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Leandro Vilar

domingo, 21 de maio de 2023

Bicentenário de Alfred Russel Wallace e sua teoria da evolução

Apesar de Charles Darwin ser lembrado como o principal teórico evolucionista no século XIX, ele não foi o único. E, nesse caso, um dos pesquisadores que teve grande contribuição para essa teoria foi Wallace, contemporâneo de Darwin, que inclusive trocou cartas com ele, debatendo suas ideias sobre a evolução das espécies. Sendo assim, em homenagem aos 200 anos do nascimento de Wallace, redigi esse texto mais focado no trabalho dele.

Retrato de Alfred Russel Wallace em 1895. 

Introdução

Alfred Russel Wallace nasceu nasceu no País de Gales em 8 de janeiro de 1823, falecendo na Inglaterra, em 7 de novembro de 1913. Ele era o oitavo de nove filhos do casal Thomas Vere Wallace e Mary Anne Greenell, uma família de classe média. Sua mãe era dona de casa como de costume na época, e seu pai era um investidor, possuindo alguns terrenos e imóveis, porém, tinha problemas em fazer péssimos negócios, tendo gasto o dinheiro da família a ponto de terem que mudar de cidade algumas vezes por conta de falência. (SHERMER, 2002). 

Em 1836, com 13 anos de idade, Alfred decidiu se tornar assistente de pedreiro, pois um de seus irmãos mais velho, John Wallace, era pedreiro em Londres. Assim, Alfred e John trabalharam algum tempo juntos. Nesse período Alfred foi estudar no Instituto de Mecânica de Londres, onde teve contato com ideias políticas e sociais que iriam influenciá-lo mais tarde. Em 1837 ele foi morar com seu irmão mais velho, William Wallace, que era agrimensor e tinha uma empresa. Alfred passou os seis anos seguintes trabalhando nessa profissão até que a empresa do irmão faliu. (SHERMER, 2002). 

Mais tarde depois de um período de desemprego, Wallace conseguiu um cargo de professor de geografia e agrimensura no Collegiate School em Leicester, onde passou a ler sobre biologia e a se interessar por colecionar insetos, devido a sua amizade com o jovem entomologista Henry Walter Bates (1825-1892), esse foi o primeiro contato efetivo de Alfred com a biologia, algo que ele viria a despertar mais interesse, somente anos depois. Após algum tempo lecionando, ainda no começo da década de 1840, Alfred voltou a trabalhar com seu irmão John, que havia aberto uma construtora. Foi nessa época que Alfred passou a ler mais a respeito de biologia, incluindo algumas das primeiras publicações de Charles Darwin e as pesquisas de Alexander von Humboldt, além de outros estudiosos. Isso marcou bastante Alfred, a ponto que ele decidiu se tornar naturalista.(SHERMER, 2002). 

Iniciando as viagens naturalistas

Wallace passou algum tempo reunindo dinheiro, mas foi graças aos contatos Henry Bates conseguiu para ser patrocinado, ambos partiram em expedição à Amazônia brasileira em 1848, a bordo do navio Mischief, incumbidos de coletar espécimes vegetais e animais para colecionadores privados e instituições. Na época o Brasil era um império e a região norte era pouco urbanizada, mas isso não impediu que os naturalistas morassem ali para fazer seus estudos. Wallace morou quatro anos no Brasil, vivendo no que hoje são os estados do Pará e do Amazonas. Mas Bates permaneceu mais tempo, morando por onze anos. (SLOTTEN, 2004). 

Mapa do Rio Negro e outros rios da Amazônia brasileira, feito por Wallace, entre 1851 e 1852. 

Em 1852, Wallace viajou de volta para a Inglaterra, mas seu navio pegou fogo, destruindo vários espécimes coletados, mas por sorte, ele conseguiu salvar parte de suas anotações. A embarcação acabou naufragando, mas a tripulação conseguiu se salvar nos botes, aguardando outro navio passar por aquela rota. Wallace chegou à Inglaterra em outubro daquele ano, e passou 1853 centrado em seus estudos, escrevendo artigos e dois livros sobre sua viagem e trabalho no Brasil, e algumas observações. Oficialmente ele havia adentrado ao mundo acadêmico dos naturalistas britânicos. 

No tempo que esteve escrevendo seus artigos e livros sobre plantas e animais, delineando o que futuramente viria a ser uma teoria evolucionista, Wallace com base na expedição da exploradora e etnográfa Ida Laura Pfeiffer (1797-1858), teve interesse em viajar ao Extremo Oriente para estudar a fauna e flora de lá. Com isso, ele tentou conseguir patrocínio para sua expedição, escrevendo cartas inclusive para um rajá indiano e a Royal Geographical Society. A resposta acabou vindo da RGS, pois Wallace foi recebido como membro da famosa e rica instituição em 1854, conseguindo seu tão sonhado patrocínio. Ele e seu assistente Charles Allen viajaram ainda naquele ano para à Ásia. Wallace passou oito anos morando entre a Malásia, Singapura e a Indonésia(SLOTTEN, 2004). 

Mapa do Arquipélago Malaio feito por Wallace e Allen. 

Escrevendo uma teoria da evolução

Na época que esteve morando no Sudeste Asiático entre 1854 e 1862, Wallace manteve correspondência com vários naturalistas e outros pesquisadores, incluindo o próprio Darwin, a ponto de eles trocarem ideias sobre o evolucionismo. Em 1859 foi publicado a Origem das Espécies de Charles Darwin, livrou que gerou grande polêmica na época. Wallace chegou a obra e até escreveu elogios e críticas discordantes, vale ressaltar que Darwin ainda atualizou seu livro mais três vezes antes de morrer. 

Wallace enquanto esteve na Ásia, também escreveu artigos e livros sobre fauna e flora, mas somente quando voltou a Inglaterra em 1862, ele decidiu se estabelecer de vez. Ao retornar ele passou a morar na casa da sua irmã Fanny, com quem tinha boa relação desde jovem. Enquanto reorganizava sua vida, já que esteve fora do país por oito anos, Wallace aproveitou para fazer visitas a Darwin, tornando-se efetivamente amigos e até conheceu o naturalista e antropólogo Herbert Spencer (1820-1903), nome influente na época. (SMITH; BECCALONI, 2009).

Wallace ainda na década de 1860 passou a publicar artigos e ensaios sobre a teoria da evolução, compartilhando algumas ideias de Darwin, mas apresentando suas próprias observações e conclusões. Em geral a teoria de ambos é bem parecida, até porque eles se correspondiam e se falavam a respeito. Para Wallace os seres vivos sofrem variações ao longo das eras para melhor se adaptar ao seu meio-ambiente. Condicionantes ambientais e climáticas impactam diretamente o desenvolvimento dessas mudanças corporais e de comportamento. (SMITH; BECCALONI, 2009).

Em seus estudos no Brasil, Wallace notou que essas variações entre espécies poderiam ser bem amplas ou até sutis. Ele ao estudar macacos no Rio Amazonas e no Rio Negro, notou que havia mudanças físicas e de comportamento entre espécies vizinhas que habitavam lados diferentes do mesmo rio, na época, Darwin acreditava ainda que essas mudanças somente eram conseguidas em ambientes mais distantes, não tão próximos assim. Darwin acabou incluindo essas observações em seu estudo quando lançou a Origem das Espécies(SMITH; BECCALONI, 2009).

Além disso, Wallace também apontou o papel da geografia e do clima sobre o processo evolutivo, ele também apresentou suas evidências e argumentos sobre a coloração dos animais, apontando que em alguns casos não teriam uma utilidade apenas para a camuflagem, mas também relacionada com o acasalamento, algo bastante encontrado entre insetos e aves. Wallace também desenvolveu ideias sobre ecologia, algo ainda pouco pensado na época, com direito a defender a criação de reservas florestais. (SLOTTEN, 2004). 

No ano de 1864 Wallace publicou um de seus mais importantes livros especificamente sobre a seleção natural, intitulado The Origin of Human Races and the Antiquity of Man Deduced from the Theory of Natural Selection, influenciado pelo livro Evidence as to Man's Place in Nature (1863) do biólogo e antropólogo Thomas Henry Huxley (1825-1895). Um dos primeiros a comprar a briga e polêmica de que o ser humano pode ter passado por um processo evolucionário também. Wallace retomou a proposta de Huxley, mas a explicando como ela poderia ter ocorrido a partir da teoria da seleção natural. Vale ressalvar que ele enfatiza que se tratava de uma dedução ainda, ou seja, uma teoria ainda não comprovada. Darwin anos depois retomaria esse debate, quando publicou seu livro a respeito apenas em 1871. (SHERMER, 2002). 

Outro livro importante de Wallace sobre a teoria da evolução foi curiosamente intitulado Darwinismo (1899). Apesar de seu grande contributo para a teoria da seleção natural e o evolucionismo, Wallace considerava que Darwin era o verdadeiro autor de tudo isso, embora eles dois nem fossem os únicos a estudar evolução na época. Por conta do próprio Wallace dar fama a Darwin, isso pesou contra ele até hoje, pois ele ainda é visto na sombra de Darwin. De qualquer forma, o livro Darwinismo também era uma homenagem ao seu amigo, já falecido desde 1882, nessa obra, Wallace trouxe atualizações sobre suas pesquisas, novas informações, argumentos, críticas, evidências e hipóteses.  

Frontispício do livro Darwinism escrito por Wallace em homenagem a Darwin. 

NOTA: Wallace casou-se com Anne Mitien na década de 1860, tendo três filhos: Herbert, Violet e William

NOTA 2: Wallace passou por problemas financeiros por vários anos entre 1862 e 1872, por conta de ter ficado desempregado e feito investimentos arriscados. Nesse período ele vendeu artigos, livros, deu palestras pagas e até pediu empréstimos. Inclusive ele participou de um concurso para provar que a Terra não era plana. Ele ganhou o concurso, mas o terraplanista que o organizou, não pagou o prêmio. 

NOTA 3: Na década de 1880 ele se envolveu numa série de polêmicas por defender o movimento antivacina e o Espiritismo, na época visto como prática charlatã. Ambas as pautas defendidas por ele quase arruinaram sua carreira científica. 

NOTA 4: Ele também escreveu artigos sobre política e direitos sociais, defendendo ideias socialistas, voto feminino, crítica ao militarismo e a exploração do trabalho etc. 

NOTA 5: Na década de 1890, já com seus setenta anos, Wallace viajou por dez meses pelos Estados Unidos, dando palestras e até fazendo pesquisa de campo com alguns naturalistas. 

Referências bibliográficas: 

SHERMER, Michael. In Darwin's Shadow: The Life and Science of Alfred Russel Wallace. Oxford: Oxford University Press, 2002.

SLOTTEN, Ross A. The Heretic in Darwin's Court: Life of Alfred Russel Wallace. New York: Columbia University Press, 2004.  

SMITH, Charles H; BECCALONI, George (eds.). Natural Selection & Beyond: The Intellectual Legacy of Alfred Russel Wallace. Oxford: Oxford University Press, 2009. 

terça-feira, 16 de maio de 2023

Diógenes, o Cínico: o filósofo mendigo

Diógenes de Sinope (412-323 a.C) foi uma figura caricata na Grécia Antiga, por ter sido um filósofo fora do comum e bastante polêmico por conta de seu hábitos, opiniões e sarcasmo, isso se as histórias sobre ele forem todas verdadeiras, pois quase nada se sabe sobre esse peculiar filósofo que se tornou referência para o pensamento filosófico do Cinismo

Diógenes, o Cínico, também chamado de o "cachorro" pela condição de viver como morador de rua. Pintura de Jean-León Gérôme, 1860. 

A origem de Diógenes é praticamente desconhecida, sabe-se que ele nasceu em Sinope, uma colônia grega no Mar Negro, hoje em território turco. Não se sabe quem eram os pais de Diógenes, por qual motivo ele deixou sua cidade ou quantos anos tinha quando migrou para Atenas. Existem apenas suposições sobre isso, mas nada confirmado. Em época e idade incerta, o jovem Diógenes chegou a Atenas, a capital cultural do mundo grego, lar de ilustres filósofos. Ali ele por motivos desconhecidos se interessou por filosofia e acabou se tornando discípulo do filósofo Antístenes (445-365 a.C) que chegou a estudar com Sócrates

Busto de Antístenes, o mestre de Diógenes. 

Antístenes é outro filósofo do qual pouco se sabe, pois seus trabalhos se perderam no tempo, restando menções e comentários de outros autores as suas obras e ideias. Antístenes deixou estudos sobre retórica, ética, física e lógica, porém, ele é principalmente lembrado por suas ideias envolvendo o Cinismo, algo que se originou de seu bom humor, já que ele era referido como um homem irônico, sarcástico e brincalhão. 

O Cinismo (kynismós em grego, cinicus em latim) era uma corrente de pensamento filosófico voltada para práticas e percepções sobre estilo de vida. Pode-se dizer que o Cinismo seria uma espécie de filosofia de vida também, pois Antístenes defendia que um cínico (nome dado aos seguidores dessa corrente) deveriam adotar uma vida de simplicidade, tendo o suficiente para viver, não se preocupando em se tornar rico, famoso e poderoso, características que Antístenes dizia serem "não naturais", mas fruto das ambições e paixões. Por outro lado, ele defendia o cultivo das virtudes como ideal de felicidade. 

Logo, para a mentalidade inicial do Cinismo, um homem que não se prendia aos bens materiais, padrões sociais e morais, era um homem verdadeiramente livre, podendo assim cultivar virtudes como a temperança, a bondade, a sabedoria, o conhecimento, a paz, o equilíbrio, o autocontrole etc. O problema é que nem sempre essas virtudes eram expostas de forma clara, além de que o estilo de vida do cinismo não tinha um código ou regras, o que abriu margem para os cínicos o praticarem como bem entendesse. E um dos cínicos mais famosos foi Diógenes de Sinope, que levou o cinismo a um estado considerado radical. 

Não se sabe exatamente quando Diógenes decidiu adotar uma postura mais radical do cinismo, nem quantos anos ele tinha ao fazer isso, porém, ele passou a morar na rua, tornando-se gradativamente um mendigo e sem-teto. Os filósofos, políticos e escritores da época relatavam que Diógenes não trabalhava, não tinha casa, não tinha família, vivia da caridade ou de favores de amigos e conhecidos, os quais lhe davam comida, remédios e roupas quando necessário. 

Diógenes chegou a um ponto de morar dentro de uma grande ânfora, tendo como pertences um alforje, um cajado, uma tigela, a própria roupa do corpo e sandálias. Alguns autores relatam que o filósofo desenvolveu aspectos imundos, pois raramente tomava banho, não escovava os cabelos e a barba. Além disso, ele fazia suas necessidades fisiológicas na rua como outros mendigos e escravos. Por conta dessa vida indigente autoimposta, Diógenes foi comparado aos cães de rua, condição essa que a própria palavra cínico em grego vem de kynos, que também significa cachorro. Sendo assim, os cínicos eram comparados a cães, num sentido pejorativo da palavra já naquela época. 

Diógenes teria passado parte da vida morando dentro de uma grande ânfora pelas ruas de Atenas. Vivendo como um mendigo. Pintura de John William Waterhouse, 1882.  

Além de seu estilo radical de viver como morador de rua por escolha própria, mesmo assim, Diógenes participava dos debates políticos e filosóficos nas praças, mercados, ágoras e onde fosse convidado. A condição de ele ser filósofo foi mantida até o fim da vida, apesar que tenha ganhado a fama de filósofo excêntrico e até louco

Diógenes manteve vivo o Cinismo de seu mestre, usando seus princípios para criticar o modelo de vida na época, normas sociais, a política, os ricos, os artistas, o luxo, a vaidade, os direitos ou a falta de direitos, entre outros assuntos. Suas ideias inclusive foram consideradas até exageradas e de mal gosto em alguns casos, por conta de sua ruptura com as convenções sociais, daí surgir a percepção de que os cínicos eram antissociais, antimoralistas, pessoas sem pudores. 

Além da sua vida sofrível, mas que ele considerava nobre e virtuosa, Diógenes também ficou conhecido pelas anedotas e histórias sobre seu sarcasmo, arrogância e respostas rudes. Certa vez ele saiu carregando uma lamparina em plena luz do dia, procurando por homens de verdade, no caso, homens que fossem adeptos ao cinismo, que ele considerava o verdadeiro estilo de vida. Essa história parece engraçada, pois suscita que Diógenes estivesse louco, mas ela ao mesmo tempo apresenta sua arrogância ao menosprezar os padrões e valores sociais da época, inclusive rejeitar os que pensavam e viviam diferente dele. 

Diógenes procurando por "homens de verdade". Pintura de J. H. W. Tischbein, 1780. 

Uma das mais famosas histórias associadas ao filósofo mendigo, envolve o imperador Alexandre, o Grande, que visitou Corinto na década de 330 a.C, ele teria conhecido Diógenes, na época um velho com seus setenta e poucos anos, considerado inclusive senil, que estava morando algum tempo por ali. Não se sabe se esse encontro realmente ocorreu, mas Diógenes foi sarcástico ao tratar o jovem monarca, pois esse sabendo da fama de mendigo do filósofo, perguntou se ele queria algo, Diógenes olhou para Alexandre e pediu para ele sair da sua frente, pois estava lhe bloqueando o sol. Essa história possui várias interpretações simbólicas, mas é perceptível que Alexandre apesar de famoso naquele tempo por ter conquistado a Grécia e se preparar para ir confrontar os persas, nem mesmo isso impressionou Diógenes, que lhe concedeu uma resposta seca e rude. 

Diógenes e Alexandre, o Grande. Pintura de Christian Winck, 1782. 

Apesar de poucas certezas sobre as histórias polêmicas e engraçadas sobre Diógenes terem sido reais ou não, ainda assim, ele foi o filósofo cínico mais famoso devido a seu radicalismo de vida e ideias. Diógenes inspirou outros adeptos do cinismo nos séculos seguintes, que viveram de forma similar ou não como ele. 

Porém, com o tempo a palavra cínico foi adquirindo uma conotação ruim que mantém até hoje, em que se refere a um indivíduo hipócrita, pois ele finge ser alguém diante de quem lhe interessa, defende determinadas ideias, normas, leis e ideais, mas na prática faz o contrário. Essa conotação negativa surgiu depois de Diógenes, quando passou a existir cínicos que pregavam a humildade, o voto de pobreza, criticava as convenções sociais, mas na prática viviam de forma contrária disso, disfarçando suas ações. 

NOTA: Algumas fontes dizem que Diógenes viveria dentro de um barril, mas isso é uma informação errada, pois os gregos dos séculos V a.C e IV a.C, não fabricavam barris. 

NOTA 2: Algumas ideias do Cinismo influenciaram o Estoicismo, especialmente a percepção de que a vida ideal deva ser atingida pelas práticas das virtudes, negação dos sentimentos, paixões e ambições. Todavia, o estilo de vida radical defendido pelos cínicos, não foi adotado pelos estoicos. 

Referências bibliográficas: 

CUTLER, Ian. Cynicism from Diogenes to Dilbert. Jefferson: McFarland & Company, Inc, 2005.

NAVIA, Luis E. Diogenes of Sinope: the man in the tub. Westport: Greenwood Press, 1998. 

quarta-feira, 10 de maio de 2023

Uma história do vinho

Depois da cerveja o vinho é a bebida alcoólica mais consumida no mundo. Esse fermentado de uvas foi criado há milhares de anos na Ásia, espalhando-se para a Europa, norte da África e séculos depois para os demais continentes. Hoje o vinho em muitos lugares ganhou o status de ser uma bebida mais "requintada" do que a cerveja e alguns destilados, mas por séculos o vinho na verdade era uma bebida barata e diária. Entre diferentes povos o vinho teve um papel positivo ou negativo, sagrado ou profano. Trata-se de uma bebida que causou grandes impactos culturais na história da humanidade, e o presente texto contou um pouco a respeito. 

A videira

Também chamada de vinha ou parreira, a videira consiste numa trepadeira da família das Vitaceae, possuindo geralmente pequena estatura, tendo tronco retorcido e fino, folhas pequenas ou grandes, ramos flexíveis, flores esverdeadas ou brancas, e seu fruto é em formato de cacho. A fruta da videira é chamada de uva, tendo normalmente a coloração roxa, mas há espécies de videiras que possuem uvas vermelhas, pretas, verdes, azuis, amarelas e laranjas. Atualmente mais de dez espécies de videiras são conhecidas, embora nem todas sejam propícias para a produção de vinho ou utilizadas na alimentação. No entanto, a videira da espécie Vitis vinifera é a mais comumente utilizada na produção de vinho.

Um vinhedo de videiras Vitis vinifera. 

A videira é uma planta de origem asiática, seu cultivo teria surgido por volta de 8000 a.C, sendo criada para alimentação de animais e de pessoas. Naquela época os cachos não geravam tantos frutos como hoje em dia. Videiras eram cultivadas pela região do norte do Oriente Médio, espalhando-se mais tarde para outras regiões da Ásia, Europa e norte da África. Somente na Idade Moderna é que algumas espécies de videiras foram levadas às Américas e Oceania, apesar que na América do Norte já existisse espécies nativas de videira, mas os povos locais não tinham o hábito de produzir vinho. (NEWMAN, 2000, p. 730). 

A palavra vinho vem do sânscrito vena, a qual foi adotada por vários outros povos indo-europeus, originando vinum (latim), vinho (português), vino (espanhol/italiano/russo), vin (francês), woinos (grego), wine (inglês), wein (alemão). Inclusive as línguas grega e latina tiveram forte influência para difundir essa palavra na Europa, norte da África e Oriente Médio por conta da influência do Helenismo e depois do Império Romano. (GAUTIER, 2009, p. 6). 

Diferentes variedades de uvas com suas cores. 

O vinho na Antiguidade

Embora os indícios arqueológicos apontem que videiras fossem cultivadas a pelo menos 8000 a.C, no entanto, não se sabe quando o vinho teria começado a ser produzido. A evidência mais antiga conhecida sobre o vinho data de 6000 a.C, numa ânfora encontrada no que hoje é a Geórgia. Em seguida temos vestígios arqueológicos datados por volta de 5000 a.C, apontando a produção de vinho na Mesopotâmia, Azerbaijão China. (MILLON, 2013, p. 12-14). 

Um vaso de vinho com um bode decorativo, encontrado no Irã, datado de 4000 a.C. 

Entre os povos asiáticos desde 6000 a.C, pelo menos, o vinho era usado tanto para consumo próprio, mas também como oferenda aos mortos e os deuses, o que o tornava uma bebida com fins religiosos e sagrados. Os egípcios inclusive possuem menções a essa prática de depositar jarras de vinho nas tumbas. Em alguns casos havia localidades específicas nas tumbas chamadas de "celas de vinho" para depositar a bebida, a qual servia tanto de oferenda aos deuses, mas também para nutrir o morto na outra vida. Além disso, a associação do vinho com preceitos religiosos o levou a ser uma bebida associada com a realeza e a nobreza: a bebida dos reis e rainhas. E tal prática era vista entre vários povos antigos. (MILLON, 2013, p. 28). 

Os reis assírios bebiam vinho em taças de ouro ou prata. Sumérios, acadianos, babilônios, egípcios, hititas, persas etc., também faziam isso a mais de três mil anos atrás, o que revela como o vinho já era uma bebida associada com a riqueza. (MILLON, 2013, p. 28). 

Mural mostrando embaixadores armênios oferecendo vinho ao um imperador persa.

Na Epopeia de Gilgamesh, famoso poema épico sumeriano, que diviniza a vida do semilendário rei Gilgamesh de Uruk, o qual teria vivido no século XXII a.C, em uma das passagens do poema, ele mostra o herói chegando ao jardim terreno dos deuses, onde ele conhece uma jovem e bela mulher chamada Siduri, que produz vinho para ele. A mulher tenta dissuadir o rei de desistir de sua busca pela imortalidade. O interessante dessa passagem é que ela não oferece cerveja, bebida bastante consumida pelos sumérios, mas por Gilgamesh ser um rei e estar num jardim pertecente aos deuses, Siduri ofereceu vinho. 

No Código de Hammurabi (c. 1772 a.C) temos a menção da legislação que regulamentava as tavernas. Embora elas vendessem principalmente cerveja, algumas delas ofereciam vinhos, os quais eram mercadorias mais caras, já que naquele tempo, o vinho era considerado uma bebida das elites. (CIVITELLO, 2008, p. 10). 

A partir do Oriente Médio o cultivo da uva foi espalhando-se por partes da Ásia, depois indo para a Europa e a África. Alguns povos que viviam na chamada Ásia Menor (atual Turquia) e na costa do Mar Negro, foram responsáveis por levar os vinhedos à Europa por volta de 4500 a.C. A ideia de que os gregos teriam sido o primeiro povo europeu a cultivar uvas é incorreta, pois a civilização grega somente começou a surgir em 2000 a.C, antes deles as civilizações egeia, minoica, micênica, entre outras, já cultivavam a videira. 

O cultivo de vinho no Egito Antigo remontaria a pelo menos 3000 a.C, já que a cerveja era a principal bebida alcoólica consumida por aquele povo. Vale ressalvar também que a videira é uma planta mais afeita a climas temperados, ainda assim, os egípcios conseguiram cultivar seus vinhedos ao longo do Nilo. Nesse caso, os antigos egípcios consideravam o vinho uma invenção do deus  (mais tarde essa invenção foi creditada a Osíris), e de início essa bebida era utilizada principalmente para motivos religiosos, sendo servida em cerimônias e dada como oferenda aos deuses e os mortos. Mas com o aumento do cultivo de uvas, a nobreza e as elites passaram a incorporar o vinho na sua dieta, apesar que ainda fosse uma bebida restrita a alta sociedade. 

Dois egípcios colhendo cachos de uvas. Pintura feita na tumba de Nebamun, datada por volta de 1422 a.C. 

Os historiadores e arqueólogos apontam que em 2000 a.C a vinicultura já havia se espalhado da Europa, pelo norte da África ao Extremo Oriente. Vários povos cultivavam uvas e possuíam sus técnicas para produzirem diferentes tipos de vinho, os quais mostravam teor alcoólico, acidez, coloração, sabor, odor etc., diferentes. Além disso, havia também o comércio desses vinhos, principalmente pelo Oriente Médio, Mesopotâmia e o Mediterrâneo Oriental. 

Os egípcios do século XIV a.C já possuíam um sistema de classificação de vinhos, incluindo ano da safra, nome do produtor, local de origem, tipo de uva, tipo de vinho. Isso era tão significativo que alguns nobres faziam uso de "cartas de vinho" quando iam preparar seus banquetes. (GAUTIER, 2009, p. 9). 

Os gregos quando começaram a cultivar vinhas, já tinham herdado isso de vários povos que colonizaram as terras que viriam a ser a Grécia, o que incluiu povos como os aqueus, eôlios, micênicos, minoicos etc. Além disso, eles tinham contato com os egípcios, persas, citas, hebreus e outros povos que também produziam vinho. Porém, o vinho tornou-se a bebida nacional da civilização grega, pois enquanto em outras localidades bebia-se bastante cerveja e até bebidas fermentadas feitas com frutas e outras plantas, no entanto, os gregos pela vantagem de que suas terras eram férteis para o cultivo da uva, optaram em focar na produção massiva de vinhedos, a ponto que vinho era uma bebida barata na Grécia Antiga. (CIVITELLO, 2008, p. 26). 

O vinho tornou-se a bebida cultural dos antigos gregos, passando a ser sinônimo de civismo e civilização, pois para os gregos daquele tempo, os povos que não produziam vinho eram bárbaros. Além disso as videiras representavam também riqueza e status. na Odisseia, o rei Laerte de Ítaca, gabava-se ter muitas videiras, além de cultivar diferentes tipos de uvas. Por sua vez, no mesmo livro, Odisseu zombava do ciclope Polifemo por ele não saber fazer um vinho de boa qualidade. Quando Odisseu retorna para seu lar após vinte anos ausente, ele come queijo e toma vinho oferecidos pelo porqueiro Eumeu, seu amigo e servo leal. 

Os filósofos, escritores, dramaturgos e políticos gregos elogiavam as qualidades do vinho, destacando principalmente a condição de ser uma bebida que alegrava, relaxava e ajudava na inspiração. Por conta disso, os banquetes gregos eram regados a vinho. Os ricos bebiam vinho em grandes taças ou cálices. Os muito ricos faziam uso de taças de prata ou ouro. Durante os banquetes havia escravos designados especialmente para servir o vinho.

O moço do vinho. Pintura num vaso grego datada de 490-480 a.C. 

Embora o vinho fosse a bebida nacional dos gregos, em que desde os escravos aos nobres ele era consumido, porém, existiam diferentes qualidades dessa bebida. Em geral os escravos e os pobres consumiam vinhos de baixa qualidade, por sua vez, se um anfitrião quisesse impressionar seus convidados numa festa, poderia comprar vinhos importados da Itália, Ásia Menor, Egito e Pérsia. 

Foram os gregos os principais responsáveis por levar a cultura do vinho para a Itália. Ali no sul da península e na ilha da Sicília, os gregos fundaram algumas colônias e plantaram seus vinhedos. Mais tarde os etruscos, os romanos e outros povos itálicos passaram a apreciar o vinho e a cultivar as videiras. O vinho também se tornou a principal bebida da Roma Antiga, rivalizando algumas vezes com a cerveja. (CIVITELLO, 2008, p. 26). 

"Segundo Plínio, somente por volta do ano 600 a.C. os romanos começaram a apreciar o vinho e, por isso, se dedicaram à cultura da vinha. Essa data é a mesma da fundação de Massalia (Marselha) pelos fócios, que, vindos da Fócida, uma antiga colônia grega da Ásia Menor, plantaram as primeiras vinhas cultivadas da Gália céltica. Para os gauleses, o vinho era parte integrante da alimentação". (GAUTIER, 2009, p. 13). 

Mosaico romano mostrando dois homens coletando uvas. 

"Apenas os ricos romanos tinham direito de guardar vinho na adega de suas casas (cella vinaria, quase sempre localizada numa peça – fumarium – situada no alto da construção). O resto da população precisava recorrer aos vendedores de vinho (negotiatores vinarii) ou aos numerosos comerciantes da cidade e, sobretudo, aos cabarés especializados, chamados tavernae vinariae ou apenas vinariae ou, de maneira mais comum, thermopolia. Palavra de origem grega, as thermopolia designavam em Atenas os locais públicos onde o vinho era consumido em companhia agradável. Assim, as thermopolias eram pouco frequentadas pelos cidadãos gregos de qualidade. Em Roma, a clientela das thermopolias formava um submundo suspeito onde reinava a prostituição e o jogo". (GAUTIER, 2009, p. 12). 

Por sua vez, os romanos com sua expansão territorial levaram a cultura do vinho para outros cantos da Europa como França, Espanha, Portugal, Alemanha, Inglaterra etc. Eles até mesmo levaram videiras para o norte da África como a Tunísia e a Argélia. Dessa forma, no final do século I a.C, vários povos celtas e germânicos já bebiam vinho e até cultivavam uvas. 

"Na Gália romana, apesar de ainda se beber muita cerveja, em particular a cervoise (produzida a partir do trigo vermelho), o uso do vinho é cada vez mais difundido, desenvolvendo-se com isso todo um conjunto de recipientes: cântaros, jarros, frascos, vasilhas especiais para a diluição, copos (pocula) mais ou menos trabalhados e decorados, conchas e coadores. Durante as refeições galo-romanas, as especiarias (anis, cominho, tomilho) serviam para realçar o sabor das bebidas e dos alimentos, ou para mascarar seus sabores fortes, e também podiam ser usadas para ajudar na digestão, que Plínio chamava de 'os horrores do estômago'". (GAUTIER, 2009, p. 14).


Dioniso: o deus do vinho

Na mitologia grega Dioniso era o filho de Zeus e uma princesa chamada Sêmele. Sua mãe foi enganada por Hera, a qual implantou a desconfiança em Sêmele, sugerindo que o homem que ela amava era na verdade Zeus disfarçado, assim a princesa cobrou de Zeus que revelasse sua verdadeira forma, e ao fazer isso, Sêmele foi fulminada pelos raios do deus. Assim, Zeus removeu Dioniso da barriga da mãe e costurou a placenta com o bebê em uma de suas pernas até que a criança pudesse nascer. Depois de algumas reviravoltas envolvendo os pais adotivos do pequeno deus, Zeus o enviou para o Monte Nisa na Ásia, onde ele foi criado e educado por ninfas. Foi ali que ele aprendeu vinicultura, por conta disso, os gregos antigos creditavam a Dioniso a criação do vinho. (GRIMAL, 2005, p. 121). 

O deus Dioniso num vaso grego datado do século VI a.C. 

Dioniso se tornou o último olimpiano a ser aceito, passando a ser o deus do vinho, das festas, dos banquetes, da bebedeira, do teatro e até de outros quesitos como a eloquência, a inspiração, a criatividade etc. Os mitos sobre esse deus o representam ora como um fanfarrão que somente queria saber de festas, condição essa que alguns relatos falam de orgias envolvendo humanos, ninfas, sátiros e centauros; mas há narrativas que mostram um lado mais prudente e nobre do deus, em que ele ajudava as pessoas e punia os criminosos, além de ter sido também uma divindade aventureira, viajando da Grécia à Índia. (GRIMAL, 2005, p. 122)

A ideia de que Dioniso por ser o deus do vinho era uma divindade de pouca importância no panteão grego é errada. O deus possuía templos em várias cidades, possuía ritos específicos, tinha vários epítetos que o associava como padroeiro de várias localidades. (BRANDÃO, 1986). Como mostrado no tópico anterior, para os gregos antigos o vinho era uma bebida especial a ponto de ela refletir a identidade de ser grego, pois para eles os bárbaros bebiam cerveja e leite em seus banquetes, mas o vinho era a bebida dos deuses civilizadores. Além disso, o próprio teatro personificava também essa ideia de civilidade, e Dioniso era o padroeiro da dramaturgia e dos atores

Dioniso também estava associado com a fertilidade e a virilidade, já que ele teria tido um caso com Afrodite e da relação nasceu Príapo, um deus da virilidade e da fertilidade. O deus acabou se tornando companheiro de festas de seu pai, sendo mencionado a acompanhá-lo em alguns banquetes. (BRANDÃO, 1986)

Os romanos antigos adotaram o culto a Dioniso, chamando-o de Baco. As principais características desse deus foram mantidas, apesar que entre os romanos a importância de Baco era menor. Um dos festivais celebrados para esse deus era chamado de bacanal, cuja palavra acabou se tornando sinônimo de orgia, embora que originalmente tratava-se de um banquete com preceitos religiosos.

Estátua romana de Baco, feita no século II d.C. 

O vinho para os judeus, cristãos e muçulmanos

O vinho é uma bebida bastante ligada com as religiões abraâmicas, possuindo uma relação de amor e ódio. Os judeus recordam que uma das vergonhas passadas por Noé foi ter se embriagado com vinho a ponto de ficar pelado (Gênesis 9:20-21). Por outro lado, o vinho sempre fez parte da cultura e sociedade dos hebreus há milhares de anos, sendo uma bebida tipicamente consumida com regularidade, condição essa que ainda hoje durante a celebração da Páscoa judaica (o Pessach), o vinho é consumido. 

A embriaguez de Noé. Michelangelo Buonarroti, 1509. 

Já os cristãos possuem uma conexão ainda mais sagrada com o vinho, pois a bebida representa simbolicamente o "sangue de Cristo", e combinada com o pão, ambos os elementos se tornam o "corpo e o sangue" de Jesus, algo simbolizado no rito da eucaristia ou ceia (Mateus 26:26-29), que é regularmente celebrado pelos cristãos nas igrejas. Apesar que hoje em dia a maior parte das igrejas não forneçam mais vinho aos fiéis, no máximo um copinho de suco de uva. Em geral somente o pão ou a hóstia são ainda servidos. 

O pão e vinho são elementos sagrados na ritualística cristã da eucaristia ou santa ceia. 
Além dessa alusão do vinho com Jesus, vale ressalvar que ele como um judeu, tinha o hábito de consumir socialmente vinho, fato esse que um dos milagres que ele realizou foi transformar ânforas de água em vinho para um casamento. (João 2:1-11). 

Apesar do milagre de Jesus em transformar água em vinho e durante a Última Ceia ter criado o sacramento do pão e do vinho, no entanto, essa bebida não é bem vista por parte da cristandade. E essa visão negativa aumentou muito do século XIX para cá quando surgiram movimentos cristãos contra o consumo de bebidas alcoólicas, fato esse que algumas igrejas protestantes chegam a recomendar ou proibir que os fiéis consumam vinho e outras bebidas alcoólicas, pois na Bíblia tomar essas bebidas não é pecado, mas a embriaguez é pecado. Nesse caso, em Provérbios 20:1 e  Efésios 5:18, o vinho personifica a tentação da embriaguez. 

Por sua vez, a relação do vinho com os muçulmanos é problemática. O Corão (2:219; 5:90-91) torna o vinho como símbolo da embriaguez, mostrando-a como uma tentação e pecado. O profeta Mohammed foi contundente ao dizer que o vinho e outras bebidas alcoólicas eram proibidas (haram), pois causavam mais malefícios do que benefícios. Apesar dessa recomendação encontrada no livro sagrado do Islão e até nas instruções dadas pelo profeta, o álcool nunca foi totalmente banido das nações islâmicas. Por séculos ele foi consumido. Apesar que hoje em dia muitos países e comunidades islâmicas o proíbam. 

O vinho na Idade Média

Graças a expansão romana o cultivo de uva e a cultura do vinho foram levados para várias localidades da Europa e até do norte da África. Por sua vez, o cristianismo primitivo que se desenvolveu ainda dentro da época imperial assimilou aspectos culturais daquela civilização, um deles, a cultura do vinho. Em consequência disso, à medida que a Europa ia sendo cristianizada o vinho era levado consigo, já que era uma bebida simbólica dessa religião, além de ser usada durante a eucaristia. No entanto, o vinho no período medieval manteve-se como a bebida das elites, diferente do que era visto entre os gregos e romanos. O vinho passou a representar a riqueza, a bebida do clero e dos nobres.

Países como Grécia, Itália, França, Portugal, Espanha e Alemanha (Sacro Império) se popularizaram no cultivo de vinhedos. E a Igreja não ficou fora disso. Padres, bispos, cardeais e papas chegaram a possuir seus vinhedos, pois em algumas regiões era uma atividade agrícola bastante lucrativa, inclusive em países como a França, houve mosteiros que especializaram na produção de vinho. Os Beneditinos, Cistercienses e os Cartuxos foram as ordens monásticas que se notabilizaram na França na produção de vinho. As regiões da Borgonha e de Champagne ficaram famosas nesse sentido. (MILLON, 2013, p. 47-48). 

Propaganda aludindo a produção de vinho na Borgonha pelos monges cistercienses. 

Bento de Núrsia (c. 480-547), o criador do monasticismo ocidental, em sua famosa Regra de São Bento, recomendava que os monges poderiam beber um quarto de litro de vinho todos os dias, desde que o consumissem em moderação, pois os vinho fazia bem a saúde, mas em excesso levava a embriaguez e a estados vexatórios, inadequados para um monge e até outras pessoas. Sendo assim, a ideia de tomar um cálice de vinho por dia não é algo recente, Bento de Núrsia já recomendava isso e outros antes dele também fizeram o mesmo. (GAUTIER, 2009, p. 28-29). 

"Seguidores dessas regras, os beneditinos criaram os vinhedos franceses mais famosos do Bordelais (Château-Pouget e Château-Prieuré), da Borgonha (Corton, Mâcon, Pommard, Romanée-Conti, Vosne Romanée), da Champagne, do Loire (Bourgueil, Muscadet, Saint-Pourçain), do Jura (Château-Chalon) e da Provence (Bandol)". (GAUTIER, 2009, p. 29). 

Embora o consumo de vinho em excesso era criticado na religião cristã, isso não impediu que a bebida se tornasse impopular. Durante a Baixa Idade Média, a partir do século XII começou a proliferar santos associados com o vinho e os vinhedos. Entre eles estavam São Vito, São Davin, São Vernier, Santo Urbano, São Vicente, entre vários outros santos foram associados como padroeiros do vinho, alguns inclusive eram diretamente ligados a viticultura, descendendo de famílias que possuíam vinhedos ou em vida trabalharam no processo de produzir vinho.

Pintura representando São Vicente de Saragossa. Na França ele se tornou um dos padroeiros dos vinhedos. 

Todavia, os franceses foram o povo que se destacou no quesito dos santos vinhateiros. Sobre isso, Gautier escreveu: 

"Isso pode ser observado entre os santos protetores dos vinhedos: Santo Antonin, abade, é festejado em 14 de fevereiro; São Friard é festejado em 1º de agosto; São Gautier é festejado em 9 de abril; Santa Genoveva é festejada em 3 de janeiro; São João Porta Latina é festejado em 6 de maio; Santa Madalena é festejada em 22 de julho; São Morand é festejado em 4 de junho; Santo Urbano, papa, é festejado em 25 de maio; Santo Urbano, bispo, é festejado em 2 de abril; São Vicente é festejado em 22 de janeiro; São Werner é festejado em 19 de abril". (GAUTIER, 2009, p. 36). 

Gautier (2009) aponta que na França medieval havia dezenas de santos ligados a produção de vinho, os quais agiam como padroeiros específicos. Por exemplo, tinha-se os santos associados com a plantação, crescimento do vinhedo, a colheita, o preparo das uvas, a fermentação, o armazenamento, os barris, o transporte, o comércio etc. No entanto, essa associação de vários santos como a viticultura consistiu numa tradição religiosa regional desenvolvida na França, fato esse que esses mesmos santos em outros países não necessariamente estavam associados com a produção de vinho. 

No entanto, se o mundo cristão aceitou de bom grado o consumo de vinho, o mundo islâmico vivenciou um impasse com isso. Para os cristãos daquele tempo não era pecado tomar vinho, inclusive era até incentivado por alguns clérigos, porém, para os muçulmanos o vinho e outras bebidas alcoólicas eram proibidos. Entretanto, essa proibição nem sempre vigorou. 

Antes da popularização do café e do chá a partir do século XIII, os muçulmanos bebiam vinho, cerveja e outras bebidas alcoólicas. Autores europeus, africanos e asiáticos confirmam isso em diferentes épocas e lugares. Além disso, os territórios islâmicos entorno do Mediterrâneo tinha um grande acesso a vinhedos, condição essa que alguns muçulmanos chegaram a comprar vinhedos ou entraram no comércio de vinho, pois era lucrativo. Recentemente uma pesquisa feita em 2021 mostrou que mercadores muçulmanos comercializavam vinho na Sicília entre os séculos IX e XI, mesmo que eles não fossem consumidores assíduos, ainda assim, vendiam essa mercadoria. 

Na antiga Pérsia (atual Irã), o consumo de vinho era mais regular. Naquele reino o vinho era chamado de mey ou badeh. Embora a Pérsia tenha sido convertida ao Islão, entretanto, o costume de beber vinho era bastante antigo e foi mantido apesar das restrições impostas pela nova aliança. Isso até repercutiu na literatura árabe, pois em livros como as Mil e Uma Noites, é comum encontrar personagens da Pérsia tomando vinho. O próprio personagem Simbad, o Marujo que era natural de Bagdá, por conta do costume persa, ele tomava vinho. 

Serva persa servindo vinho. 

Mas enquanto o consumo de vinho nos territórios islâmicos era controverso, porém, em outras terras como Índia e China, a bebida era normalmente consumida, especialmente pelas elites, por conta de ser uma bebida cara. 

O vinho se expande pelo mundo

Foi com o advento das Grandes Navegações que o vinho se espalhou pelo mundo. Povos como os portugueses, os espanhóis, os franceses e os ingleses eram conhecidos por serem consumidores regulares dessa bebida, no caso, da França, ela era o maior produtor de vinho na Europa. Por conta desse contato com a produção e cultura do vinho, os marinheiros, viajantes, colonizadores e missionários desses países levaram essa bebida consigo. Para os povos que passaram a serem colonizados e evangelizados o vinho se tornou a "bebida dos colonizadores" e a "bebida dos missionários"

"Os missionários portugueses introduziram o vinho no Japão e no Brasil. Os monges espanhóis fizeram o mesmo no resto da América do Sul, na América Central e na Califórnia. Os protestantes franceses plantaram a vinha no Cabo da Boa Esperança (antigo Cabo das Tormentas), no sul da África do Sul, depois da revogação do édito de Nantes, em 18 de outubro de 1685. No leste da África, foram os pais do Espírito Santo, originários da Alemanha. Nos antípodas, no oeste da Austrália, país-continente chamado de “França do hemisfério sul” por suas possibilidade vinícolas, foram os beneditinos espanhóis que plantaram a vinha, e, na Nova Zelândia, as primeiras mudas foram introduzidas por missionários anglicanos e missionários católicos franceses. O cristianismo, em particular a Igreja Católica, com o vinho da missa e suas centenas de milhões de fiéis, sem dúvida fez mais do que qualquer outra religião para contribuir para a disseminar o “sangue da uva” (sanguis uvae) no Novo Mundo". (GAUTIER, 2009, p. 73-74). 

Apesar dos missionários e colonizadores levarem barris e garrafas de vinho consigo, nem todas as terras colonizadas ou visitadas acolheram de vez a bebida estrangeira, um caso interessante foi com o Brasil. Os portugueses até hoje são conhecidos como um povo apreciador de vinho, porém, quase trezentos anos Portugal não investiu em vinhedos no Brasil, os motivos foram vários: acreditava-se que o clima tropical não era propício para isso, baixo número de consumidores, já que nos séculos XVI e XVII o número de colonos era ainda pequeno, e o vinho consumido era a maior parte importado (tornando um artigo de luxo), a política econômica era focada na produção da cana de açúcar, extração de pau-brasil e mais tarde na mineração, sendo assim, não houve incentivos financeiros da coroa para desenvolver a viticultura, havendo incentivos locais apenas. 

No século XVI o fidalgo e colonizador português Brás Cubas (1507-1592), conhecido como fundador da Vila de Santos em 1546, teria sido o "primeiro viticultor do Brasil", investindo na medida do possível em pequenos vinhedos para suprir o consumo local. A produção de Cubas na maior parte das vezes não deu certo por problemas de aclimatação, produção, armazenamento, além de que ele abandonou o intento algumas vezes no período que se tornou capitão-mor da Capitania de São Vicente, optando em focar em questões políticas, nos canaviais, escravidão indígena e até tentar descobrir minas de ouro e prata. Apesar disso, ele ainda seguiu plantando pequenos vinhedos na esperança de que essa cultura vingasse na colônia. (BUENO, 1999, p. 133). 

Brás Cubas imaginado por Benedito Calixto em pintura feita em 1903. 

Mas esse problema não foi visto apenas na colonização portuguesa, as colônias espanholas, francesas e inglesas também tiveram problemas em desenvolver a viticultura. No caso da América Espanhola, vinhedos foram cultivados ainda no século XVI no México, no Peru, na Argentina, na Bolívia e no Chile, um avanço bem significativo se comparado ao caso português. Porém, em 1595 o rei Filipe II atendendo os pedidos dos grandes viticultores do reino, proibiu a produção de vinho nas colônias, forçando as mesmas a dependerem da importação da bebida, vendida bem mais cara, repercutindo em disputas no século seguinte. (GAUTIER, 2009, p. 74). 

Principais regiões produtoras de vinho no México. 

As colônias francesas nas Américas tiveram problemas também com o cultivo de uvas. Primeiro na condição de que os franceses tiveram menos terras disponíveis para fazer isso, segundo, a política econômica era focada na produção de açúcar e tabaco, terceiro, vários dos territórios ocupados pelos franceses ficavam situados em terras quentes, o que prejudicava o plantio de uvas. Por conta disso, os colonos franceses seguiram importando o vinho de seu país, que apesar de ser caro era de qualidade muito superior a produzida nos poucos vinhedos nas Américas. 

Já os ingleses tiveram uma relação dividida com o vinho. A colonização inglesa começou mais tardiamente como a holandesa, ambas iniciando propriamente no século XVII. Os holandeses tiveram dificuldades em manter suas colônias, sendo seus grandes triunfos a ocupação de parte do Brasil entre 1630 e 1654 e depois a colonização da Guiana Holandesa (atual Suriname). Depois disso, eles obtiveram algumas ilhas caribenhas. Porém, os ingleses passaram a disputar o controle da América do Norte com os franceses e os espanhóis, conseguindo fundar colônias maiores e mais duradouras, tornando-se as Treze Colônias, as quais vieram a originar no século XVIII os Estados Unidos da América

Enquanto os holandeses não conseguiram desenvolver seus vinhedos no Brasil e nem no caribe propriamente, conseguindo de forma irregular no Suriname, os ingleses passaram a produzir vinho em algumas de suas colônias, mas isso sofreu intervenções por conta da política colonial. Primeiro, as maiores terras eram voltadas para a exportação, logo, cultiva-se cana de açúcar, tabaco, criava-se vacas, ovelhas e cavalos. Depois tinha-se as plantações de trigo, cevada e centeio. A produção de vinho não foi considerado algo importante, pois os principais consumidores dessa bebida eram as elites, as quais importavam vinho da Inglaterra, ou comprovam vinhos franceses e italianos. O restante da população consumia cerveja, aguardente e outras bebidas baratas. 

Condição essa que os primeiros vinhedos a serem cultivados no que hoje são os EUA, foram oriundos de colonos espanhóis do norte do México (lembrando que o norte do México foi mais tarde anexado pelos Estados Unidos). Sendo assim, a produção viticultura estadunidense começou a ganhar forma propriamente somente no século XIX com a criação dos vinhedos na Califórnia, o qual se tornou o principal estado americano produtor de vinho. 

A Califórnia com seu clima variado, apresentando combinações de climas temperado, quente e seco, lembrava as terras do sul de Portugal, Espanha, França, Itália e Grécia, regiões que cultivavam vinho há mais de dois mil anos. Sendo assim, viticultores espanhóis, franceses, ingleses e até de outras nacionalidades decidiram tentar a sorte no Oeste Selvagem, lembrando que naquele tempo a colonização da Costa Oeste ainda era recente e estava progredindo. (MILLON, 2013, p. 79). 

A Brotherhood Winery é uma marca de vinho californiano, a mais antiga em atividade, tendo sido fundada em 1838. 

Mas deixando as Américas, vejamos um pouco como o vinho foi espalhando por outros continentes. No caso da África, o vinho já era conhecido há milhares de anos, já que os egípcios eram os principais produtores dessa bebida. Mas por conta da África ser um continente grande, várias regiões subsaarianas desconheciam essa bebida, condição essa que somente na Idade Moderna com a colonização europeia é que alguns povos começaram a ter contato com essa bebida. Porém, as primeiras colônias europeias na costa ocidental africana, estavam mais interessadas no tráfico negreiro e no cultivo de cana de açúcar, do que iniciar uma colonização de ocupação, por conta disso, os holandeses e franceses ao iniciarem a colonização do que hoje é a África do Sul, foram os primeiros a tentar investir em vinhedos naquele continente, lembrando que os territórios africanos islamizados tinham uma relação ambígua com o vinho (em alguns eram permitidos e outros era proibido). (MILLON, 2013, p. 90-91). 

A partir de 1659 vinhedos começaram a serem cultivados na África do Sul, desde então o país é o principal produtor de vinho no continente africano. 

Passando para a Ásia, como visto anteriormente, a viticultura surgiu naquele continente, porém, com a expansão islâmica pelo Oriente Médio e Ásia Central, o consumo de vinho foi banido de algumas regiões. Por outro lado, vinho ainda era produzido em regiões da China e Índia atendendo as elites. Porém, com a difusão de crenças religiosas de algumas escolas budistas, o consumo de bebidas alcoólicas foi proibido também. Por sua vez, os europeus como os portugueses, franceses, ingleses e holandeses foram responsáveis por levarem vinho para algumas localidades do Extremo Oriente como Japão, Filipinas, Indonésia, Malásia, Vietnã, Coreia, Tailândia etc. Mas como a colonização europeia ali foi bastante reduzida (exceto nas Filipinas), o desenvolvimento de vinhedos não vingou. (MILLON, 2013, p. 96).

Finalmente chegando a Oceania, os principais países desenvolvedores de vinho se tornaram a Austrália e a Nova Zelândia. A viticultura na Austrália somente começou no século XIX, por volta da década de 1820, apesar da ilha ser explorada pelos ingleses desde 1770, mas até então por décadas foi utilizada como uma colônia penal. Por sua vez, os ingleses iniciaram o cultivo regular de vinhedos na Nova Zelândia a partir de 1836. Mas diferente do caso australiano onde a viticultura se desenvolveu mais, a produção neo-zelandesa ainda é de pouca expressividade internacional. (MILLON, 2013, p. 86-90). 

O champagne

O champagne ou champanhe é um tipo de vinho branco espumante surgido originalmente na região francesa de Champagne. Embora já fosse produzido desde a Idade Média, somente na Idade Moderna ele começou a se destacar como um vinho branco requintado, se tornando sinônimo de luxo e ostentação. Características que ainda hoje conserva, já que em muitas celebrações o champanhe é usado como principal bebida para brindar, sobretudo em celebrações caras. 

Vinhedos numa vila em Champagne, foto de 1987. 

"Durante o período galo-romano, a vinha já existia na Champagne, e os beneditinos eram especialistas da vinificação. Se acrescentarmos que Reims era desde 496, data da sagração de Clóvis, a cidade das sagrações reais (a última será a de Carlos X, em 29 de maio de 1825), entenderemos por que o vinho da Champagne (o “vinho da sagração”) tem, desde o século XI, uma grande reputação. Foi um vinho da Champagne que São Remígio ofereceu a Clóvis quando de seu batismo, garantindo a vitória sobre os visigodos enquanto restasse uma gota do líquido em seu barril. Foi também da Champagne o vinho servido para a sagração de Carlos IV, em 1321, e para a de Filipe VI, em 1328. Foi ainda o vinho da Champagne que o rei da França ofereceu ao soberano da Alemanha, em 1398, durante um encontro diplomático tão bem regado que 'o Imperador assinou tudo o que se quis'". (GAUTIER, 2009, p. 31). 

"Mas a champanhe das festas de outrora não é a que conhecemos hoje. Em primeiro lugar, apenas em 1600 os vinhos da Champagne são chamados “vinhos da Champagne” e não mais “vinhos da França” ou “vinhos franceses”, isto é, da Île-de-France. Em segundo, porque o vinho vermelho borbulhante foi se tornando natural e progressivamente um vinho cinza, depois branco. Por último, porque o legendário Dom Pérignon ainda não nascera". (GAUTIER, 2009, p. 32).

Originalmente o champanhe era um vinho tinto borbulhante (o termo espumante não costumava ser usado na época), porém, após séculos de desenvolvimento de novos métodos de fermentação, maturação, cruzamento de variedades de vinhas, o champanhe foi mudando de coloração, tornando-se cinza e finalmente o vinho branco que hoje conhecemos, e até existe uma versão rosé também. Muito desse progresso se deveu ao monge beneditino Pierre Pérignon (1638-1715), o qual passou a vida desenvolvendo técnicas de viticultura, alterando a forma de se produzir champanhe. 

Estátua de Dom Pérignon, considerado o "pai do champanhe". 

Apesar da fama de Pérignon, o champanhe que hoje normalmente conhecemos ou bebemos ainda não havia surgido em sua época. Alguns de seus métodos foram utilizados, adaptados e melhorados. No século XVIII surgiu na França as chamadas "Casas de Champanhe", nome dado as famílias que passaram a se especializar na produção dessa bebida. Essas casas geraram marcas que ainda hoje existem. Por sua vez, o aumento significativo da produção de champanhe ajudou a tornar essa bebida mais conhecida no século XIX, a qual até mesmo contou com a ajuda da industrialização. 

Com a popularização do champanhe nos séculos XIX e XX vários vinhos brancos espumantes foram desenvolvidos para abraçar parte desse nicho mercadológico, com direito a surgir empresas farsantes, as quais alegavam vender champanhe de Champagne, mas na verdade eram espumantes de menor qualidade ou produzidos em outros países. Por conta desses problemas, os produtores de vinho de Champagne tomaram várias medidas para proteger-se da concorrência desleal e dos falsários, condição essa que surgiu no século XX registros de direitos autorais, marcas certificadas e medidas de proteção. 

Sendo assim, um vinho branco espumante somente pode ser chamado de champanhe e comercializado como tal se ele for realmente produzido na França, em vinícolas certificadas e autorizadas a usar os métodos específicos para produzir champanhe. Do contrário, as bebidas similares são chamadas de espumantes. Fato esse que garrafas de champanhe de verdade são bem mais caras do que outros espumantes. E dependendo da marca, da safra, do tipo, existem champanhes que cuja única garrafa pode custar milhares de euros. 

O champanhe se tornou um vinho que personifica a riqueza e o glamour. 

A garrafa de vinho

Hoje comprar uma garrafa de vinho é tão comum quanto comprar uma lata de cerveja, mas essa prática é relativamente recente. O emprego regular de garrafas de vidro para armazenar vinho foi algo iniciado no século XIX e impulsionado graças a indústria de garrafas, a qual permitiu maximizar a produção desses recipientes, assim como, acelerar seu enchimento. 

Dessa forma, antes do XIX o uso de garrafas de vinho não era prática regular, existindo somente em algumas localidades. Na Antiguidade o vinho era armazenado em ânforas de cerâmica ou argila, prática adotada por diversos povos e mantida na Idade Média, quando surgiu na Europa os barris e toneis, os quais gradativamente substituíram as ânforas. Mas seu uso se manteve até o XIX como principal forma de armazenar e transportar vinho. (MILLON, 2013, p. 99-100). 

No século XVIII, em países como França e Inglaterra, passou-se a vender vinho em garrafas, mas ainda era algo pouco comum. As primeiras garrafas de vinho era arredondas e pequenas, e o vidro nem sempre era de boa qualidade, o que as tornava frágeis durante o transporte. Porém, nas décadas seguintes foi se melhorando a produção de garrafas e desenvolvendo-se um padrão para as mesmas. No começo do XIX o padrão das garrafas de vinho já estava praticamente definido, parecendo com alguns até hoje utilizados. (GAUTIER, 2009, p. 55-56). 

Diferentes modelos de garrafas de vinho de 1708 a 1812.

Finalmente com a intensificação da indústria de bebidas no XIX, garrafas de vinho e até garrafas de cerveja, passaram a serem produzidas em massa e regularmente, tornando-se esse recipiente o preferido para a armazenamento dessas bebidas, já que as latas de cerveja somente se popularizaram no século seguinte. Por sua vez, o uso da rolha feita de cortiça foi algo adotado definitivamente nesse tempo para auxiliar na conservação e maturação da bebida também. 

Outra coisa desenvolvida nesse período que testes eram feitos com as garrafas de vinho foi quanto a sua segunda fermentação ou maturação, pois até então isso era feito dentro dos barris e tonéis. Mas à medida que se passou a usar mais garrafas de vidro, teve-se que se optar por um vidro mais escuro, rolhas de cortiça, além de armazenar as garrafas deitadas para auxiliar nos processo mencionados anteriormente e na conservação da bebida, pois as rolhas com o tempo ressecam e podem rachar ou encolher, o que romperia a vedação da garrafa, levando a oxidação do vinho, estragando-o ou tornando-o em vinagre. Dessa forma, a garrafa deitada permite que o vinho umidifique a rolha prolongando seu estado de conservação, por sua vez, sua proteção. 

Sendo assim, ainda hoje as garrafas de vinho para fins de conservação devem estar bem vedadas e ficarem deitadas, do contrário isso prejudicará a qualidade da bebida e até poderá estragá-la. 

As rolhas já era conhecidas há séculos, mas somente na Idade Moderna com a difusão das garrafas de vinho, elas se tornaram o invólucro perfeito para vedar as garrafas, evitando que o vinho estragasse. 

A bebida dos intelectuais

Provavelmente algum leitor já deve ter ouvido a expressão "vinho é a bebida de gente inteligente", "vinho é a bebida dos poetas", "vinho é a bebida dos filósofos", entre outras expressões. Mas essa analogia tem uma procedência antiga, remontando aos gregos antigos. 

Anteriormente vimos que o vinho era bebida nacional dos gregos, sendo consumida por todas as classes, dos escravos aos nobres, entretanto, como os gregos desenvolveram algumas instituições e saberes importantes no Ocidente como o teatro, a academia, a filosofia, a história e algumas ciências, inevitavelmente seus membros consumiam vinho. Vale lembrar que o deus Dioniso era o patrono do teatro e dos atores, além de ser invocado por outros artistas e estudiosos para conceder o dom da inspiração e da criatividade. 

Os gregos por desenvolveram um tipo de evento chamado simpósio, cuja palavra significa "beber junto". No simpósio os amigos ou familiares, geralmente só homens, se reuniam para conversar sobre assuntos diversos, além de ouvirem música e verem danças e apresentações teatrais. Os simpósios costumavam serem feitos por pessoas abastadas, em que se oferecia vinhos de boa qualidades e até mesmo móveis onde os convidados ficavam deitados de lado. Nos séculos V a.C e IV a.C os simpósios se popularizaram pela cidades gregas, principalmente por conta dos filósofos, políticos, artistas e intelectuais. 

Filósofos como Platão, Sócrates, Xenofante, entre outros, comentavam o gosto por irem a essas "bebedeiras inspiradoras", pois ali homens cultos se reuniam para apreciar o bom vinho, comer alguns petiscos eventuais, mas sobretudo poderem conversar sobre temas que gostavam sobre filosofia, política, história, guerra, poesia, teatro etc. Mas engana-se quem acha que nos simpósios somente se discutia assuntos sérios, os relatos da época mostram que os intelectuais tinham seus momentos de descontração, fazendo piadas, anedotas, fofocando, falando de assuntos triviais. O simpósio era tão marcante naquela época que Platão e Xenofante escreveram livros a respeito. 

Uma mulher toca flauta aulos num simpósio. Pintura num vaso, c. 420 a.C. 

Os romanos também acabaram adotando a prática do simpósio, as vezes referida pelo termo de "banquete à romana". E assim como os gregos, as mulheres eram proibidas de participarem dos simpósios como convidadas especiais, sendo apenas autorizado mulheres para agirem como escravas, cantoras, músicas, dançarinas e atrizes. E essas mulheres tinham direito de beber vinho, o que inclusive ficou até malvisto na sociedade romana em algumas épocas, pois curiosamente em determinadas épocas da Roma Antiga, as mulheres não deveriam beber vinho, pois era bebida apenas para homens. (GAUTIER, 2009, p. 11). 

Além das mulheres serem proibidas de participarem como convidadas nos simpósios gregos e romanos, os jovens também eram barrados na festa. No caso romano, a idade mínima era de 30 anos em algumas épocas. De qualquer forma, com o fim do Império Romano a prática do simpósio se perdeu. Os bizantinos ainda tentaram resgatá-la, mas não tiveram sucesso. Entretanto, a associação do vinho com os intelectuais ainda se manteria nos séculos seguintes, sobrevivendo na literatura e na história, mas retornando como prática propriamente falando, no século XVIII.

O advento do Iluminismo na França do século XVIII ajudou a resgatar um pouco da ideia dos simpósios greco-romanos. Em meio a efervescência da filosofia moderna e das ciências modernas, filósofos, cientistas, escritores, poetas, políticos, historiadores, dramaturgos etc. se reuniam em palacetes, palácios, restaurantes e bares para beberem vinho, mas também café, chá e chocolate quente. 

O vinho e a saúde

Provavelmente o leitor já deve ter se deparado com aquele comentário de que tomar regularmente um pequeno cálice de vinho tinto faz bem a saúde. De fato, pesquisas médicas comprovam isso, porém, a ideia de que o vinho faria bem a saúde não é algo novo, mas remonta há milhares de anos. Os sumérios, babilônios, iranianos, chineses, indianos, egípcios, gregos etc., receitavam o consumo de vinho para tratar alguns problemas de saúde e até como bebida para uma boa dieta. 

Na Índia Antiga encontramos no texto Caraka-Samhita: Sutrasthana, datado de 1500 a.C, um receituário indicando o consumo de vinho. Segundo o documento, tomar vinho ajudava a ter disposição, inspiração, melhorava o humor, era energético, nutritivo, e até ajudava a espantar o medo, o cansaço e a dor. (MCGOVERN; FLEMING; KATZ, 1996, p. 7). Evidentemente que o vinho não concede todos esses benefícios, porém, a medicina daquele tempo era bastante influenciada por fatores mágico-religiosos, daí essa percepção do vinho e de outras bebidas como "santo remédio". 

Mas não podemos nos enganar ao pensar que o vinho sempre era visto como uma boa bebida. Os povos antigos já conheciam a embriaguez e as suas consequências. Como visto anteriormente, os judeus, cristãos e muçulmanos condenavam a embriaguez, mas outras religiões também faziam isso como o hinduísmo, o budismo, o jainísmo etc. Além dessas religiões, havia também preceitos morais e medicinais que apontavam que embora fosse saudável beber vinho, no entanto, era preciso bebê-lo com moderação do contrário viria os sintomas da embriaguez, consequentemente outros males poderiam surgir. 

Os gregos exaltavam o vinho como a bebida dos intelectuais, algo visto no tópico anterior, mas eles mesmos sabiam que o vinho era um prazer traiçoeiro. Homero na Ilíada e na Odisseia comenta que o excesso de vinho faz mal para o guerreiro, deixando-o sonolento, enjoado, indisposto para o serviço. Além disso, a embriaguez também poderia gerar alteração nos humores, deixando a pessoa alegre, falante, sonolenta, triste e agressiva. Guerreiros com tendência a agressividade deveriam evitar se embriagar para não brigarem entre si.  

No texto médico chinês Nei Ching (datado do século II a.C) o vinho era receitado por suas qualidades, mas o documento ressalvava que tomar vinho de mais fazia mal a saúde. O Nei Ching assinalava que a embriaguez afetava não apenas o humor, mas também a razão, levando as pessoas a fazerem coisas vexatórias e imorais. Além disso, o constante estado de se embriagar poderia causar outros problemas para o corpo como dores de cabeça e problemas no estômago e no fígado. (MCGOVERN; FLEMING; KATZ, 1996, p. 7).

O fabrico de vinho

Embora se fabrique vinho há milhares de anos, algumas técnicas ainda são as mesmas. Após a colheita das uvas, deve-se escolher os melhores cachos, excluindo-se as uvas defeituosas, então em seguida as uvas boas são colocadas numa tina, tonel, balde, panela, caldeirão ou outro recipiente para serem esmagadas ou prensadas. A forma de se fazer isso varia, desde se pisar nos cachos, usar prensas manuais, movidas a tração animal ou elétricas. Pode-se usar também pilões ou outros utensílios para esmagar as frutas. No entanto, é importante coletar o mosto (suco), evitando-o o desperdício.

A técnica de pisar as uvas é uma das práticas mais antigas para se extrair o mosto dessas frutas. 

Após extrair-se o mosto, esse é colocado para iniciar o estado de fermentação. O processo pode ser iniciado de várias formas, seja de maneira natural, deixando o mosto exposto, ou acrescentando leveduras ou outros produtos. Por exemplo, os gregos antigos usavam cal em algumas receitas. Claras de ovos, açúcar, água etc., poderiam ser acrescentados nesse processo. 

O mosto deverá ser colocado dentro de um recipiente fechado; no passado usava-se ânforas e barris, ainda hoje barris são usados, mas hoje se utiliza panelas, grandes garrafas e outros recipientes próprios. Dependendo do tipo de vinho que será feito, o tempo de fermentação inicial varia. Mas passado alguns dias desde que a fermentação teve início, o processo seguinte consiste na separação do mosto dos elementos sólidos: cascas, folhas, ramos etc., os quais durante a fermentação se desprendem e formam uma espuma no topo.

Processo de fabricação de vinho. 

Nessa etapa o mosto deve ser extraído dos elementos sólidos, podendo passar por filtragens a depender do tipo de vinho a ser produzido. Nos dias seguintes a fermentação continuará, devendo-se os viticultores fiscalizar os recipientes para ver como está o progresso da fermentação, além de evitar vazamentos, entrada de insetos ou outros elementos que podem prejudicar o processo. Dependendo do caso, o mosto é trocado de recipientes mais de uma vez, pois esse processo de fermentação mais demorado pode levar semanas ou mais de dois meses. 

No processo de fermentação de longo período, dependendo do tipo de vinho, elementos podem ser incluídos na mistura para alterar o processo de fermentação, assim como, alternar sua acidez, grau alcoólico, cor, aroma, sabor etc. Finalmente terminada a fase de fermentação que é demorada, o vinho é guardado em barris ou tonéis, para começar a fase de maturação ou envelhecimento. 

O uso de barris de carvalho, ainda é uma prática bastante adotada para o envelhecimento dos vinhos. 

A última fase também é demorada, pois dependendo do tipo de vinho ela pode durar meses ou anos para que a maturação ocorra, sendo nessa fase o momento em que a bebida irá encorpar e desenvolver seu aroma e sabor. Alcançando o ponto desejado, o vinho poderá ainda passar por uma filtragem ou não, sendo depois comercializado. No passado os barris eram encaminhados para seus compradores, hoje em dia, o vinho após envelhecer nos barris ele é engarrafado e enviado aos mercados e lojas. 

Tipos de vinho

Ao longo da História houve vários tipos de vinhos, muitos acabaram se perdendo com o tempo, sendo desconhecidos hoje em dia. Por exemplo, documentos babilônios, egípcios, gregos citam vários tipos de vinho, mas hoje se desconhece como eles eram produzidos e suas receitas, pois se tratavam de bebidas que recebiam especiarias e outros aditivos. 

Os tipos de vinho são baseados conforme algumas características: cor, aroma, sabor, textura, forma de fermentação, origem, acidez, temperatura para consumo etc. A enologia estuda essas características e como aplicá-las na hora de servir vinhos de forma a combinar eles de forma adequada com diferentes tipos de receitas. 

Atualmente os tipos mais comuns são:

  • Tinto: é o tipo mais comum
  • Branco: de coloração clara e sabor mais doce
  • Rosé: de coloração rosa
  • Verde: produzidos em algumas regiões de Portugal
  • Espumante: vinho gaseificado
  • Champanhe: produzido em algumas regiões da França
  • Licoroso: vinhos bastante doces e até fortes
  • Frisante: levemente gaseificado
  • Fortificado: são vinhos com teor alcoólico acima dos 12%
  • Laranja: variedade de vinho branco de coloração laranja
Alguns tipos de vinho. 

Além desses tipos, os vinhos também são classificados por sua doçura, a qual pode ser resultado do tipo de uva utilizada, pois algumas são mais doces do que outras, ou pela adição de açúcares durante o preparo da bebida. Inclusive a prática de adicionar açúcar ao vinho se difundiu na Idade Moderna junto a indústria canavieira, quando o açúcar se tornou um produto mais disponível. Dessa forma, os vinhos costumam ser classificados em três categorias de doçura:
  • seco: sem ou com teor abaixo de 4g de açúcar por litro. 
  • meio seco ou demi-sec: com adição baixa de açúcar, variando de 4g a 25g por litro. 
  • doce ou suave: com adição de açúcar acima dos 25g por litro.
Entretanto, os vinhos espumantes possuem uma classificação de doçura diferente, apresentando mais categorias. 
  • Nature: até 3 gramas de açúcar por litro
  • Extra-brut: de 3 a 8 gramas de açúcar
  • Brut: de 8 a 15 gramas de açúcar
  • Sec ou seco: de 15 a 20 gramas de açúcar 
  • Demi-sec ou meio seco: de 20 a 60 gramas de açúcar
  • Doce ou suave: a partir de 60 gramas de açúcar
Além desses tipos e classificações, os vinhos também são classificados ou tipificados quanto suas subvariedades. Por exemplo, existem classificações de vinhos tinto, branco, rosé, espumante. 

NOTA: Em outro mito, Príapo não seria filho de Dioniso, mas de Zeus. 

NOTA 2: O Monte Nisa onde Dioniso passou sua infância e adolescência é uma montanha mítica. Dependendo do mito ela estaria situada na Ásia, África, Grécia ou Trácia. 

NOTA 3: Alguns dos vários santos padroeiros do vinho foram mártires que teriam vivido na época do Império Romano, período em que a cultura do vinho era bem difundida. 

NOTA 4: Apesar de tradicionalmente as rolhas de vinho serem feitas com cortiça de árvores como o carvalho e o sombreiro, todavia, existem marcas de vinho que fazem uso de rolhas de vidro, de silicone, de plástico ou até de tampas apropriadas para isso.

NOTA 5: Atualmente o teor alcoólico comum da maioria dos vinhos, varia de 10% a 12%, sendo os vinhos fortificados passando disso, podendo chegar a 20%. Todavia, no passado os vinhos de alguns povos e lugares eram naturalmente fortes, como no caso dos vinhos da Grécia Antiga, por conta disso, os gregos o diluíam com água. 

Referências bibliográficas: 

BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia grega, vol. 1. Petrópolis, Vozes, 1986. 3v. 

BUENO, Eduardo. Capitães do Brasil: a saga dos primeiros colonizadores. Rio de Janeiro, Objetiva, 1999. 

CIVITELLO, Linda. Cuisine and Culture: A History of Food and People. New Jersey, Wiley, 2008. 

GAUTIER, Jean-François. Vinho. Porto Alegre, L&PM Pocket, 2009. 

GRIMAL, Pierre. Dicionário da mitologia grega e romana. Tradução de Victor Jabouille. 5a ed. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2005. 

MCGOVERN, Patrick E; FLEMING, Stuart J; KATZ, Solomon H (eds.). The origins and ancient history of wine. Australia, Gordon and Breach Publishers, 1996. 

MILLON, Marc. Wine: A Global History. London, Reaktion Books, 2013. 

NEWMAN, James L. Wine. In: KIPLE, Kenneth F; ORNELAS, Kriemhild Coneè (eds.). The Cambridge World History of Food, vol. 1. Cambridge, Cambridge University Press, 2000, p. 730-740. 

Link relacionado:

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