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Leandro Vilar

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Elisabeth Teixeira: Uma memória viva

Este artigo consiste numa compilação do depoimento dado por Elisabeth Teixeira no dia 3 de maio de 2011 no auditório do Centro de Ciências Jurídicas, no campus I da Universidade Federal da Paraíba. Em participação do projeto Compartilhando Memórias: As que não serão esquecidas, em sua nona edição, mediada pelo professor de Ciências Sociais, Alder Júlio Calado, professor aposentado da UFPB, e atualmente membro do Centro Paulo Freire de Estudos e Pesquisas ocorrida. O projeto esta vinculado ao Projeto Acervo e Memória da Repressão da Paraíba, coordenado pela professora Lúcia Guerra e o professor Giusepe Tosi, além de também está vinculado ao Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA) com o apoio do MEC e da Pró-Reitoria para Assuntos Comunitários.
Casamento e família
Elisabeth Teixeira nos deu o ar de sua graça aos 86 anos de idade, em poder comparecer naquela terça-feira nublada e chuvosa, para compartilhar com nós alguns fatos de sua vida que deixaram a profundamente marcada, sua luta pelo movimento agrário ao lado do falecido marido João Pedro Teixeira, as dificuldades de criar 11 filhos, a experiência de ser presa durante a Ditadura Militar, e posteriormente viver 17 anos sob um nome falso e escondida da Delegacia de Policia e Ordem Social (DOPS).

Seu casamento com João Pedro Teixeira não fora algo aceito por sua família, especialmente seu pai, como diz Elisabeth, João era um homem pobre e negro, seu pai um proprietário de terras e com boas condições financeiras para a época, todavia o amor falou mais alto, e Elisabeth contrariando a vontade do pai, fugiu e casou-se com João, eles se mudaram para o Recife, depois moraram em Jaboatão, e posteriormente se mudaram para uma casa em Barra das Antas, casa que pertencera aos padrinhos de Elisabeth, nessa época o casal já possuía mais de seis filhos. Quando o seu marido fora assassinado em 1962, Elisabeth ficou a frente de dois problemas, cuidar dos 11 filhos e de continuar a luta do marido pela reforma agrária.

As ligas camponesas
Nos anos 50, a família se encontrava na cidade de Sapé no estado da Paraíba, onde passariam a residi pelos anos seguintes. Será nesse período que o seu marido ele própria irão ingressar nos movimentos sindicais do campo. João Pedro, mesmo tendo sido um homem de baixa escolaridade, sempre ressaltou a importância da educação, e naquele tempo a educação no campo era algo que não existia em determinados lugares ou era precária, além disso, o trabalhador do campo era explorado e ameaçado pelos grandes latifundiários da região, não obstante, não existia também uma legislação eficaz para os direitos dos trabalhadores do campo. Quando Getúlio Vargas em 1942 em pleno Estado Novo (1937-1945) criou as Leis Trabalhistas, ele privilegiou os direitos dos trabalhadores urbanos.

“Em 1942 foi instituído o salário mínimo, que os trabalhadores consideraram insuficiente para o sustento de suas famílias. Nesse ano o conjunto de leis referentes ao mundo do trabalho (salário mínimo, férias, limitação de horas de trabalho, segurança, carteira de trabalho, justiça do trabalho, tutela dos sindicatos pelo Ministério do Trabalho), promulgadas ao longo dos anos, foi sistematizado pela Consolidação das Leis do Trabalho”. (CAPELATO, 2003, p. 120).

Em 1945, com o fim da II Guerra Mundial e a renúncia de Vargas a presidência, o país vivencia novas transformações, no ano seguinte fora promulgada a Constituição de 1946, e o general Eurico Gaspar Dutra assumia a presidência, mas durante este governo, as transformações aguardas para o campo e outros setores também não se realizaram. Finalmente em 1951, quando Getúlio Vargas retorna de seu exílio no Rio Grande do Sul se candidata a presidência e vence as eleições, em seu novo governo ele cogita realizar reformas para os trabalhadores do campo, porém o conturbado novo governo, acaba inesperadamente com o seu suicídio em 1954. O ano que se segue até a posse de Juscelino Kubitschek em 31 de janeiro de 1956 será bem conturbado na esfera política do país.

Todavia durante este tempo, em alguns lugares sindicatos ruralistas haviam formado os antecessores das ligas camponesas, como fora o caso de Zé dos Prazeres, militante que entre 1946-1947 fora um dos dirigentes da “Liga Camponesa da Boa Idéia”, no engenho Galiléia, na cidade de Vitória de Santo Antão em Pernambuco.

Anos mais tarde em 1954, fora criada a Sociedade Agrícola e Pecuária dos Plantadores de Pernambuco (SAPPP), no engenho da Galiléia, em face às dificuldades do homem do campo e a falta de proteção deste por parte do governo. A criação da SAPPP levará a formação de outros grupos sindicais por Pernambuco e outros estados, e no caso da Paraíba, em 1958, João Pedro Teixeira e outro partidários criaram as Ligas Camponesas de Sapé e a Associação de Trabalhadores Rurais de Sapé.

Questionada a respeito de sua participação nas ligas, Elisabeth respondeu que de inicio não possuía muita participação no movimento, devido a fato de ter que cuidar da casa e das crianças, mas costumava participar das reuniões. Outro ponto, que ela destaca diz respeito ao seu marido, o qual todas as noites chegava a ela e dizia que sentia que iriam tentar matá-lo, que os fazendeiros não aceitavam as reivindicações das ligas, mas mesmo sob este pensamento pessimista, João Pedro dizia que mesmo que ele morresse a reforma agrária se concretizaria, e sobre isso nos fala Elisabeth, que seu marido a perguntava, se ela daria continuidade a sua luta, em caso dele morresse. Elisabeth nunca lhe dera uma resposta sobre isso.

Em 2 de abril de 1962 João Pedro Teixeira fora assassinado por dois policiais disfarçados a mando de usineiros locais. No dia de sua morte, Elisabeth que estava em casa fora ver o corpo do marido, e naquele dia, como fora dito por ela, ela prometeu que daria continuidade a luta do marido. No mesmo dia, sua filha mais velha cometera suicídio, se envenenando. Mesmo traumatizada com a morte do marido e da filha, Elisabeth decidiu tomar a frente das Ligas Camponesas de Sapé. Ela nos conta, que a população lhe dera apoio e reconhecera sua autoridade, algo que para uma mulher em seu tempo era um caso raro de se ver. Mesmo que não fosse o primeiro ou incomum, já que no Rio de Janeiro deste tempo, durante o governo de João Goulart (1961-1964), já havia manifestações de grupos femininos como a Campanha da Mulher pela Democracia (CAMDE), a Liga da Mulher pela Democracia (LIMDE), a União Cívica Feminina (UFC), as mulheres cariocas, mineiras e paulistas haviam tomado iniciativa e começaram a participar dos movimentos políticos.

Assim Elisabeth passou de forma efetiva a participar dos movimentos das ligas, chegando a viajar para Pernambuco para se encontrar com os partidários da SAPPP, inclusive o advogado e deputado estadual Francisco Julião, homem que realizara um importante trabalho em assegurar os direitos dos camponeses durante a formação das ligas na década de 50 e da própria SAPPP. Ela também viajou para o Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro e até mesmo para Cuba a convite de Fidel Castro.

Como ficou de praxe para a época a direita acusava a sublevação das ligas camponesas como sendo algo excitado pelos comunistas infiltrados no país, o próprio PCB (Partido Comunista Brasileiro) fora várias vezes acusado de esta contribuindo para estas revoltas, protestos, greves etc. De qualquer forma, a morte de João Pedro Teixeira fora impactante para a época, quando era vivo, a Liga Camponesa de Sapé contava com cerca de 7400 filiados, dois anos depois já eram 30 mil, o próprio Fidel ficou sabendo sobre o que houve na Paraíba e decidiu ajudar a família de João Pedro, assim Fidel Castro ofereceu a oportunidade de bancar os estudos de um dos filhos de Elisabeth, Isaac Teixeira decidiu ir estudar em Havana, onde se forma na universidade e vive por alguns anos. Posteriormente à própria Elisabeth viaja a Cuba onde conhece Fidel Castro e Che Guevara.

Prisão e exílio
Em 31 de março de 1964 era deflagrado o golpe militar que depôs o presidente João Goulart (Jango) e instaurou a Ditadura Militar, tendo o general Castelo Branco como presidente desta nova fase. Em todo país irrompeu-se perseguições, prisões, assassinatos, exílios etc. No caso da Paraíba isso não fora diferente. Elisabeth acabou sendo presa pelos militares e fichada na Delegacia de Policia e Ordem Social (DOPS). Elisabeth nos contou que não sofrera torturas ou outros abusos, mas de inicio fora ameaçada pelos militares, até que por fim fora presa e passou oito meses na cadeia, neste tempo como diz Elisabeth, o major responsável não fora cruel com ela, mas fora condizente e humano. E quando esta deixou a prisão, ele disse que era melhor que ela deixasse o estado, porque se a policia voltasse a capturá-la, provavelmente a matariam.

Sem saber ao certo para onde ir, já que muitos amigos ou estavam presos ou haviam fugido, a própria família não lhe daria socorro, fato este que ficaria evidenciado após a morte de dois de seus filhos, assassinados. Quando Elisabeth deixou a prisão seus filhos mais velhos tinham ido embora, e outros haviam sido adotados por amigos, no fim ela acabou levando Carlos Pedro Teixeira consigo para o Rio Grande do Norte, para a cidade de São Rafael, local onde o seu marido possuía uma pequena casa.

Quando chegou lá com o filho trazia poucos pertences consigo, e passara a adotar o nome falso de Marta Maria da Costa, já que ainda era procurada pela policia. De qualquer forma, para poder sobreviver como nos conta ela, arranjara emprego como lavandeira, porém num dia enquanto andava pela cidade, percebeu que as crianças e adolescentes ficavam ociosos, curiosa em saber por que fora questionar aqueles jovens, ela perguntou por que eles não estavam na escola, eles disseram que não sabiam ler e escrever e que não havia escola propriamente. Comovida com aquilo, Elisabeth fora falar com os pais daquelas crianças e adolescentes, e decidiu a ajudá-los, os alfabetizando, como ela mesma disse, ela só possuía a 4ª série do ensino fundamental, mesmo assim decidiu alfabetizar aquelas crianças. Reuniu à população, cada um contribuiu com cadeiras, mesas, cadernos, livros etc. Nos 17 anos em que ficou em São Rafael, Elisabeth deu aula para aquelas crianças, e passou a trabalhar como professora, e a ser paga pelos pais.

Cabra Marcado para Morrer
Em 1981, o presidente Figueiredo (1979-1985) decretou anistia aos punidos pelo AI-5, chegou também a realizar reformas agrárias no norte do país, legalizou o pluripartidarismo e contribuiu para o final da Ditadura Militar. Será neste ano que Elisabeth fora “resgatada” pelo seu filho Abraão Teixeira, o qual contara com o apoio do cineasta Eduardo Coutinho, o qual quase vinte anos antes havia decidiu fazer um filme sobre as ligas camponesas de Pernambuco e Paraíba, tomando especificamente o caso do engenho da Galiléia e de Sapé. Porém com o golpe de 64 a produção fora suspensa e assim permaneceu por vários anos, mas com as novas liberdades concedidas pelo governo, Eduardo decidiu retomar seu antigo projeto o qual se tornou o documentário, Cabra Marcado para Morrer (1984), uma referência ao assassinato de João Pedro Teixeira. Entre os anos de 1981 a 1984, data do lançamento do documentário, Eduardo reuniu toda a produção de vinte anos atrás, e decidiu procurar pelos sobreviventes deste movimento, uns estavam desaparecidos, outros foram embora do país e outros estavam mortos, assim Eduardo conseguiu reunir Elisabeth e seus filhos, trazendo até mesmo o que estava em Cuba para o Brasil, conseguiu reencontrar pessoas ligadas aos movimentos, familiares e amigos destes. No final, Elisabeth é muito grata pela ajuda deste.

Atualmente ela vive na cidade de João Pessoa, em uma casa dada pelo próprio Eduardo Coutinho. Dos seus 11 filhos, apenas 5 estão vivos. Elisabeth conta que hoje devido à idade de seus 86 anos, agora só repousa e pensa no que vivera e na memória de seu marido, ela não sabe como andam os movimentos ruralistas atualmente, mas de vez em quando é convidada a dá palestras e depoimentos, Elisabeth Teixeira ainda permanece como uma memória viva daquele tempo.

NOTA: O DOPS fora criado em 1924 no governo de Arthur Bernardes (1922-1926), contudo fora amplamente utilizado durante o Estado Novo e ainda mais de forma radical durante a Ditadura Militar.

Textos de apoio:
CAPELATO, M. H. R. O Estado Novo: o que trouxe de novo?. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. (Org.). O Brasil Republicano. O Tempo do Nacional-estatismo - do início da década de 1930 ao apogeu do Estado Novo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, v. 2, p. 107-143.
FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucília de Almeida Neves (orgs). O tempo da experiência democrática: da democratização de 1945 ao golpe civil-militar de 1964. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2003. (O Brasil Republicano, vol. 3). p. 248.
SIMÕES, Solange de Deus. Deus, pátria e família: as mulheres no golpe de 1964. Petrópolis, Vozes, 1985. (Capítulo III).
ARAÚJO, Martha Lúcia R. O processo político na Paraíba (1954-1964). In: SILVEIRA, Rosa Maria Godoy et all. Estrutura de poder na Paraíba. João Pessoa: Universitária, 1999, p. 97-109.

2 comentários:

Márcia de Albuquerque Alves disse...

Oi Leandro!

Gostei muito do teu texto, ficou muito bom. Sem falar que Elisabeth é uma figura que representa uma luta viva.
Encontrei teus textos através do lattes e gostaria de te perguntar se esses posts de blog tem validade no lattes como publicação, porque quando vi o teu achei tão interessante, você sabe me falar?

Parabéns pelo texto!

Leandro Vilar disse...

Márcia, não tenho total certeza que os posts valham como publicação, eu os classifico no curriculo como outras produções bibliográficas, todavia o Lattes não questionou nada a respeito, procurarei me informar melhor.