no Parlamento, contestando a decisão de seu sogro de batizar o jovem príncipe no catolicismo, além de retirar da princesa Maria a prioridade na linha de sucessão. Guilherme alegava que até o príncipe Jaime Francisco alcançar a maioridade, isso demoraria muitos anos, logo, sua irmã deveria ser preterida a suceder o trono inglês. É evidente que Guilherme ambicionava se tornar rei. 

Jaime II não gostou nada da petulância e ambição do seu genro e mandou rebater sua Declaração de Motivos, ainda em outubro. Guilherme que até então estava passando uma temporada na Holanda, decidiu em novembro voltar a Inglaterra para confrontar o sogro. 

O rei tendo percebido a ambição do genro, tratou ainda em novembro de convocar o Parlamento para deliberar a nomeação do pequeno Jaime Francisco como herdeiro legítimo do trono, assim, barrando qualquer contestação de Guilherme. No entanto, o príncipe holandês não estava determinado a desistir de sua ambição, se fosse necessário, haveria guerra para isso. Assim, eclodiu a Revolução Gloriosa(JONES, 1988). 

Guilherme de Orange usando seus contatos e influência, conseguiu reunir uma pequena tropa e com ela invadiu a Inglaterra em novembro de 1688. Ali ele ganhou adesão de outros nobres e plebeus, os quais viam no príncipe um monarca mais honrado e comprometido com a nação. O rei ainda enviou o exército para confrontar a traição de seu genro, vindo a ocorrer a Batalha de Reading em 9 de dezembro, nos arredores de Berkshire. Entretanto, o exército invasor era superior e derrotou as tropas reais. (JONES, 1988). 

Jaime II tomando conhecimento da derrota e de que mais reforços inimigos estavam a caminho, ele embarcou com a esposa e os filhos e fugiram para a FrançaO Parlamento considerou um grande ato de covardia de Jaime II, por outro lado, parte dos parlamentares também não apoiavam a traição de Guilherme contra o rei. Assim, ele foi convocado para se explicar. 

Os novos soberanos 

Guilherme passou o mês de janeiro de 1689 dando suas explicações de porque arquitetou um golpe de estado para derrubar seu sogro. Os parlamentares em maioria concordaram com os motivos, assim, ele e a esposa foram coroados novos monarcas da Inglaterra, Escócia e Irlanda em fevereiro, tornando-se Guilherme III e Maria II. (MILLER, 2000). 

A partir da França, Jaime II manteve contato com seus apoiadores e tentou manobras e articulações políticas para invalidar a coroação do genro e da filha, alegando conspiração, traição, crime de lesa-majestade, golpe de estado etc. O embate se alastrou pelos meses de 1689, já que parte do parlamento (mesmo sendo a minoria), discordava da entronização de Guilherme III e Maria II, já que a transição foi ilegal. 

Por sua vez, Guilherme procurou garantir seu governo, articulando seus apoiadores na nobreza e no parlamento, porém, ele também teve dificuldades, pois os parlamentares apresentaram um projeto de reforma das leis chamada Declaração dos Direitos, o qual restringia os poderes do monarca. Guilherme deliberou sobre a proposta e concordou com ela em dezembro de 1689, mesmo que não concordasse contudo aquilo, já que ela aumentava a autoridade parlamentar e lhe concedia proteção frente ao abuso de poder dos reis. Mas ele sabia que se fosse favorável ao Parlamento, isso asseguraria seu apoio e permanência no trono. (MILLER, 2000). 

Página da Declaração dos Direitos de 1689. 

Jaime II retornou nesse meio tempo a Inglaterra e tentou reunir tropas para sitiar Londres e confrontar o genro traidor, mas não conseguiu formar um exército apto a tal projeto, então desistiu do intuito e aceitou a derrota, deixando o país novamente. Jaime II devido a proteção do rei Luís XIV, viveu o resto da vida em território francês, embora gozasse do conforto da realeza, ele era visto como um rei sem reino. Por sua vez, Guilherme III manteve-se como rei até o fim da sua vida em 1701, tendo conquistado o trono durante a Revolução Gloriosa, na prática um golpe de estado promovido por uma traição familiar. (MILLER, 2000). 

Referências bibliográficas

JONES, J. R. The Revolution of 1688 in England. [s. l], Weidenfeld and Nicolson, 1988. 

MILLER, John. James II. New Haven, Yale University Press, 2000. 

Links relacionados: 

A Revolução Puritana (1642-1649)

O Protetorado: A ditadura de Cromwell (1653-1658)