O vinho se expande pelo mundo
Foi com o advento das Grandes Navegações que o vinho se espalhou pelo mundo. Povos como os portugueses, os espanhóis, os franceses e os ingleses eram conhecidos por serem consumidores regulares dessa bebida, no caso, da França, ela era o maior produtor de vinho na Europa. Por conta desse contato com a produção e cultura do vinho, os marinheiros, viajantes, colonizadores e missionários desses países levaram essa bebida consigo. Para os povos que passaram a serem colonizados e evangelizados o vinho se tornou a "bebida dos colonizadores" e a "bebida dos missionários".
"Os missionários portugueses
introduziram o vinho no Japão e no Brasil. Os monges espanhóis fizeram o mesmo
no resto da América do Sul, na América Central e na Califórnia. Os protestantes
franceses plantaram a vinha no Cabo da Boa Esperança (antigo Cabo das
Tormentas), no sul da África do Sul, depois da revogação do édito de Nantes, em
18 de outubro de 1685. No leste da África, foram os pais do Espírito Santo,
originários da Alemanha. Nos antípodas, no oeste da Austrália, país-continente
chamado de “França do hemisfério sul” por suas possibilidade vinícolas, foram
os beneditinos espanhóis que plantaram a vinha, e, na Nova Zelândia, as primeiras
mudas foram introduzidas por missionários anglicanos e missionários católicos
franceses. O cristianismo, em particular a Igreja Católica, com o vinho da
missa e suas centenas de milhões de fiéis, sem dúvida fez mais do que qualquer
outra religião para contribuir para a disseminar o “sangue da uva” (sanguis
uvae) no Novo Mundo". (GAUTIER, 2009, p. 73-74).
Apesar dos missionários e colonizadores levarem barris e garrafas de vinho consigo, nem todas as terras colonizadas ou visitadas acolheram de vez a bebida estrangeira, um caso interessante foi com o Brasil. Os portugueses até hoje são conhecidos como um povo apreciador de vinho, porém, quase trezentos anos Portugal não investiu em vinhedos no Brasil, os motivos foram vários: acreditava-se que o clima tropical não era propício para isso, baixo número de consumidores, já que nos séculos XVI e XVII o número de colonos era ainda pequeno, e o vinho consumido era a maior parte importado (tornando um artigo de luxo), a política econômica era focada na produção da cana de açúcar, extração de pau-brasil e mais tarde na mineração, sendo assim, não houve incentivos financeiros da coroa para desenvolver a viticultura, havendo incentivos locais apenas.
No século XVI o fidalgo e colonizador português Brás Cubas (1507-1592), conhecido como fundador da Vila de Santos em 1546, teria sido o "primeiro viticultor do Brasil", investindo na medida do possível em pequenos vinhedos para suprir o consumo local. A produção de Cubas na maior parte das vezes não deu certo por problemas de aclimatação, produção, armazenamento, além de que ele abandonou o intento algumas vezes no período que se tornou capitão-mor da Capitania de São Vicente, optando em focar em questões políticas, nos canaviais, escravidão indígena e até tentar descobrir minas de ouro e prata. Apesar disso, ele ainda seguiu plantando pequenos vinhedos na esperança de que essa cultura vingasse na colônia. (BUENO, 1999, p. 133).
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Brás Cubas imaginado por Benedito Calixto em pintura feita em 1903. |
Mas esse problema não foi visto apenas na colonização portuguesa, as colônias espanholas, francesas e inglesas também tiveram problemas em desenvolver a viticultura. No caso da América Espanhola, vinhedos foram cultivados ainda no século XVI no México, no Peru, na Argentina, na Bolívia e no Chile, um avanço bem significativo se comparado ao caso português. Porém, em 1595 o rei Filipe II atendendo os pedidos dos grandes viticultores do reino, proibiu a produção de vinho nas colônias, forçando as mesmas a dependerem da importação da bebida, vendida bem mais cara, repercutindo em disputas no século seguinte. (GAUTIER, 2009, p. 74).
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Principais regiões produtoras de vinho no México. |
As colônias francesas nas Américas tiveram problemas também com o cultivo de uvas. Primeiro na condição de que os franceses tiveram menos terras disponíveis para fazer isso, segundo, a política econômica era focada na produção de açúcar e tabaco, terceiro, vários dos territórios ocupados pelos franceses ficavam situados em terras quentes, o que prejudicava o plantio de uvas. Por conta disso, os colonos franceses seguiram importando o vinho de seu país, que apesar de ser caro era de qualidade muito superior a produzida nos poucos vinhedos nas Américas.
Já os ingleses tiveram uma relação dividida com o vinho. A colonização inglesa começou mais tardiamente como a holandesa, ambas iniciando propriamente no século XVII. Os holandeses tiveram dificuldades em manter suas colônias, sendo seus grandes triunfos a ocupação de parte do Brasil entre 1630 e 1654 e depois a colonização da Guiana Holandesa (atual Suriname). Depois disso, eles obtiveram algumas ilhas caribenhas. Porém, os ingleses passaram a disputar o controle da América do Norte com os franceses e os espanhóis, conseguindo fundar colônias maiores e mais duradouras, tornando-se as Treze Colônias, as quais vieram a originar no século XVIII os Estados Unidos da América.
Enquanto os holandeses não conseguiram desenvolver seus vinhedos no Brasil e nem no caribe propriamente, conseguindo de forma irregular no Suriname, os ingleses passaram a produzir vinho em algumas de suas colônias, mas isso sofreu intervenções por conta da política colonial. Primeiro, as maiores terras eram voltadas para a exportação, logo, cultiva-se cana de açúcar, tabaco, criava-se vacas, ovelhas e cavalos. Depois tinha-se as plantações de trigo, cevada e centeio. A produção de vinho não foi considerado algo importante, pois os principais consumidores dessa bebida eram as elites, as quais importavam vinho da Inglaterra, ou comprovam vinhos franceses e italianos. O restante da população consumia cerveja, aguardente e outras bebidas baratas.
Condição essa que os primeiros vinhedos a serem cultivados no que hoje são os EUA, foram oriundos de colonos espanhóis do norte do México (lembrando que o norte do México foi mais tarde anexado pelos Estados Unidos). Sendo assim, a produção viticultura estadunidense começou a ganhar forma propriamente somente no século XIX com a criação dos vinhedos na Califórnia, o qual se tornou o principal estado americano produtor de vinho.
A Califórnia com seu clima variado, apresentando combinações de climas temperado, quente e seco, lembrava as terras do sul de Portugal, Espanha, França, Itália e Grécia, regiões que cultivavam vinho há mais de dois mil anos. Sendo assim, viticultores espanhóis, franceses, ingleses e até de outras nacionalidades decidiram tentar a sorte no Oeste Selvagem, lembrando que naquele tempo a colonização da Costa Oeste ainda era recente e estava progredindo. (MILLON, 2013, p. 79).
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A Brotherhood Winery é uma marca de vinho californiano, a mais antiga em atividade, tendo sido fundada em 1838. |
Mas deixando as Américas, vejamos um pouco como o vinho foi espalhando por outros continentes. No caso da África, o vinho já era conhecido há milhares de anos, já que os egípcios eram os principais produtores dessa bebida. Mas por conta da África ser um continente grande, várias regiões subsaarianas desconheciam essa bebida, condição essa que somente na Idade Moderna com a colonização europeia é que alguns povos começaram a ter contato com essa bebida. Porém, as primeiras colônias europeias na costa ocidental africana, estavam mais interessadas no tráfico negreiro e no cultivo de cana de açúcar, do que iniciar uma colonização de ocupação, por conta disso, os holandeses e franceses ao iniciarem a colonização do que hoje é a África do Sul, foram os primeiros a tentar investir em vinhedos naquele continente, lembrando que os territórios africanos islamizados tinham uma relação ambígua com o vinho (em alguns eram permitidos e outros era proibido). (MILLON, 2013, p. 90-91).
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A partir de 1659 vinhedos começaram a serem cultivados na África do Sul, desde então o país é o principal produtor de vinho no continente africano. |
Passando para a Ásia, como visto anteriormente, a viticultura surgiu naquele continente, porém, com a expansão islâmica pelo Oriente Médio e Ásia Central, o consumo de vinho foi banido de algumas regiões. Por outro lado, vinho ainda era produzido em regiões da China e Índia atendendo as elites. Porém, com a difusão de crenças religiosas de algumas escolas budistas, o consumo de bebidas alcoólicas foi proibido também. Por sua vez, os europeus como os portugueses, franceses, ingleses e holandeses foram responsáveis por levarem vinho para algumas localidades do Extremo Oriente como Japão, Filipinas, Indonésia, Malásia, Vietnã, Coreia, Tailândia etc. Mas como a colonização europeia ali foi bastante reduzida (exceto nas Filipinas), o desenvolvimento de vinhedos não vingou. (MILLON, 2013, p. 96).
Finalmente chegando a Oceania, os principais países desenvolvedores de vinho se tornaram a Austrália e a Nova Zelândia. A viticultura na Austrália somente começou no século XIX, por volta da década de 1820, apesar da ilha ser explorada pelos ingleses desde 1770, mas até então por décadas foi utilizada como uma colônia penal. Por sua vez, os ingleses iniciaram o cultivo regular de vinhedos na Nova Zelândia a partir de 1836. Mas diferente do caso australiano onde a viticultura se desenvolveu mais, a produção neo-zelandesa ainda é de pouca expressividade internacional. (MILLON, 2013, p. 86-90).
O champagne
O champagne ou champanhe é um tipo de vinho branco espumante surgido originalmente na região francesa de Champagne. Embora já fosse produzido desde a Idade Média, somente na Idade Moderna ele começou a se destacar como um vinho branco requintado, se tornando sinônimo de luxo e ostentação. Características que ainda hoje conserva, já que em muitas celebrações o champanhe é usado como principal bebida para brindar, sobretudo em celebrações caras.
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Vinhedos numa vila em Champagne, foto de 1987. |
"Durante
o período galo-romano, a vinha já existia na Champagne, e os beneditinos eram
especialistas da vinificação. Se acrescentarmos que Reims era desde 496, data
da sagração de Clóvis, a cidade das sagrações reais (a última será a de Carlos
X, em 29 de maio de 1825), entenderemos por que o vinho da Champagne (o “vinho
da sagração”) tem, desde o século XI, uma grande reputação. Foi um vinho da Champagne
que São Remígio ofereceu a Clóvis quando de seu batismo, garantindo a vitória
sobre os visigodos enquanto restasse uma gota do líquido em seu barril. Foi
também da Champagne o vinho servido para a sagração de Carlos IV, em 1321, e
para a de Filipe VI, em 1328. Foi ainda o vinho da Champagne que o rei da
França ofereceu ao soberano da Alemanha, em 1398, durante um encontro diplomático
tão bem regado que 'o Imperador assinou tudo o que se quis'". (GAUTIER, 2009, p. 31).
"Mas
a champanhe das festas de outrora não é a que conhecemos hoje. Em primeiro
lugar, apenas em 1600 os vinhos da Champagne são chamados “vinhos da Champagne”
e não mais “vinhos da França” ou “vinhos franceses”, isto é, da Île-de-France.
Em segundo, porque o vinho vermelho borbulhante foi se tornando natural e progressivamente
um vinho cinza, depois branco. Por último, porque o legendário Dom Pérignon ainda
não nascera". (GAUTIER, 2009, p. 32).
Originalmente o champanhe era um vinho tinto borbulhante (o termo espumante não costumava ser usado na época), porém, após séculos de desenvolvimento de novos métodos de fermentação, maturação, cruzamento de variedades de vinhas, o champanhe foi mudando de coloração, tornando-se cinza e finalmente o vinho branco que hoje conhecemos, e até existe uma versão rosé também. Muito desse progresso se deveu ao monge beneditino Pierre Pérignon (1638-1715), o qual passou a vida desenvolvendo técnicas de viticultura, alterando a forma de se produzir champanhe.
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Estátua de Dom Pérignon, considerado o "pai do champanhe". |
Apesar da fama de Pérignon, o champanhe que hoje normalmente conhecemos ou bebemos ainda não havia surgido em sua época. Alguns de seus métodos foram utilizados, adaptados e melhorados. No século XVIII surgiu na França as chamadas "Casas de Champanhe", nome dado as famílias que passaram a se especializar na produção dessa bebida. Essas casas geraram marcas que ainda hoje existem. Por sua vez, o aumento significativo da produção de champanhe ajudou a tornar essa bebida mais conhecida no século XIX, a qual até mesmo contou com a ajuda da industrialização.
Com a popularização do champanhe nos séculos XIX e XX vários vinhos brancos espumantes foram desenvolvidos para abraçar parte desse nicho mercadológico, com direito a surgir empresas farsantes, as quais alegavam vender champanhe de Champagne, mas na verdade eram espumantes de menor qualidade ou produzidos em outros países. Por conta desses problemas, os produtores de vinho de Champagne tomaram várias medidas para proteger-se da concorrência desleal e dos falsários, condição essa que surgiu no século XX registros de direitos autorais, marcas certificadas e medidas de proteção.
Sendo assim, um vinho branco espumante somente pode ser chamado de champanhe e comercializado como tal se ele for realmente produzido na França, em vinícolas certificadas e autorizadas a usar os métodos específicos para produzir champanhe. Do contrário, as bebidas similares são chamadas de espumantes. Fato esse que garrafas de champanhe de verdade são bem mais caras do que outros espumantes. E dependendo da marca, da safra, do tipo, existem champanhes que cuja única garrafa pode custar milhares de euros.
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O champanhe se tornou um vinho que personifica a riqueza e o glamour. |
A garrafa de vinho
Hoje comprar uma garrafa de vinho é tão comum quanto comprar uma lata de cerveja, mas essa prática é relativamente recente. O emprego regular de garrafas de vidro para armazenar vinho foi algo iniciado no século XIX e impulsionado graças a indústria de garrafas, a qual permitiu maximizar a produção desses recipientes, assim como, acelerar seu enchimento.
Dessa forma, antes do XIX o uso de garrafas de vinho não era prática regular, existindo somente em algumas localidades. Na Antiguidade o vinho era armazenado em ânforas de cerâmica ou argila, prática adotada por diversos povos e mantida na Idade Média, quando surgiu na Europa os barris e toneis, os quais gradativamente substituíram as ânforas. Mas seu uso se manteve até o XIX como principal forma de armazenar e transportar vinho. (MILLON, 2013, p. 99-100).
No século XVIII, em países como França e Inglaterra, passou-se a vender vinho em garrafas, mas ainda era algo pouco comum. As primeiras garrafas de vinho era arredondas e pequenas, e o vidro nem sempre era de boa qualidade, o que as tornava frágeis durante o transporte. Porém, nas décadas seguintes foi se melhorando a produção de garrafas e desenvolvendo-se um padrão para as mesmas. No começo do XIX o padrão das garrafas de vinho já estava praticamente definido, parecendo com alguns até hoje utilizados. (GAUTIER, 2009, p. 55-56).
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Diferentes modelos de garrafas de vinho de 1708 a 1812. |
Finalmente com a intensificação da indústria de bebidas no XIX, garrafas de vinho e até garrafas de cerveja, passaram a serem produzidas em massa e regularmente, tornando-se esse recipiente o preferido para a armazenamento dessas bebidas, já que as latas de cerveja somente se popularizaram no século seguinte. Por sua vez, o uso da rolha feita de cortiça foi algo adotado definitivamente nesse tempo para auxiliar na conservação e maturação da bebida também.
Outra coisa desenvolvida nesse período que testes eram feitos com as garrafas de vinho foi quanto a sua segunda fermentação ou maturação, pois até então isso era feito dentro dos barris e tonéis. Mas à medida que se passou a usar mais garrafas de vidro, teve-se que se optar por um vidro mais escuro, rolhas de cortiça, além de armazenar as garrafas deitadas para auxiliar nos processo mencionados anteriormente e na conservação da bebida, pois as rolhas com o tempo ressecam e podem rachar ou encolher, o que romperia a vedação da garrafa, levando a oxidação do vinho, estragando-o ou tornando-o em vinagre. Dessa forma, a garrafa deitada permite que o vinho umidifique a rolha prolongando seu estado de conservação, por sua vez, sua proteção.
Sendo assim, ainda hoje as garrafas de vinho para fins de conservação devem estar bem vedadas e ficarem deitadas, do contrário isso prejudicará a qualidade da bebida e até poderá estragá-la.
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As rolhas já era conhecidas há séculos, mas somente na Idade Moderna com a difusão das garrafas de vinho, elas se tornaram o invólucro perfeito para vedar as garrafas, evitando que o vinho estragasse.
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A bebida dos intelectuais
Provavelmente algum leitor já deve ter ouvido a expressão "vinho é a bebida de gente inteligente", "vinho é a bebida dos poetas", "vinho é a bebida dos filósofos", entre outras expressões. Mas essa analogia tem uma procedência antiga, remontando aos gregos antigos.
Anteriormente vimos que o vinho era bebida nacional dos gregos, sendo consumida por todas as classes, dos escravos aos nobres, entretanto, como os gregos desenvolveram algumas instituições e saberes importantes no Ocidente como o teatro, a academia, a filosofia, a história e algumas ciências, inevitavelmente seus membros consumiam vinho. Vale lembrar que o deus Dioniso era o patrono do teatro e dos atores, além de ser invocado por outros artistas e estudiosos para conceder o dom da inspiração e da criatividade.
Os gregos por desenvolveram um tipo de evento chamado simpósio, cuja palavra significa "beber junto". No simpósio os amigos ou familiares, geralmente só homens, se reuniam para conversar sobre assuntos diversos, além de ouvirem música e verem danças e apresentações teatrais. Os simpósios costumavam serem feitos por pessoas abastadas, em que se oferecia vinhos de boa qualidades e até mesmo móveis onde os convidados ficavam deitados de lado. Nos séculos V a.C e IV a.C os simpósios se popularizaram pela cidades gregas, principalmente por conta dos filósofos, políticos, artistas e intelectuais.
Filósofos como Platão, Sócrates, Xenofante, entre outros, comentavam o gosto por irem a essas "bebedeiras inspiradoras", pois ali homens cultos se reuniam para apreciar o bom vinho, comer alguns petiscos eventuais, mas sobretudo poderem conversar sobre temas que gostavam sobre filosofia, política, história, guerra, poesia, teatro etc. Mas engana-se quem acha que nos simpósios somente se discutia assuntos sérios, os relatos da época mostram que os intelectuais tinham seus momentos de descontração, fazendo piadas, anedotas, fofocando, falando de assuntos triviais. O simpósio era tão marcante naquela época que Platão e Xenofante escreveram livros a respeito.
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Uma mulher toca flauta aulos num simpósio. Pintura num vaso, c. 420 a.C. |
Os romanos também acabaram adotando a prática do simpósio, as vezes referida pelo termo de "banquete à romana". E assim como os gregos, as mulheres eram proibidas de participarem dos simpósios como convidadas especiais, sendo apenas autorizado mulheres para agirem como escravas, cantoras, músicas, dançarinas e atrizes. E essas mulheres tinham direito de beber vinho, o que inclusive ficou até malvisto na sociedade romana em algumas épocas, pois curiosamente em determinadas épocas da Roma Antiga, as mulheres não deveriam beber vinho, pois era bebida apenas para homens. (GAUTIER, 2009, p. 11).
Além das mulheres serem proibidas de participarem como convidadas nos simpósios gregos e romanos, os jovens também eram barrados na festa. No caso romano, a idade mínima era de 30 anos em algumas épocas. De qualquer forma, com o fim do Império Romano a prática do simpósio se perdeu. Os bizantinos ainda tentaram resgatá-la, mas não tiveram sucesso. Entretanto, a associação do vinho com os intelectuais ainda se manteria nos séculos seguintes, sobrevivendo na literatura e na história, mas retornando como prática propriamente falando, no século XVIII.
O advento do Iluminismo na França do século XVIII ajudou a resgatar um pouco da ideia dos simpósios greco-romanos. Em meio a efervescência da filosofia moderna e das ciências modernas, filósofos, cientistas, escritores, poetas, políticos, historiadores, dramaturgos etc. se reuniam em palacetes, palácios, restaurantes e bares para beberem vinho, mas também café, chá e chocolate quente.
O vinho e a saúde
Provavelmente o leitor já deve ter se deparado com aquele comentário de que tomar regularmente um pequeno cálice de vinho tinto faz bem a saúde. De fato, pesquisas médicas comprovam isso, porém, a ideia de que o vinho faria bem a saúde não é algo novo, mas remonta há milhares de anos. Os sumérios, babilônios, iranianos, chineses, indianos, egípcios, gregos etc., receitavam o consumo de vinho para tratar alguns problemas de saúde e até como bebida para uma boa dieta.
Na Índia Antiga encontramos no texto Caraka-Samhita: Sutrasthana, datado de 1500 a.C, um receituário indicando o consumo de vinho. Segundo o documento, tomar vinho ajudava a ter disposição, inspiração, melhorava o humor, era energético, nutritivo, e até ajudava a espantar o medo, o cansaço e a dor. (MCGOVERN; FLEMING; KATZ, 1996, p. 7). Evidentemente que o vinho não concede todos esses benefícios, porém, a medicina daquele tempo era bastante influenciada por fatores mágico-religiosos, daí essa percepção do vinho e de outras bebidas como "santo remédio".
Mas não podemos nos enganar ao pensar que o vinho sempre era visto como uma boa bebida. Os povos antigos já conheciam a embriaguez e as suas consequências. Como visto anteriormente, os judeus, cristãos e muçulmanos condenavam a embriaguez, mas outras religiões também faziam isso como o hinduísmo, o budismo, o jainísmo etc. Além dessas religiões, havia também preceitos morais e medicinais que apontavam que embora fosse saudável beber vinho, no entanto, era preciso bebê-lo com moderação do contrário viria os sintomas da embriaguez, consequentemente outros males poderiam surgir.
Os gregos exaltavam o vinho como a bebida dos intelectuais, algo visto no tópico anterior, mas eles mesmos sabiam que o vinho era um prazer traiçoeiro. Homero na Ilíada e na Odisseia comenta que o excesso de vinho faz mal para o guerreiro, deixando-o sonolento, enjoado, indisposto para o serviço. Além disso, a embriaguez também poderia gerar alteração nos humores, deixando a pessoa alegre, falante, sonolenta, triste e agressiva. Guerreiros com tendência a agressividade deveriam evitar se embriagar para não brigarem entre si.
No texto médico chinês Nei Ching (datado do século II a.C) o vinho era receitado por suas qualidades, mas o documento ressalvava que tomar vinho de mais fazia mal a saúde. O Nei Ching assinalava que a embriaguez afetava não apenas o humor, mas também a razão, levando as pessoas a fazerem coisas vexatórias e imorais. Além disso, o constante estado de se embriagar poderia causar outros problemas para o corpo como dores de cabeça e problemas no estômago e no fígado. (MCGOVERN; FLEMING; KATZ, 1996, p. 7).
O fabrico de vinho
Embora se fabrique vinho há milhares de anos, algumas técnicas ainda são as mesmas. Após a colheita das uvas, deve-se escolher os melhores cachos, excluindo-se as uvas defeituosas, então em seguida as uvas boas são colocadas numa tina, tonel, balde, panela, caldeirão ou outro recipiente para serem esmagadas ou prensadas. A forma de se fazer isso varia, desde se pisar nos cachos, usar prensas manuais, movidas a tração animal ou elétricas. Pode-se usar também pilões ou outros utensílios para esmagar as frutas. No entanto, é importante coletar o mosto (suco), evitando-o o desperdício.
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A técnica de pisar as uvas é uma das práticas mais antigas para se extrair o mosto dessas frutas. |
Após extrair-se o mosto, esse é colocado para iniciar o estado de fermentação. O processo pode ser iniciado de várias formas, seja de maneira natural, deixando o mosto exposto, ou acrescentando leveduras ou outros produtos. Por exemplo, os gregos antigos usavam cal em algumas receitas. Claras de ovos, açúcar, água etc., poderiam ser acrescentados nesse processo. O mosto deverá ser colocado dentro de um recipiente fechado; no passado usava-se ânforas e barris, ainda hoje barris são usados, mas hoje se utiliza panelas, grandes garrafas e outros recipientes próprios. Dependendo do tipo de vinho que será feito, o tempo de fermentação inicial varia. Mas passado alguns dias desde que a fermentação teve início, o processo seguinte consiste na separação do mosto dos elementos sólidos: cascas, folhas, ramos etc., os quais durante a fermentação se desprendem e formam uma espuma no topo.
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Processo de fabricação de vinho. |
Nessa etapa o mosto deve ser extraído dos elementos sólidos, podendo passar por filtragens a depender do tipo de vinho a ser produzido. Nos dias seguintes a fermentação continuará, devendo-se os viticultores fiscalizar os recipientes para ver como está o progresso da fermentação, além de evitar vazamentos, entrada de insetos ou outros elementos que podem prejudicar o processo. Dependendo do caso, o mosto é trocado de recipientes mais de uma vez, pois esse processo de fermentação mais demorado pode levar semanas ou mais de dois meses.
No processo de fermentação de longo período, dependendo do tipo de vinho, elementos podem ser incluídos na mistura para alterar o processo de fermentação, assim como, alternar sua acidez, grau alcoólico, cor, aroma, sabor etc. Finalmente terminada a fase de fermentação que é demorada, o vinho é guardado em barris ou tonéis, para começar a fase de maturação ou envelhecimento.
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O uso de barris de carvalho, ainda é uma prática bastante adotada para o envelhecimento dos vinhos. |
A última fase também é demorada, pois dependendo do tipo de vinho ela pode durar meses ou anos para que a maturação ocorra, sendo nessa fase o momento em que a bebida irá encorpar e desenvolver seu aroma e sabor. Alcançando o ponto desejado, o vinho poderá ainda passar por uma filtragem ou não, sendo depois comercializado. No passado os barris eram encaminhados para seus compradores, hoje em dia, o vinho após envelhecer nos barris ele é engarrafado e enviado aos mercados e lojas.
Tipos de vinho
Ao longo da História houve vários tipos de vinhos, muitos acabaram se perdendo com o tempo, sendo desconhecidos hoje em dia. Por exemplo, documentos babilônios, egípcios, gregos citam vários tipos de vinho, mas hoje se desconhece como eles eram produzidos e suas receitas, pois se tratavam de bebidas que recebiam especiarias e outros aditivos.
Os tipos de vinho são baseados conforme algumas características: cor, aroma, sabor, textura, forma de fermentação, origem, acidez, temperatura para consumo etc. A enologia estuda essas características e como aplicá-las na hora de servir vinhos de forma a combinar eles de forma adequada com diferentes tipos de receitas.
Atualmente os tipos mais comuns são:
- Tinto: é o tipo mais comum
- Branco: de coloração clara e sabor mais doce
- Rosé: de coloração rosa
- Verde: produzidos em algumas regiões de Portugal
- Espumante: vinho gaseificado
- Champanhe: produzido em algumas regiões da França
- Licoroso: vinhos bastante doces e até fortes
- Frisante: levemente gaseificado
- Fortificado: são vinhos com teor alcoólico acima dos 12%
- Laranja: variedade de vinho branco de coloração laranja
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Alguns tipos de vinho. |
Além desses tipos, os vinhos também são classificados por sua doçura, a qual pode ser resultado do tipo de uva utilizada, pois algumas são mais doces do que outras, ou pela adição de açúcares durante o preparo da bebida. Inclusive a prática de adicionar açúcar ao vinho se difundiu na Idade Moderna junto a indústria canavieira, quando o açúcar se tornou um produto mais disponível. Dessa forma, os vinhos costumam ser classificados em três categorias de doçura:
- seco: sem ou com teor abaixo de 4g de açúcar por litro.
- meio seco ou demi-sec: com adição baixa de açúcar, variando de 4g a 25g por litro.
- doce ou suave: com adição de açúcar acima dos 25g por litro.
Entretanto, os vinhos espumantes possuem uma classificação de doçura diferente, apresentando mais categorias.
- Nature: até 3 gramas de açúcar por litro
- Extra-brut: de 3 a 8 gramas de açúcar
- Brut: de 8 a 15 gramas de açúcar
- Sec ou seco: de 15 a 20 gramas de açúcar
- Demi-sec ou meio seco: de 20 a 60 gramas de açúcar
- Doce ou suave: a partir de 60 gramas de açúcar
Além desses tipos e classificações, os vinhos também são classificados ou tipificados quanto suas subvariedades. Por exemplo, existem classificações de vinhos tinto, branco, rosé, espumante.
NOTA: Em outro mito, Príapo não seria filho de Dioniso, mas de Zeus.
NOTA 2: O Monte Nisa onde Dioniso passou sua infância e adolescência é uma montanha mítica. Dependendo do mito ela estaria situada na Ásia, África, Grécia ou Trácia.
NOTA 3: Alguns dos vários santos padroeiros do vinho foram mártires que teriam vivido na época do Império Romano, período em que a cultura do vinho era bem difundida.
NOTA 4: Apesar de tradicionalmente as rolhas de vinho serem feitas com cortiça de árvores como o carvalho e o sombreiro, todavia, existem marcas de vinho que fazem uso de rolhas de vidro, de silicone, de plástico ou até de tampas apropriadas para isso.
NOTA 5: Atualmente o teor alcoólico comum da maioria dos vinhos, varia de 10% a 12%, sendo os vinhos fortificados passando disso, podendo chegar a 20%. Todavia, no passado os vinhos de alguns povos e lugares eram naturalmente fortes, como no caso dos vinhos da Grécia Antiga, por conta disso, os gregos o diluíam com água.
Referências bibliográficas:
BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia grega, vol. 1. Petrópolis, Vozes, 1986. 3v.
BUENO, Eduardo. Capitães do Brasil: a saga dos primeiros colonizadores. Rio de Janeiro, Objetiva, 1999.
CIVITELLO, Linda. Cuisine and Culture: A History of Food and People. New Jersey, Wiley, 2008.
GAUTIER, Jean-François. Vinho. Porto Alegre, L&PM Pocket, 2009.
GRIMAL, Pierre. Dicionário da mitologia grega e romana. Tradução de Victor Jabouille. 5a ed. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2005.
MCGOVERN, Patrick E; FLEMING, Stuart J; KATZ, Solomon H (eds.). The origins and ancient history of wine. Australia, Gordon and Breach Publishers, 1996.
MILLON, Marc. Wine: A Global History. London, Reaktion Books, 2013.
NEWMAN, James L. Wine. In: KIPLE, Kenneth F; ORNELAS, Kriemhild Coneè (eds.). The Cambridge World History of Food, vol. 1. Cambridge, Cambridge University Press, 2000, p. 730-740.
Link relacionado:
História dos Alimentos